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16 junho 2011

Maçonaria e Filosofia Pitagórica - Conclusão


Quando inicio uma série de textos, embora tenha uma ideia geral sobre a estrutura da mesma, não tenho fixado o sentido de cada texto. Elaboro cada texto separada e sucessivamente, alguns já depois de iniciada a publicação da série. Tenho um ponto de partida, uma direção projetada, espero um determinado ponto de chegada, mas só o evoluir dos textos e o estudo que faço na preparação de cada um acabam por determinar a evolução da série e só no final verifico se a conclusão que posso tirar é a que antecipava no momento em que decidi iniciar a série.

Quanto ao tema que hoje termino, a tese defendida foi expressa logo no início: a referência maçónica aos números, a numerologia maçónica, deriva da filosofia pitagórica. Percorrido o ciclo de textos, continuo a perfilhar a tese, mas reconheço que a mesma não passa disso mesmo, de uma tese, de uma hipótese, que necessitará de confirmação fáctica e, na medida do possível, documental.

Ao longo destes textos, foi possível verificar que a relação da Maçonaria com os números é bem mais restrita e simplificada do que a original filosofia pitagórica. Desde logo, aos números pares, à exceção do DOIS, não dedica a maçonaria particular atenção. E a atenção maçónica, em diferentes graus de desenvolvimento, concentra-se em especial nos primeiros números primos: UM, DOIS, TRÊS, CINCO e SETE. Quanto ao significado maçónico, entendo que é herdeiro do significado pitagórico, embora notoriamente simplificado, quando não mesmo apenas um resíduo do conceito pitagórico original.

Nesse sentido, a conclusão final, no meu entender, confirma a expetativa inicial, sem contudo lhe ter acrescentado prova concludente. Portanto, hipótese era, mais do que hipótese não é, por agora.

Um outro aspeto não logrei dilucidar, ao longo do estudo para este conjunto de textos: no pressuposto de que a numerologia maçónica deriva da filosofia pitagórica, por que forma ocorreu essa derivação?

Uma das possibilidades é que os conceitos filosóficos pitagóricos tivessem sido oralmente - e reservadamente - transmitidos em conjunto com os conhecimentos de geometria, no âmbito do ofício de construtor em pedra, seguindo um percurso já neste blogue referenciado na série de textos dedicada à Lenda do Ofício. Consistente com essa possibilidade é a enorme simplificação, quase corruptela, dos conceitos maçónicos em relação aos originais pitagóricos, denotando uma progressiva deterioração e simplificação dos significados originais através do percurso numa longa cadeia de transmissão oral. Não pude, porém, confirmar se existem indícios dessa transmissão nos documentos operativos medievais que foram encontrados, sobretudo no Reino Unido.

Outra possibilidade é a de a introdução desses conceitos na Maçonaria ter sido efetuada por via "erudita", aquando da evolução da maçonaria operativa para a maçonaria especulativa e redação dos modernos rituais.. Se a extrema simplificação dos conceitos conduz, numa primeira análise, ao ceticismo em relação a esta hipótese (o erudito introdutor dos conceitos deveria conhecer os termos da filosofia pitagórica e seria natural que a introdução dos conceitos nos rituais fosse efetuada em termos mais consistentes com a filosofia original), mais cuidada reflexão alerta-nos para o facto de que, não existindo registos escritos das teses pitagóricas, o simples passar do tempo levou a que, mesmo os estudiosos, acabassem apenas por ficar com umas leves luzes (e porventura algumas apagadas...) sobre os conceitos originais, efetivamente perdidos no tempo. Repare-se que, mesmo em meios académicos, existem referências - não particularmente desenvolvidas e nem sempre inteiramente coincidentes - ao UM, DOIS, TRÊS e QUATRO, mais breves ao CINCO e ao DEZ e verifica-se uma omissão, ou quase, em relação ao significado pitagórico do SEIS, SETE, OITO e NOVE. Logo, o "erudito" que porventura tivesse introduzido os conceitos pitagóricos nos rituais ter-se-ia sentido a pisar terreno mais seguro ao concentrar-se nos três primeiros números, onde a própria representação geométrica dos mesmos é mais claramente elucidativa. O CINCO já tem manifestas referências a outros entendimentos, até da Renascença, e o SETE herda, na Maçonaria, o que será apenas um possível significado pitagórico do número, à falta de mais completa confirmação.

Resumindo: a tese exposta ao longo desta série de textos é isso mesmo, uma tese, uma teoria, uma hipótese, que será, ou não, objeto de confirmação documental ou, pelo menos, confortada com indícios históricos bastantes. Se o for, haverá ainda que procurar determinar se a evolução dos pitagóricos para a moderna maçonaria especulativa se fez por via "popular", através do ofício da construção em pedra e da maçonaria operativa ou se decorreu de uma introdução "erudita", aquando da elaboração dos rituais pós-transição para a maçonaria especulativa.

Rui Bandeira

08 junho 2011

Maçonaria e Filosofia Pitagórica - o DEZ



A imagem que encima este texto é a Década pitagórica, a representação gráfica e geométrica do número DEZ. Constitui o desenvolvimento das representações dos três primeiros números: a mónade (que define o ponto), a díade (definidora da linha) e da tríade (definidora da superfície), replicando o triângulo regular desenhado na tríade até ao máximo possível na superfície dos dois círculos gerados pela díade, através do movimento da mónade. Conseguem-se assim inscrever nessa superfície DEZ triângulos regulares.

