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05 maio 2010

Réplica e tréplica


Na sequência dos textos A viagem e Repto aceite, Diogo apresentou a seguinte réplica:

Confesso que no meu comentário anterior me desviei da alegoria de Charles Evaldo Boller para mergulhar de cabeça nos aspectos físicos da questão. Com isso ter-me-ei agarrado ao acessório científico e perdido o essencial do pensamento filosófico do autor. Peço desculpa ao Rui por isso. Li e reli de novo o artigo. Não consigo deixar de fazer um paralelismo entre a maçonaria e um misto de teísmo [O Grande Arquitecto, o Sol que tudo ilumina] e de Budismo – a constante procura da perfeição pessoal: Retirado de “O que é o budismo?” - «no entanto, o praticante Vajrayana iniciado nas instruções secretas, muitas delas dadas somente de mestre para discípulo oralmente, também denominadas, verdades sussurradas ao ouvido, iria pelo rio em busca das bagas venenosas, para as retirar directamente do rio, e assim todos poderem livremente beber a água o mais rápido possível.» Mas eu sou ateu. A minha filosofia de vida é aprender o mais possível (não num sentido moral) e fazer conscientemente o máximo de bem e o mínimo de mal. Bom, posto isto, vamos então ao debate: Rui: «E, desculpar-me-á o Diogo, mas a sua afirmação de que, na ausência de um terceiro ponto de referência nem sequer se pode afirmar que há movimento, não está certa: se variar a posição relativa entre o ponto A e o ponto B, é indesmentível que há movimento. O que pode desconhecer-se, na ausência de um terceiro ponto de referência, é se o movimento foi de A, foi de B ou foi de ambos...» Sem um terceiro ponto de referência não pode afirmar que há movimento. O movimento é sempre relativo. A move-se em relação a B em função de C. Mais, o movimento é uma função do espaço e do tempo. Pior, o tempo é uma função de um movimento em relação a outro movimento. Enfim, uma grande salgalhada. Evidentemente, estou a falar num sentido estritamente físico, o que não era a intenção do autor. Quanto ao ponto 4 – O que é o Tempo? Há algum relógio universal a medir o Tempo? Rui: «Esta pergunta, Diogo, tenho-a por retórica... Então o nosso céptico, hiper-racionalista Diogo esqueceu-se da teoria do Big Bang e de que ela postula que com o dito cujo se criou o Universo, o espaço e o tempo (conferir http://pt.shvoong.com/exact-sciences/496537-teoria-da-grande-explos%C3%A3o-big/)? Meu caro Diogo, essa sua pergunta deveria ter sido formulada ao Einstein, não ao Irmão Charles Evaldo Boller... Não lhe faço a injúria de considerar que estava a colocar esta objeção a sério... Assentemos em que estava só a testar se eu estava distraído...» Estou a falar muito a sério Rui. Tanto a teoria da relatividade como a do Big Bang estão muito longe de estarem confirmadas. Eu estou convencido que ambas estão erradas. Acredito num Universo infinito e estacionário, sem princípio e sem fim. Quanto ao ponto 5 – Mas haverá matéria sólida? Se continuar a diminuir de tamanho e entrar dentro dos núcleos dos átomos e dos electrões não irá perceber que afinal todo o Universo é apenas energia? «Meu caríssimo Diogo, está a objetar a quê? Esta sua afirmação é precisamente a afirmação do texto do Irmão Charles Evaldo Boller...» - estou de acordo consigo. Quanto 6 - «Será que legitima a expressão do penso, logo existo, de Descartes? » - também estamos de acordo. Rui: «Para cada argumento que se possa aduzir em abono de que Deus existe, existe um argumento com igual força que o refuta; para cada argumento que se apresente demonstrando que Deus não existe, existe um outro, de igual fortaleza que defende essa existência.» Onde é que o Rui foi buscar este postulado? Rui: «à pergunta quem criou o Mundo?, respondem os crentes que foi Deus; mas de imediato surge então a irrespondível pergunta de quem criou Deus?; similarmente, a tese da Ciência contemporânea de que o Universo teve origem num Big Bang é reduzida à sua dimensão de nada realmente explicar se se pergunta o que (ou quem...) criou, originou esse Big Bang, como e de onde surgiu essa tão fenomenal e extraordinária Força que do Nada fez surgir o Tudo. E, sendo postulado da Ciência que tudo o que existe pode ser reproduzido (e nisso se baseia a Ciência Experimental), como se explica que, desde há biliões e biliões de anos, só haja conhecimento de UM Big Bang, quando seria de esperar uma repetição do fenómeno?» Como lhe disse acima, a teoria do Big Bang está muito longe de estar provada. Eu não acredito nela. De qualquer forma, um Deus, qualquer Deus, teria de ser considerado um ser vivo por mais imaterial que o consideremos. Ele não pensa? Não age? Rui: «Respondendo directamente às suas perguntas, Diogo, o significado da Vida e da criação (ou da primitiva aparição) da Vida é o Grande Enigma. Uns, como eu, crêem só poder ter sucedido e existir pela intervenção de um Poder Criador (que eu designo por Grande Arquiteto do Universo); outros acreditam que a Vida surgiu de uma enorme e incalculável sucessão de acasos cumulativos, que superam em milhões de milhões de milhões (e ponha ainda mais milhões aí...) de vezes as probabilidade de ganhar o Euromilhões. Por mim, tudo bem: cada um acredita no que acredita. Mas, se eu sou crente, quem acredita nessa incalculável megassucessão de mega-acasos, o que é? Talvez... crédulo???» Curiosamente, eu também não sou darwinista e portanto também não acredito que a vida e a evolução sejam fruto do acaso. Mas o que é a vida? Entre as muitas dezenas de descrições que podemos encontrar aqui – http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:http://pt.wikipedia.org/wiki/Vida - uma diz que: «Vida é um sistema que reduz localmente a entropia mediante um fluxo de energia» Donde, será aquilo a que chamamos vida apenas um aglomerado relativamente vulgar no Universo de matéria e energia? Moléculas com um determinado comportamento? Algo, afinal, sem nada de mágico? Quanto ao ponto 9 - «O caminho para a liberdade e perfeição do maçom é dominar suas paixões com o objectivo de acabar com atitudes extremadas e fanáticas. E a vereda do espírito passa pela capacidade de sonhar, com grandes chances de converter a fera humana, apenas controlada pelas leis, em ser humilde diante da grandiosidade do que daqui divisamos. » Rui, aqui não vou discutir consigo. Você já sabe a minha opinião.

