A epistemologia da néscionaria e as cinco leis fundamentais da estupidez
Por Rui Badaró, V.M. da Justa e Perfeita Loja de São João, 680. GLESP. Primeira parte: A epistemologia dos néscios Em seu livro “Discurso da estupidez”, Mauro Mendes Dias brinda o leitor com um verdadeiro manual para aprender a captar as estultices e esclarece que a estupidez não é autoengendrada, vez que, de um lado, ela não é sem causa e, de outro, mantém relação com o tipo de ação da verdade que emerge parcialmente nela. Mas qual verdade? Aquela que metamorfoseia em certeza. Como uma aparição do além-túmulo, ela nos faz lembrar a função que cumpre o fantasma do pai morto para Hamlet, no início da peça de Shakespeare. Assim, na maçonaria, tendo o irmão se ensurdecido para qualquer tipo de dúvida ou objeção, deixa-se conduzir por uma missão que clama por vingança. Diferentemente do gesto de Ulisses na Odisseia, o tapar de ouvidos aqui é condição para o sucesso de viagem em direção às rochas da estupidez, as quais não provocam a morte dos passageiros, mas sim a sua proliferação. A estupidez não precisa de teste, verificação e fundamento. Olhando em volta, vê-se coisas que se enquadram nessa “epistemologia da estultice”, como irmãos acreditando que, por meio da cadeia de união, curam-se doenças – basta enviar as vibrações energéticas. Bom, de qualquer modo, a estultice não está em quem prega — isso é malandragem —, e, sim, está em quem acredita. Claro que esse fenômeno é também uma metáfora da sociedade. Também há outros bons exemplos como o conteúdo do “Breviário maçônico de Rizzardo Da Camino”, que induz irmãos a embarcarem no senso comum de que, afinal, sendo o autor irmão, grau 33 do REAA, “jurista” e profundo conhecedor da fraternidade, não há que se refletir sobre aquilo que por ele foi escrito. Basta ler, crer e dogmatizar. Cogito, ergo estupidus. Aliás, tudo por meio do subjetivismo, do emotivismo, da nossa metaética que é mais meta do que ética — sem epistemologia — esculpida em carrara: o critério de objetividade, na maçonaria, a maioria das vezes, é aquilo que o irmão (estúpido) quer que seja. Eis o busílis nos tempos atuais. Se o irmão não gosta do discurso, monta outra Loja, se discorda da postura da potência, cria-se outra. E assim, a néscionaria multiplica-se exponencialmente num fértil ambiente onde a profundidade do debate não ultrapassa o tamanho das pernas de uma formiga anã. Segunda parte: O negacionismo maçônico e as cinco leis da estupidez comentadas artigo por artigo Tratemos do negacionismo e da epistemologia da estupidez na maçonaria, ou seja, da néscionaria. O interessante é que não há uma fraternidade dos estultos, ao menos não formalmente. O que parece, sim, é haver uma mão invisível que os organiza, como lembra Carlo Cipolla, no livro Allegro, ma non tropo, uma sátira sobre a estupidez. A mão invisível da néscionaria. Cipolla nos brinda com uma epistemologia dos néscios (a expressão é do estimado Prof. Lenio Streck), mostrando as cinco leis fundamentais, que agora adapta-se para a maçonaria:
1. Sempre e inevitavelmente, cada um de nós subestima o número de irmãos estúpidos que circulam pela fraternidade maçônica. Com efeito, ao ver maçons valendo-se do Whatsapp, YouTube, Tiktok e quejandos para compreender os objetivos da maçonaria e irmãos “ensinando” história e filosofia maçônica sem sequer terem conhecimento e formação nas disciplinas e, pior, outros irmãos estudando a fraternidade por breviários, resumos, resuminhos, esquemas ou limitando-se às apresentações pobres de Powerpoint que pipocam em todos os ambientes virtuais para explicar a importância e finalidade da maçonaria. Essa primeira lei passa pela CHS (condição hermenêutica de sentido) e está demonstrada todo dia. Quod erat demonstrandum constante.