A década, o último dos números que englobavam os princípios do cosmo, não simbolizava, porém, o fim, antes um ponto de reunião para um novo recomeço, numa viagem sem limites. Os pitagóricos entendiam o DEZ como o símbolo do mundo e dos céus, encerrando o ciclo básico da construção do universo, contido nos números do UM ao DEZ.

Para os pitagóricos, dado que DEZ é igual a UMA vez DUAS vezes CINCO, a década é o resultado da interação da mónade, da díade e da pêntade (ou seja, do Princípio Criador, da dinâmica, da ação, desse princípio e da Vida).

Tal como a mónade, qualquer número multiplicado por DEZ mantém o original, apenas o transportando para um nível mais alto, tornando-o uma versão aumentada de si próprio (UM vezes DEZ = UMA década; DOIS vezes DEZ igual a DUAS décadas; TRÊS vezes DEZ igual a TRÊS décadas, e assim sucessivamente)

Aécio (filósofo grego) escreveu:

DEZ é a verdadeira natureza do número. Todos os gregos e todos os bárbaros contam até DEZ e, chegando ao DEZ, voltam novamente para a unidade. Pitágoras afirma mais uma vez que o poder do número DEZ reside no número QUATRO, a tétrade. Esta é a razão: se começarmos na unidade e somarmos os números sucessivos até QUATRO, obteremos o número DEZ (UM + DOIS + TRÊS + QUATRO = DEZ). E, se ultrapassarmos a tétrade, ultrapassamos também DEZ... De forma que o número que está ao lado da unidade é inerente ao número DEZ, mas potencialmente ao número QUATRO. E, deste modo, os pitagóricos costumam invocar a tétrade no seu juramento de compromisso: "Por aquele que deu à nossa geração a Tetraktys, que contém a fonte e a raiz da natureza eterna..."

Este texto introduz-nos uma variante de representação gráfica da década também utilizada pelos pitagóricos, com um especial relevo na música (recorde-se que, para os pitagóricos, o Universo era constituído na sua essência por números, cujos valores essenciais se relacionavam em perfeita harmonia, como na música, expressão da perfeição da Criação). Essa variante é a tetraktys, abaixo representada.

A tetraktys foi o diagrama para as descobertas pitagóricas na música. Pitágoras fez experiências com fios de diferentes, mas proporcionais, comprimentos, colocados como unindo horizontalmente os pontos representados na figura, fios esses colocados sob a mesma tensão, vindo a descobrir a relação entre o comprimento de um fio a vibrar e a altura do som da nota. A tetraktys contém as razões sinfónicas da harmonia matemática na escala musical: 1:2, a oitava; 2:3, a quinta perfeita; e 3:4, a quarta perfeita.

Os pitagóricos também por esta forma encontraram harmonia nos números, uma harmonia que consideravam (e talvez não erradamente...) refletida na natureza, na arte, na ciência, no som, uma harmonia quiçá misteriosa, seguramente não totalmente compreendida, mas simbólica e indubitavelmente bela.

E quanto à Maçonaria?

Não conheço nenhuma especial relevância, em termos maçónicos, do número DEZ, a exemplo do que sucede com todos os números pares, exceto o primeiro, o DOIS.

Mas, olhando para a tetraktys, reparo que, não sendo ela utilizada pelos maçons, no entanto estes utilizam - e correntemente! - uma versão (muito) simplificada dessa representação gráfica. Usam-na correntemente sempre que utilizam abreviaturas. É uma representação muito simplificada, mas com justificação. Afinal de contas, os maçons, desde a sua iniciação que são confrontados com os significados simbólicos do UM, do DOIS e do TRÊS - e estes três valores podem (todos e cada um) ver-se representados, simplesmente, assim:

Fonte:

O Código Secreto, Priya Hemenway, ed. Evergreen, 2010.

Rui Bandeira

01 junho 2011

Maçonaria e Filosofia Pitagórica - o SEIS, o SETE, o OITO e o NOVE


Em relação aos números pitagóricos do SEIS ao NOVE, escasseiam elementos disponíveis nas consultas que fiz, pelo que agrupo os quatro num único texto, com breves referências a cada um deles.

A héxade, representação gráfica do número SEIS segundo os pitagóricos, está representada pela imagem acima. Era chamada pelos pitagóricos "A Perfeição das partes". O SEIS resulta da multiplicação do DOIS (atividade concretizadora do Princípio Criador) pelo TRÊS (a Criação).

Não conheço especial referência maçónica a este número.

A héptade (imagem abaixo) é a representação gráfica do SETE. A designação SETE, segundo os pitagóricos, derivava do verbo grego sebo, que significa "venerar". Septos, em grego, significa "santo, divino".
O SETE resulta da adição do TRÊS (a Criação) com o QUATRO (o Universo), representando assim o resultado do ato divino. O SETE é o número da religião - religar o mundo sensível ao divino.

Em Maçonaria, o SETE é referido em relação ao grau de Mestre. Sem grande desenvolvimento, direi que a simbologia maçónica inerente a este número é herdeira da simbologia pitagórica (não desenvolvo mais, porque a explicação obrigaria a referenciar passagens da Cerimónia de Elevação a Mestre e do catecismo de Mestre, que entendo não dever divulgar).

