27 junho 2012

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - IX

Se algum Irmão se comportar indevidamente e causar embaraços à sua Loja, deverá ser devidamente admoestado duas vezes, pelo Mestre ou Vigilante em Loja; e se este não refrear a sua imprudência, e não se submeter obedientemente à decisão dos Irmãos, ou não se emendar, deverá ser tratado de acordo com o regimento interno da Loja, ou, então, de acordo com o que em Reunião Trimestral se achar mais apropriado, para o que se tomará depois uma decisão fundamentada.

Esta regra respeita à disciplina em Loja. O maçom deve respeitar regras estritas de comportamento (ver os seis textos sobre a conduta dos maçons em "As Obrigações dos Maçons", também indexados no marcador Constituição de Anderson de 1723). Fraternidade não implica licenciosidade nem aceitação de condutas impróprias.

Como em quase todas as reuniões humanas, as sessões maçónicas têm períodos de maior concentração e seriedade e momentos de alguma descontração. Mas, como em tudo na vida, é essencial o equilíbrio. Há assim que respeitar as regras instituídas e que chamar a atenção sempre que ocorram transgressões.

Mas, precisamente porque se está numa fraternidade, busca-se que não haja transgressões, ou ocorrendo alguma, que esta cesse o mais rapidamente possível, e, se possível, sem outras consequências ou sequelas. Assim, ocorrendo situação de infração às regras de conduta, o Venerável Mestre, em relação a todos os obreiros da Loja, o 1.º Vigilante, em relação aos Companheiros ou o 2.º Vigilante, em relação aos Aprendizes, deve fazer sentir isso mesmo ao infrator, instando-o a que cesse a conduta imprópria ou embaraçosa, em suma, a infração.

Pode, porventura, o infrator não entender bem a censura feita, até porque essa primeira intervenção deve ser feita de modo cordato. Pode porventura não levar a sério a interpelação. Pode estar de tal forma alterado, distraído ou concentrado que uma cordata intervenção não seja por ele notada ou considerada. Se tal suceder, deve proceder-se a uma segunda admoestação, esta já em tom mais firme, de forma a que se não duvide da seriedade da interpelação.

Se a esta segunda firme e séria interpelação não corresponder o visado com a cessação da sua conduta infracional, então não restarão dúvidas de que está consciente e voluntariamente a infringir. Haverá então lugar a procedimento disciplinar.

O procedimento disciplinar é regulado pelo Regulamento Interno de cada Loja - o qual, porém, deverá respeitar os princípios gerais, sobretudo de defesa do arguido, previstos no Regulamento Geral da Obediência.

A competência disciplinar incumbe ao Venerável Mestre, que designa o Mestre Maçom que deverá exercer as funções de instrutor do processo. Tradicionalmente, o instrutor do processo disciplinar é, em regra, o Orador - sem prejuízo de poder ser designado outro Mestre da Loja para executar essa tarefa (designadamente tendo em atenção a preparação especializada do designado, procurando-se, sempre que possível, que o instrutor de um processo disciplinar tenha preparação jurídica). O instrutor do processo disciplinar exerce a sua tarefa com total independência. O processo disciplinar finda com uma proposta do instrutor (que pode, obviamente, ser de arquivamento ou de aplicação de sanção), que deve ser decidida pelo Venerável Mestre (se a proposta for de arquivamento ou de aplicação de sanção que não seja a expulsão) ou pela Loja (se for proposta a sanção de expulsão ou se o visado no processo disciplinar for o Venerável Mestre).

Em vinte e dois anos de existência, exceção feita a algumas exclusões do Quadro de Obreiros por abandono de atividade ou falta de pagamento de quotas, autênticas atuações administrativas só seguindo a forma disciplinar por respeito aos direitos de defesa dos visados, a Loja Mestre Affonso Domingues não teve nunca que aplicar qualquer sanção disciplinar. 

O mesmo sucede, por regra, nas Lojas maçónicas que funcionam bem: o correto funcionamento de uma Loja maçónica gera laços fortes entre os seus obreiros, tecidos de companheirismo e de respeito mútuo, que permitem que qualquer conflito seja resolvido sem que se chegue a instâncias disciplinares, que qualquer conduta menos própria cesse mediante as chamadas de atenção efetuadas.

Nos termos do Regulamento Geral da GLLP/GLRP, existe nesta um Tribunal de Apelação, ao qual assiste competência para apreciar os recursos das decisões disciplinares do Venerável Mestre ou da Loja.

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 138.

Rui Bandeira

25 junho 2012

A Maçonaria e o Culto Solar




"Todas as grandes religiões professam uma filosofia que (...) continua a tratar e a ensinar o Culto Solar e a forma como o Sistema Solar se Comporta.. (...) Hoje sabemos também que a posição do Sol em relação aos outros Eloíns ou planetas também nos afecta e conforme os Anjos, ou ângulos relativamente entre eles, produzem efeitos no comportamento quer ao nível do nosso planeta, quer ao nível do nosso corpo. É claro que em Maçonaria, essas representações Alegóricas tem essas metáforas baseadas em «questões Morais». (...) Eu aceito que o Paulo e outros maçons, não possam falar abertamente sobre estas coisas em público... (...) agora custa-me a aceitar e a perdoar que este conhecimento se mantenha Oculto, tudo fazendo para programar as massas não as educando ou reservando só para si, a chave de muitos problemas que afectam a nossa civilização."
(de um comentário recente do Streetwarrior, que tomei a liberdade de abreviar)

O nosso leitor Streetwarrior apresenta uma série de hipóteses - das quais extrai variadas conclusões - que me pareceram merecer mais do que um mero "comentário ao comentário". Vou tentar contribuir - sucintamente! - com a minha visão do assunto. Comecemos então pelo princípio.

