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06 novembro 2008

Da Maçonaria teísta à Maçonaria deísta (II)

A Maçonaria começou por ser como toda a vivência religiosa era na Europa Medieval: teísta. Com o advento da Maçonaria Especulativa e o progressivo controlo das Lojas pelos maçons aceites, não operativos, sob as influências do Iluminismo e do Racionalismo, tal como na sociedade em geral também na Maçonaria aparece o deísmo. Só que em Maçonaria é muito importante a postura do Homem perante o Divino. É essencial. É constituinte do ideário maçónico. O deísmo não se limita a aparecer na Maçonaria. Irrompe. Jorra. Molda-a.

A Maçonaria original, operativa, era essencialmente cristã. Na Europa esse era o pensamento religioso largamente dominante. Para além deste, existia apenas o judaísmo, minoritário e simplesmente tolerado. As vezes, pouco. Nalguns locais (na Península Ibérica, por exemplo), nada.

Todos os textos primitivos maçónicos espelham a doutrina cristã. Mesmo as Constituições de Anderson o mostram. Na redação original dos Landmarks, os princípios enformadores da Maçonaria, não se faz referência a Volume da Lei Sagrada, menciona-se, clara e diretamente, a Holy Bible, a Bíblia Sagrada.

Com o advento do pensamento deísta e a sua inegável influência na Maçonaria, a conceção desta como tributária da religião cristã é substituída por uma muito mais abrangente conceção como tributária da "Religião com a qual todos os homens concordam" (expressão, aliás, já constante nas Constituições de Anderson). Este mais abrangente entendimento inelutavelmente que levou a uma certa descristianização da Maçonaria. Se esta era o ponto de confluência de todos os crentes de todas as religiões, a plataforma mínima de entendimento de todos, a "religião com a qual todos concordam", então não se podia impor aos não-cristãos as preces cristãs, por exemplo.

A Primeira Grande Loja de Londres, instituída em 1717, estabeleceu o princípio deísta na Maçonaria.

Outros maçons, respeitadores da sua tradição, vinda da Maçonaria Operativa, discordaram dessa evolução e constituíram a Grande Loja dos Ancients (Antigos), apelidando os da Grande Loja de Londres de serem, erradamente, no seu ponto de vista, Moderns (Modernos).

Foi da tensão entre estas duas conceções da Maçonaria, uma declaradamente teísta, na esteira operativa, e outra assumidamente deísta, foi dos debates entre uma e outra, que se forjou a Maçonaria Moderna.

A Grande Loja dos Antigos, decisivamente influenciada por Lawrence Dermott, autor da compilação que constituía o conjunto de textos essenciais dos Antigos, o Ahiman Rezon, incluía nos seus rituais uma oração para ser dita pelos cristãos, onde se pedia a Deus, designadamente:
Dote-os (os novos Maçons), com a competência da sua Divina Sabedoria para que eles possam, com os Segredos da Maçonaria ser capazes de entender os Mistérios da Santidade do Cristianismo.

Os Antigos verberavam os Modernos por estes descristianizarem o ritual; os Modernos defendiam a inclusividade da Maçonaria a todos os crentes, qualquer que fosse a sua religião pessoal, qualquer que fosse a sua conceção do Criador.

Com a união das duas Grandes Lojas rivais, em 1813, na Grande Loja Unida de Inglaterra, venceu a conceção deísta da Maçonaria.

Portanto, hoje pode com correção afirmar-se que a Maçonaria é deísta. Deísta, porque, ao abrigo do princípio da assunção do Divino através da Razão, admite no seu seio todos os crentes, não apenas os que originalmente nela eram admitidos (cristãos). Deísta, porque ponto de encontro, denominador comum de todos os crentes, respeitando a crença individual de cada um. Neste sentido, deísta, porque não apenas cristã.

O primeiro judeu iniciado foi-o numa Loja de Londres, em 1732: Edward Rose. Só mais tarde vieram a ser iniciados Muçulmanos e depois seguidores de outras religiões.

Maçonaria deísta é, pois, a Maçonaria hoje correntemente aplicada, que aceita no seu seio crentes de todas as religiões. Não quer isto dizer que renegue a sua origem cristã. Não o faz. Designadamente, mantém, em especial em alguns dos Altos Graus, graus especificamente cristãos. Mas, mesmo esses, um não cristão que a eles queira aceder e não se sinta desconfortável com o ideário cristão neles expresso, pode recebê-los.