A representação gráfica do OITO é a ogdóade (nesta imagem, algo rebuscada, mas não encontrei mais simplificada representação de dois quadrados sobrepostos, formando oito "pontas", triângulos).
O OITO representa o primeiro cubo (DOIS elevado ao cubo, ou seja, 2 x 2 x 2). Consequentemente, o OITO divide-se em dois QUATROS , cada um destes em dois DOIS e cada um destes em dois UNS, refazendo-se a original mónade. Os pitagóricos consideravam o OITO a essência do amor, da prudência e da lei.

Nenhuma referência particular conheço na Maçonaria ao número OITO.

Finalmente, o NOVE era representado graficamente pela enéade. O NOVE é o primeiro quadrado de um número ímpar (3 x 3). Ou seja, a Criação ao quadrado. Ou, por outras palavras, o NOVE, para os pitagóricos, simbolizava a MATÉRIA.

Em Maçonaria, também este número tem um significado semelhante, mas adaptado à respetiva simbologia de base. O maçom é um construtor, mas essencialmente um construtor de si próprio, do seu caráter, do seu Templo. O resultado, sempre em evolução, da sua construção é o Homem em aperfeiçoamento, a "matéria" no seu estádio mais nobre. Associado ao grau de Mestre, o NOVE representa a construção do maçom e o júbilo que resulta do êxito dessa construção.

Fontes:

http://www.pucsp.br/pos/edmat/mp/dissertacao/marcos_munhoz_cano.pdf
http://designconsciousness.blogspot.com/2009/01/heptad.html
http://www.sacred-texts.com/eso/sta/sta16.htm

Rui Bandeira

25 maio 2011

Maçonaria e Filosofia Pitagórica - o CINCO

A partir do ponto do UM e da linha do DOIS emergiu a superfície do triângulo regular do TRÊS e depois o volume da pirâmide quadrangular, de base quadrada, do QUATRO. Com a pêntade, acima representada, os pitagóricos representaram o CINCO. O CINCO não é representado por uma forma geométrica regular clássica, antes por uma forma complexa (uma estrela de cinco pontas inscrita num pentágono regular, por sua vez inscrito num círculo, o qual está inscrito na vesica piscis). A representação gráfica do CINCO abandona a sequência lógica que verificámos anteriormente. Do ponto nasceu a reta, desta a superfície e desta o volume. Mas a pêntade, ou pentagrama estrelado, não parte de nenhum ponto central, nem da reta da díade ou do triângulo da tríade e muito menos da pirâmide da tétrade. A pêntade quebra com a sequência lógica. No entanto, olhando para o símbolo, temos uma sensação de harmonia, de que este símbolo evolui logicamente dos anteriores, embora nos escape essa lógica...

A resposta a esta perplexidade encontra-se se não esquecermos e tivermos presente que os pitagóricos encaram os números como a essência de tudo o que existe. O UM (a mónade, o ponto) é a essência do Princípio Criador; o DOIS (a díade, a linha) é a essência da atividade concretizadora do Princípio Criador; o TRÊS (a tríade, o triângulo regular, a superfície) a essência do resultado da união do Principio Criador e da sua atividade, a Criação; o QUATRO (a tétrade, o quadrado, o volume da pirâmide quadrangular de base quadrada) é a essência do resultado do ato da Criação, o Universo. O CINCO (a pêntade, o pentagrama estrelado) é a essência de quê? Basta pensarmos um pouco para vermos claramente a sequência lógica, o que se segue: a Vida!

A Vida é complexa, ilógica, imprevisível; no entanto, profundamente lógica e harmónica. É bela como o pentagrama estrelado, complexa como a sua emergência geométrica, livre, nascendo fora dos cânones antecedentes, singularmente harmónica como a imagem da pêntade.

O CINCO pitagórico simboliza a VIDA, passo seguinte após a Criação do Universo.

Na Natureza, o pentagrama estrelado aparece por toda a parte: repare-se na estrela-do-mar; na disposição das sementes no interior de uma maçã. O valor CINCO aparece também com frequência na Natureza, desde as simples cinco pétalas de uma flor à quantidade de dedos que temos em cada mão e em cada pé e ao número dos nossos sentidos.

Na Antiguidade, a pêntade era reverenciada e a sua construção geométrica mantida secreta (o hábito do secretismo vem de longe...). Os pitagóricos usaram a pêntade como um sinal secreto para se reconhecerem uns aos outros (onde é que eu também já vi isto...?). A construção desta forma geométrica foi mantida secreta e oralmente transmitida muito depois de a Escola Pitagórica ter desaparecido: as guildas de artesãos que usavam o seu simbolismo nas catedrais góticas não escreviam acerca dela. O método de construção do pentagrama estrelado só veio a ser publicamente revelado a artistas e filósofos pelo professor de Leonardo da Vinci, Luca Pacioli, no seu livro Divina proportione.

A Maçonaria herdou diretamente esta simbologia da pêntade e aplica-a particularmente no grau de Companheiro, o tempo em que o maçom se deve especialmente dedicar ao estudo da Natureza e sua leis, de tudo o que é construído, de tudo o que o homem aprendeu. Em Maçonaria, o CINCO é assim associado ao Companheiro maçom.