A primeira hipótese é a de que todas as grandes religiões terão a sua origem no Culto Solar, tendo progressivamente divergido umas das outras na forma, mas mantendo a essência e a ancestralidade. Terá havido um "conhecimento ancestral" que se foi degradando com o tempo, e que apenas alguns terão sabido manter na sua integridade. A este respeito pouco haverá a dizer de categórico: não creio que haja documentos que o demonstrem, e tudo o que existe constitui apenas uma série de conjeturas, especulações e extrapolações, forçosamente pessoais e mais do campo da crença do que do da ciência. Assim sendo, é questão que não vou, sequer, tentar discutir: sou absolutamente concordante com a posição da maçonaria a este respeito, de que matéria de crença, fé ou convicção pessoal  são matérias que não devem ser discutidas, mas apenas respeitadas enquanto manifestação da liberdade individual.

A hipótese seguinte - apresentada como facto incontestado - é a de que a posição do Sol  em relação aos outros planetas afete o comportamento quer do nosso planeta quer do nosso corpo. Se virmos esta afirmação numa perspetiva estritamente astronómica e científica - do campo, portanto, dos factos  demonstráveis - dificilmente podemos deixar de a subscrever. Todavia, ao estabelecer um paralelo entre "planetas" e "Eloíns", e entre "ângulos" e "anjos", afastamo-nos do factual, e regressamos ao domínio da crença.

As duas hipóteses anteriores conduziram a uma terceira: de que "em Maçonaria, essas representações Alegóricas tem essas metáforas baseadas em «questões Morais»". Não é novidade que em maçonaria se faça recurso intensivo de símbolos, metáforas e alegorias para se transmitir ideias e princípios. A este respeito, nada de novo. É igualmente conhecido que a maçonaria terá ido "beber" a maior parte da sua simbologia de outras fontes, não criando coisas novas senão esporadicamente. Afinal, torna-se mais simples e eficaz transmitir uma ideia alicerçada sobre conhecimentos já consolidados do que tentar fazê-lo sobre terreno virgem. É verdade que muitos - a maior parte, diria - dos ensinamentos morais que a maçonaria transmite o são de forma alegórica, simbólica ou figurada. Não é por acaso que diz ser a maçonaria "um sistema de moral velado por alegorias e ilustrado por símbolos".

No entanto, não é correto identificar-se a maçonaria com o qualquer "conhecimento ancestral" que terá estado na origem das religiões, a não ser que tal seja feito, eventualmente, numa perspetiva antropológica e sociológica da História das Religiões - que não me parece ser o caso. A maçonaria, a este respeito, pretende apenas promover "a religião com que todos os homens concordam", conceito próximo do da "religião natural", ideia muito em voga no Iluminismo, segundo a qual haveria algumas características da crença religiosa que emanariam da essência da própria natureza humana. Não pretende, de modo algum, constituir ela mesma uma religião, ou reclamar-se detentora de qualquer conhecimento ancestral secreto, mas tão-somente promover a harmonia entre homens de crenças diferentes, na certeza de que o simples facto de terem crenças - mesmo que diferentes - é e deve ser um fator de união e identidade, e não de contenda.

A maçonaria não é detentora de nenhum "segredo oculto" sobre nenhum culto solar, nem detém nenhum conhecimento ancestral sobre o Sol, a Lua, as estrelas, os Astros ou o Zodíaco. Há, sim, símbolos da maçonaria que evocam esses corpos celestes, a começar logo pela questão de se chamar "luz" ao conhecimento. Todavia, são apenas isso mesmo: símbolos, alegorias, auxiliares de memória. Não há conhecimentos ocultos, fórmulas mágicas ou poderes escondidos. Só há trabalho, esforço e vontade de ser uma pessoa melhor - cada um à sua maneira.

É só isto, e não há nada que impeça um maçon de falar disto.

Paulo M.

24 junho 2012

Reeleição do Grão Mestre



Pela segunda vez na história da GLLP/GLRP aconteceu a reeleição de um Grão Mestre.

Ontem, depois de um período de votação antecedido da apresentação das candidaturas, processo que decorreu com com grande elevação e respeito, foi dia de se proceder ao escrutínio.

O Muito Respeitável Irmão José Moreno foi reconduzido no cargo de Grão Mestre, ao vencer a eleição. A proclamação do resultado foi feita na sessão de Grande Loja que se seguiu, sendo que a instalação ocorrerá num futuro próximo.

Como foi já aqui dito há mais ou menos dois anos, o agora reconduzido Grão Mestre é membro da RL Mestre Affonso Domingues, e isso é para a nossa Loja motivo de Orgulho.

Sabemos do trabalho feito, sabemos que há trabalho a fazer. E José Moreno, tal como aqui se disse há dois anos é homem de poucas palavras - mas de palavra - e de muitos actos. 

Estamos prontos para fazer o que for para fazer para poder tornar a nossa Grande Loja cada vez melhor.

