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22 agosto 2016

A Santificação do Homem (republicação)

O texto de hoje, ou a sua republicação, foi escrito pelo José Ruah em 2009 e onde aborda o Judaísmo, a sua religião, e reproduz uma comunicação que apresentou  no colóquio " Turres Veteras X - a Historia do Sagrado e do Profano".
O texto original pode ser consultado aqui.

Uma pequena menção do autor:  "O Texto foi escrito para ser lido e por isso perdoarão alguma incorrecção. As citações são extraidas do Livro " Torá" editado recentemente pela editora Sefer do Brasil e consequentemente estão escritas em português do lado de lá."

"A Santificação do Homem

Quando me foi lançado este desafio, de vir aqui falar sobre o Sagrado e o Profano do ponto de vista do judaísmo, aceitei sem saber bem o que iria dizer sobre o tema.

É importante lembrar que não sou Rabino nem estudioso de matérias religiosas pelo que corro o sério risco de vos apresentar algo que fique muito aquém das expectativas, mas é a minha visão do assunto.

O judaísmo enquanto religião e forma de vida visa sempre a santificação do homem numa perspectiva de o tornar mais próximo de Deus.

A religião judaica prescreve mandamentos e regras que se integralmente cumpridas representarão o respeito máximo por Deus e pela sua Santidade, e que não cumpridas farão do homem um profano que ao contrario do seu irmão cumpridor, no dia do julgamento poderá ser considerado como indigno de se manter vivo.

Todavia o homem está sempre a tempo de se arrepender e retornar ao caminho da santidade com isso glorificar Deus. Este arrependimento, que pode surgir a qualquer altura, está muito associado com o dia do Kipur. Dia de penitencia e arrependimento e também o dia em que cada judeu se apresenta perante Deus e lhe apresenta contas do que fez, esperando que o seu nome seja inscrito por Deus no Livro da Vida e que o seu arrependimento seja aceite.

Neste sentido e de forma a realçar a importância do percurso do homem, de cada homem, no sentido a elevação espiritual decidi ir buscar exactamente os trechos da Torá que explicam e regulamentam o dia de Kipur e de lá extrair o que me pareceu fundamental para ilustrar a perspectiva judaica sobre o sagrado e o profano, do ponto de vista do homem.

Uma breve explicação prévia, a Torá é composta por 5 livros (Bereshit – Génesis, Shemot – Êxodo, Vaycrá -Levitico, Bamidbar – Números e Devarim – Deutronomio) e constitui a lei fundamental do judaísmo, a lei dada por Deus a Moisés no deserto. Nestes livros poderemos encontrar desde a criação do Mundo aos preceitos alimentares e regulamentos familiares. Estes livros são lidos em capítulos semanais de maneira a que num período de um ano todos os livros tenham sido integralmente lidos e se recomece.

Estes são os livros de base do que se convencionou chamar de Bíblia.

Para ilustrar o tema de hoje escolhi algumas passagens e respectivos comentários, que penso poderão ajudar a explicar o que o judaísmo pensa e preconiza. Estas passagens estão incluídas no capítulo que regula o Dia de Kipur.


“... E tomarás os dois cabritos e os farás ficar diante do Eterno à porta da tenda da reunião. E lançará Aarão sobre os dois cabritos, sortes, uma para o Eterno e outra para Azazel. E aproximará Aarão o cabrito sobre o qual caiu a sorte para o Eterno e o oferecerá como oferta de pecado. E o cabrito sobre o qual caiu a sorte para Azazel colocar-se-á vivo diante do Eterno, para expiar por meio dele, para envia-lo para Azazel no deserto.


E colocará Aarão suas duas mãos sobre a cabeça do cabrito vivo, e manifestará sobre ele todas as iniquidades dos filhos de Israel, todos os seu delitos e todos os seus pecados, e os porá sobre a cabeça do cabrito e o enviará, por mão de um homem designado para isso para o deserto. E levará o cabrito todas as iniquidades à terra desabitada e deixará o cabrito ir pelo deserto… “

Vaikrá (Levitico) 16: 7 a 10 e 21 a 22

Sobre este trecho da Torá o Rabino Mendel Diesendruck, que na década de 50 do sec. XX foi Rabino em Lisboa escreve o seguinte:


“ Sortes: os nossos exegetas interpretam esta cerimónia de sortear os cabritos como indicação simbólica para os dois diferentes elementos humanos e a sua maneira distinta de encarar os problemas da vida. Um encarna com o seu estilo de viver e pela pureza das suas acções e pensamentos aquela máxima gravada em muitas sinagogas com letras douradas por cima da Arca Sagrada, Shiviti Hashem Lenegdi Tamid (Tenho o Eterno sempre à minha presença), ou seja tudo o que eu faço e pretendo fazer é orientado e guiado por uma única motivação: Viver sempre dentro das prescrições da Torá, amar a Deus, o meu povo e a humanidade inteira; e para concretizar este meu ideal sublime não receio qualquer sacrifício.