Uma última nota: quando se diz que a Maçonaria é deísta, não se pretende dizer, nem se aceita, que se destina exclusivamente a deístas. Porque apenas se exige crença num Criador, sendo despicienda qual é E COMO A ELA SE CHEGOU, na Maçonaria convivem fácil e proveitosamente deístas e teístas. Seja qual for a sua religião.

Também em Maçonaria a evolução se fez do teísmo para o deísmo, numa perspetiva de inclusão, nunca de exclusão. Por isso, a Maçonaria Moderna é deísta, sem prejuízo de ter no seu seio - e muito confortavelmente - muitos teístas. Porque ser, individualmente, teísta, deísta, católico, luterano, anglicano, calvinista, evangélico, judeu, muçulmano, hindu, etc., etc., etc. e ainda etc., desde que crente, é absolutamente indiferente!

Rui Bandeira

04 novembro 2008

Da Maçonaria teísta à Maçonaria deísta (I)

Definido o que se deve entender por deísmo e por teísmo, estamos então em condições de indagar se existe uma Maçonaria teísta e uma Maçonaria deísta, quais os significados destas expressões e as diferenças entre elas.

Na época da Maçonaria Operativa, não havia discussões na Europa. Era-se cristão ou judeu e ponto final. A religião entrava na vida de cada indivíduo, não através de uma busca racional, mas como uma caraterística essencial. E a religião era o que os responsáveis da Igreja diziam que era. Analisar questões teológicas era encargo de muito poucos de entre os pouquíssimos que sabiam ler e escrever. A grande massa dos Povos tinha a religião do Estado onde se encontrava ou do senhor a quem servia. Não era, sequer, uma questão de escolha. Era de sobrevivência. Literalmente falando. Não se punha, pois, a questão de se ser deísta ou teísta. O conceito de deísmo nem sequer existia. Todos eram teístas, porque todos eram crentes. E quem não fosse, calava e fingia sê-lo, se queria continuar integrado na sociedade, vivo e de boa saúde...

Na Europa de então, opções religiosas havia duas: o cristianismo (primeiro apenas sob a batuta do papa de Roma; depois, com a Reforma, com dois grandes campos de escolha: o catolicismo ou, com diversas variantes, o que se convencionou chamar de protestantismo) e o judaísmo, aquele amplamente maioritário.

Todos os maçons eram, por definição, crentes. E cristãos. A Maçonaria Operativa, como instituição eminentemente profissional, não destoava do resto das instituições existentes. E todos eram teístas. Nem se concebia que pudesse ser diferente!

O tempo e a evolução social, porém, vieram a alterar esta situação.

A partir de finais do século XVI, inícios do século XVII, gradualmente as Lojas maçónicas operativas começaram a admitir elementos não integrantes da profissão de construtores em pedra. Foram senhores que mandavam construir igrejas e contratavam e pagavam, para esse efeito, os oficiais construtores, exercendo sobre estes manifesta influência económica, que demonstravam interesse em compartilhar dos segredos da Arte Real da construção, foram influentes cavalheiros ou nobres que assumiam o papel de protetores das corporações de maçons, enfim, a pouco e pouco foram sendo Aceites não construtores nas Lojas. E as Lojas passaram a ser locais de congregação de maçons livres e aceites. Maçons livres, os oficiais construtores que não dependiam de senhores, que eram livres de trabalhar e exercer o seu ofício onde quisessem e pudessem. Maçons aceites, aqueles que, não sendo oficiais construtores, tinham sido aceites no seio das Lojas.

Os maçons aceites eram mais letrados do que os maçons livres. Uma vez inteirados dos segredos da arte de construir - particularmente as técnicas ancestrais aplicando princípios geométricos -, tinham a vantagem competitiva da sua maior instrução, do seu mais profundo e alargado conhecimento, da sua maior influência social. A pouco e pouco, os maçons aceites foram-se sobrepondo aos maçons livres, quer em número, quer na condução dos destinos das Lojas, quer na escolha dos trabalhos de Loja, dos ensinamentos a transmitir em Loja. E, ao longo de pouco mais de um século, a Maçonaria transformou-se de Operativa em Especulativa, de simples agremiação de construtores em instituição de discussão livre, de especulação filosófica, de aperfeiçoamento moral e não já de mera aprendizagem profissional.

Paralelamente, vivem-se os tempos do Iluminismo, da emergência do racionalismo, da popularização das ideias de Kant, de Locke, de muitos outros. A Royal Society, sociedade dedicada ao avanço e divulgação das ciências é constituída e muitos dos seus fundadores e elementos impulsionadores são maçons aceites.