E eu formulo a tréplica que se segue:

Uma vez que Diogo reconhece que as suas primitivas críticas ao texto A viagem não tiveram em consideração o caráter alegórico do mesmo, tenho-as por retiradas.

De factual ou científico, a única diferença de opinião que, se bem ajuízo, resta entre Diogo e eu próprio é a questão da necessidade de um terceiro ponto de referência para a verificação se, entre um observador A e um ponto B, algum deles, ou ambos, se movimentam(m). Questão menor, convenhamos. E que, para a economia do debate das nossas ideias e do aprofundamento delas me parece perfeitamente lateral. Desde já declaro não ser um especialista da matéria (aliás, já o declarei neste blogue, considero que não sou especialista de nada, a não ser, hipoteticamente, um "especialista em ideias gerais"), pelo que a minha posição é meramente empírica. E como melhor ilusto as minhas ideias com imagens, procure o Diogo ver a razão da minha afirmação - de que discorda: imagine-se num comboio que, a certa altura, parou numa estação, e está a olhar pela janela. Do lado de lá dela, está um outro comboio, igualmente parado e, olhando pela janela, em sua direção, está uma bela mulher que chama a sua atenção, ao ponto de só a fixar a ela e nada mais. (Temos outra situação de observador A e ponto B e nada mais - que capte a atenção, pelo menos). A certa altura, a sua perceção é que a mulher que fixa se está movimentar para a sua direita. Dois pontos, um observador e o observado. O observador, sem necessidade de mais qualquer ponto de referência, regista a existência de movimento. Precisa efetivamente de um terceiro ponto de referência é para determinar se é o comboio "dela" que suavemente se movimenta, ou o "seu" (ou ambos, eventualmente). Dito isto, não procuro convencer o Diogo de nada, tal como certamente o Diogo não espera convencer-me do contrário do que afirmei. Fique cada um com a sua convicção - e felizmente que esta matéria é de irrisório interesse para nosso debate.