Este elemento humano que representa pela nobreza do seu carácter a perfeição da criação Divina é o símbolo de “ para o Eterno” .

Mas existe também um elemento radicalmente oposto. É aquele ser humano cuja vida é claramente profana, cujos interesses nesta vida são de um materialismo vil, uma abjecção grosseira; o tipo de ser humano cujo maior ideal é o seu próprio ego, para o qual o meio ambiente não existe, porque ele é incapaz de dar algo de si.

Este tipo de homem vive na auto ilusão de ser um elemento útil à sociedade mas quem for capaz de deitar um olho para dentro da sua alma vazia e pobre, verificará facilmente que ele, coitadinho, não é mais que um bode isolado num deserto. Pois nós todos sabemos muito bem que existem não apenas desertos geográficos, mas também – e o que é mais lamentável – desertos espirituais, intelectuais, assim como existem climas que não dependem somente das condições atmosféricas, mas sim do calor das nossas almas e dos sentimentos de nossos corações. Este segundo elemento também não se importa em fazer toda a espécie de sacrifícios para alcançar o seu fim, mas é o fim próprio que distingue estes dois carácteres.

Enquanto para o primeiro o alvo é “ para o Eterno “ , a meta do segundo é orientada “ para Azazel “.
A cerimónia de sortear os bodes, oficiada no dia mais sagrado e pelo homem mais sagrado (o sumo-sacerdote) é talvez a mais bela e mais significativa demonstração de que o acaso pode ser um factor decisivo quando se trata de carneiros inocentes, mas nunca em relação ao homem responsável pelos seus actos. “

Mais à frente pode ler-se na Torá:

“… E falou o Eterno a Moisés dizendo: “ Fala a toda a congregação dos filhos de Israel, e lhes dirás: Santos sereis, pois santo sou EU o Eterno vosso Deus….” …”
Vaikrá (Levitico) 19: 1 e 2


A este propósito o Rabino Mendel Diesendruck escreveu o seguinte:

“Santos Sereis: Segundo Rashi (comentador mais importante da Torá) isto significa – “ afastai-vos de toda a espécie de imoralidade e da transgressão” – “

O Rabino Diesendruck retoma escrevendo:

“ O Judaísmo não conhece nenhum outro “santo” além de Deus. Em que consiste então a substancialidade de Deus? No “ser diferente”, no “ser fora” de toda a natureza e por isso na liberdade. A opinião que Deus Sive Natura é uma flagrante negação da doutrina básica do judaísmo. Fora da natureza é o reino da liberdade. “Santo” significa livre no grau mais transcendental. O homem nunca é fora da natureza; para o ser o humano só pode prevalecer sempre a “aspiração à santidade “, aspiração cujo objectivo é livrar suas acções de tudo o que é terrestre, material, fútil, mesquinho e profano, uma aspiração a que os seus sentimentos e desejos sejam determinados o máximo possível pela sua consciência divino-espiritual…”

O comentário é concluído com a seguinte afirmação:

“ Ser criado à imagem de Deus não é um facto consumado, mas sim uma elevada missão, uma potencialidade em constante desenvolvimento. “

Na mesma edição da Torá que utilizei e a propósito da mesma passagem os editores juntam o seguinte comentário:

“ Santos sereis: O homem não precisa de executar nenhum acto fora do comum ou feito extraordinário para ser santo. Em todas as esferas da vida o “fazer” e o “não fazer” de cada indivíduo é que o tornam santo. A singularidade do povo de Israel está no facto de que a vida e a santidade não são dois domínios separados. Quem deseja ser santo não precisa de se afastar da natureza, da vida, retirar-se da sociedade para ir viver no deserto, fechar-se asceticamente dentro de muros ou ir viver isolado para a floresta. Todos nós podemos ser “ um reino de sacerdotes e um povo santo” (Êxodo 19:6), e isso não se dará pelo afastamento ou renúncia da vida, mas sim através da santificação da vida, de acordo com o conselho: “ Reconhece-O em todos os teus caminhos” (Provérbios 3:6).”

