Ver de fora
Para mim, observador exterior e não particularmente interessado, o aikido era visto simplesmente como uma variante das Artes Marciais orientais. Ponto. Basicamente, defesa pessoal e capacidade de travar uma luta. Defesa e ataque. Defender-se de agressões ou golpes da modalidade, aplicar uns quantos golpes e, mais queda, menos nódoa negra, estava tudo visto. Essencialmente uma atividade física, um desporto de combate, em que a mente exerceria um papel específico ao nível da concentração, mas que, grosso modo, dependia da rapidez de reflexos e certeza, força, amplitude e agilidade de movimentos. Nunca me passou pela cabeça a vertente exposta no texto, de busca de aperfeiçoamento, de luta essencial consigo próprio, de propósito e trabalho no sentido de chegar tão perto da inantigível perfeição quanto possível.
E eu considero-me, modéstia à parte, um espírito aberto!
Similarmente, a maçonaria também possibilita que quem está no seu exterior tenha dela uma imagem errada, desfocada. Tão mais errada e tão mais desfocada, quanto mais opaca para o exterior ela for. As circunstâncias e necessidades, mas também as escolhas da maçonaria envolveram-na num véu de secretismo, de desconhecimento, que só agora, nos tempos mais recentes, e apenas pelos espíritos mais abertos, vai sendo entreaberto. Não admira, pois, que haja muita gente que tenha ideias erradas sobre a Maçonaria e faça dela um juízo que nada corresponde com a sua realidade, o seu propósito, a sua essência, a sua prática.
No limite, a culpa não é de quem faz o juízo errado, é de quem mantém as condições que propiciam uma alta probabilidade de existência de muitos juízos errados. Eu fazia um juízo errado do aikido - e, por extensão, da generalidade das Artes Marciais - por desconhecer em absoluto a dimensão que me foi mostrada por meia dúzia de linhas de um texto do aikidoca José Restolho. Bastaram meia dúzia de linhas para me dar toda uma diferente noção do alcance da prática daquela modalidade! O desconhecimento gera distância, desinteresse, desconfiança. Um pouco de conhecimento transmitido pode fazer a diferença na mudança de atitude para quem está de fora.
Isto não tem nada a ver com proselitismo. O facto de eu ter reconhecido que a imagem que tinha do aikido era imprecisa, fluida e incorreta, em face da informação obtida com a tal meia dúzia de linhas, não me vai fazer ir a correr adquirir uma calça Hakama e saltar para um tatami (para desapontamento da minha mulher, que veementemente verbera o meu sedentarismo de cinquentão...). Mas possibilita-me deixar de fazer erradas ideias, afastar preconceitos, ver e aprender e ajuizar com mais acuidade. O mesmo pode acontecer com o profano a quem é proporcionada alguma informação sobre o que é, o que faz, o que pretende, a Maçonaria.
Quanto àqueles que desejam integrar-se na Maçonaria, também não me preocupo demasiado com as suas ilusões, ideias feitas e erros de perspetiva. Como bem se pontuou no texto sobre o aikido, é curioso que quando iniciamos a prática do Aikido pensamos apenas em aprender uma arte de defesa, algo que sirva para nos defendermos. Durante a prática preocupamo-nos apenas em deitar o outro ao chão, sermos eficazes, etc. Mas então, à medida que o tempo passa, as coisas vão mudando radicalmente. Deixamos de centrar a nossa prática no “derrubar ou imobilizar o adversário”, centramo-la antes em nós, centramo-nos nos nossos defeitos técnicos e nas nossas limitações. Eis que começa a surgir o caminho que temos a percorrer. Também é, para mim, natural que quem entra na Maçonaria, não tenha uma ideia perfeita sobre os seus objetivos, o seu modo de trabalhar, etc.. E que, caminhando o caminho que lhe é apontado, acabe por trilhar vereda bem diversa da que pensava inicialmente seguir. Por isso, quando analiso um potencial candidato a ser admitido na minha Loja, preocupo-me muito pouco com o que ele pensa que é a Maçonaria e muito mais com o que a Maçonaria lhe pode dar, em que o pode auxiliar a crescer e a avançar. Interessa-me essencialmente o potencial, a disponibilidade para interagir e modificar-se. Não me interessam diamantes, lapidados ou por lapidar. Esses são primas-donas que porventura ficarão muito bem para enfeitar e para dar brilho, mas que são duros de mais para se modificarem. Não acrescentam nada , a não ser o brilho da ilusão. Nada se lhes acrescenta, porque se têm por acabados e já próximos do que julgam ser a sua perfeição possível. Interessam-me muito mais os patinhos feios que podem transformar-se em cisnes, o barro que, devidamente moldado e trabalhado, dará peça de apreciar. Não me interessam nada o que são. Interessam-me, e muito, o que podem vir a ser e se têm capacidade e potencial para tal.
Rui Bandeira