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22 maio 2009

Como falamos a democracia?

Sou um amante de África !
Quando aos 20 e poucos anos desembarquei em Luanda e fui a correr beber, pela primeira vez na vida, uma Coca-Cola (no Portugal da Europa era proíbido comercializar a Coca-Cola e mais todas as outras "colas") fiquei apanhado.
Foi assim uma espécie de "tiro e queda" cuja explicação só é localizável no conceito de espaço, naquele momento completamente pulverizado.
Entendi de repente que um "metro" é muitissimo "mais comprido" do que eu tinha percebido antes. O conceito de distância era outro, e recebi por essa via um valente e violento soco mental que me fez alterar por completo a visão do mundo.

Não sei se me orgulho disto.

A constatação da "saloíce" bacoca que antes enchia a minha visão do mundo não me parece que possa constituir exatamente uma glória. Mas era assim e portanto não há volta a dar-lhe.
Terá sido então esse choque que me fez apaixonado por aquela terra ?
Agora penso que sim, embora encontre várias outras razões complementares que ajudaram à festa.
O clima é outro componente. A forma de relacionamento aberto entre as pessoas, totalmente diferente da mesquinhez continental é ainda outro a ajudar à paixão. A não utilização de dinheiro inferior a um escudo (os "tostões" não interessavam a ninguém, não valia a pena gastar tempo a contá-los !) também ajudou.


Para quem não saiba o que é isso dos "tostões" adianto que foram, na época, os "cêntimos" atuais. Portanto o que acontecia naquela terra supostamente atrasada, existente num continente supostamente atrasadíssimo (era a ideia ensinada no continente), era que tudo se passava a uma dimensão 100 vezes maior. A unidade mais pequena, lá, valia 100 vezes mais do que a unidade mais pequena do pequeno Portugal europeu.


Esta ideia não foi materializada de imediato mas foi esta a realidade encontrada.
Bem, toda esta explicação para explicar uma paixão... como se as paixões tivessem explicação.

Burro ! Não melhorei nada !!!


Finalmente, como apaixonado por África vou lendo e contactando tudo o que as oportunidades do dia-dia me vão permitindo. Foi assim que apanhei este texto de Mia Couto, curiosamente no dia a seguir a tê-lo encontrado e trocado uma conversa breve com ele, numa passadinha que deu pela Malaposta onde foi ver a apresentação local de "Chuva pasmada", coisa assim a modos que uma autobiografia de criança, conforme me disse que era.

E porque em textos anteriores "brinquei" um pouco com a lingua portuguesa (lembram-se do "bilinguismo" e da "iberofonia" ? Vão lá atrás meia dúzia de textos e verão) encontrei neste comentário do Mia Couto uma aproximação curiosa da ideia central que o tal de Roberto Moreno apresenta no seu conceito de "geolíngua".
Repare-se que um é moçambicano e outro brasileiro e não tenho qualquer indicação de que se conheçam.
Desde logo são personalidades de tal forma diferentes que há mesmo uma forte probabilidade de não saberem um do outro.

Aqui Vos deixo para se entreterem:


Como falamos a democracia?


Os nacionalistas africanos não ficaram à espera que um vocabulário apropriado nascesse nas línguas maternas dos seus países.

Na bela cidade de Durban, falávamos eu e outros escritores africanos da surpresa do modo como, no Zimbabwe, tantos ainda apoiam Robert Mugabe. Havia, no grupo, escritores de vários países de África. Aproveitámos o que melhor há nas conferências literárias: os intervalos.

A nossa perplexidade não se limitava ao caso zimbabweano. Como é que povos inteiros, em outras nações, se acomodaram perante dirigentes corruptos e venais. De onde nasce tanta resignação?

Uma das razões dessa aceitação reside na forma como as línguas se relacionam com conceitos políticos da modernidade. Por exemplo, um zimbabweano rural designa os seus líderes nacionais como entidades divinizadas, fora das contingências da História e longe da vontade dos súbditos. O mesmo se passa em quase todas as línguas bantus.

A questão pode ser assim formulada:
- Como pensar a democracia numa língua em que não existe a palavra «democracia»?
- Num idioma em que «Presidente» se diz «Deus»?

Nas línguas do Sul de Moçambique, o termo para designar o chefe de Estado é «hossi».
Essa mesma palavra designa também as entidades divinas na forma dos espíritos dos antepassados, traduzindo uma sociedade em que não há separação da esfera religiosa. Parece uma questão de ordem linguística. Não é.

Trata-se do modo como se organizam as percepções e as representações que uma sociedade constrói sobre si mesma. A sacralização do poder não pode casar com regimes em que se supõe que os líderes são escolhidos por livre votação, numa sociedade em que os súbditos se convertem em cidadãos.