Como podemos perceber destes comentários e do que atrás foi dito, no judaísmo é dado um especial enfoque ao homem como o decisor da santidade.

O Judaísmo preconiza valores e preceitos que permitem, se seguidos, ao homem tornar-se mais puro e mais santo, pois aproximam-no de Deus.

O homem tem a capacidade de progredir no caminho da sacralização por acção do seu livre arbítrio e vontade, cumprindo os mandamentos e preceitos e assim aproximando-se do seu Criador, à imagem do qual foi feito.

Este tema é no fundo uma das bases da sacralização pois podemos interpretar que o ter sido feito à imagem e semelhança quer dizer que lhe foi concedido raciocínio e poder de decisão.

Consequentemente o homem, ao contrário dos animais que agem por instinto, pode separar o bem do mal e pode escolher ser mais “santo” fazendo sobressair a centelha Divina que lhe foi incutida, ou por outro lado decidir uma vida mais profana.

É todavia importante perceber e diferenciar esta santificação do homem na religião judaica, da santificação / beatificação na religião Cristã. No judaísmo a Santificação é interior e exclusiva de quem segue o caminho dos mandamentos e será apenas reconhecida por Deus. Não existirá em caso algum a veneração de um homem por parte de outros homens.

Concluo com uma incerteza e uma certeza. A incerteza de vos ter trazido algo de utilidade, a certeza de ter aprendido com este trabalho e desta forma ter progredido um ínfimo passo no meu melhoramento.

Todavia se porventura a minha incerteza se tornar certeza então tenho que agradecer-vos pela oportunidade que me deram de dar mais um pequeno passo, neste caminho que todos deveremos levar no sentido da santidade.

Apenas com o trabalho interior de cada um independentemente da religião que seguimos poderemos de forma afirmativa progredir. A nossa progressão individual terá seguramente como consequência a progressão dos nossos semelhantes em direcção a um futuro que esperamos melhor.


José Ruah"

10 julho 2008

Maçons e controvérsia sobre religião

Os princípios existem para serem seguidos sem desvios. Por isso são princípios. Os princípios enformadores da Maçonaria Regular, os Landmarks, que por vezes também designamos pela Regra dos Doze Pontos, existem e são observados desde há centenas de anos. Um desses princípios é o sexto Landmark, a que já dediquei um texto e cujo teor aqui agora reproduzo:

A Maçonaria impõe a todos os seus membros o respeito das opiniões e crenças de cada um. Ela proíbe-lhes no seu seio toda a discussão ou controvérsia, política ou religiosa. Ela é ainda um centro permanente de união fraterna, onde reinam a tolerante e frutuosa harmonia entre os homens, que sem ela seriam estranhos uns aos outros.

Recordei que este basilar princípio existe para ser aplicado em todas as circunstâncias há poucos dias. No último parágrafo do texto Escada em caracol escrevi, erradamente, que "(...) a escada em caracol não deve ser confundida com a escada de Jacob, símbolo eminentemente cristão, (...)". Atento, o José Ruah, corrigiu, alertando para o facto de que também na Religião Judaica se referencia e estuda o significado da Escada de Jacob. Reconheci-lhe de imediato razão: esquecera-me que o Livro do Génesis (onde consta a referência à Escada de Jacob) também integra a Torah e é, portanto, parte dos Livros Sagrados, quer do Cristianismo, quer do Judaísmo. Deveria ter utilizado o adjectivo "religioso" em vez do "cristão".

Mas o José Ruah concluiu a sua chamada de atenção com uma frase que eu, sempre atento a estas coisas, logo me apercebi que dava pano para mangas e daria para o "picar" para uma das controvérsias em que nós gostamos de nos envolver. Concluiu ele, como de costume poupando nos acentos:

"A Escada de Jacob não é um simbolo Cristão e representa segundo a interpretaçao judaica valores muito proximos dos defendidos pela Maçonaria."

