04 outubro 2025

E se a loja fosse tratada como uma empresa?


Grande parte dos irmãos das Lojas são empresários. Então, nada mais curioso que tentemos trazer uma visão estratégica para saber como nossa “empresa” está indo e para onde devemos rumar. Pensando nisso, imaginei como seria o Balanced Scorecard (BSC) de uma Loja Maçônica. Claro que é uma adaptação livre, mas ainda assim pode nos trazer algumas reflexões valiosas.

O BSC, é uma ferramenta de gestão utilizada em empresas para equilibrar objetivos em quatro dimensões: financeira, clientes, processos internos e aprendizado. Mas, e se transportássemos essa lógica para a Loja? Será que não encontraríamos paralelos interessantes?

Vejamos a tabela abaixo:

Perspectiva

Objetivos

Indicadores possíveis

Financeira

Garantir sustentabilidade da Loja e capacidade de beneficência

- Regularidade de contribuições; 

- equilíbrio entre receitas e despesas; 

- fundos para projetos sociais

Irmãos & Sociedade

Satisfação e engajamento dos Irmãos; impacto positivo na comunidade

- Retenção de membros; 

- participação nas sessões; 

- número de ações sociais realizadas

Processos Internos

Funcionamento ritualístico e administrativo com excelência

- Regularidade das sessões; 

- cumprimento do ritual; 

- clareza nas atas; 

- qualidade de eventos e ágapes

Aprendizado & Crescimento

Desenvolvimento moral, intelectual e espiritual dos Irmãos

- Frequência; 

- número de instruções e estudos; 

- evolução nos graus; 

- engajamento em cargos

Na dimensão financeira, por exemplo, a Loja precisa garantir sua sustentabilidade. Não apenas para manter as contas em dia, mas para estar preparada para investir em beneficência e projetos sociais, que são parte essencial de sua missão. Indicadores como regularidade de contribuições, equilíbrio entre receitas e despesas e fundos de reserva poderiam muito bem existir também no nosso ambiente.

Se olharmos pela ótica dos “clientes” (que aqui seriam os próprios Irmãos e, em sentido mais amplo, a sociedade), encontramos outro ponto crucial. A satisfação e o engajamento dos Irmãos são sinais claros da vitalidade de uma Loja. Uma Loja que não consegue acolher os novos Aprendizes ou manter o interesse dos mais antigos corre o risco de se esvaziar. Do mesmo modo, se ela não se projeta positivamente para além de suas paredes, perde a chance de cumprir sua função transformadora no mundo profano.

Nos processos internos, a Loja precisa assegurar tanto a boa condução ritualística quanto a gestão administrativa. Sessões regulares, rituais bem conduzidos, atas transparentes, eleições claras e eventos de qualidade são sinais de maturidade organizacional. Não basta que os símbolos brilhem, é preciso que a máquina funcione. Repare que apesar de claros, são objetivos difíceis de medir. O que é bom engajamento? O que são atas transparentes? Coloque isto em uma escala de 0 a 10 😅 

E, por fim, a dimensão do aprendizado e crescimento talvez seja a mais importante para nós. Afinal, nossa razão de existir é promover o desenvolvimento moral, intelectual e espiritual dos Irmãos. Isso se mede pela frequência, pelo número de instruções, pela evolução nos graus e, sobretudo, pelo engajamento. É nesse espaço que se cumpre a verdadeira missão da Maçonaria: lapidar o ser humano.

Quando colocamos a Loja sob essa lente estratégica, percebemos que ela não é apenas um espaço de reunião ritual. Ela é um organismo vivo que precisa de equilíbrio para prosperar. Muitas vezes nos concentramos apenas em uma dimensão, seja a ritualística, a beneficência ou até a administração, e esquecemos de que todas estão interligadas. Um caixa saudável não compensa uma Loja sem vida fraterna. Um ritual perfeito não substitui a ausência de impacto social. Uma grande obra filantrópica não resolve a falta de estudo e de instrução. É preciso harmonia e equilíbrio.

Talvez a maior provocação desse exercício seja justamente olhar para dentro da nossa Loja com a mesma clareza com que olhamos para uma empresa. Como está nossa saúde financeira? Os Irmãos se sentem acolhidos e motivados? Nossos processos são claros e regulares? Estamos promovendo de fato o crescimento humano dos nossos membros?