Fonte:

O Código Secreto, Priya Hemenway, ed. Evergreen, 2010.

Rui Bandeira

18 maio 2011

Maçonaria e Filosofia Pitagórica - o QUATRO


A representação gráfica do QUATRO, a tétrade, a forma geométrica que, segundo os pitagóricos, representa este número, obtém-se pela forma ilustrada pela imagem que encima este texto.

Recordemos que o UM (que determina o ponto) e o DOIS (que determina a linha) são facetas do Princípio Criador, aquele estático, potencial, este dinâmico, a concretização da potência original, e que os pitagóricos entendiam que estes dois números eram os progenitores de todos os demais números básicos (até DEZ). O "filho" primogénito era o TRÊS, que determina o triângulo equilátero, primeiro polígono regular. O QUATRO determina o quadrado.

A forma mais simples de o desenhar, partindo doa intersecção dos dois círculos (a vesica piscis) é traçar uma linha horizontal unindo os centros dos dois círculos (figura do DOIS) e uma linha vertical ligando os dois pontos de interseção dos dois círculos. Seguidamente, com centro no ponto de interseção destas duas linhas, traça~se um círculo unindo os dois centros dos dois círculos iniciais. Finalmente, ligam-se os quatro pontos de interseção entre o círculo menor e as linhas horizontal e vertical previamente traçadas, desenhando-se um quadrado perfeito, inscrito nesse círculo menor.

QUATRO é o primeiro número formado, quer pela adição, quer pela multiplicação de iguais (DOIS mais DOIS e também DOIS vezes DOIS). Assim, os pitagóricos consideravam o QUATRO o primeiro número par e o primeiro número "feminino". O quadrado de lado par, segundo eles, representava a Justiça, pois é o primeiro número divisível de qualquer maneira em partes iguais (Quatro é igual a DOIS mais DOIS e também a UM mais Um mais Um mais UM).

Mas, se observarmos com atenção a imagem, vemos que o quadrado, combinado com os dois segmentos de reta que o cruzam diagonalmente, nos dão a perceção de volume, figurando uma pirâmide quadrangular. O QUATRO, para os pitagóricos, prossegue a evolução dos conceitos geométricos, espelho da Criação: ponto, linha, superfície, agora volume. Neste sentido, o QUATRO pitagórico representa o Universo resultante do ato criador, que tudo conteve, contém e irá conter.

Em termos de Maçonaria, não conheço qualquer referência particular ao número QUATRO. Porventura pela complexidade doa sua representação gráfica, pela reduzida relevância do quadrado na simbologia maçónica ou pela simbologia "feminina"atribuída pelos pitagóricos ao QUATRO, este valor não mereceu particular interesse na Maçonaria.

Na minha opinião, este facto (que se repetirá em relação a outros dos números básicos dos pitagóricos) não afasta - e, mesmo, corrobora - a tese que venho explanando de que os ensinamentos maçónicos, no que toca aos números, derivam e são uma corruptela da filosofia pitagórica. Mas reconheço que, à míngua de comprovação documental histórica, esta tese vale o que vale. Pode ser bene trovata, mas não tenho meios nem conhecimentos bastantes para poder provar ser vera...

Fonte:
O Código Secreto, Priya Hemenway, ed. Evergreen, 2010.

Rui Bandeira

11 maio 2011

Maçonaria e Filosofia Pitagórica - o TRÊS

Os filósofos pitagóricos representavam o TRÊS através da figura acima, denominada tríade. Esta figura é, aliás a que resulta da demonstração geométrica da primeira proposição de Euclides (construir um triângulo equilátero dado um segmento de reta para seu lado; a demonstração, identificando cada um dos vértices do triângulo, respetivamente, por A, B e C, é: construímos as circunferências de raio AB e de centros em A e B. Seja C o ponto de intersecção das duas circunferências. Desenhamos os segmentos de recta AC e BC. O triângulo ABC é equilátero. Sendo A o centro da circunferência que contém B e C, AB=AC. Sendo B o centro da circunferência que contém A e C, BC=BA. Portanto, podemos concluir que AC=BC. Os três segmentos de recta são iguais, logo o triângulo é equilátero).

Considerando os pitagóricos o UM e o DOIS como os progenitores de todos os restantes números, atribuíam ao TRÊS a condição de primogénito, o número mais velho. A sua forma geométrica, o triângulo equilátero, o primeiro dos polígonos é a forma inicial que emerge da vesica piscis; é a primeira de muitas. O UM determina o ponto; o DOIS a linha; o TRÊS o primeiro polígono regular.

O TRÊS é o único número igual à soma dos termos anteriores a ele (TRÊS é igual à soma de UM mais DOIS). É também o único número que, somado, aos seus anteriores, dá um resultado igual à sua multiplicação pelos números anteriores (UM mais DOIS mais TRÊS dá um resultado igual a UM vezes DOIS vezes TRÊS).