Ao Muito Respeitável Grão Mestre os nossos desejos de grandes sucessos !


José Ruah

20 junho 2012

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - VIII

Nenhum grupo ou fação de Irmãos se retirará ou se separará da Loja em que foram iniciados, ou admitidos como membros, a não ser que a Loja se torne demasiado grande, e, mesmo assim, só com autorização do Grão-Mestre ou seu Vice-Grão-Mestre; e quando tais Irmãos se separem, devem imediatamente filiar-se noutra Loja, que mais lhes aprouver, com o consentimento unânime dessa mesma Loja à qual se ligarão (como regulamentado acima), ou então devem obter permissão do Grão-Mestre para a formação de uma nova Loja. Se algum grupo ou fação de Maçons se decidir a formar uma Loja sem a permissão do Grão-Mestre, as Lojas já formadas não deverão apoiá-los nem reconhecê-los como legítimos Irmãos ou considerar a Loja como devidamente formada, nem aprovar os seus atos ou conduta, mas tratá-los como rebeldes até que se submetam, na forma que o Grão-Mestre, em sua grande prudência, decida; e até que os aprove, concedendo-lhes patente, a qual deve ser comunicada às outras Lojas, como é de costume quando uma nova Loja é registada na Lista de Lojas.


Esta regra prevê a proibição do que em termos maçónicos é designado por Lojas Selvagens, isto é, a constituição de Lojas à revelia da Grande Loja. 

Destina-se a prevenir a resolução de possíveis conflitos ou divergências numa Loja mediante a cisão. E, por essa via, a desmotivar a criação de fações, grupos, que se digladiem ou levem a cabo lutas por vão "poder".

Essencial para o funcionamento de uma Loja maçónica e o correto desenvolvimento do seu múnus é a tolerância, a aceitação das diferenças, a acomodação das divergências. Não se tem de estar de acordo com tudo nem com todos. Pode-se e deve-se, sempre que se entender que tal se justifica, expor opiniões diferentes, proclamar desacordos, apontar caminhos diversos. É no confronto de ideias, no pesar de escolhas, no aferir de sensibilidades, que cada um afia e afina o seu pensamento, esclarece as suas dúvidas, determina o que e como deve investigar seguidamente. Uma Loja em que todos estivessem sempre de acordo, monótono coral de "yes men", seria um local de bocejante aborrecimento, condenado ao rápido desinteresse...

Mas precisamente porque uma Loja maçónica deve ser um local de debate livre, de fecundo confronto de ideias, é imperioso que tudo esteja organizado para que o debate, o confronto, não ultrapassem a fronteira da saudável controvérsia para o território da luta ideológica. Desde logo, todos e cada um interiorizando que os debates em Loja não se destinam a convencer o Outro ou ou outros ou um grupo dos demais, mas apenas e tão só a que cada um teste as suas próprias ideias, determine a valia dos seus argumentos, a força dos seus convencimentos, enfim, se convença a si próprio, quantas vezes pensando no fim do debate algo de subtilmente diferente daquilo que o convencia no seu início.

Mas o homem não é perfeito - e os maçons sabem que o não são: por isso buscam aperfeiçoar-se... Uma coisa são os princípios, outra, por vezes, a dura realidade, as paixões, os entusiasmos, a incapacidade de determinação do denominador comum às divergências, que as aplaine, suavize e permita a sua convivência harmoniosa. Por vezes, verifica-se que se cristalizam formas de pensar inconciliáveis, projetos de atuação incompatíveis. Nem sequer se trata de uma questão de maiorias ou minorias, pois uma minoria pode criar uma escola de pensamento, preferir um projeto, um e outro tão dignos como o pensamento e o projeto da maioria, só que diferentes entre si e não se podendo ambos em conjunto levar a cabo ao mesmo tempo.

Nestas situações - sempre possíveis de suceder - não é desejável e, portanto, não é admitido, que haja cisão, saída desordenada e conflituosa, antes que haja separação consensual, de forma a que o novo projeto se inicie sem desnecessários conflitos. Por isso severamente se ostraciza a "loja selvagem", para que ninguém se tente a constitui-la, antes todos e cada um tenham presente que os conflitos, as divergências, a emergência de novos projetos, se gerem em harmonia, em diálogo e - sempre! - com o respeito das posições divergentes. Mais do que projetos conflituantes em competição entre si, interessa que haja projetos fecundos, pistas exploratórias de caminhos novos, coletiva e consensualmente assumidos e prosseguidos em espírito de cooperação. Assim, os êxitos serão saboreados por todos e os fracassos mais facilmente integrados e ultrapassados.

A GLLP/GLRP tem uma política de favorecimento de criação consensual de Lojas. Para isso, criou a figura de "Loja-mãe", a Loja que apadrinha a criação de uma outra - em regra, a Loja de onde é oriunda a maioria dos obreiros que se propôs avançar com um novo projeto.