2. A probabilidade de que uma determinada pessoa iniciada na maçonaria seja estúpida é independente de qualquer outra característica da mesma pessoa. De fato, essa segunda lei também é verificável, já que nos diversos graus da maçonaria, a distribuição do “IE—índice de estupidez” é quase igual. Nesta época pós-pandemia isso fica mais visível. Basta uma olhada rápida no mundo das lives maçônicas. Todo mundo virou “artista/professor”, com o que todos os gatos se tornaram pardos. Interessante é que a febre das lives é mais visível em algumas áreas, dentre elas, a maçonaria. Por que será? Daqui a pouco, teremos uma grande live maçônica sobre lives maçônicas—e ninguém a assistirá, pois estarão todos os irmãos gravando uma live maçônica. A Grundlive maçônica. Grupos de whatsapp sobre maçonaria não escapam dessa fenomenologia. As neocavernas desafiam o desgosto de Platão.
3. Um irmão estúpido — mormente se tiver atingido o mestrado maçônico (porque são muitos)—é aquele que causa dano a outro irmão ou Loja sem, ao mesmo tempo, obter um benefício para si mesmo ou mesmo causar prejuízo. Perfeito. Cipolla não considerou a estupidez como uma questão de quociente intelectual, mas sim uma falta de inteligência relacional. Ele parte da ideia de que, ao nos relacionarmos uns com os outros, podemos obter benefícios e proporcionar benefícios aos outros ou, pelo contrário, podemos causar danos ou prejudicar os outros. Mas na Maçonaria não é assim. Um irmão estúpido é aquele que prejudica os outros e muitas vezes também ele mesmo. Basta ver nas redes sociais. Se você posta algo sofisticado, o irmão estúpido (mormente o mestre maçom) vem e faz como o pombo no jogo de xadrez: esculhamba as pedras e faz cocô no tablado. E sai dizendo que venceu. De peito estufado. Orgulhoso de sua vencedora estupidez. Por que um néscio quer esculhambar o discurso que ele não entende ou nunca se esforçou para entender? Por que ele só usa livros resumidinhos e resumos dos resumos? Ou seja, está comprovada a terceira lei: o néscio não se importa com soma zero. Segundo Cipolla, há ainda o supernéscio: aquele que esculhamba os nãonéscios e ainda se prejudica, sendo processado pelo que postou. Ou seja, só prejuízo.
4. Maçons não-estúpidos sempre subestimam o potencial prejudicial de estúpidos. Essa quarta lei de Cipolla é autoexplicativa. Por vezes, eles atacam à socapa e à sorrelfa. E nem é possível reagir. Estupefatos com a estupidez dos irmãos estúpidos.
5. O irmão estúpido (ou néscio) é o mais perigoso. Por último, a quinta lei é autoaplicável. Como diz Cipolla, “Todos os seres humanos estão incluídos em quatro categorias fundamentais: o desavisado, o inteligente, o malvado (ou ladrão) e o estúpido. De onde: (i) A pessoa inteligente sabe que é inteligente; (ii) o malvado está ciente de que ele é mau; (iii) o desavisado é dolorosamente imbuído do senso de sua própria sinceridade e, (iv) ao contrário de todos esses personagens, o estúpido não sabe que é estúpido. Ele não sabe que não sabe. Como acentua Cipolla e Streck, isso de não saber que não sabe contribui para dar maior força, incidência e eficácia à sua ação devastadora. Aqueles que sabem que não sabem estão perdidos, entre todos aqueles que acham que sabem que sabem, aqueles que sabem que não sabem mas fazem mesmo assim— razão cínica—e aqueles que não sabem que não sabem e não querem saber que não sabem tudo aquilo que não sabem e nem querem saber. Enfim, eis a adaptação das 05 leis fundamentais da estupidez humana de Cipolla. Que sirvam de estímulo para compreensão do estado da arte maçônica e permita a criação de um ambiente de reflexão para combater a néscionaria, uma de suas principais mazelas. Adiante!