19 junho 2025

Quando é que uma piada deixa de ser piada?

Vivemos tempos curiosos, humoristas em tribunal por piadas que geram processos. Juízes a decidir o que se pode ou não dizer em palco, um comediante condenado porque, dizem, as suas piadas passaram do riso à ofensa. Não estou dentro dos assuntos destes casos actuais em concreto, o que me interessa é o dilema que fica no ar. Até onde vai, ou deve ir, a liberdade de expressão? Quando é que uma piada deixa de ser apenas isso?

Sou alentejano, cresci a ouvir anedotas sobre alentejanos, umas com graça, outras nem tanto. Nunca me passou pela cabeça meter alguém em tribunal por causa disso, talvez devesse ter feito e enriquecido à base de indemnizações. Mas imagine-se, se alguém me disser “João, seu alentejano preguiçoso”, o que é isto? Uma piada? Uma provocação? Uma ofensa? Depende de quem diz? Depende do tom? Do contexto? Se for num jantar entre amigos? Se for num espectáculo de stand-up? Ou se for em resposta a este post? Deduzo que a linha exista, mas alguém sabe exactamente onde?



E os humoristas, devem ter mais liberdade do que os outros? Mas não deveriam ter também mais responsabilidade? Não é o humor, por natureza, um exercício arriscado, que vive no fio da navalha entre o que faz rir e o que pode magoar? E, se assim é, não convém que quem o faz tenha noção do risco? E não seria também desejável que quem vive a provocar saiba, por vezes, aguentar o troco?

Depois, claro, há o humor negro. Uma piada sobre um tema duro: doença, tragédia, morte. Está-se a exorcizar um medo, a aliviar um peso colectivo? Ou a gozar com quem já sofre? E se quem ouve não percebe a intenção? Culpa de quem disse? Culpa de quem ouviu? Culpa do mundo em que vivemos?

E aqui chegamos ao que talvez seja o mais delicado. Será que o problema é apenas dos “ofendidos”? Ou também há humoristas que confundem liberdade com impunidade? Que esquecem que o direito de dizer não é o mesmo que o direito de não ouvir respostas? Porque uma piada, mesmo sendo uma piada, não acontece no vazio. Tem contexto, tem consequências e ninguém está acima disso.

Por fim, o ambiente em que vivemos., não só no humor há problemas de limites de expressão, mas no dia a dia também, cada vez mais pessoas já não dizem o que pensam. Não por respeito, mas por medo. Medo de ser rotuladas, atacadas, ou como se diz agora "canceladas". Quantos alinham no discurso do politicamente correcto, ou nas modas da chamada agenda woke, porque é isso que a empresa espera? É mais seguro “ir com a maré” do que arriscar um comentário desalinhado? 

Quantos preferem calar-se em vez de dizer, que querem contractar a melhor pessoa para função? Não o melhor homem, ou melhor mulher, ou melhor que se identifique com algo diferente, mas sim quem for realmente o mais competente para a função e não por necessidade de cumprir quotas inclusivas. 

E em política? Quantos têm hoje coragem para dizer em quem votam, ou que partido apoiam, sabendo que ao fazê-lo correm o risco de ser de imediato rotulados de radicais ou extremistas? Não estará aí um novo tipo de censura, mais subtil, mas nem por isso menos real?

Enquanto maçom, não posso deixar de pensar nisto com preocupação. A liberdade de expressão sempre foi um dos valores maiores que defendemos. Mas não há liberdade sem responsabilidade, nem humor sem limites e nem vida em sociedade sem algum equilíbrio entre o que se diz e o que se ouve.

Não tenho respostas, nem é esse o objectivo deste post, apenas deixo perguntas: 

  • O que é, hoje, uma piada? O que é uma ofensa? Quem decide? 
  • Queremos mesmo viver num mundo onde a fronteira entre uma e outra seja traçada pelos tribunais? 
  • Ou pelos tribunais da opinião pública? 
Talvez valha a pena pensarmos nisto. Se não for a rir, que seja pelo menos com um pouco mais de liberdade.


João B. MM

16 junho 2025

O Futebol e o Espírito da Maçonaria

 

Diz-se, e com razão, que em Loja não se discute futebol. Tal como a política ou a religião, o futebol desperta paixões intensas. As paixões, quando desgovernadas, nunca ou raramente constroem.

Mas há um lado luminoso nessas mesmas paixões, a capacidade de juntar milhares em torno de uma ideia, de um símbolo, de um propósito comum. E quando essa energia é canalizada com elevação, pode erguer verdadeiras catedrais humanas, dentro e fora do Templo.