Diogo introduz a sua réplica com uma afirmação interessante e que eu não vejo motivos para rejeitar liminarmente: afigura-se-lhe que a Maçonaria será um misto de teísmo e budismo. É uma forma curiosa de pôr a questão. E é, no meu ponto de vista, irrespondível: a Maçonaria defende precisamente o máximo de liberdade da interpretação individual dos fenómenos. Certamente algumas pessoas partilharão facilmente da curiosa interpretação do Diogo, algumas outras dela discordarão, outras ainda tenderão a concordar, mais ou menos difusa ou parcialmente com a mesma. Em termos de ética maçónica a única reação a ter é registar a tese, respeitá-la e integrá-la como mais um elemento para a nossa própria análise. Ou seja: o Diogo tende a considerar a Maçonaria um misto de teísmo e budismo. Tudo bem, é a sua análise, que não é, de todo, inverosímil. E mais não há que comentar...

O outro aspeto da réplica de Diogo que considero merecer especial realce é o conjunto de proposições que começa com a sua afirmação de princípio (que é esclarecedora e que também só pode merecer uma atitude de respeito pela mesma) de que se considera ateu. Fica esclarecido. Nada a comentar ou objetar. Já na sua réplica especificada, Diogo formula ainda uma reveladora e (para mim) inesperada consideração: está pessoalmente convencido que, quer a teoria da relatividade, quer a teoria do Big Bang estão erradas. E prossegue declarando que acredita num Universo infinito e estacionário, sem princípio nem fim. Estas afirmações de princípio de Diogo abrem, creio, um campo de análise porventura interessante e que talvez o próprio Diogo não tenha ainda detetado.

Não vou tecer qualquer crítica ao entendimento expresso pelo Diogo - isso seria a violação daquilo que, como maçom, acredito dever-lhe: respeito e tolerância pela sua opinião. Nem vou procurar aproveitar-me para extrair conclusões porventura indevidas das suas proposições. Pretendo apenas contribuir para uma reflexão - de quem me ler e do próprio Diogo, em particular. Vou, portanto, formular apenas algumas perguntas. As respostas cada um as dará. O Diogo em particular, em especial no íntimo de si mesmo - onde não tem de temer reações, nem necessita de ninguém impressionar.

Já reparou o Diogo que as caraterísticas que atribui ao Universo que concebe (infinito, estacionário, sem princípio nem fim - portanto, eterno) são aquelas que os crentes atribuem à Divindade? Já reparou que eu poderia descrever o Grande Arquiteto do Universo nos mesmos termos? Será que o ateu que o Diogo se declara afinal se limita a transferir a resposta ao Grande Enigma da Divindade para o Universo? O que é então esse Universo infinito, estacionário, eterno? Não será afinal o ateu Diogo afinal um crente no panteísmo? Não andaremos afinal todos a falar da mesma coisa - só que chamando-lhes nomes diferentes?

Se assim o entender, pense o Diogo, calma e maduramente, nestas questões e nas que estas sugerem. Mas faça-o apenas perante si mesmo. Não com o intuito de refutar outrem ou de concordar com quem quer que seja. Apenas para aprofundar efetivamente as suas ideias, as suas dúvidas, as suas certezas,os seus desconhecimento. E tirar as suas conclusões. Que - se o Diogo for como eu - serão sempre provisórias. E serão suas. Que ninguém tem o direito de criticar ou pôr em causa. Que guardará para si ou partilhará com quem entender, quando entender, se entender.

É esta a felicidade e glória de ser Humano! Seja-se maçom ou profano, ateu ou crente, teísta, ateísta, budista, deísta, panteísta ou outro "ista" qualquer!

Rui Bandeira