Pensei em lançar-lhe o isco de que com esta declaração ele estaria a enfeudar a Maçonaria e os seus valores à Religião Judaica, manifestando-lhe a minha discordância e proclamando que a Maçonaria é independente de todas as religiões e aos crentes de todas admite no seu seio. Conhecendo como conheço o Ruah, calculei que, se ele decidisse engolir o anzol, retorquiria que era assim, mas não deixaria de enumerar e exemplificar princípios comuns à Maçonaria e ao Judaísmo. Eu responderia assinalando a similaridade dos princípios maçónicos com os de várias outras religiões, cada um seguidamente pegaria nas frases do outro que lhe desse mais jeito para argumentar em torno de sua tese, buscaria e apresentaria citações de filósofos, professores e estudiosos renomados e assim poderíamos manter uma saudável controvérsia, no decurso da qual estudaríamos e aprenderíamos um com o outro algo sobre o tema. No final, como é também costume, concluiríamos que, a bem dizer, nem sequer havia discordâncias de monta ente nós, que afinal pensávamos praticamente o mesmo, consistindo a diferença apenas em que cada um formulava idêntico pensamento de maneira diferente. Se decidíssemos entabular uma controvérsia deste tipo, ambos saberíamos, desde o início, que esta evolução era "trigo limpo, farinha Amparo", até porque ambos sabemos ler e interpretar o que está escrito e ambos sabíamos que a frase do Ruah que acima transcrevi e que me serviria de pretexto para lançar a controvérsia não enfeudava realmente os princípios da Maçonaria à Religião Judaica, pois o que nela se diz é que a interpretação judaica das escada de Jacob representa valores muito próximos dos defendidos pela Maçonaria, não se excluindo que interpretações de outras religiões igualmente não representassem valores igualmente próximos dos valores maçónicos. É claro que, para bem da controvérsia, ambos "fingiríamos" que só no fim nos apercebíamos disso e nisso concordávamos...

Estive tentado a começar o texto de "picanço". Porventura daria um debate engraçado e a propósito do qual ambos aprenderíamos alguma coisa e, connosco, quem nos lesse.

Depois pensei melhor. O sexto Landmark alertou-me. Por alguma razão a sabedoria ancestral da Maçonaria proíbe, no seio dos maçons, toda a discussão ou controvérsia, política ou religiosa. Mesmo amigável, mesmo com a melhor das intenções, a controvérsia sobre questões religiosas é sempre terreno minado e areia movediça. A convicção religiosa é de tal forma culturalmente imanente à identidade de cada um, que basta uma palavra mal percebida para acirrar ânimos e gerar mal entendidos. Temos e teremos imensas oportunidades, o Ruah e eu, de nos "picarmos" mutuamente para controvérsias, polémicas, debates, de onde resulte algo esclarecedor, para nós e para quem nos ouve ou lê. Não devemos esquecer ou torcer ou deixar de lado um dos basilares princípios da Maçonaria Regular só para satisfazer o nosso gosto de polemizar. Além do mais, seria irónico que se violasse um dos princípios basilares da Maçonaria Regular para estabelecer um debate sobre... a confluência dos princípios da Maçonaria e das religiões...

É mesmo assim, como comecei: os princípios existem para serem seguidos sem desvios!

Rui Bandeira

01 junho 2007

A Santificação do Homem

O post de hoje, para desanuviar, é sobre um tema um pouco diferente da maçonaria , ou talvez não.

Reproduzo aqui uma comunicação que apresentei há umas semanas atrás no coloquio:
" Turres Veteras X - a Historia do Sagrado e do Profano"

O Texto foi escrito para ser lido e por isso perdoarão alguma incorrecção. As citações são extridas do Livro " Torá" editado recentemente pela editora Sefer do Brasil e consequentemente estão escritas em português do lado de lá.


A Santificação do Homem


Quando me foi lançado este desafio, de vir aqui falar sobre o Sagrado e o Profano do ponto de vista do judaísmo, aceitei sem saber bem o que iria dizer sobre o tema.

É importante lembrar que não sou Rabino nem estudioso de matérias religiosas pelo que corro o sério risco de vos apresentar algo que fique muito aquém das expectativas, mas é a minha visão do assunto.

O judaísmo enquanto religião e forma de vida visa sempre a santificação do homem numa perspectiva de o tornar mais próximo de Deus.

A religião judaica prescreve mandamentos e regras que se integralmente cumpridas representarão o respeito máximo por Deus e pela sua Santidade, e que não cumpridas farão do homem um profano que ao contrario do seu irmão cumpridor, no dia do julgamento poderá ser considerado como indigno de se manter vivo.

Todavia o homem está sempre a tempo de se arrepender e retornar ao caminho da santidade com isso glorificar Deus. Este arrependimento, que pode surgir a qualquer altura, está muito associado com o dia do Kipur. Dia de penitencia e arrependimento e também o dia em que cada judeu se apresenta perante Deus e lhe apresenta contas do que fez, esperando que o seu nome seja inscrito por Deus no Livro da Vida e que o seu arrependimento seja aceite.