O TRÊS significa equilíbrio, harmonia. O Princípio Criador em potência (o UM) e a concretização dessa potência (o DOIS) geram a harmonia e equilíbrio do TRÊS, pois que, como os dois centros dos dois círculos da díade simultaneamente se repelem e atraem, o terceiro ponto, reconciliador das duas forças opostas, ocorre no local superior onde os dois círculos se intercetam. A tríade, assim, constitui uma relação entre opostos que os une e os traz para um novo nível. Daí o seu significado de harmonia, que nos transmite, aliás, uma importante lição de vida: não é possível qualquer resolução duradoura de um conflito entre dois opostos sem um terceiro fator neutro, que equilibre, arbitre e, por essa via, transforme o conflito em relação estabilizada. A escolha do terceiro elemento significa a diferença entre a resolução e a perpetuação do conflito, consoante este seja efetivamente mediador e equilibrador ou não.

As três linhas do triângulo equilátero são iguais, ou seja, são as "três como um", ou seja, são uma tri-unidade, de onde deriva a palavra trindade. Os antigos deuses da religião hindu são chamados trimurti, em sânscrito "um todo que tem três formas". A religião cristã enfatiza a Trindade Divina. Um antigo símbolo cristão (o Olho da Providência) é constituído por
um triângulo inscrito num esplendor.

Resumindo, o TRÊS é o resultado, em equilíbrio e harmonia, da união do UM com o DOIS, a forma de resolução harmónica do conflito entre a potência e a ação do Princípio Criador, o resultado dessa resolução harmoniosa: a Criação. O TRÊS, primogénito do UM e do DOIS, constitui assim o primeiro resultado do Criador e da sua ação, a primeva Criação, o equilíbrio e a harmonia primordiais.

Em Maçonaria, e particularmente no Rito Escocês Antigo e Aceite, ensina-se, relativamente ao TRÊS, que simboliza o ser, a realidade e a verdade - ou seja, o produto da Criação - e que o binário se devolve à unidade por meio do TRÊS - isto é, ele é o ponto de harmonia, reconciliação e equilíbrio entre o UM e o DOIS. Mais uma vez, qualquer discípulo de Pitágoras poderia ter escrito isto...

Fontes:

Rito Escocês Antigo e Aceite, Ritual de Aprendiz, GLLP/GLRP, junho de 6007
O Código Secreto, Priya Hemenway, ed. Evergreen, 2010.

Rui Bandeira

04 maio 2011

Maçonaria e Filosofia Pitagórica - o DOIS

No texto anterior, deixei a interrogação: O Um é Único e Singular. Sendo assim, e uma vez que Um é o princípio que tudo origina, como é que Um se torna muitos?

Segundo a Filosofia Pitagórica, o UM transforma-se em DOIS refletindo-se a si próprio e separando-se, original e reflexo, através do movimento ilustrado pela imagem acima. Note-se que, com esse movimento, o centro do círculo define uma linha reta. Atente-se na ligação, que os pitagóricos faziam, da essência dos números à Geometria. Através da essência do UM apreendemos o ponto. Com a essência do DOIS deparamos com a linha reta.

À figura acima reproduzida, e que, para os pitagóricos, correspondia à representação gráfica do DOIS, chamavam estes a díade e esta representava o princípio da dualidade ou da diversidade. Essencial à díade era a polaridade, que ocorre em toda a parte e que está na origem da nossa noção de separação um do outro, da natureza e da nossa própria divindade.

A díade ilustra a divisão, logo, a separação da unidade, mas os seus polos opostos (os centros de cada um dos círculos) atraem-se um ao outro, numa tentativa de se fundirem e regressarem à unidade. A díade simultaneamente divide e une, repele e atrai. A díade é o meio de passagem entre o UM e muitos. Se o UM é o Princípio Criador estático, o DOIS ilustra a dinâmica da criação. Se nada existia, como criar a partir do nada? Utilizando o único "material" disponível: o próprio Criador, que se divide e separa, Dele próprio criando o Tudo. A Criação é o reflexo do Criador. O DOIS representa a ação do Criador a ponte, a ligação entre este e o que foi criado. O DOIS é assim a representação da dualidade que em tudo no Universo existe, a dupla natureza do criado que provém do Criador, Dele separado, mas para Ele sempre irremediavelmente atraído.

O UM é o Princípio Criador e simboliza o Masculino, a força ativa que gera a Criação. O DOIS simboliza o Feminino, a força passiva resultante do ato de criação e simultaneamente condição indispensável a esta e à vida. Note-se que, na imagem gerada pela sobreposição dos dois círculos, o espaço comum destes tem a forma de uma vulva. O DOIS é assim também associado à fertilidade e ao Feminino Divino.

O UM é a Força Criadora em potência; o DOIS é o ato concretizador dessa potência. O UM é imóvel; o DOIS é movimento. O UM é absoluto, o DOIS é relativo. O UM é o Tudo sincrético; o DOIS é o Tudo analítico, dotado de diversidade. É através do DOIS que o UM gera os demais números. Assim, para os pitagóricos, o UM e o DOIS eram considerados os pais de todos os outros números.

A imagem que simboliza o DOIS pitagórico não é exclusiva destes. Esta forma de dois círculos que se sobrepõem aparece desde tempos imemoriais. É também designada por vesica piscis (bexiga de peixe, em latim). Na Índia chamam-lhe mandorla (amêndoa). Esta imagem aparece em várias civilizações antigas da Mesopotâmia, África e Ásia, sempre associada ao processo da Criação.

A Maçonaria, mais especificamente o Rito Escocês Antigo e Aceite, ensina, relativamente ao número DOIS, que a razão humana divide e confina artificialmente o que é UM e não tem limites. Assim, a unidade é repartida entre dois extremos, aos quais só as palavras prestam uma certa aparência de realidade.