A Loja Mestre Affonso Domingues tem uma cultura, que remonta ao seu início, de favorecer novos projetos. Por isso, nunca chega a ser uma Loja com um quadro de obreiros muito numeroso. Quando esse quadro comporta a criação de um novo projeto, sem detrimento do prosseguimento do da Mestre Affonso Domingues, normalmente esse novo projeto nasce, a inquietação saudável de uns quantos para trilhar uma nova vereda do caminho comum torna-se evidente - e, calma, ordenada e tranquilamente, a Loja apadrinha a criação de uma nova Loja e vê com orgulho e satisfação uns quantos dos seus, que ali se fizeram maçons e aprenderam a sê-lo, abalançarem-se à criação do seu ninho próprio. E a angústia da separação cede à satisfação de mais um dever cumprido, de mais uma emancipação, de um novo projeto, saído da nossa "escola de formação". A Loja Mestre Affonso Domingues tem prosseguido vários projetos ao longo da sua existência, uns com mais êxito, outros menos bem conseguidos, uns mais visíveis, outros mais modestos. Mas seguramente o projeto de maior consistência ao longo dos seus ainda poucos vinte e dois anos é o de ser formadora de maçons, incubadora de novas Lojas, favorecedora de ousadias, ninho  que periodicamente encoraja os seus residentes a voarem dele para fora.

Assim, a Loja Mestre Affonso Domingues tem várias Lojas Irmãs (não filhas, apesar de delas ter sido Loja-mãe...) por todo o País e obreiros por si formados na maior parte dos projetos da Maçonaria Regular portuguesa, em profícua sementeira que vai dando excelentes frutos...

Por isso, a Loja Mestre Affonso Domingues tem um lema muito próprio, que gostosamente aplica a todos os que partem, vão para onde forem, façam ou não o que fizerem: uma vez da Mestre Affonso Domingues, sempre da Mestre Affonso Domingues! E rara é a sessão em que não recebe a visita de um ou mais dos que, tendo anteriormente integrado as suas colunas, agora prosseguem o seu trabalho noutros projetos!  Nem sequer são filhos pródigos: são apenas - e sempre - mais uns dos nossos!

Fonte:
 
Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, páginas 137-138.

Rui Bandeira

18 junho 2012

O que se faz numa sessão maçónica - II




Na sequência do meu texto da semana passada o Streetwarrior comentou:

"As sessões colocadas desta maneira, parecem ser uma coisa muito chata ! Gostaria de perceber estes 3 aspectos que sempre me deram muita curiosidade.
Visto que desde os primordios das nossas civilizações, tudo o que nos rodeia, é ligado á religião tudo é politica, o que sobra para se discutir numa sessão?
Se não se pode discutir religião, qual o interesse então de uma maçonaria ser Crente ou não numa entidade religiosa?
Por fim...qual a razão do Mestre andar em angulos rectos, terá isto a ver com (Anjos = Angulos ) bom e maus, visto que a nivel Astro-teológico existem bons angulos e maus angulos?"

Comecemos pelo fim. "Ângulos" vem do latim angulus, “canto, área remota". "Anjos" vem do latim eclesiástico angelus, derivado do grego antigo άγγελος ("ángelos"), e significa "mensageiro". Em comum têm apenas alguma similaridade fonética. Já no que diz respeito à maçonaria e aos ângulos retos, é questão que nada tem que ver com anjos. Aqui, uma referência ao ângulo reto constitui, quase sempre, uma referência ao conceito de "retidão moral", simbolizada pelo esquadro que serve para traçar e aferir os ditos ângulos. A própria linguagem do dia-a-dia consagra, já, esse simbolismo, ao chamar "enviesado" (de "viés": oblíquo, torto) a algo que tenha contornos pouco direitos, e chamando "pessoa reta" a quem cumpra os princípios morais. Assim, as deslocações em loja são feitas em linhas e ângulos retos, recordando-nos que um maçon deve, no seu deambular pelo mundo, agir de forma reta e evitar percursos (moralmente) oblíquos e enviesados.

Quanto ao interesse de uma maçonaria crente numa Entidade Superior, e o facto de essa mesma Entidade não poder ser discutida, é fácil de explicar e de entender. Não é difícil de imaginar que um judeu, um hindu, um cristão, um animista e um muçulmano tenham em comum entre si coisas que não têm em comum com um ateu ou com um agnóstico: todos eles creem no sobrenatural, e na existência de uma Entidade Superior a quem devem a existência e cuja vontade procuram satisfazer. Agora, não tentemos ser mais específicos do que isto, ou estaremos condenados a intermináveis discussões sobre o número de anjos que cabem na cabeça de um alfinete... A diversidade de crenças deve ser enriquecedora, e permitir que cada um tenha a oportunidade de se aperceber de posições diversas da sua, sem ter sequer que defender a sua posição de uma posição diferente; pretende-se, isso sim, que constitua uma circunstância pedagógica da alargamento dos horizontes e de aumento da tolerância em face das diferenças.

Por tudo isto é que creio que a proibição de discussão política e religiosa em loja é frequentemente mal entendida. Em maçonaria aprende-se a favorecer a paz em detrimento do conflito; a preferir a fraternidade à facciosidade; e a privilegiar o estabelecimento de consensos e evitar a dissenção. Por outro lado, a maçonaria constitui um espaço de respeito pela liberdade de cada um como dificilmente se encontra nos nossos dias, nomeadamente no que concerne a liberdade de expressão. Precisamente como garante dessa liberdade de poder dizer-se o que se pensa, por vezes como exercício de exploração interior, sem que tal se repercuta fora da loja, é que em cada sessão se jura guardar silêncio do que na mesma se passou. Ora, dificilmente se encontra uma posição com que todos se identifiquem, pois a procura do bem comum raramente passa pela satisfação dos desejos individuais, o que é tão mais verdadeiro quanto mais fraturante for a questão em causa. Como conciliar estes dois princípios estabelecendo um equilíbrio é algo que se vai aprendendo todos os dias.