Equilibrar essas dimensões é o que mantém a Loja não apenas viva, mas vibrante. E se na vida empresarial buscamos resultados tangíveis, aqui buscamos algo ainda mais valioso: a transformação interior. Nossa “empresa” não vende produtos nem serviços. Ela transforma homens. E para isso é preciso tanto estratégia quanto coração.

Fábio Serrano M∴ M∴


27 setembro 2025

À Luz da Cadeira de Salomão: a Instalação do Irmão Paulo F.

Na passada quarta-feira, dia 24 de Setembro, no templo a coberto dos profanos a Respeitável Loja Mestre Affonso Dominguez viveu um momento de grande significado com a instalação do seu novo Venerável Mestre, o Irmão Paulo F., acto solene que contou também com a presença do nosso Ilustre e Muito Respeitável Grão-Mestre, testemunho de amizade e de união.



O Irmão Paulo F. juntou-se à Ordem em 6015, durante o veneralato do Irmão Paulo M.,  desde então percorreu com mérito diversos cargos na nossa respeitável loja, como Secretário, Mestre de Cerimónias, Experto, 2º e 1º Vigilante. Em todos se revelou dedicado, discreto e eficiente, contribuindo para a harmonia e o bom andamento dos trabalhos. O seu percurso constante e fiel conduziu-o agora à Cadeira de Salomão, lugar de sabedoria e responsabilidade. Seguindo a tradição da nossa Loja, o Irmão Paulo F., então 1º Vigilante, foi proposto para Venerável Mestre e, em espírito de harmonia, eleito pelos Mestres votantes, prova da confiança e da estima que nele depositamos.

O Paulo é reconhecido pela sua forma de estar, pode falar pouco, mas quando fala fá-lo com clareza e profundidade. Une à sua humildade uma capacidade rara de criar laços, seja no templo, seja fora dele, até na arte de fazer uma boa cerveja, lembrando-nos que a fraternidade se alimenta tanto de símbolos como de gestos simples que aproximam corações.

Para o seu veneralato traçou um programa que honra o passado e aponta ao futuro com novas iniciações, a progressão dos nossos Aprendizes e Companheiros, a valorização das pranchas como alimento da reflexão, sessões regulares de grau, a revitalização dos ágapes como momento de união, assim como a reaproximação das famílias da Loja com encontros nos solstícios e equinócios. No solstício de inverno, a beneficência ganhará novamente forma com o tradicional leilão, sendo ideia de reverter este ano para alguma organização, com menos possibilidades, e de acordo com escolha da loja.

Nesta passada quarta feira, depois da sua cerimónia de instalação, tivemos a honra de pela primeira vez o ver dirigir a Loja. Fê-lo com o nervosismo natural de quem recebe o Malhete pela primeira vez, mas também com a dignidade e a firmeza que a nossa Ordem exige de quem guia os trabalhos.

Hoje, apenas lhe desejo sucesso no seu veneralato, que este seja fértil em Sabedoria, Força e Beleza. Que o seu labor inspire todos os Irmãos a erguerem consigo o edifício espiritual da nossa Loja e que a luz que ora conduz o Paulo F. na Cadeira de Salomão se reflita em cada um de nós, para que juntos possamos construir um templo interior cada vez mais sólido, justo e perfeito.

João B. M∴M

20 setembro 2025

O método iniciático

 Desde tempos imemoriais, o ser humano tenta aprender e ensinar sobre os mais variados temas. Essa postura tem sido crucial para a constante evolução das ciências, sejam elas naturais, humanas ou matemáticas.




Cada ciência tem os seus métodos de ensino, e cada tema pode ter o seu próprio. A maçonaria, não sendo uma ciência, também possui um método de aprendizagem para atingir um dos seus principais objetivos: o aperfeiçoamento dos II. Embora tenha pesquisado diversas fontes, nenhuma me convenceu plenamente de que aquele era o verdadeiro método de ensino maçónico. Talvez seja algo único ou, então, a minha pesquisa não foi suficientemente exaustiva para lhe dar um nome.


Assim, vou tentar explicar em que consiste o método e os papéis de cada um dos envolvidos. Para simplificar, o Ap é aquele que aprende, e o M é aquele que ensina. Na prática, todos somos aprendizes, independentemente do nosso grau, mas para este texto, partimos do princípio de que o Ap é o aluno.