O conceito abstrato de DOIS dos pitagóricos, enquanto manifestação atual (em ato) do Princípio Criador, dualidade fecunda que da potência do UM gera o Tudo, que, assim, se reveste das características da dualidade e da polaridade (dia/noite; bem/mal; masculino/feminino; luz/escuridão; branco/negro; repouso/movimento) evolui, na conceção maçónica, no meu entender, e tal como sucedeu com o UM para uma corruptela mais concreta: a perceção humana da Criação; a separação artificial, imprescindível à compreensão pelo Homem do Incompreensível Mistério da Criação, em contraposição ao ilimitado e total UM; a dualidade como degradação, separação, divisão artificial do que é real, mas incompreensivelmente, único e uno.

Afigura-se-me, pois, que, tal como sucedeu em relação ao UM, a interpretação maçónica do DOIS é uma corruptela, uma simplificação, uma visão parcial e limitada, do ensinamento pitagórico, decorrente das alterações, perdas, usuras do tempo, decorridas desde o tempo dos pitagóricos e o século XVIII. Mas o princípio de base está lá: os pitagóricos viam o UM e o DOIS como os pais de todos os números; os maçons vêem-nos como geradores do número que se lhes segue.

Fontes:

Rito Escocês Antigo e Aceite, Ritual de Aprendiz, GLLP/GLRP, junho de 6007
O Código Secreto, Priya Hemenway, ed. Evergreen, 2010.

Rui Bandeira

27 abril 2011

Maçonaria e Filosofia Pitagórica - o UM

A imagem acima era chamada pelos gregos de mónade, palavra que deriva de monas, singularidade. Em geometria, o círculo é a origem de todas as formas subsequentes. É, pois, o princípio. Os filósofos matemáticos da Antiguidade grega referiam-se à mónade, ao círculo, como O Primeiro, a Semente, a Essência, a Unidade.

Para os pitagóricos, a Unidade, o Um, era representado pela mónade, pelo círculo. Para eles, nada existia sem um centro, em torno do qual gira, sendo o centro a fonte, a origem, que está para lá de todo o entendimento, que é incompreensível. Em bom rigor, o ponto não existe, não é visível, é uma abstração, mesmo geométrica: o "ponto" que vemos no centro da imagem é um conjunto de muitos verdadeiros pontos, reunidos de forma a criar uma imagem que pode ser apreendida pela nossa visão, um "maxi-ponto", que tomamos por símbolo do vero ponto representado.

Mas, tal como uma semente, o centro, o ponto central, expande-se e realiza-se como um círculo.

A mónade, a singularidade, representa assim o UM, a origem de tudo, o ponto de onde tudo nasce e que, expandindo-se em círculo, é a origem de todas as formas subsequentes - ou seja, o Princípio dos princípios, o que tudo cria: o Criador!

Qualquer número multiplicado ou dividido por um, fica igual a si próprio. A mónade, o Um, a Origem, preserva a identidade de todos e de tudo (para os pitagóricos, os números são a expressão e essência de tudo o que existe).

Por sua vez, um multiplicado por um dá sempre um. O Um é Único e Singular. Sendo assim, e uma vez que Um é o princípio que tudo origina, como é que Um se torna muitos? Veremos isso no próximo texto... Por agora, retenhamos então a noção de que o Um é o princípio criador, a Origem e é representado por um ponto que se expande num círculo.

Este um resumo da filosofia pitagórica em relação ao Um. Vejamos agora o que ensina a Tradição maçónica quanto ao Um.

No Rito Escocês Antigo e Aceite, cedo o maçom aprende que os mistérios dos três primeiros números são as analogias que decorrem das propriedades metafísicas dos números (Pitágoras ou um qualquer seu discípulo não diria, talvez, diferentemente...). O número UM é uno, porque foi criado pelo Deus único. O número UM não tem limites.

Nos ritos de Emulação e de York, o símbolo do "ponto no círculo" (point within a circle) é diferente, sendo o círculo enquadrado por duas retas paralelas.

A interpretação externa ou exotérica deste símbolo decompõe-o nos seus elementos: o ponto representa o indivíduo maçom, o círculo simboliza a linha delimitadora do seu dever perante Deus e o Homem, para lá da qual não deve permitir que as suas paixões, preconceitos e interesses o arrastem e as tangentes paralelas referem-se aos dois S. João patronos da Maçonaria: S. João Batista e S. João Evangelista, no interior de cujos ensinamentos o círculo delimitador da conduta do maçom se deve manter. Esta interpretação é claramente tributária da religião cristã e do teísmo presente, quase em exclusivo, nos primórdios da Maçonaria Especulativa.

A interpretação esotérica do símbolo declara provir ele da mais remota Antiguidade. Mackey, após uma longa introdução sobre a essência do culto da divindade em várias regiões do Mundo Antigo, conclui que o símbolo respeita à característica hermafrodita, isto é, contendo em si o masculino e o feminino, da Divindade, representando o ponto o Sol (força masculina) e o círculo o Universo (força feminina), fertilizado pelos raios do Astro-Rei. As linhas paralelas são os solstícios, que delimitam o percurso aparente do Sol ao longo do ano.