Por outro lado, viveram-se e ainda estão bem inseridos na memória coletiva britânica tempos de profundos e dolorosos conflitos políticos e religiosos. Stuarts contra Oranges e depois Hanovers, católicos contra anglicanos, jacobinos contra realistas. Viveram-se na Grã-Bretanha tempos revolucionários, lutas ferozes e sangrentas, prisões e decapitações, que em nada ficaram a dever à mais famosa das Revoluções, a Revolução Francesa. De tudo isto, acabou por resultar o fim do Estado Confessional, a aceitação, primeiro tímida, depois crescentemente consensual, da Liberdade de Religião. O Homem podia já pensar sobre os fundamentos da sua crença. E fê-lo.

A postura de cada um em face do Divino já não dependia exclusivamente da aceitação da Revelação das Escrituras e dos ensinamentos dos profetas e ministros religiosos. Kant indicou o caminho, os acontecimentos romperam o dique e muitos foram progressivamente percorrendo a vereda da descoberta do divino através da Razão. Já não havia apenas o caminho exclusivo da Fé para a Crença. Outro também se abriu, o caminho da Razão. Já não havia só teísmo, também apareceu e autonomizou-se o deísmo.

Através do seu desassossego intelectual, os maçons aceites não se limitaram a "colonizar" a Maçonaria Operativa e a transformá-la em Maçonaria Especulativa. Também na Maçonaria introduziram os princípios e o conceito do deísmo. Sobre uma pré-existente Maçonaria teísta construíram uma Maçonaria deísta. Num dos próximos textos, espero conseguir explicar como.

Rui Bandeira

30 outubro 2008

Deísmo, teísmo, ateísmo

Em peças anteriores, procurei chegar às definições de deísmo e teísmo, resultando, por contraste, também a de ateísmo. Hoje, pretendo relacionar estes conceitos.

Recordemos primeiro as definições que se utilizarão, para que se saiba sempre do que se está a falar:

Deísmo - posição filosófica que pretende enfrentar a questão da existência de Deus, através da razão, em lugar dos elementos comuns das religiões teístas tais como a "revelação divina", os dogmas e a tradição.

Teísmo - posição que resulta da crença na existência de Deus através da fé, designadamente por via da crença na Revelação em textos sagrados e ou nas profecias de portadores de mensagens tidas como oriundas da Divindade.

Ateísmo - posição que postula a inexistência de Deus.

Em termos de oposição polarizada, ateísmo opõe-se a teísmo e deísmo. Quem postula a inexistência de Deus insanavelmente se opõe a quem postula a sua existência, seja pela fé, seja pela razão.

Entre teísmo e deísmo não existe uma relação de género - espécie, segundo o qual aquele contém este e este é uma das modalidades daquele.

Partilhando um elemento fundamental - a crença em Deus - teísmo e deísmo não são opostos entre si. Também não se relacionam em termos de um conter o outro. São, no entanto, conceitos manifestamente diferentes. Como se relacionam então entre si? E algumas destas posições partilha algo com o ateísmo? O quê?

Na minha opinião, existe uma relação de derivação, de acrescento, de evolução. A questão coloca-se entre crença (fé) e razão. Entre acreditar para além de ou sem evidência e acreditar em resultado de evidência. Entre instinto e raciocínio.

Quer em termos de Humanidade, quer em termos individuais, o instinto é um elemento básico de sobrevivência. Há muitas coisas que fazemos porque estamos geneticamente programados para o fazer. Não se pensa nisso.

Desde os primórdios dos tempos que a Humanidade se confrontou com o mistério da existência do Universo e da Vida. E não o consegue decifrar. Se hoje a Ciência nos esclarece sobre a forma como a Vida evoluiu e evolui, se nos fornece uma teoria sobre como evoluiu o Universo, desde o que se costuma designar por Big Bang, ainda não nos consegue elucidar sobre a Força que causou esse Big Bang e, portanto, esclarecer-nos como de nada se fez tudo. Relativamente à origem do Universo, hoje a ciência pode dizer-nos, com razoável acerto, o que e o quando, mas não consegue (ainda?) elucidar-nos sobre o como e muito menos sequer arranhar o porquê nem o para quê...

No entanto, este mistério primordial sempre preocupou e estimulou a curiosidade da Humanidade. Que, não podendo saber, inventou e acreditou, mas também especulou, analisou e racionalmente concluiu. Uns que não existia Divindade, porque nenhuma prova da sua existência descortinam. Outros concluindo que o próprio problema é a prova da existência de algo superior, de uma Força Criadora, em suma, de Deus.