O método é simples, mas trabalhoso, e pode ser dividido em três fases:

  1. Pesquisa e reflexão inicial (procurar): O Ap explora um tema que lhe desperta curiosidade. Pode ser um conceito de um livro ou um instrumento de cantaria. Ele aprofunda o seu conhecimento pesquisando em várias fontes. A internet e a IA podem ser boas aliadas, mas é preciso cautela, pois podem levar a enganos. No final, o Ap deve fazer uma primeira reflexão para iniciar a próxima fase.
  2. Trabalho escrito (interiorizar): As reflexões da pesquisa devem ser compiladas num texto a ser apresentado a todos os II. O texto deve ser objetivo e sucinto para que o tempo de apresentação seja breve e o tempo de discussão seja maior. Nesta fase, o I V ou o V podem orientar o Ap.
  3. Apresentação (aperfeiçoar): O trabalho é apresentado à loja. Após a apresentação, os II MM dão críticas construtivas para melhorar o que foi apresentado. Esta fase é essencial para aprimorar o trabalho e interiorizar os valores em todos os II.



Neste processo, cada um tem o seu papel e as suas motivações:

O Aprendiz:

  • Procura o tema de estudo (que também pode ser sugerido por um M);
  • Pesquisa usando várias fontes;
  • Elabora o trabalho;
  • Apresenta;
  • Escuta e interioriza as críticas construtivas;
  • Revê e amadurece os conceitos e valores trabalhados.

O Mestre:

  • Orienta o Ap;
  • Sugere fontes e explica o que sabe sem dogmatismos (conceitos incontestáveis);
  • Promove o pensamento autónomo no Ap;
  • Estimula o debate;
  • Avalia o processo de desbaste da pedra bruta do Ap.


Este método é valorizado nas L, mas nem sempre é seguido à risca. Muitas vezes, o debate prossegue no ágape, onde todos podem discutir à vontade. As regras de debate nas L não o reprimem, mas sim, promovem a ordem e o respeito entre II, permitindo que um I de cada vez fale.

De forma muito pessoal, penso que se o objetivo for cumprido e a pedra bruta ficar um pouco mais cúbica, qualquer método é válido.

É assim que se aprende e se ensina na RL Mestre Affonso Domingues e, até agora, tem corrido bem e concretiza que continuará a correr bem.


D∴ G∴ 

13 setembro 2025

A Minha Maçonaria não tem de ser a tua



In necessariis unitas, in dubiis libertas, in omnibus caritas.

 


Cada um de nós chega à Loja com a sua história, o seu ritmo, a sua própria música interior. E embora sigamos a mesma pauta, o Rito, os Landmarks, os símbolos que nos unem, a forma como cada um vive a Maçonaria não será, nem deve ser, igual. E isso, para mim, não é um problema. É uma riqueza.

É esta riqueza que prova que a Maçonaria não é uma linha de montagem de homens iguais, mas uma oficina onde cada um talha a sua pedra com ferramentas próprias, marcando no silêncio o compasso da sua jornada. Essa diversidade de caminhos ilumina as mesmas verdades a partir de ângulos diferentes, revelando detalhes que um olhar único jamais veria. Se todos pensássemos igual, a Loja seria um eco oco. 

É no encontro das diferenças que encontramos novas luzes.

A minha forma de estar não é mais certa do que a de qualquer outro irmão, mas também não é mais errada. É minha e apenas a minha. Moldada por experiência, erro, persistência e sonho. Pode ser diferente, mas não deixa de caber dentro dos mesmos princípios que nos sustentam. 

Vejo a Loja como um templo vivo, onde a palavra circula, se debate e se aprimora.
Onde a iniciativa é combustível
e a crítica construtiva é maço e cinzel. 

E, tal como valorizo o impulso de inovar, reconheço também que há práticas que, justamente por terem resistido ao tempo, são pilares que devemos preservar. O segredo está no equilíbrio, mudar o que precisa de mudança, guardar o que merece ser guardado.

Com o tempo, aprendi que as ideias têm destinos tão diversos como as pedras no leito de um rio. Algumas são acolhidas como chuva que faz florescer o terreno, outras são lapidadas pelo debate, ganhando forma e brilho. Mas há também as que se perdem à margem, não por falta de valor, mas por seguirem um curso diferente do habitual. O desconhecido, por vezes, assusta mais do que o imperfeito. 

É natural que nem todos avancem no mesmo passo, cada um vive a Maçonaria na medida da sua entrega e disponibilidade. O que importa é que, quando caminhamos, o façamos na mesma direcção.