A interpretação maçónica do Um e do respetivo símbolo gráfico representativo constitui, a meu ver, uma corruptela do ensinamento pitagórico. A filosofia pitagórica, transmitida oralmente e em círculos fechados e restritos ao longo de milhares de anos, atravessando os tempos da pujança das divindades romanas, do declínio do Império Romano, do subsequente barbarismo, das trevas da Idade Média, acolhida por rudes construtores, desembocou no século XVIII com significativas alterações. Mas o princípio básico está lá: o UM é, ou representa, ou simboliza (consoante as conceções) o Criador, o Princípio Criador do Universo, a Origem, a Essência de tudo.

Fontes:

http://www.masonic-lodge-of-education.com/point-within-a-circle.html
Rito Escocês Antigo e Aceite, Ritual de Aprendiz, GLLP/GLRP, junho de 6007
O Código Secreto, Priya Hemenway, ed. Evergreen, 2010.

Rui Bandeira

20 abril 2011

Maçonaria e Filosofia Pitagórica - Pitágoras


Julga-se que Pitágoras nasceu em 570 a. C., em Samos, uma ilha grega no mar Egeu e morreu em Metaponto, uma cidade do sueste de Itália colonizada por gregos, em 497 ou 496 a.C.. Pouco se sabe da sua vida. Relatos que devemos ter por lendários, por historicamente inverificados, referem que, instigado por Tales de Mileto, viajou até ao Egito, tendo sido admitido no templo de Disópolis, aí tendo tomado contacto com os Mistérios egípcios, e à Pérsia, onde teria estudado com Zoroastro. Regressado a Samos, aí fundou uma comunidade religiosa, os mathematikoi, que constituiram uma Escola Filosófica que hoje denominamos por Escola Pitagórica.

Tenha-se presente que, na Antiguidade, a filosofia foi a precursora de todas as ciências. As escolas filosóficas eram as universidades da época, onde se estudava e investigava e refletia e especulava sobre todos os fenómenos da vida e do Universo, procurando dar-lhes explicação.

Para os pitagóricos, a verdadeira essência, o princípio fundamental de tudo são os números, não enquanto símbolos, mas sim enquanto valores de grandeza (a essência do número, não a sua forma ou representação). Ou seja, os números a que se referiam não eram os símbolos utilizados para os representar (e muito menos os algarismos - 1, 2, 3, etc. - que apenas foram inventados pelos árabes, séculos mais tarde...), mas os valores que eles exprimem. Uma coisa manifesta-se externamente por uma estrutura numérica, sendo o que é por causa desse valor. O cosmo é regido por relações matemáticas.

Aristóteles escreveu, na sua Metafísica, a propósito de Pitágoras:

Os chamados pitagóricos, que foram os primeiros a estudar matemática, não só desenvolveram o seu estudo, como também, tendo sido educados segundo o espírito dela, acreditavam que os seus princípios eram os princípios de todas as coisas. Uma vez que destes princípios os números são por natureza o primeiro, e nos números eles parecem ver muitas semelhanças com as coisas que existem e que surgem - mais do que no fogo e na terra e na água (de modo que uma modificação de números é a justiça, outra é a alma e a razão, outra a oportunidade - e de igual modo quase todas as outras coisas podem ser expressas numericamente); e, mais uma vez, acham que as modificações e as razões das escalas musicais podem ser expressas em números; e uma vez que todas as outras coisas parecem na sua natureza ser modeladas sobre números, e os números parecem ser as primeiras coisas de toda a natureza, eles supõem que os elementos dos números são os elementos de todas as coisas e que todo o céu é uma escala musical e um número.

Os primeiros dez números eram vistos pelos pitagóricos como padrões para todos os princípios do cosmo.

Que tem isto a ver com a Maçonaria?

Qualquer iniciado maçom sabe que algo do que aprende em Loja se relaciona precisamente com os números e com esta conceção de que os números (ou, pelo menos, alguns números), mais do que meros símbolos de quantidade, refletem essências, qualidades.

Parte do estudo dos símbolos a que os maçons se dedicam tem como objeto precisamente o estudo do que simbolizam os (ou determinados) números. A meu ver, a influência da filosofia pitagórica neste particular aspeto da filosofia maçónica é evidente.

Irei, nos próximos textos, procurar expor o significado que os pitagóricos atribuíam a cada número e, quando os maçons também a esse número atribuírem algum significado, comparar ambas as conceções, em ordem a fazer ressaltar as semelhanças e dissemelhanças porventura existentes.

Como já acima referi, quando, a este respeito se fala de números, não nos estamos referir a algarismos (que inexistiam na Antiguidade Clássica), mas do respetivo conceito essencial. Referir-me-ei, portanto a Um - e não a 1 -, a Dois - que não a 2 -, a Três - não 3 - e assim sucessivamente. Assim sendo, como representavam os pitagóricos os conceitos de Um, Dois, Três, etc.? Denominavam-nos na respetiva língua e certamente notavam-nos, nem que fosse abreviadamente, pelos símbolos escritos em uso na sua época e lugar. Mas, quando se referiam a um conceito numérico, representavam-no... geometricamente! A sua Matemática emergia - afinal como a que hoje conhecemos... - da Geometria. E iremos ver que algumas das caraterísticas que os pitagóricos atribuíam a cada número tinham uma relação estreita com a sua conceção de representação geométrica desse número.