É por isto que - no meu entender, note-se - a proibição de discussão política e religiosa em loja não se esgota nos seus termos, que são essencialmente exemplificativos e ilustrativos de um princípio maior: o de que a concórdia entre os homens deve prevalecer sobre a liberdade de expressão. Esta posição nada tem ou pretende ter de totalitário. "Discutir" não é a única forma de abordar um tema ou falar sobre o mesmo. Na loja Mestre Affonso Domingues, por exemplo, pode falar-se de praticamente tudo, desde que em absoluto respeito pela posição dos demais, no sentido de que deve procurar-se que estes não se sintam de modo algum  agredidos com aquilo que se diz.

Certamente à luz desta interpretação foi, há um par de anos, apresentada uma prancha sobre a condenação da maçonaria pela igreja católica ao longo da história, e recentemente, dias antes da lei sobre o "testamento vital" ser unanimemente aprovada pelo nosso parlamento, uma prancha sobre esse mesmo tema apresentada por um mestre da nossa loja que conhece o assunto a fundo. Seria impossível falar da primeira sem falar de religião, e da segunda sem falar de política. O que foi feito, num e noutro caso, foi apresentar-se factos inquestionáveis por qualquer pessoa de boa fé, e eventualmente um ou outro comentário pessoal - devidamente identificado como tal - no meio ou no fim do texto, sempre com o devido cuidado de se evitar o conflito entre diversas posições. Não foram "artigos de opinião", e muito menos de propaganda. Num e noutro caso os obreiros presentes manifestaram a sua satisfação pela qualidade e forma como as pranchas foram apresentadas, e ninguém manifestou qualquer desconforto.

Termino respondendo à primeira observação, de que as sessões maçónicas deverão ser uma coisa muito chata. Depois do que acabei de expor, será inesperado que eu responda que... não são?!

Paulo M.

13 junho 2012

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - VII

É uma boa prática que todo novo Irmão, aquando da sua Iniciação, presenteie a Loja, isto é, todos os Irmãos presentes, e faça uma oferenda para socorro dos indigentes e Irmãos em desgraça, de acordo com o que o novo Irmão ache apropriado, mas superior e acima do mínimo que esteja estabelecido pelo Regulamento interno da Loja; tal oferenda deve ser entregue ao Mestre, Vigilante, ou Tesoureiro, para ser entregue a uma instituição, se os membros acharem apropriado escolher alguma. O candidato deve jurar solenemente que se submeterá à Constituição, Deveres e Regulamentos e todos os costumes que lhe forem comunicados, em hora e lugar convenientes.

Conforme logo no início do texto desta sétima regra se acentua, a contribuição nela referida não é obrigatória - apenas considerada uma "boa prática".

Na Maçonaria Regular dos tempos atuais, o novel maçom não é estimulado ou aconselhado a fazer uma doação particular, muito menos em valor superior ao valor mínimo constante de Regulamento, desde logo porque inexiste fixação de qualquer valor mínimo para "oferendas" - nem tal faz sentido: o que constitui obrigação não pode logicamente ser considerado oferta; e concomitantemente, o que voluntariamente se dá não constitui obrigação...

O recém-iniciado é informado que, tal como os demais, quando circular na reunião aquilo a que os maçons chamam o Tronco da Viúva, deverá no respetivo recipiente (em regra, um saco) depositar, discretamente, aquilo que entender e de que possa dispor, sem colocar em risco o cumprimento das suas obrigações civis e familiares, nem, obviamente, a satisfação das suas necessidades e as dos seus. Aliás, se necessitar retirar, em vez de colocar, tal é-lhe lícito e essa decisão, tal como a referente ao montante que em cada dia resolva colocar, depende exclusivamente do seu critério, sem ter de prestar contas ou pedir autorização a ninguém. Felizmente, o que seria certamente uma dolorosa decisão é extremamente rara... Menos rara - embora pouco frequente - é a situação em que um dos obreiros presentes numa sessão maçónica declara reclamar o produto recolhido pelo Tronco da Viúva, normalmente indicando para que auxílio concreto destina esse produto. Quando tal sucede, embora ritualmente a reclamação se faça só após a circulação do Tronco da Viúva, é habitual que seja anunciada essa intenção antes dessa circulação, para que os presentes saibam que o produto da recolha que se vai efetuar se destina a auxiliar alguém ou algo em concreto e possam, se assim o entenderem, adequar o montante do seu donativo em conformidade.

O Tronco da Viúva é administrado pelo Hospitaleiro da Loja, segundo as orientações desta e do seu Venerável Mestre.

O candidato à Iniciação, imediatamente antes do início desta deve, por outro lado, satisfazer o pagamento de uma joia de iniciação (na Loja Mestre Affonso Domingues, montante referido aqui), para custeio das despesas administrativas e com o material que lhe será entregue. O montante da joia - tal como o da quota, mensal ou anual, varia de Loja para Loja e de Obediência para Obediência. Cada Loja é soberana.