Acredito que, em Loja, ser Oficial não é um trono, é um banco de trabalho. O próprio Ritual lembra que “Oficial” é, simplesmente, quem tem a seu cargo um serviço, não um título honorífico ou uma posição de hierarquia militar. Servir a Oficina é facilitar o trabalho de todos, não controlar cada golpe de maço. 

A pergunta deve apenas ser: “Isto serve a Loja e a Ordem?”.
Se servir, a Loja deve trabalhar em uníssono para lhe dar forma.
Se não servir, ainda assim terá cumprido a sua função: a de nos ensinar algo no processo.

Não defendo uma Maçonaria sem forma nem disciplina, sem elas, o templo cai, mas também não defendo uma Maçonaria que confunda unidade com uniformidade, ou prudência com paralisia. Há quem viva à sombra do que já foi feito, temendo qualquer risco. Eu creio que a tradição não é um cofre onde se guarda o passado, mas uma tocha que se passa para iluminar o caminho adiante.

No fim, cada um talha a sua pedra. Não serão todas iguais, nem precisam ser. 
Se a minha Maçonaria não tem de ser a tua, é porque a nossa é suficientemente vasta para acolher visões diferentes que, juntas, se elevam num templo maior do que cada um de nós.

É a aceitação da imperfeição de todas as pedras que torna o Templo justo e perfeito.

João B. M∴M

06 setembro 2025

Mestre Affonso Domingues, …entre a História e a lenda

A Respeitável Loja Mestre Affonso Domingues presta homenagem ao primeiro mestre arquiteto do Mosteiro da Batalha, cujo nome permanece entre a História e a lenda. Pouco se sabe sobre Affonso Domingues, sendo que as informações mais fidedignas vêm dos registos do Mosteiro da Batalha e do romance "A Abóbada" de Alexandre Herculano.


Affonso Domingues deu os primeiros passos na sua jornada no século XIV. Oriundo de uma família abastada, desenvolveu suas aptidões no uso do malho e do cinzel enquanto trabalhava na Sé de Lisboa, onde aperfeiçoou a arte de transformar matéria bruta em formas harmoniosas. Lutou na Batalha de Aljubarrota com valentia, demonstrando o espírito daqueles que se dispõem a trilhar o caminho do aperfeiçoamento.





Para que a memória dessa vitória se perpetuasse, D. João I, Mestre de Avis, com a prudência e retidão de quem conhece a medida certa entre força e precisão, ordenou a construção de um Mosteiro digno da grandeza portuguesa. Como reconhecimento pelos serviços prestados, concedeu a Affonso Domingues a honra de desenhar e dirigir a obra, que teve início em 1388.


Mestre Affonso Domingues traçou o plano do Mosteiro com maestria, manejando a régua e a alavanca com conhecimento que não se limita apenas ao domínio técnico, mas se aprofunda na simbologia da construção. Com o passar dos anos, foi lentamente perdendo a visão, uma prova de que o caminho do verdadeiro mestre não se mede apenas pela luz física, mas também pela interior.


A necessidade de substituí-lo levou D. João I, aconselhado por seus próximos, a conceder-lhe uma reforma digna e a contratar um novo arquiteto. Assim, chegou David Huguet, de origem irlandesa. Segundo as lendas, Huguet não respeitou os fundamentos deixados por seu antecessor e, com um espírito arrogante, alterou o projeto sem considerar o legado que lhe fora confiado.


Mesmo afastado, Affonso Domingues manteve-se fiel ao seu silêncio e à sua disciplina. No dia da visita do Rei às obras, Huguet apresentou a sala do Capítulo, cuja abóbada gótica fora modificada ao seu gosto. No momento da missa, um estrondo ecoou pelo Mosteiro, e Huguet, tomado pelo desespero, irrompeu louco pela igreja de Santa Maria. Sua abóbada havia falhado—faltava-lhe a força interior que sustenta o verdadeiro conhecimento.  


Diante do desastre, D. João I restaurou a confiança em Affonso Domingues e devolveu-lhe a direção dos trabalhos. Com paciência e sabedoria, recuperou antigos obreiros—companheiros que haviam lutado ao seu lado em Aljubarrota e que ainda recordavam os ensinamentos do mestre. Martim Vasques, discípulo atento, estava destinado a dar continuidade à obra.


A reconstrução seguiu com vigor, unindo a experiência dos mais antigos à energia dos que vinham de longe, munidos de novas perceções sobre aritmética, astronomia, geometria, gramática, retórica, lógica e música. Mas entre todos, havia aqueles que, mesmo alcançando novos patamares, mantinham a humildade dos que reconhecem que a verdadeira maestria se alcança sem vaidade.