Há poucas coisas no mundo profano que consigam unir tantas pessoas, de tantos cantos do mundo, como o futebol. Línguas diferentes, culturas opostas, crenças divergentes, e ainda assim, num estádio, ou diante de um ecrã, milhares erguem-se ao mesmo tempo, pelo mesmo motivo.
É um fenómeno de comunhão., de pertença, do símbolo.

E, curiosamente, não está assim tão longe do espírito da Maçonaria.



Também nós, Maçons, vestimos aventais, às vezes, de cores diferentes mas trabalhamos para o mesmo fim. Também nos reunimos em assembleias silenciosas, vindos de mundos tão distintos, para construir em conjunto, também nós acreditamos que, no meio do caos, pode haver harmonia se houver propósito, vontade e elevação.

Ver um clube como o Benfica (peço desculpa aos nãos Benfiquistas, mas a verdade é para ser dita), que tantos Portugueses une, até mesmo entre a diáspora entrar em campo num torneio global como o Mundial de Clubes, faz lembrar-nos que os símbolos têm força. Que a identidade não é apenas um dado biográfico, é um farol.
As Casas do Benfica espalhadas pelo mundo, tal como as Lojas Maçónicas, são pontos de contacto entre mundos, entre tempos, entre memórias. São espaços onde se fala a língua do coração, mesmo quando longe de casa.

Na Maçonaria não se joga para ganhar., joga-se para construir., mas o espírito é semelhante: vencer o ego, ultrapassar o ruído, afinar o compasso colectivo, para que da diversidade surja uma obra comum.

Que este Mundial de Clubes, e os que nele participam, nos recordem que é possível sonhar em conjunto, sem perder o que nos distingue e que no mundo profano, como no Templo, a verdadeira vitória é conseguirmos permanecer fiéis àquilo que nos faz levantar e seguir em frente.

João B. MM

13 junho 2025

Estás no Ritual ou apenas numa sala?

Há quem diga que o ritual é um formalismo, uma peça decorada, um guião repetido. Talvez, visto de fora, seja mesmo isso. Mas o erro começa precisamente aí, o ritual não é para ser visto., ele é para ser vivido.

Cada palavra tem o seu peso, cada gesto tem o seu tempo, cada pausa tem o seu silêncio e é nessa cadência, que não é nossa mas que nos é facultada por séculos de trabalho, que se esconde a força do ritual. Não é uma invenção moderna, é uma herança e como tal, deve ser recebida com reverência e transmitida com fidelidade.



Seguir o ritual à letra pode parecer, a quem ainda não compreendeu, uma rigidez sem sentido. Eu, sem dúvida, que lhe vejo um sentido. Um sentido em acender a vela com a mão certa, em bater o malhete no tempo exacto, em dar o passo no momento justo, com o pé certo, na direcção certa.
Seguindo o gestos, afina-se a atenção e onde há atenção, há presença. Onde há presença, pode sempre haver transformação.

O ritual não é inicio ou fim, é parte do caminho, e parte essencial. É a ordem que se opõe ao caos, é o compasso que dá medida ao tempo e ao homem, é o prumo que nos obriga a alinhar corpo, mente e espírito, mesmo quando cá fora andamos tortos.

É raro o dia que não ouço certas palavras do ritual a ecoarem na minha vida profana. Há frases que, ditas em Loja, pareciam apenas belas, e no entanto, fora dela, mostram-se verdadeiras, servem para recordar que a Maçonaria não se faz só no templo e em dia de sessão, faz-se todos os dias.

Quando chegamos a casa ou quando chegamos ao trabalho, quantas vezes deixamos os metais à porta?

A nossa vida, o nosso carácter, o nosso lar constrói-se com sabedoria, força e beleza?

Estas palavras surgem-me às vezes no trânsito, numa reunião, ou no silêncio antes de adormecer, não por serem místicas, mas porque são verdade, ao menos a minha Verdade. 

Não importa se és Aprendiz, Companheiro ou Mestre já com vinte anos de Loja. A pergunta é a mesma: 

Estás no ritual ou estás apenas numa sala?

O ritual não é uma encenação, é um espelho. Se entrares com o ego cheio e os ouvidos vazios, ouvirás apenas palavras, mas se entrares com humildade, talvez escutes sentido. E, quem sabe, um dia, te escutes a ti próprio.

Resumindo: o Ritual é para ser seguido à risca. não porque sejamos fanáticos pela forma, mas porque a forma é o molde da transformação. Só quem repete o gesto com intenção começa a entender o símbolo. E só quem respeita o símbolo pode um dia perceber o seu segredo.