Quanto à frase final da regra, referente ao juramento solene que o candidato deve efetuar, importa esclarecer que - e disso é informado o candidato antes da sua realização - a Constituição, os Deveres, Regulamentos e costumes cuja observância se jura cumprir em nada contendem com as leis em vigor nem com os costumes e moral sociais. Os maçons integram-se na sociedade e, pela sua melhoria e pelo seu exemplo, procuram contribuir para a melhoria desta, mas atuam sempre no respeito da Legalidade vigente, pois para um maçom regular ser livre e de bons costumes implica ser um bom cidadão, cumpridor dos seus deveres e das normas em vigor.

Fonte:
 
Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 137.

Rui Bandeira

10 junho 2012

O que se faz numa sessão maçónica



Para se entender o que se faz numa sessão maçónica é necessário entender-se, antes do mais, que muito do que aí se faz é ensaiado, teatralizado ou, como nós dizemos, ritualizado. Há vários rituais diferentes, correspondentes a cada um dos ritos, com muitos pontos comuns entre si mas cada um com a sua especificidade. Quando se diz que uma loja "trabalha num determinado rito", isso significa, essencialmente, que segue um determinado "guião" nas suas sessões, que executa sempre um determinado ritual. Este pouco mais determina que, de forma algo mais solene, se faça o que se faz numa simples reunião de condóminos:

- saber-se quem dirigirá a reunião e quem desempenhará outros papéis, como o de secretariar;
- confirmar se o local reune as condições para se efetuar a reunião: se há luz, cadeiras, documentação (livros de atas, de tesouraria, etc.) entre outros;
- verificar se os presentes são condóminos ou mandatados por algum condómino (ou seja: se têm lugar na reunião ou se lá estão por engano);
- verificar se há quorum, cruzando-se a  lista dos condóminos com a dos presentes;
- ler e votar a aprovação da ata da reunião anterior;
- executar a ordem de trabalhos de forma ordeira e respeitando o regulamento;
- dar a palavra a quem deseje prestar alguma informação, apresentar alguma questão ou suscitar tema de  reunião futura;
- fazer as despedidas dos demais condóminos;
- arrumar a sala, apagar a luz e sair.


Atos equiparáveis sucedem numa sessão maçónica, em que podem considerar-se três partes: a abertura dos trabalhos, o desenvolvimento dos trabalhos, e o encerramento dos trabalhos. Destes três momentos, a abertura e o encerramento são ritualizados. Também parte do que se passa na ordem de trabalhos o é, o que torna as sessões maçónicas mais uniformes e homogéneas na sua forma, e ajuda a que cada um saiba o que pode esperar e como deve agir.

De acordo com cada rito, há lugares pré-determinados para cada um dos oficiais, bem como para os aprendizes, companheiros e demais mestres. Há regras que são transversais a todos os ritos, como a do silêncio dos aprendizes e companheiros (a quem está vedado intervir em loja) ou a necessidade de se pedir a palavra e de que esta seja concedida antes de se poder falar (o que não sucede em qualquer momento). Há momentos específicos para se pedir a palavra, falando cada um apenas uma vez sobre cada assunto (ou seja: não há direito de resposta e muito menos de interrupção), e há uma ordem para se falar; se é passada a vez, perde-se a possibilidade de intervir. Há momentos para se estar de pé e momentos para se estar sentado, e apenas se circula em loja precedido ou acompanhado do mestre de cerimónias, que é o único que se pode movimentar livremente - e mesmo assim sempre acompanhado do seu bastão, e movimentando-se à roda da sala sempre em linhas e ângulos retos, e sempre no mesmo sentido. O cumprimento do ritual não só confere solenidade às sessões como as torna previsíveis e harmoniosas.

Os rituais maçónicos são secretos, mas apenas na medida em que cada maçon jurou não os revelar. O segredo sobre os rituais é, na verdade, um mero símbolo do segredo que cada maçon deve saber guardar em circunstâncias que, de facto, o exijam, e da confiança de que deve ser merecedor. Nada nos rituais é verdadeiramente "secreto", no sentido de que nada trazem de novo a quem os leia procurando descobrir um qualquer "segredo maçónico".

O que se faz nos trabalhos pode ser, simplesmente, a leitura e comentário de uma prancha, uma iniciação ou um "aumento de salário" (passar-se um aprendiz a companheiro ou um companheiro a mestre), ler-se um decreto do grão-mestre, combinar uma atividade da loja (que pode ser, por exemplo, uma refeição, uma palestra ou uma dação de sangue), ou mesmo não se fazer mais nada, passando-se da abertura para o encerramento!

Dos assuntos discutidos em lojas da Maçonaria Regular estão, como se sabe, proibidos quer a discussão religiosa quer a discussão política, pelo que estas questões têm de potencialmente fraturante e contrário ao ideal maçónico de tolerância, fraternidade e harmonia. Quem quiser saber, concretamente, de que tipo de coisas se fala, pode consultar o site da Respeitável Loja Mestre Affonso Domingues, onde se encontra publicado um considerável acervo de  pranchas apresentadas e discutidas em loja.

Paulo M.