No dia da conclusão da obra, D. João I sugeriu que prisioneiros espanhóis testassem a resistência da abóbada, permanecendo sob ela por três dias. Mestre Affonso Domingues, com a determinação de quem carrega o verdadeiro conhecimento, recusou tal ato. Num gesto de coragem e abnegação, ofereceu-se para ficar sozinho sob a abóbada—se permanecesse de pé ao fim dos três dias, nunca mais cairia.



Assim foi. Affonso Domingues permaneceu em meditação, sustentado apenas pela sua convicção. No último dia, já enfraquecido, ao ser visitado por Martim Vasques e Ana Margarida, sua fiel empregada, murmurou suas últimas palavras:  

"A abóbada não caiu… a abóbada não cairá."


Dizem que uma estrela flameja sobre o Mosteiro, iluminando as grandes obras com o calor do seu fogo. Essa estrela é a do Mestre Affonso Domingues, um símbolo eterno de coragem, sabedoria e beleza.

30 agosto 2025

A Musica e o Algoritmo: A Criatividade Humana em Confronto com a Inteligência Artificial


A Inteligência Artificial (IA) tem múltiplas aplicações, desde a correção de textos e a geração de histórias à pesquisa e à interligação de conceitos. É uma ferramenta que nos ajuda no dia a dia, e eu próprio a utilizo para pesquisa avançada e para melhorar a redação dos meus textos. No entanto, a revisão final é sempre minha. Um texto assinado por mim tem de refletir a minha alma e o meu coração. A IA torna os meus textos mais objetivos e fáceis de entender, mas sem nunca retirar a essência que os torna meus.

A IA na Criação Musical: Uma Perspetiva Crítica

Como músico amador, decidi experimentar a IA na criação de música. Pedi-lhe uma canção com o seguinte prompt:
"Jazz, com guitarra clássica e guitarra portuguesa, suave, com uma atmosfera calma e descontraída em 3/4 de tempo. Não quero que muitas notas sejam pagas de uma só vez. É música maçônica."
O resultado foi desastroso. A IA utilizou os instrumentos que pedi, mas falhou no estilo, na suavidade e na descontração. Gerou uma música ao estilo de Carlos Paredes, sem o swing característico do jazz, e muito repetitiva. A única semelhança com o jazz era, talvez, o uso da cadência ii V I.
Tentei um segundo prompt, mais generalista:
"Interação instrumental, guitarra clássica e portuguesa, texturas suaves e fluidas."
O resultado foi quase igual, com pouco de suave ou fluido. Os instrumentos estavam lá, mas a IA voltou a falhar na interpretação da atmosfera que pedi fazendo uma boa musica digna do Mestre Paredes.





A IA no Reconhecimento de Estilos

Posteriormente, analisei os prompts de outro utilizador para músicas que ele tinha gerado, algumas com letras criadas por IA. Os prompts eram genéricos e, em alguns casos, o resultado não foi mau. No entanto, surgiram erros notórios em estilos mais específicos.
A IA geralmente não falha em géneros populares, mas a voz gerada ainda soa robótica. O maior erro ocorreu num pedido para criar uma música ao estilo de Tiago Bettencourt, que resultou numa mistura de música latina e pimba.
Com base nestas experiências, cheguei a algumas conclusões:
  1. A IA gera apenas aquilo que conhece. Não é capaz de criar algo novo se lhe forem dados dois estilos muito fortes. Por exemplo, a IA associou "guitarra portuguesa" ao estilo de Carlos Paredes, um padrão mais forte nos seus dados, e sobrepôs-no ao "jazz". A IA não se conseguiu dissociar da sua referência mais dominante.
  1. A IA é incapaz de ser criativa dentro de um género musical ou de analisar o estilo de um autor e criar música a partir daí.
  1. A IA foi "criativa" ao gerar a música latina pimba, mas não foi capaz de reconhecer que se tratava de um erro grave de interpretação.