A Loja é o espaço, o ritual é o ritmo, nós somos os instrumentos desta bela orquestra.

A escolha é tua: finges que entras, ou trabalhas para merecer estar? E já sabes, se vens por bem, não te acanhes, bate á porta que serás muito bem vindo. 

João B. MM

10 junho 2025

Portugal, Pedra sobre Pedra

Hoje é dia de  Portugal, não apenas a geografia ou a língua, mas a ideia. A ideia de uma Nação moldada ao longo de séculos, onde o engenho venceu a geografia e o sonho navegou antes da ciência.

Vivemos tempos em que se tenta reescrever o passado com as tintas voláteis do presente. Julgam-se descobrimentos como se fossem crimes, alianças como se fossem submissões, batalhas como se fossem vergonhas. Há quem peça que nos ajoelhemos perante o tempo, como se a História fosse um tribunal e não uma herança.

Portugal não se deve ajoelhar, conhecemos o peso da pedra que carregamos.



Somos Aljubarrota, onde um povo defendeu o seu futuro com braços e foices.
Somos os mares por dobrar, os cabos por nomear, as constelações por medir com astrolábios.
Somos a ousadia de lançar velas ao desconhecido e a coragem de não voltar atrás.

Somos o início da globalização, ligando novos mundos e continentes, línguas, saberes, mercadorias e mitos. O mundo tornou-se redondo quando nós o começámos a percorrer.
E também Somos, os que antes de muitos outros, disseram “basta”, abolimos a escravatura muito antes de isso ser moda, e a pena de morte antes que o século XX a tornasse um escândalo. Porque ser pioneiro não é só descobrir terras, é também abrir consciências.

Somos Camões, Eça, Queiroz.
Somos também a Passarola de Bartolomeu de Gusmão, que se atreveu a imaginar o impossível,
Somos o joelho do Eusébio, o pé direito do Éder e o “Simmmm” do Cristiano.
E somos, apesar de tudo, os que continuam aqui neste cantinho à beira mar plantado, onde a terra acaba e o mar começa.



Há quem queira que Portugal peça desculpa, talvez um pedido formal com assinatura reconhecida, ou uma tabela de indemnizações com juros acumulados desde 1500.
Mas não se pede desculpa por ter existido. Estudam-se os erros. Corrigem-se as consequências. Aprende-se. E segue-se em frente, com memória.

Porque só um povo com memória constrói com sentido.

Talvez os Portugueses de 2225 nos olhem com espanto, com censura, talvez com pena. Mas será sempre fácil criticar o templo. O difícil é ter sido o pedreiro.

Portugal é, há muito, uma obra inacabada, mas viva. Feita de pedra sobre pedra, de gerações que lavraram o seu tempo com o que tinham e sabiam.

Herdámos pedras lavradas por outros, cabe-nos, com lucidez e esforço, preparar as que virão.

E não, não devemos nada a quem nos quer apagar.

João B. MM

08 junho 2025

Ciência e Religião: Ainda um falso conflito?


Relendo uma prancha que escrevi há alguns anos, no RLMAD , sobre o eterno tema da ciência e da religião, surpreendi-me com a sua actualidade. Continuamos a debater se são opostas ou complementares. Continuamos, no fundo, a tentar descobrir se o universo tem apenas leis — ou também sentido.

Na altura escrevi que não via ali conflito, mas antes dois caminhos diferentes para uma mesma busca: compreender o que nos rodeia e o nosso lugar nisso tudo. A ciência diz-nos como as coisas funcionam. A religião tenta explicar porquê.

Hoje, o cenário até parece que mudou, mas não para melhor, a ciência é questionada por teorias da conspiração e vídeos de TikTok, por seu lado a religião continua a ser usada para justificar guerras e ódios. Ninguém ouve, poucos pensam, e muitos gritam "o meu Deus é melhor que o teu".

E assim voltamos ao essencial.

Mesmo Stephen Hawking, tantas vezes apontado como ateu, dizia que se descobríssemos uma teoria unificada, estaríamos a conhecer a mente de Deus. No fundo, ele sabia, como Einstein e Galileu também sabiam, que há um ponto onde a razão bate no limite. Um ponto fora da equação, onde tudo o que sabemos falha. Uma singularidade. E talvez aí, nesse exacto lugar onde a física se cala, comece a linguagem do Grande Arquitecto.



Não precisamos de escolher entre razão e fé. Precisamos é que ambas iluminem o que andamos a tentar ver. Recordo do Evangelho segundo São Lucas: “Ninguém, depois de acender uma candeia, a cobre com um vaso ou a coloca debaixo da cama; pelo contrário, coloca-a num lugar alto, para que os que entram vejam a luz.”