Deísmo e ateísmo partilham entre si a Razão. Só que, pela Razão, chegam a conclusões opostas...

Deísmo e teísmo partilham entre si a Crença. Só que o teísmo prescinde da Razão para obter a Crença e aquele obtém esta em resultado daquela.

Deístas e ateus utilizam o mesmo meio de se transportarem, mas chegam a destinos diferentes.

Deístas e teístas usam diferentes meios para viajarem, mas chegam ao mesmo destino.

O teísta crê e, porque crê, racionaliza essa crença.

O deísta usa a razão e chega à crença.

Historicamente, ouso dizê-lo, primeiro a Humanidade, as sociedades, os indivíduos foram teístas. Depois, alguns dos indivíduos, partes das sociedades e da Humanidade, evoluíram para o deísmo, não se conformando em acreditar, procurando e obtendo fundamento racional para a crença.

Embora em termos lógicos, para o deísta a razão preceda a fé, em termos cronológicos, a fé precedeu a razão.

Daí a minha afirmação de que o deísmo é uma evolução do teísmo. Daí que, na minha maneira de ver, não exista uma oposição entre teísmo e deísmo, mas uma evolução de teísmo para deísmo.

No teísmo existe fé. No deísmo existe fé e razão. Aquela criando a necessidade da intervenção desta. Esta fundamentando a existência daquela.

É com base nestas considerações que, finalmente, poderei chegar onde, desde o princípio queria chegar: procurar definir e relacionar entre si Maçonaria Deísta e Maçonaria Teísta, sem esquecer que existem também aqueles que se reclamam de integrarem uma Maçonaria que não será nem deísta, nem teísta, nem ateia, antes a reclamam de ser universal (ou liberal). Mas isso ficará para um próximo escrito.