Neste sentido e de forma a realçar a importância do percurso do homem, de cada homem, no sentido a elevação espiritual decidi ir buscar exactamente os trechos da Torá que explicam e regulamentam o dia de Kipur e de lá extrair o que me pareceu fundamental para ilustrar a perspectiva judaica sobre o sagrado e o profano, do ponto de vista do homem.

Uma breve explicação prévia, a Torá é composta por 5 livros (Bereshit – Génesis, Shemot – Êxodo, Vaycrá -Levitico, Bamidbar – Números e Devarim – Deutronomio) e constitui a lei fundamental do judaísmo, a lei dada por Deus a Moisés no deserto. Nestes livros poderemos encontrar desde a criação do Mundo aos preceitos alimentares e regulamentos familiares. Estes livros são lidos em capítulos semanais de maneira a que num período de um ano todos os livros tenham sido integralmente lidos e se recomece.

Estes são os livros de base do que se convencionou chamar de Bíblia.

Para ilustrar o tema de hoje escolhi algumas passagens e respectivos comentários, que penso poderão ajudar a explicar o que o judaísmo pensa e preconiza. Estas passagens estão incluídas no capítulo que regula o Dia de Kipur.


“... E tomarás os dois cabritos e os farás ficar diante do Eterno à porta da tenda da reunião. E lançará Aarão sobre os dois cabritos, sortes, uma para o Eterno e outra para Azazel. E aproximará Aarão o cabrito sobre o qual caiu a sorte para o Eterno e o oferecerá como oferta de pecado. E o cabrito sobre o qual caiu a sorte para Azazel colocar-se-á vivo diante do Eterno, para expiar por meio dele, para envia-lo para Azazel no deserto.


E colocará Aarão suas duas mãos sobre a cabeça do cabrito vivo, e manifestará sobre ele todas as iniquidades dos filhos de Israel, todos os seu delitos e todos os seus pecados, e os porá sobre a cabeça do cabrito e o enviará, por mão de um homem designado para isso para o deserto. E levará o cabrito todas as iniquidades à terra desabitada e deixará o cabrito ir pelo deserto… “

Vaikrá (Levitico) 16: 7 a 10 e 21 a 22

Sobre este trecho da Torá o Rabino Mendel Diesendruck, que na década de 50 do sec. XX foi Rabino em Lisboa escreve o seguinte:


“ Sortes: os nossos exegetas interpretam esta cerimónia de sortear os cabritos como indicação simbólica para os dois diferentes elementos humanos e a sua maneira distinta de encarar os problemas da vida. Um encarna com o seu estilo de viver e pela pureza das suas acções e pensamentos aquela máxima gravada em muitas sinagogas com letras douradas por cima da Arca Sagrada, Shiviti Hashem Lenegdi Tamid (Tenho o Eterno sempre à minha presença), ou seja tudo o que eu faço e pretendo fazer é orientado e guiado por uma única motivação: Viver sempre dentro das prescrições da Torá, amar a Deus, o meu povo e a humanidade inteira; e para concretizar este meu ideal sublime não receio qualquer sacrifício.

Este elemento humano que representa pela nobreza do seu carácter a perfeição da criação Divina é o símbolo de “ para o Eterno” .

Mas existe também um elemento radicalmente oposto. É aquele ser humano cuja vida é claramente profana, cujos interesses nesta vida são de um materialismo vil, uma abjecção grosseira; o tipo de ser humano cujo maior ideal é o seu próprio ego, para o qual o meio ambiente não existe, porque ele é incapaz de dar algo de si.

Este tipo de homem vive na auto ilusão de ser um elemento útil à sociedade mas quem for capaz de deitar um olho para dentro da sua alma vazia e pobre, verificará facilmente que ele, coitadinho, não é mais que um bode isolado num deserto. Pois nós todos sabemos muito bem que existem não apenas desertos geográficos, mas também – e o que é mais lamentável – desertos espirituais, intelectuais, assim como existem climas que não dependem somente das condições atmosféricas, mas sim do calor das nossas almas e dos sentimentos de nossos corações. Este segundo elemento também não se importa em fazer toda a espécie de sacrifícios para alcançar o seu fim, mas é o fim próprio que distingue estes dois carácteres.