 O Funcionamento da IA: Uma Explicação

Decidi questionar a própria IA sobre o seu funcionamento. Eis a resposta que obtive:
    "O Suno é um modelo de inteligência artificial (IA) generativa que cria música. A sua forma de                    funcionar pode ser resumida em três etapas principais:
    * Treino: O Suno foi treinado com um vasto conjunto de dados de música e letras, analisando padrões,             estruturas musicais, melodias, harmonias e até mesmo como diferentes géneros musicais soam.
    * Entrada do utilizador: Quando você fornece um texto (o "prompt"), a IA usa esse texto como base                 para a criação. Você pode descrever um género musical, um sentimento, um tema lírico ou                             simplesmente dar a letra.
    * Geração: O modelo usa o conhecimento que adquiriu no treino para criar a música a partir do seu                 pedido. Ele gera a melodia, a harmonia, os ritmos, os instrumentos e até mesmo a voz. A música é                 completamente nova e original, baseada apenas nas instruções que lhe deu."
Esta resposta confirma que a IA se limita a replicar padrões que lhe são fornecidos. Não substitui o ser humano, que tem a capacidade de ser genuinamente criativo, combinando o conhecimento adquirido com intuição e emoção para gerar novos estilos e música verdadeiramente original.




O Futuro da Música: Uma Reflexão

O que aqui se discute é um exercício puramente académico, já que o futuro dos geradores de música por IA é incerto. No entanto, é importante questionar:
Se a profissão de músico desaparecer e a música se resumir a prompts, será que as pessoas se continuarão a juntar para tocar na praia? O que acontecerá aos concertos de verão, que sustentam músicos e técnicos e proporcionam entretenimento?
Será que teremos concertos com música gerada instantaneamente por prompts através de uma aplicação, sem a necessidade de um DJ ou músico? Ou a música será gerada pela IA, e o artista limitar-se-á a fazer playback e uma coreografia para atrair multidões?
Em qualquer um destes cenários, a profissão de músico estaria em risco, e a música deixaria de ser humana, interpretada e criativa. Sinceramente, espero que o caminho não seja nenhum destes e que a música continue a ser uma expressão profundamente humana.
Gostaria de sublinhar que, para quem nunca tocou um instrumento, o processo de aprendizagem é uma jornada mágica e inexplicável. Apenas quem a vive sabe a verdadeira dimensão da descoberta. Por isso, caro leitor, desafio-o a aprender um instrumento, seja ele qual for, até a flauta de bisel da escola. Vai ver que entrará num mundo novo. A beleza disto é que um músico está em constante evolução; a aprendizagem só termina quando a vontade de descobrir acaba. Se todos se dedicarem a esta jornada, talvez a IA se torne menos relevante..


Nota: A IA ajudou a tornar este texto mais objetivo, mas a sua autoria e a revisão final são minhas.


D∴ G∴ 
M∴ M∴ 

23 agosto 2025

A dita Sustentabilidade de Likes e Views

O tempo passa, mas as palavras ficam. Sustentabilidade é uma delas. 

Sustentabilidade está por todo o lado, é a palavra do momento. Está em discursos políticos, manuais escolares, relatórios de empresas e nas páginas das redes sociais dos indignados profissionais. É a palavra da moda e como tantas anteriores que, de tanto a gritarem, esvaziaram-na, tornaram-na banal. Hoje, tudo é “sustentável”.

No meio do ruído e da moda, poucos param para pensar o que o termo realmente quer dizer. Ser sustentável não é parecer moderno nem exibir virtude, sustentável é aquilo que dura, aquilo que resiste ao tempo, sempre pensado com medida, propósito e responsabilidade. Sustentável é aquilo que se mantém sem destruir, não destrói os outros, nem a si próprio.

Mas no mundo das tendências “woke”, o equilíbrio não cabe, quem ousa questionar, mesmo com respeito, é rotulado sem apelo de extremista, fascista, do Chega ou trumpista. É uma lógica binária onde ou repetes o mantra do momento, ou passas a ser tratado como inimigo. Basta duvidares para seres suspeito, basta pensares para seres perigoso, a virtude, nesse universo, está sempre com quem grita mais, ainda que os argumentos sejam frágeis, incoerentes ou pura e simplesmente absurdos. 

O pensamento livre? Silenciado. 

A discordância? Catalogada. 

A dúvida? Criminalizada.


Pior ainda é quando a luta deixa o pensamento e entra no dia a dia de todos, não é colando-se a uma autoestrada e impedindo pessoas de ir trabalhar, crianças de ir à escola ou até ambulâncias de passar que se salva o planeta. Não é despejando tinta sobre quadros centenários  atirando tinta a políticos, interrompendo palestras ou greves estudantis que se resolve o futuro. O protesto deixou de querer mudar o mundo, quer apenas likes, views ou tempo de antena para espalhar doutrina.
Fazem lembrar o pobre Emplastro, sempre à procura de uma câmara de televisão para gritar, neste caso "A Greta é a minha mãe."