06 junho 2012

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - VI

Nenhum homem pode ser considerado Irmão de qualquer Loja, ou admitido membro desta, sem o consentimento unânime de todos os membros da Loja presentes quando o candidato é apresentado; e estes devem expressar seu consentimento ou dissensão de sua própria e prudente vontade, virtual ou ritualmente, mas unanimemente; este procedimento não pode ser objecto de exceção, porque os membros de uma Loja são os melhores juízes; pois se lhe fosse imposta a admissão de um candidato de mau comportamento, isto poderia minar a sua harmonia, ou obstruir a sua liberdade, ou mesmo dividir ou dispersar a Loja; o que deve ser evitado por todos os bons e verdadeiros Irmãos.

A regra da unanimidade na admissão de um candidato é uma regra essencial da Maçonaria, que perdura desde tempos imemoriais. A própria transcrição da regra contém a sua justificação.

Esta regra da unanimidade constitui um poderoso cimento agregador dos obreiros de uma Loja. Quem nela entra, entra porque todos os que já lá estavam assim o permitiram. Todos são responsáveis pelo novo elemento. Ele não, foi, assim, apenas admitido. Foi verdadeiramente cooptado.  Se a integração do novo elemento do grupo falhar, não há necessidade de determinar culpas, de as lançar sobre o novo elemento ou sobre quem o propôs ou o inquiriu. Todo o grupo assume a responsabilidade do fracasso, como todo o grupo se regozija com os êxitos das boas integrações.

Convém ter presente que também na Maçonaria o voto relativo a pessoas é sempre prestado de forma secreta. No caso, mediante o sistema maçónico de bola branca e bola preta, pelo qual a cada votante é entregue uma bola de cada uma dessas cores. O voto favorável de cada um é expresso através da introdução da bola branca na urna de voto principal (chamada de "urna branca") e, como contraprova, da bola preta na urna secundária ou de contraprova (chamada de "urna preta").

Depositados todos os votos, a verificação, sempre que exigida a regra da unanimidade, é fácil: se a urna branca apresentar todas as bolas dessa cor, o resultado é favorável; se apresentar uma ou mais bolas negras, o resultado é desfavorável. Logicamente, a urna de contraprova deverá apresentar as bolas todas negras, se a votação foi unânime, ou o número de bolas brancas correspondente ao de bolas pretas introduzidas na urna principal. 

A votação de aprovação é designada por uma votação pura e sem mácula, por apresentar todas as bolas da mesma cor.

A regra da unanimidade, porém, sendo geradora de grande coesão, não é isenta de efeitos perniciosos. Basta ter presente que, ainda hoje, em meia dúzia de Grandes Lojas do sul dos Estados Unidos, pura e simplesmente não são admitidos candidatos cuja cor da pele seja negra. Neste caso concreto, a regra da unanimidade acaba por potenciar o racismo e os sentimentos racistas que imperaram naquela região do globo e que a evolução social das últimas décadas não logrou ultrapassar totalmente.

Este sistema de aprovação unânime permite que basta que exista na Loja um elemento racista que, anonimamente, deposite sempre o seu voto contrário, para bloquear a admissão de candidatos negros. Foi isto que sucedeu nos Estados do sul dos Estados Unidos e que, numa meia dúzia deles, ainda hoje sucede.

Mesmo não tendo em conta esta perversão do sistema, o certo é que o sistema de aprovação unânime, favorecendo enormemente a coesão do grupo, é tendencialmente um sistema altamente conservador, tendente a bloquear a entrada de diferentes, o que é obviamente muito perigoso para a instituição, por dificultar a sua evolução e o acompanhamento das mudanças sociais.

A meu ver, este sistema de voto unânime quanto à admissão, tendo as óbvias vantagens que tem, é também um importante causador de declínio da Maçonaria, sempre que as sociedades evoluem com mais rapidez. Por outro lado, obriga as Lojas a estarem atentas às evoluções sociais e os elementos que as constituem a não se deixarem enquistar em conceções retrógadas, sob pena de inelutável definhamento.

Reconhecendo o benefício para a coesão do sistema de voto unânime, mas procurando ultrapassar os seus malefícios, várias Obediências têm procurado adotar estratégias que, temperando a regra da unanimidade, permitam ultrapassar bloqueios perniciosos. Um dos meios utilizados é, na prática, acabar com a regra da unanimidade, exigindo uma maioria reforçadíssima, por exemplo, considerando votação favorável aquela que tenha apenas um ou dois votos contra. Compreendendo-se o propósito, o certo é que não há meios termos: ou se segue a regra da unanimidade ou não se segue. A exigência de apenas uma quase-unanimidade, se é certo que ultrapassa bloqueios, também liquida a responsabilidade global da Loja e permite que ocorra o que a Regra procura impedir, que surja uma situação passível de minar a sua harmonia, ou obstruir a sua liberdade, ou mesmo dividir ou dispersar a Loja; o que deve ser evitado por todos os bons e verdadeiros Irmãos.

 A Loja Mestre Affonso Domingues utiliza um sistema que concilia os dois propósitos, defender a coesão e evitar bloqueios indesejáveis: um sistema que denomino de unanimidade justificável. Consiste esse sistema na manutenção da exigência da unanimidade, mas impondo, em certas condições, a justificação de votos negativos. Assim: efetuada votação, se esta for pura e sem mácula, o candidato está aprovado; se houver três ou mais bolas negras, o candidato está rejeitado, independentemente do número de votantes e mesmo que esses votos negativos sejam uma muito pequena minoria; se se verificar a existência de uma ou duas bolas negras, o Venerável Mestre anuncia que, até à sessão seguinte, fica suspenso o apuramento do resultado e que, até lá, aquele ou aqueles que votaram negativamente, devem, em privado, comunicar-lhe as razões da sua oposição.