Rui Bandeira

15 outubro 2008

Teísmo


Em textos anteriores, mostrei como as versões em inglês, francês e português da Wikipedia apresentavam definições aparentemente diversas e, até, opostas, do conceito de deísmo e como, afinal, vendo-se com mais atenção todas acabavam por confluir na noção de que o deísmo "pretende enfrentar a questão da existência de Deus, através da razão, em lugar dos elementos comuns das religiões teístas tais como a "revelação divina", os dogmas e a tradição".
Esta noção de deísmo parece conter em si, como contraponto, uma noção de teísmo, ou seja, que este enfrenta a questão da existência de Deus através de elementos constantes nas religiões estabelecidas, tais como a Revelação divina, o dogma ou a tradição.
Proponho que não nos fiquemos por aqui e testemos a validade da afirmação utilizando o mesmo método com que atingimos a noção de deísmo.
Na versão em inglês da Wikipedia, define-se teísmo como (tradução livre minha) sendo, no significado mais abrangente, a crença em, pelo menos, uma divindade. Um significado mais restrito exige que a divindade em que se crê seja uma entidade distinta e identificável, assim excluindo do conceito o panteísmo. Outro significado igualmente mais restrito especifica que a divindade ou divindades deve ou devem constituir uma força imanente e ativa no Universo, assim excluindo alguns entendimentos de deísmo (já nos dois artigos sobre a matéria por mim refutados) . O teísmo pode ser dividido em diferentes categorias, como, por exemplo, monoteísmo e politeísmo.
Já na versão em francês da enciclopédia virtual, podemos ler que (ainda tradução livre minha) o teísmo (do grego theos, Deus) é uma crença ou doutrina que afirma a existência de de um Deus ou de deuses e a sua influência no Universo, tanto na sua criação como no seu funcionamento. Segundo o teísmo religioso, a relação do homem com Deus ocorre através de intermediários (a religião). Segundo o teísmo filosófico, Deus rege o Universo diretamente. O teísmo opõe-se ao ateísmo. Entre as formas de teísmo, pode-se referir o panteísmo, o monoteísmo e o politeísmo.
Por fim, atentemos no que vem escrito na versão em português da Wikipedia: Teísmo (do grego Theós, "Deus") é um conceito surgido, no século XVII (por R. Cudworth, 1678), que sustenta a crença em Deus, opondo-se ao ateísmo. Podemos dividir o Teísmo em Monoteísmo (crença em um só Deus), Politeísmo (crença em vários deuses) e Henoteísmo (composta de veneração de um Deus Supremo, mas não nega a existência de outros).
Como vemos, a confusão entre as diferentes versões da Wikipedia permanece. Neste caso, porém, nem a versão em português se salva, pois remete para uma definição de um autor do século XVII, que se revela - como iremos ver - viciada.
Quanto ao que afirma a versão em inglês, começo por fazer notar que a definição de um conceito é a enunciação das suas caraterísticas intrínsecas e distintivas das demais realidades. Não faz, pois, sentido considerar como definição do conceito, o significado geral e os particulares, ou um destes. Há que optar! A versão em inglês da Wikipedia limita-se a dar conta de diversas posições, sem optar em termos de mérito ou acerto. O que faz é despejar várias noções, incompatíveis entre si e, quem quiser, que raciocine, que escolha, que opte, que critique. Ou seja, não fornece propriamente uma definição do conceito, já que não pode constituir definição o que pode ou não pode incluir o panteísmo, o que pode ou não pode incluir o deísmo. As versões "restritas" destinam-se. manifestamente, a excluir algo com que os seus cultores não concordam que integre o conceito.
Para uns panteísmo não é teísmo. O que, se partirmos do princípio que teísmo se opõe a ateísmo, classifica os panteístas como ateus. É uma discussão antiga, mas não é peditório para que aqui se deva dar... Aqui e agora trata-se de verificar o que é teísmo, não de "decretar" se um panteísta é crente ou ateu. Esta singela constatação basta para demonstrar como a conceção "restrita" de teísmo que exclui do conceito o panteísmo está viciada de inversão: foi criada primacialmente para excluir, para considerar ateu o panteísta, não para procurar entender o conceito de teísmo. Não é uma definição - é um preconceito!
Mais grave ainda, em termos lógicos, parece ser a conceção restrita de teísmo que exclui do âmbito do conceito o deísmo (e já em textos anteriores vimos que a distinção teísmo /deísmo através da crença intervenção divina ativa no funcionamento do Universo está incorreta e é uma falácia). É que, se teísmo se opõe a deísmo, qual deles se opõe a ateísmo? Ou opõem-se ambos e então temos dois conceitos opostos mas três conceitos opostos entre si, numa espécie de oposição triangular: teísmo opõe-se a ateísmo; teísmo opõe-se a deísmo; deísmo opõe-se a ateísmo)?. Tanto basta para se verificar um salto lógico (já anteriormente denunciado) no critério "crença num Deus interventivo/ crença num Deus passivo" para definir teísmo e deísmo...
Os conceitos "restritos" oferecidos pela enciclopédia virtual em inglês não são, pois, satisfatórios. Mas também não satisfaz o conceito "abrangente2, que postula ser teísmo a crença em, pelo menos, uma divindade. É que esta definição, bem vistas as coisas, não define completamente. Esclarece-nos que teísmo é diferente de ateísmo, por isso que este pressupõe que este não crê na existência de divindade. Mas, declarando apenas o que declara, inclui no conceito o deísta. Com efeito, o deísta crê em, pelo menos, um Deus... De onde a definição não distingue o conceito de todos os outros. É incompleta. Algo mais há que lhe acrescentar. Sabemos que deísmo e teísmo partilham a crença no Divino. Falta saber em que se diferenciam.
A versão em português da Wikipedia navega nas mesmas águas, não distinguindo teísmo de deísmo.
A versão em francês desta enciclopédia também não ajuda muito! A primeira definição que fornece é exatamente a mesma que forneceu quanto a deísmo. Ou seja, para esta versão, teísmo e deísmo têm exatamente a mesma definição - apesar de serem conceitos diferentes... O disparate prossegue com a distinção entre "teísmo religioso" e "teísmo filosófico", sendo que, aparentemente, aquele considera que Deus intervém através de capatazes e este que Deus, se quer o trabalho feito, tem de o fazer ele próprio... Obviamente que não são distinções destas que nos esclarecem....
Qual então, a meu ver, a definição de teísmo que devemos considerar? Simplesmente a que decorre da sua contraposição (não oposição, note-se...) ao deísmo: Teísmo resulta da crença na existência de Deus através da fé, designadamente resultante da crença na Revelação em textos sagrados e ou nas profecias de portadores de mensagens tidas como oriundas da Divindade.
Neste sentido, as Religiões do Livro (judaísmo, cristianismo e islamismo) pretendem todas que os seus seguidores sejam teístas, isto é, sejam crentes nas Revelações das Escrituras e dos Profetas.
Esta noção é importante para analisarmos a relação entre deísmo e teísmo. Será esse o objeto de um próximo texto.
Rui Bandeira