Mas os paradoxos não se ficam por aí, o mesmo militante, camarada (camarades para ser inclusivo),  que grita contra a agroindústria orgânica do vizinho, contra um restaurante tipico português ou uma marisqueira,  compra com orgulho abacates do Peru, e faz saladas de quinoa da bolivia e frutos secos do sudeste asiático. Afinal, são verdes, não é? Esquecendo-se que o cultivo de abacate é responsável pela destruição de milhares de hectares de floresta, pelo esgotamento de aquíferos e por toneladas de emissões logísticas em aviões e contentores refrigerados. Que o aumento de quinoa a nível mundial deixou as pessoas onde a quinoa era o alimento base sem poder de compra para a obter ou até a violação de direitos laborais e as peles queimadas das mãos das trabalhadoras que descascam os cajus. 

Ser “verde”, afinal, pode ser altamente tóxico, só depende da embalagem.

Tudo isto revela o mesmo problema, confunde-se sustentabilidade com sensação de virtude, confunde-se o fazer com o parecer. Sobretudo, evita-se pensar nas verdadeiras causas dos desequilíbrios.

Portugal, por exemplo, fala de sustentabilidade com entusiasmo,  somos os melhores nas eólicas, temos um sol como ninguém para alimentar os nossos parques solares, somos super, hiper, mega sustentáveis. Os Cristianos Ronaldo das energias renováveis, mas depois olhamos para o país real e percebemos que a sustentabilidade é apenas mais uma palavra bonita numa estratégia de comunicação partidária.

Temos uma das mais baixas taxas de natalidade da Europa, uma juventude qualificada a emigrar em massa, e uma política de imigração que mais parece uma porta destrancada. Entra-se porque sim, sem critério nem visão e depois nem os que cá estão vivem com dignidade, nem os que chegam encontram condições para o fazer.

As cidades estão saturadas, os serviços públicos colapsam, as barracas, as favelas, os musseques ou como se gosta de dizer agora as àreas urbanas auto construídas crescem exponencialmente e o discurso oficial? Fala de “acolhimento”. Como se bastasse uma palavra bonita para resolver o caos, acolher sem estrutura, sem planeamento, sem exigência mútua é apenas semear conflito. E conflito, sabemos, é o oposto de equilíbrio.

E no meio disto tudo, onde entra a Maçonaria?

Entra onde sempre entrou. No ofício silencioso de construir, com esquadro e compasso, com ponderação e intenção. 

Aprendemos a não aceitar tudo, mas a medir. 

A não excluir por medo, mas a acolher com exigência. 

A não nos escondermos atrás de palavras vazias, mas a polir, a lavrar, a deixar marca, marca que dure, que se sustente, e que sirva.

Porque ser Maçom é trabalhar o que importa, mesmo que não brilhe, que seja um obreiro anónimo e desbaste a sua pedra na ausência de likes e views.  É lembrar que a construção precisa de uma base sólida, não de cartazes, e que o progresso, sem direcção, é apenas deriva.

Afinal…

o que é que queremos mesmo sustentar para os que vierem depois de nós? 

João B. M∴M∴ 

16 agosto 2025

Música e o Espírito Humano: Da Liturgia à Maçonaria


A musica é uma linguagem universal que acompanha a humanidade desde tempos imemoriais. É consensual que a flauta tenha sido o primeiro instrumento a ser fabricado por mãos humanas, no entanto é a voz humana que com a sua capacidade de expressão, se assume como primeiro e mais poderoso instrumento musical. É através da musica que o sentimento humano é exteriorizado seja em ambiente ritualistico ou em ambientes de descontração. A musica tem um lugar no coração e na voz de cada ser humano.

O Papel da Música na Religião e na Sociedade

A música religiosa é de importância central desde a Idade Média, com o canto gregoriano a dominar as cerimónias. A polifonia, o uso de múltiplas vozes, começou a desenvolver-se neste período e floresceu de forma notável no Renascimento. É a partir daí que a musica serve a religião para dar vida aos rituais e ao sentimento esmagador de Deus perante a insignificância humana. Esse sentimento é ainda mais exacerbado a partir do período Barroco. No entanto é nesta época que se desenvolve em paralelo a musica de câmara, mais apetecível ás cortes, com um semblante de pureza, bem estar e leveza.  

