No século XVIII, quando se expandiu a Maçonaria Especulativa, esta seguia e divulgava os princípios do Iluminismo. A Maçonaria foi então um farol que apontou o caminho da evolução social, da conceção laica, livre, igual, fraterna e tolerante do mundo, da sociedade e do lugar nela do Homem.
O pensamento escolástico é substituído pela Ciência Experimental; racionalismo e empirismo substituem o pensamento arcaico apenas fundado nas interpretações teológicas dominantes; Locke teoriza a Tolerância como valor social; emerge o reconhecimento e proteção dos direitos humanos; o absolutismo é substituído pela submissão à Lei; a soberania por direito divino é substituída pelo conceito de que a soberania pertence ao Povo e deve ser exercida em nome do Povo, para o Povo e pelos representantes designados pelo Povo; emerge e triunfa a noção de que as sociedades devem prezar e preservar a Liberdade, assegurar a Igualdade, possibilitar a vivência em Fraternidade; o princípio da separação de poderes triunfa. Em toda esta evolução os maçons deram o seu contributo.
Trezentos anos depois, o mundo e a sociedade são radicalmente diferentes em relação ao que eram no início do século XVIII. Os valores que a Maçonaria adotou implantaram-se progressivamente em toda a sociedade e - felizmente! - hoje são essencialmente valores da sociedade, não de qualquer estrutura social, Maçonaria incluída.
Trezentos anos depois, verificando-se que o essencial do ideário maçónico venceu e está institucionalizado no mundo desenvolvido, inevitavelmente que surge a interrogação: continua, nos dias de hoje, a Maçonaria a fazer sentido? Não será hoje uma instituição ultrapassada pelo sucesso do seu ideário, transitada da modernidade no passado para o arcaísmo no presente?
Em termos sociais, só o que mantém utilidade e sentido permanece. Tudo o que não preenche já o requisito da necessidade, do interesse, inevitavelmente estiola, fenece, cai em desuso, desaparece. Ou então transforma-se, assegurando a sua existência e pujança pela assunção de valores e interesses socialmente úteis e necessários no momento presente. Qual a função da Maçonaria hoje? Apenas a defesa dos valores que o tempo e a evolução social consagrou? Apenas uma instituição "anti-reviralho"? Ou será que a matriz genética da Maçonaria lhe permite vislumbrar, aprofundar, consensualizar novos caminhos ainda por explorar ou desenvolver, valores a implementar? Se assim é, quais os caminhos a que dar atenção, como consensualizar a direção a tomar?
Os tempos de hoje são radicalmente diferentes dos de há trezentos anos, de há duzentos anos, de há cem anos, mesmo de há cinquenta anos. As sociedades complexizaram-se visivelmente. A comunicação e os meios de a efetuar evoluíram, modernizaram-se, democratizaram-se, vulgarizaram-se. Onde antes havia poucos meios apenas ao alcance de uns poucos privilegiados, hoje tudo está praticamente à disposição de todos. A informação hoje é tudo menos escassa. Pelo contrário, começamos a ter dificuldade em selecionar, em determinar de entre a abundante cascata que incessantemente jorra sobre nós o que verdadeiramente interessa e o que é dispensável, o que é fundamentado e o que é apenas boato, palpite ou mesmo patranha. A segmentação de interesses e a extrema variedade de temas para os múltiplos interesses pessoais instalou-se. A informação hoje é multipolar e mundividente, cabendo ao indivíduo - a cada indivíduo - selecionar o que lhe agrada, o que lhe interessa, o que pretende. Neste circunstancialismo, qual o papel da maçonaria? Como pode e deve comunicar? Com que meios? Seguindo que estratégias? Procurando assegurar que objetivos?
Trezentos anos depois, estamos no fim do caminho, chegámos a uma encruzilhada ou simplesmente somos nós que temos de desbravar o caminho para que a Humanidade chegue aonde ainda não imaginou sequer poder chegar? O nosso - dos maçons, da Maçonaria, mas também da Humanidade - caminho chega até ao horizonte ou vai para além dele?
Tudo isto são interrogações que hoje se abrem à reflexão dos maçons e que é bom que os maçons se coloquem, em reflexão individual ou em análise coletiva, mas sempre plural.
Por mim, penso que há ainda muito a fazer, que os sonhos e anseios do ideário maçónico estão ainda por completar. Quanta intolerância ainda campeia! Como são ainda vulneráveis muitos dos valores que, muitas vezes ligeiramente, consideramos solidamente implantados! E continua a haver - sempre continuará, acho - espaço e meio para cada um de nós poder melhorar e contribuir para a melhoria da sociedade.
Mas também penso que as interrogações que atrás coloquei devem ser postas e que é tempo de lhes darmos atenção, de estudarmos os seus contornos e de buscarmos as respostas mais adequadas para cada uma delas. Nesse aspeto, a Maçonaria tem em si mesma uma caraterística organizacional que constitui uma poderosa ferramenta: a sua estrutura nuclear, com plena autonomia de cada Loja e, dentro destas, com plena aceitação dos caminhos e reflexões individuais de cada um. Isto permite que todas as interrogações acima colocadas - e muitas outras - sejam tratadas de formas diferentes, por gente diferente, em tempos diferentes, com diversas perspetivas. Cada Loja escolhe ou naturalmente dedica-se a um pequeno aspeto de um problema. Cada maçom interroga-se sobre o que lhe chama a atenção. Umas e outros buscam caminhos, propõem soluções. Cada Loja por si. Cada maçom em si. Em aparente desorganização e descoordenação. Mas é precisamente essa desorganização que se revela, afinal, muito bem organizada, na medida em que permite e gera o máximo de liberdade na reflexão dos grupos e dos indivíduos. Desse cadinho, a seu tempo emerge uma ideia que se espalha. Das ideias que se espalham, algumas fortalecem-se. Das que se fortalecem, algumas atingirão o patamar do consenso. E assim as ideias e os valores que o tempo presente reclama emergem e fazem o seu caminho, em sociedades modernas cada vez mais complexas.
Daqui a outros trezentos anos, quem então viver e se interessar fará o balanço sobre o êxito dos trabalhos, pistas, soluções e caminhos que agora efetuamos, buscamos, encontramos e prosseguimos.
Rui Bandeira