Esse assunto escapa muitas vezes a quem se especializou em organizar seminários sobre cidadania e modernidade em África. A problemática política é vista, quase sempre, na sua dimensão institucional, exterior à intimidade dos cidadãos. Quando o participante do seminário explicar à sua comunidade o conteúdo dos debates usará a sua língua materna. E sempre que se referir ao Presidente ele fará uso do termo «deus».

Como pedir uma atitude de mudança nestas circunstâncias?
O que se pode fazer?
Será que os falantes destas línguas estão condenados à imobilidade por causa desta inércia linguística?

Na realidade, existem tensões entre a lógica interna de algumas destas línguas e a dinâmica social. Estas tensões não são novas e sempre foram resolvidas a favor da adaptação criativa e da criação de futuro.
Já no passado, as culturas africanas (e todas as outras em todos os continentes) tiveram que se moldar e se reajustar perante aquilo que surgia como novidade.

Eu mesmo testemunhei o modo veloz como as línguas moçambicanas se municiaram de instrumentos novos, roubando e apropriando-se de termos não próprios. Com o uso generalizado esses termos acabaram indigenizando-se. Sem drama linguístico, sem apoio de academias nem de acordos ortográficos os falantes dessas línguas «pediram» de empréstimo palavras de outros idiomas.
Moçambique é, nesse domínio, um caldeirão dessas mestiçagens.
Os nacionalistas africanos não ficaram à espera que um vocabulário apropriado nascesse nas línguas maternas dos seus países. Eles começaram a luta e essa mesma dinâmica contaminou (mesmo com uso de termos e discursos inteiros em português) as restantes línguas locais.

Tudo isto nos traz a convicção do seguinte: a capacidade de questionar o presente necessita de língua portadora de futuro. A necessidade de sermos do nosso tempo e do nosso mundo exige línguas abertas ao cosmopolitismo.
África – tantas vezes pensada como morando no passado – já está vivendo no futuro no que respeita à condição linguística: quase todos africanos são multilingues. Essa disponibilidade é uma marca de modernidade vital.

O destino da nossa espécie é que cada pessoa seja a humanidade toda inteira.

(Crónica de Mia Couto, escritor moçambicano, publicada na edição de Abril da revista África 21 )

Como viram aqui está outro defensor do bilinguísmo sendo que, para mim, este é bem mais representativo.

Mas de facto há uma enorme aproximação no conceito base.

JPSetúbal

16 abril 2009

LINGUA – 2

Irei hoje regressar ao tema da língua sob estudo do Roberto Moreno.
Se derem uma passadinha pelo “Língua-1” recordar-se-ão que “a coisa” anda à volta dos conceitos de “bilinguismo” e, como consequência, de “iberofonia” em contraponto à Lusofonia, Francofonia e Anglofonia.
E partimos do princípio da necessidade de uma língua, dialeto ou o que se quiser para entendimento global.

Pensemos então no seguinte:
- A adoção do português como 2ª língua é uma decisão natural em França onde há 1 milhão de lusófonos e onde o português é a 2ª língua mais falada;
- E em Itália, porque o português entende 50% do italiano e porque o Brasil é a maior colónia de italianos no mundo;
- Há uma afinidade natural entre Português e Castelhano;
- Há uma aproximação natural entre as línguas latinas, (Português, Castelhano. Francês,
Italiano e Romeno às quais ainda podemos juntar o Catalão) da qual o Português tira a
vantagem enorme do seu poder de adaptação;
- Poder-se-á afirmar sem grande margem de erro que saber Português significa saber
também 90% de Castelhano, 50% de Italiano e 20% de Francês.

Bom, quem leu até aqui concordou ? Há aqui alguns axiomas que ou são aceites ou a teoria vai por água abaixo, mas se pensarmos um bocadinho nos aspetos da prática do relacionamento dos portugueses com o mundo não me parece difícil aceitar grande parte destes pontos de partida para o resto que aí vem (isto é uma ameaça !).

Então lá vamos.
Na politica de língua do Mercosul os países hispânicos já tem o português como 2ªlingua por efeito do Brasil ter adotado o castelhano também como sua 2ª língua, o que reforça claramente a Iberofonia.
Boutros Ghali já se mostrou favorável à Franco-Iberofonia.
O Português é língua oficial de 8 estados em 4 continentes, é língua de comunicação num grupo enorme de organizações internacionais (UE, Unesco, Mercosul, Organização dos Estados Americanos, União Latina, Aliança Latino-Americana de Comércio Livre, União Económica e Monetária da África Ocidental, obrigatório nos países do Mercosul e língua oficial da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral)

Nos EUA há 50 milhões de falantes de Português e Castelhano e a ALCA (Aliança de Livre Comércio das Américas) é impensável sem o Brasil, que fala português, obviamente !
Se por estes 2 efeitos os EUA adotarem o português para 2ªlíngua ficarão 1 bilião de pessoas entendendo-se em Português.