Enquanto para o primeiro o alvo é “ para o Eterno “ , a meta do segundo é orientada “ para Azazel “.
A cerimónia de sortear os bodes, oficiada no dia mais sagrado e pelo homem mais sagrado (o sumo-sacerdote) é talvez a mais bela e mais significativa demonstração de que o acaso pode ser um factor decisivo quando se trata de carneiros inocentes, mas nunca em relação ao homem responsável pelos seus actos. “

Mais à frente pode ler-se na Torá:

“… E falou o Eterno a Moisés dizendo: “ Fala a toda a congregação dos filhos de Israel, e lhes dirás: Santos sereis, pois santo sou EU o Eterno vosso Deus….” …”
Vaikrá (Levitico) 19: 1 e 2


A este propósito o Rabino Mendel Diesendruck escreveu o seguinte:

“Santos Sereis: Segundo Rashi (comentador mais importante da Torá) isto significa – “ afastai-vos de toda a espécie de imoralidade e da transgressão” – “

O Rabino Diesendruck retoma escrevendo:

“ O Judaísmo não conhece nenhum outro “santo” além de Deus. Em que consiste então a substancialidade de Deus? No “ser diferente”, no “ser fora” de toda a natureza e por isso na liberdade. A opinião que Deus Sive Natura é uma flagrante negação da doutrina básica do judaísmo. Fora da natureza é o reino da liberdade. “Santo” significa livre no grau mais transcendental. O homem nunca é fora da natureza; para o ser o humano só pode prevalecer sempre a “aspiração à santidade “, aspiração cujo objectivo é livrar suas acções de tudo o que é terrestre, material, fútil, mesquinho e profano, uma aspiração a que os seus sentimentos e desejos sejam determinados o máximo possível pela sua consciência divino-espiritual…”

O comentário é concluído com a seguinte afirmação:

“ Ser criado à imagem de Deus não é um facto consumado, mas sim uma elevada missão, uma potencialidade em constante desenvolvimento. “

Na mesma edição da Torá que utilizei e a propósito da mesma passagem os editores juntam o seguinte comentário:

“ Santos sereis: O homem não precisa de executar nenhum acto fora do comum ou feito extraordinário para ser santo. Em todas as esferas da vida o “fazer” e o “não fazer” de cada indivíduo é que o tornam santo. A singularidade do povo de Israel está no facto de que a vida e a santidade não são dois domínios separados. Quem deseja ser santo não precisa de se afastar da natureza, da vida, retirar-se da sociedade para ir viver no deserto, fechar-se asceticamente dentro de muros ou ir viver isolado para a floresta. Todos nós podemos ser “ um reino de sacerdotes e um povo santo” (Êxodo 19:6), e isso não se dará pelo afastamento ou renúncia da vida, mas sim através da santificação da vida, de acordo com o conselho: “ Reconhece-O em todos os teus caminhos” (Provérbios 3:6).”

Como podemos perceber destes comentários e do que atrás foi dito, no judaísmo é dado um especial enfoque ao homem como o decisor da santidade.

O Judaísmo preconiza valores e preceitos que permitem, se seguidos, ao homem tornar-se mais puro e mais santo, pois aproximam-no de Deus.

O homem tem a capacidade de progredir no caminho da sacralização por acção do seu livre arbítrio e vontade, cumprindo os mandamentos e preceitos e assim aproximando-se do seu Criador, à imagem do qual foi feito.

Este tema é no fundo uma das bases da sacralização pois podemos interpretar que o ter sido feito à imagem e semelhança quer dizer que lhe foi concedido raciocínio e poder de decisão.

Consequentemente o homem, ao contrário dos animais que agem por instinto, pode separar o bem do mal e pode escolher ser mais “santo” fazendo sobressair a centelha Divina que lhe foi incutida, ou por outro lado decidir uma vida mais profana.

É todavia importante perceber e diferenciar esta santificação do homem na religião judaica, da santificação / beatificação na religião Cristã. No judaísmo a Santificação é interior e exclusiva de quem segue o caminho dos mandamentos e será apenas reconhecida por Deus. Não existirá em caso algum a veneração de um homem por parte de outros homens.

Concluo com uma incerteza e uma certeza. A incerteza de vos ter trazido algo de utilidade, a certeza de ter aprendido com este trabalho e desta forma ter progredido um ínfimo passo no meu melhoramento.

Todavia se porventura a minha incerteza se tornar certeza então tenho que agradecer-vos pela oportunidade que me deram de dar mais um pequeno passo, neste caminho que todos deveremos levar no sentido da santidade.

Apenas com o trabalho interior de cada um independentemente da religião que seguimos poderemos de forma afirmativa progredir. A nossa progressão individual terá seguramente como consequência a progressão dos nossos semelhantes em direcção a um futuro que esperamos melhor.


José Ruah