A ciência é essa candeia, acesa com esforço, com estudo, com dúvidas. E também a fé o é, alimentada por silêncio, por prática, por esperança, mas nenhuma serve de alguma coisa caso seja escondida, nenhuma ajuda se for usada para controlar ou para envergonhar. A luz foi feita para guiar. Para mostrar. Para que quem entra veja e compreenda.

Entre leis naturais e mistérios espirituais, há sem dúvida em comum a procura sincera pela Verdade, e essa busca, se autêntica, nunca divide, pelo contrário: revela.

João B. M∴M∴


05 junho 2025

Como entrei para a Maçonaria e porquê.

Não sei dizer ao certo quando ouvi falar pela primeira vez da Maçonaria. Talvez tenha sido numa reportagem de televisão, daquelas que falam mais do que explicam, deixando no ar um certo mistério. Ficou a curiosidade e, com o tempo, nasceu uma vontade mais séria de perceber o que estava por trás de tantos símbolos e de tanta suspeita.

Mais tarde, enquanto vivia em Inglaterra, comecei a ler com mais atenção. Havia polémicas, é verdade, sobretudo em Portugal, mas também testemunhos de homens que falavam de ética, de esforço pessoal, de um trabalho que era mais interior do que exterior.
Em terras de sua Majestade, também via, como os maçons continuavam activos, discretos, mas empenhados em fazer melhor pela comunidade, e isso despertou-me, não para uma aventura, mas para um caminho, um caminho que me pareceu ter método, exigência e sentido.

Na altura em que estava a viver na Colômbia, descobri este blog, A Partir da Pedra. Escrevi ao autor de um dos textos que mais me marcou, ainda não havia WhatsApp, por isso começámos a trocar e-mails. Sempre que regressava a Portugal, encontrávamo-nos na Mexicana, em Lisboa. Conversas longas, esclarecedoras. Nunca houve promessas nem pressas, apenas escuta, partilha e confiança.
A minha situação profissional era itinerante, só me falta a Oceania para poder dizer que já trabalhei em todos os continentes, e não facilitava, mas houve um dia, que me foi feita a pergunta e assim surgiu a hipótese de ser iniciado em Portugal e neste Respeitável Loja.

Sabia algumas coisas, o suficiente para estar curioso, mas estava longe de imaginar o que seria, realmente, viver essa experiência. No dia da Iniciação, estava nervoso. As pernas tremiam. Não por medo, mas porque o desconhecido tem esse peso. E no entanto, o que senti no final foi uma alegria serena e inesquecível. Houve até uma muito agradável surpresa, pois entre os presentes, estava alguém que me conhecia desde o dia em que nasci, nunca imaginei encontrar ali um rosto tão familiar, num momento tão simbólico. Senti, nesse instante, que aquele caminho já vinha traçado de longe.

Recordo também as palavras do meu padrinho: “É um caminho sozinho, mas acompanhado.” Assim é. Cada um trilha o seu percurso à sua maneira, mas com o apoio invisível e firme dos Irmãos que caminham ao nosso lado.

Desde então, mudei. Não me tornei outro, tornei-me mais eu.
Passei a ouvir antes de falar, a pensar antes de reagir. Deixei de ser tão impulsivo. A imagem da Pedra Bruta acompanha-me, tudo o que fazemos pode, e deve,  ser limado, ajustado, aperfeiçoado. Essa ideia, simples, tornou-se uma exigência diária.

Ganhei paciência, atenção, capacidade de escuta. Ganhei também irmãos e em alguns casos, verdadeiros amigos. Com eles aprendi a debater temas importantes, com profundidade e respeito. E cresci intelectualmente ao ouvir mentes verdadeiramente brilhantes,  irmãos com uma visão do mundo que me obrigou a repensar muita coisa.

Hoje partilho este testemunho como gesto de gratidão e também de continuidade. Este blog foi, em parte, o início do meu caminho. E continua a ser uma pedra viva, onde muitos já escreveram, pensaram e partilharam. Não se trata de recomeçar, mas de continuar a obra.

A Maçonaria não é perfeita, nenhuma família o é. Mas é uma escola e um espaço de trabalho interior, de crescimento pessoal e de escuta activa. Transforma, pouco a pouco, com paciência, com método, com silêncio.

E se estás à porta e hesitas, bate. Se vieres por bem, serás bem-vindo.


Olha com humildade para os Céus e se o teu coração for sincero, verás que o Templo tem sempre lugar para mais um pedreiro livre.


João B. M∴M∴