Agora entramos na parte mais… “virtual” da teoria !

Mais adoções da língua portuguesa como 2ª língua.

Na China. Já fizemos uma aproximação em “LINGUA – 1”. A comunicação interna é muito difícil pelas diversidades linguísticas que já referimos, há uma clara aproximação ao Brasil que com a Rússia e a Índia representam a nova “ordem mundial” nos aspetos comercial, científico e geopolítico (dizem eles…). Além disso há uma tradição de mais de 400 anos de contactos com o português, em Macau. Se a China aceitar o português como 2ª língua ficaríamos com mais 2.300 milhões de falantes em português.
Na Índia, onde a diversidade de comunicação também já foi referida (23 línguas e 1000 dialetos) a adoção de uma 2ª língua, externa, facilitaria toda a relação. De resto há regiões na Índia onde ainda se ouve falar português (Goa, Damão e Diu, pelo menos). Na Índia ficariam mais 1.100 milhões de falantes.
Na Indonésia, por razões semelhantes às da China e da Índia e ainda por ter fronteira com Timor Leste. A Indonésia acabou de pedir a entrada, como observadora, na CPLP.

Por que razão a insistência em que a 2ª língua seja o português e não outra qualquer ?
Porque quem aprende português faz um negócio tipo pague 1 e leve 2.
O bilinguismo é uma característica do lusófono e é única do mundo.
Essa característica é o resultado visível (audível…) da riqueza da sua arquitetura fonética baseada em 7 fonemas orais e 5 nasais.
Português é já a 2ªlingua dos paises (30) hispânicos.

E agora o “morango” que faltava:
“A língua portuguesa é como o software Linux, pois pode ser usada e praticada a custo zero, basta assistir a uma telenovela brasileira na sua língua original”.
Confessem que esta não vos passava pela cabeça.

Bem, a Fundação Geolíngua está mesmo a trabalhar neste projeto.
A imaginação e o Marketing brasileiros dão força ao projeto. E nem lhe falta o argumento Fernando Pessoa:

O PROBLEMA DAS LÍNGUAS
“Se ter uma grande literatura fosse, por si só, suficiente para impor, não a mera sobrevivência, mas
a vasta e duradoura sobrevivência de uma língua, o grego seria hoje a segunda língua da civilização. Mas nem sequer o latim, que também chegou a ser a segunda língua da civilização, conseguiu manter a sua supremacia. Para assegurar a sua permanência no futuro, a língua tem de ter algo mais do que uma grande literatura: ser dona de uma grande literatura é uma vantagem positiva, mas não efectiva, pois salvará a língua da morte, mas não garantirá a sua promoção na vida.
A primeira condição para uma ampla permanência de uma língua no futuro é a sua difusão natural, o que depende do simples factor físico do número de pessoas que a fala naturalmente.
A segunda condição é a facilidade com que poderá ser aprendida; se o grego fosse fácil de aprender, todos nós teríamos, hoje, o grego como segunda língua.
A terceira condição é que a língua terá de ser o mais flexível possível de modo a poder responder na íntegra, a todas as formas de expressão possíveis, e de consequentemente ser capaz de espelhar com fidelidade, através da tradução, a expressão de outras línguas e assim dispensar, do
ponto de vista literário, a sua aprendizagem.
Ora, falando não só do presente, mas também do futuro imediato, na medida em que este possa ser considerado como factor de desenvolvimento das condições embrionárias do nosso tempo, só há três línguas com um futuro popular - o inglês (que já tem uma larga difusão), o espanhol e o português.
São línguas faladas na América, e como Europa significa civilização europeia, a Europa tem-se radicado cada vez mais no continente ocidental.
Assim línguas como o francês, o alemão e o italiano só poderão ser europeias: não têm poder imperial.
Enquanto a Europa foi o mundo, estas dominaram, e triunfaram mesmo sobre as outras três, pois o inglês era insular e o espanhol e o português encontravam-se num dos seus extremos. Mas quando o mundo passou a ser o globo terrestre este cenário alterou-se. Será, portanto, numa destas três línguas que o futuro do futuro assentará.”

Fernando Pessoa
pág. 148 do livro, A Língua Portuguesa.

E pronto, aqui têm com que se entreter. Não quero que vos falte nada !

Como vês, caríssimo Zé, não se trata de te pôr a falar "espanhol", pelo contrário, trata-se de pôr o mundo a falar português... Um pouco louco, verdade ?

JPSetúbal