Se quem votou negativamente não se apresentar a comunicar as suas razões, conclui-se que o voto contrário foi fruto de mero lapso e, assim, é desconsiderado. Comunicando (sempre em privado e guardando o Venerável Mestre sigilo da sua identidade) o ou os opositores as razões da sua oposição, se estas forem fúteis ou irrazoáveis, o voto negativo é desconsiderado; se as razões apresentadas forem, ainda que meramente do ponto de vista individual de quem votou contra, consistentes e razoáveis, o Venerável Mestre, mesmo que delas discorde, tem de considerar o voto negativo válido - porque não decorrente de um mero lapso ou de motivo fútil ou irrazoável - e, portanto, o candidato não é admitido.

Assim se consegue manter a regra da unanimidade, mas evitar a sua perversão por mero lapso, futilidade ou irrazoabilidade. A Loja Mestre Affonso Domingues tem-se dado muito bem com este sistema, mantendo-se aberta à inovação e à diferença e preservando a sua coesão. Também é verdade que raramente um candidato tem bola negra na sua votação, mas isso deve-se a outra razão: é que o processo de seleção de candidatos da Loja Mestre Affonso Domingues é tão cuidadosamente seguido (e também muito morosamente seguido; mas isso acaba talvez por ser inevitável, se se quer ter cuidado com o que se faz), em etapas eliminatórias atentamente observadas, que raramente um candidato sobre o qual se coloquem dúvidas pertinentes chega à fase da votação; normalmente, nessa situação, perante essas dúvidas, o processo termina sem sequer se atingir essa fase...

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 137.

Rui Bandeira

02 junho 2012

Conhece-te a ti mesmo



Morre o autor, vive a obra. Mesmo apócrifa, sabe-se ou supõe-se que a expressão conhece-te a ti mesmo terá sido proferida pela primeira vez na antiga Grécia há mais de vinte séculos. A tradição diz-nos que estaria gravada nos pórticos do Oráculo de Delfos, e atribui-a a uma multiplicidade de autores. Qual ditado popular, o γνῶθι σεαυτόν grego dá origem ao nosce te ipsum latino, e terá sido depois apropriada por uns e por outros, e sucessivamente redescoberta.

Mesmo perdida a fonte, chegou a nós a ideia, que é a pedra de toque da filosofia e método de Sócrates. A busca do autoconhecimento é essencial, instrumental e inevitável ao homem que procura saber mais. Afinal, a importância do que aprendemos reflete-se no quanto nos confronta connosco mesmos, na medida em que nos torna diferentes, em quanto abala do que temos sido para acomodar o que passamos a ser. Aprender não é só confirmar, incrementar e consolidar; é também - e sobretudo - questionar, derrubar e destruir, não só a ignorância, mas sobretudo algum saber já incrustado e inquestionado pela sua idade que, de repente, nos apercebemos não se harmonizar num todo equilibrado com o novo conhecimento que laboriosamente viemos a adquirir. É, por isso, imprescindível que nos recolhamos de vez em quando, paremos de acumular, olhemos para o que temos e tentemos aperceber-nos do que temos de bom, útil e belo - e deitar fora o que não serve.

Tudo isto a propósito do meu "desaparecimento". Escrevi o primeiro texto aqui no "A-partir-pedra" em Julho de 2010 - há quase dois anos, portanto. Tinha acabado de ser elevado a Mestre Maçon, e podia, por fim, escrever! De facto, durante três meses, com as palavras a brotar forte, escrevi dois textos por semana. Porém, a fonte começou a secar, deixando-me com algumas dificuldades em manter o ritmo. Bem me tinham avisado que isto não era um sprint, mas uma maratona... Nesse contexto, foi-me sugerido que passasse para um texto por semana, ritmo que mantive durante mais nove meses. Fechava-se, assim, um ano de textos, no fim do qual fiz uma paragem de um mês - de férias! Todavia, ao retomar a publicação de textos no blogue esperava-me o vazio. As ideias esvaiam-se, as palavras teimavam em não se perfilar, e os textos resistiam à sucessão das linhas, tornando a escrita de umas poucas linhas num extenuante parto semanal. Teimoso, lutei contra ele ainda durante quatro meses - de setembro a dezembro - período ao fim do qual tive que parar. Enquanto a transição do escrever por prazer para o escrever por obrigação fora suportável - deixando até um certo sabor a "dever cumprido" - não consegui persistir quando se tornou, afinal, num enorme sacrifício. Parei, sem data de regresso marcada.

Seis meses de silêncio fizeram-me bem. Tive tempo para trabalhar algumas ideias sem pressa de as apresentar. Tive tempo para, simplesmente, saborear as sessões de Loja sem a preocupação de procurar  tema para os textos seguintes. Tive, por fim, tempo para consolidar o que fora apreendendo, para colocar em prática as conclusões a que fui chegando, e para me avaliar em face dos meus propósitos. Pude identificar o que preciso de trabalhar a seguir, as falhas que devo corrigir, as lacunas que devo suprir com mais estudo. E, fruto talvez deste serenar, recobrei a vontade de escrever. Vamos ver quanto dura.

Paulo M.