Terei, julgo, oportunidade de assinalar que idêntica conceção geométrica dos valores numéricos informa os conceitos que os maçons extraem dos números que para eles têm particular significado.

Fontes:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Pit%C3%A1goras
O Código Secreto, Priya Hemenway, ed. Evergreen, 2010.

Rui Bandeira




13 abril 2011

Maçonaria e Filosofia Pitagórica - Introdução


Sobre a origem da Maçonaria, existem três tipos de teses (dentro de cada tipo, existem variações):


a) A tese histórica, que, em síntese, declara que a Maçonaria Especulativa que hoje conhecemos deriva da Maçonaria Operativa e esta era o conjunto de práticas, normas e ensinamentos próprios existentes nas associações de construtores em pedra, nas suas diferentes formas de organização (Lojas operativas, guildas, associações de companheiros, etc.);

b) A tese cavaleiresca, que proclama que a Maçonaria realmente descende das ordens cavaleirescas das Cruzadas, em especial dos Templários que, destruídos enquanto organização, os seus sobreviventes, dispersos pela conspiração de Filipe, o Belo e Clemente V, ter-se-iam acolhido designadamente na Escócia e aí utilizado as existentes Lojas dos construtores para se ocultarem e ocultarem os seus segredos;

c) A tese dos Antigos Mistérios, segundo a qual conhecimentos esotéricos e ocultos, acessíveis apenas a poucos escolhidos, de tal merecedores, eram transmitidos desde a Antiguidade, dos Egípcios, dos Sumérios, dos Gregos, enfim, de todas as Escolas Místicas da Antiguidade, em escolas ocultas de transmissão e conservação desses Mistérios, que desembocaram, primeiro, nas Lojas Operativas medievais e, depois, na Maçonaria Especulativa (com ramais de ligação ou variação vários: Rosacrucianismo, Martinismo, Iluminati, Escola Ocultista, Teosofia, etc., etc.).

Considero correta a tese histórica. É a que documentalmente se confirma. Não necessita de especulações fantasistas.

Julgo ter já neste espaço explicado que a tese cavaleiresca em geral nasce da imaginação do Chevalier Ramsay e a tese templária, em particular, de um erro de Mackey (ver Origem e primórdios do Rito Escocês Antigo e Aceite - o Discurso do Chevalier Ramsay). Não discuto a possibilidade de alguns cavaleiros Templários se terem refugiado na Escócia. Mas não aceito facilmente que se lograssem "ocultar" - e aos seus "segredos" - no seio de rudes, incultos e analfabetos operários de construção, infiltrando-se tão profundamente que lograram entretecer nos ensinamentos das associações de construtores os ocultos ensinamentos templários, sem que ninguém, a começar pelos próprios construtores infiltrados, tivesse dado por isso e sem que resultasse registo digno de nota (quando dezenas de manuscritos dos operativos se descobriram). Ademais, pelo menos num País, o cantinho à beira-mar plantado, Portugal, os Templários permaneceram, e organizados, apenas com o fácil e lusitano expediente da mudança de nome para Ordem de Cristo, sem necessidade de infiltração ou ocultação - e sem que se tenha gerado uma particular escola iniciática ou um específico repositório de conhecimentos esotéricos, pese embora a muito nossa e sebastiânica tese de que tempo virá em que Portugal salvará o Mundo e gerará o famoso V Império, que tocou mentes e espíritos tão ilustres e admiráveis como os de Fernando Pessoa e Agostinho da Silva.

Avesso que sou a misticismos irrazoáveis (imediatamente a seguir a escrever isto interrogo-me, sem, para já, ter a certeza da resposta, se haverá misticismo razoável...), também rejeitei a tese dos Antigos e secretos Mistérios (secretos apesar de milenarmente transmitidos e de haver inevitáveis traições, possíveis cedências a torturas e mil outras comezinhas realidades que obrigam um espírito racional a concluir que um segredo só se mantém realmente secreto se for conhecido apenas de um - e se este não falar durante o sono...) .

Porém, o estudo que fiz a propósito da Lenda do Ofício alertou-me para algo que anteriormente não tinha pensado: há que ter cuidado com as designações, não tomar, de ânimo leve, uma designação pelo sentido que hoje lhe damos, enfim, devemos procurar buscar mais fundo e com espírito aberto. A Lenda do Ofício ilustra-nos que a designação de Maçonaria também correspondeu a Geometria, pura ou aplicada em Arquitetura, por si ou concretizada em Construção e que, atendendo a este conjunto de significados, tal Lenda ilustra uma verosímil (embora com evidentes erros de anacronismo) linhagem de transmissão dos conhecimentos de Geometria desde a Antiguidade (onde e quando seriam restritos a uns poucos escolhidos...) até às Lojas Operativas medievais.

A mesma abertura de espírito e similar olhar para além das aparências levam-me hoje a admitir que, continuando a ser historicamente correto dizer-se apenas que a Maçonaria especulativa se originou nas Lojas Operativas medievais, os ensinamentos que transmite aos seus Iniciados porventura derivarão, em parte, de uma específica escola de Antigos Mistérios: da Escola Filosófica Pitagórica.

Procurarei nos próximos textos justificar esta minha admissão.

Rui Bandeira