Em seguida entramos no período Clássico em que os compositores procuraram afastar-se de alguns “exageros” do Barroco. A musica tornou-se mais leve e menos complexa mas, com a mesma emoção. Tanto Beethoven como Mozart mostraram que o estilo clássico pode ter várias vertentes e uma infinidade de ideias. Um dos grandes exemplos da grandiosidade desta época é a Lacrimosa do Requiem de Mozart (K. 626) onde o coro apresenta um peso e emoção avassaladores.  

Com o Romantismo, a música passou a ser a expressão da individualidade do compositor. O foco mudou das grandes composições corais religiosas para a música instrumental, onde a expressividade dramática ganhava destaque. Embora a música religiosa tenha perdido a sua centralidade social, grandes obras como o "Requiem Alemão" de Brahms ou o "Messa da Requiem" de Verdi ainda foram compostas. A música tornou-se mais acessível a todos, em grande parte devido à ascensão da burguesia e à popularização do piano.


Por fim entramos na época contemporânea que procura descobrir e utilizar novas sonoridades e novos estilos. Aqui a musica separa-se completamente da época anterior entrando-se no estilo minimalista e atonal. No entanto, a vertente religiosa não desapareceu, com compositores como Arvo Pärt e John Tavener a dedicarem-se ativamente à música de caráter espiritual e sagrado.



A Música nos Rituais Maçónicos

A maçonaria, embora não seja uma religião, reconhece a importância da música nos seus rituais. Existem vários ritos na maçonaria. Na minha opinião, a musica faz imensa diferença no sentimento que o ritual nos transmite. Já assisti a sessões sem musica, e o sentimento que tive foi de maior foco no trabalho. Com música, o sentimento que me é transmitido vai para além do trabalho, adicionando uma camada extra de emoção.  

O organista tem a responsabilidade de escolher a música adequada para cada fase da sessão, conciliando o que é descrito no ritual com a emoção que se pretende transmitir. Não é tarefa fácil pois é preciso ter conhecimento musical, alguma experiência e, sobretudo sensibilidade musical. 

Não sendo a maçonaria uma religião, é importante ter em consideração a importância que a musica tem nos rituais liturgicos. Há partida , o organista tem de excluir a musica vocal, não só porque vem descrito no ritual, mas também para não criar distrações desnecessárias. 

Musica vocal coral tem um poder e uma força muito grandes, esmagam e viram a atenção para outros temas. Por sua vez a musica vocal, não coral, dá ênfase a uma mensagem contida num poema que, por sua vez, também pode ser distrativo. 

Resta-nos a musica instrumental. Dentro da musica instrumental retiro à partida a musica contemporânea. Já experimentei colocar numa sessão este tipo de musica e verifiquei que as dissonâncias características deste estilo não estão em consonância com o espirito que se pretende na sessão. A dissonância cria tensão, incerteza e hesitação. 

Por sua vez, as peças do período romântico são boas para a sessão, mas é preciso ter critério ao escolhe-las. A expressão dramática de algumas peças desta época podem prejudicar o ambiente da sessão. 

Por fim, os estilos que considero mais seguros para serem usados numa sessão maçónica são os da época barroca e clássica, preferencialmente peças de piano solo e musica de câmara. Talvez sejam as épocas musicalmente mais equilibradas.

Apenas um apontamento relativamente ao que é a musica maçónica. Um dia um I da minha RL referiu que a musica maçónica era aquela que era composta por maçons.. É fácil ter chegar a esta ideia pois só quem foi iniciado tem a perceção e o sentimento inerente a cada sessão. No entanto, não considero que seja unanime. Para mim a musica maçónica é aquela que reflete o sentimento maçónico da Liberdade, Igualdade e Fraternidade, a musica que nos faz sentir libertos de dogmas e que, acima de tudo, nos faz sentir vivos e fraternos para com todos. Sendo assim, pode ser escrita por qualquer um, desde que exista o sentimento. 


Conclusão

Fico profundamente triste quando alguém diz que a musica não serve para nada ou que vivíamos todos bem sem musica. Não consigo imaginar um mundo sem musica. Seja ela com um propósito ou mesmo sem propósito nenhum. Seja musica popular, rock, liturgica, a musica tem lugar em todas as culturas e na consciência humana. Seja na maçonaria, seja no mundo profano, a musica faz parte de todos e só acabará quando o ultimo homem do planeta der o ultimo suspiro.