Oração para qualquer crente de qualquer crença
A Maçonaria sempre foi, é e sempre será (ou não se seria) um espaço de Tolerância. Desde logo religiosa. Qualquer crente de qualquer crença tem nela lugar, em estrita igualdaďe com os demais crentes de quaisquer outras crenças.
Algo que quem está de fora tem dificuldade em entender é como se processa então o relacionamento entre crentes das mais diversas crenças em matéria de espiritualidade, atentas as naturais diferenças que inevitavelmente haverá. O conceito de Grande Arquiteto do Universo como designação comum para o deus que cada um venera não chega para esclarecer a dúvida. Mesmo utilizando uma designação comum para o conceito divino de cada um, como conseguem os maçons coletivamente e em conjunto dirigir-se ao que inevitavelmente é diversamente concebido entre eles e por cada um deles?
Mais uma vez, a resposta está no estabelecimento do máximo denominador comum entre eles, utilizando invocações para todos aceitáveis. Mas afirmar isto é fácil. Demonstrá-lo para quem está de fora é mais difícil...
Proponho-me aqui ilustrar como isso é possível, transcrevendo uma oração que nem sequer faz parte de qualquer ritual maçónico e, que eu saiba, não é maçonicamente utilizada, mas que ilustra, a meu ver, na perfeição como é possível invocar, orar, dialogar, com o deus de cada um, independentemente das diferentes crenças individuais.
Aproveito para, de caminho, elevar o nível do blogue e ilustrar também a diferença entre o que arrazoa um mero escrevinhador como eu e o que cria um verdadeiro escritor! Ora aprecie o leitor a superlativa beleza desta oração (no final revelarei quem a escreveu):
Senhor, que és o céu e a terra, e que és a vida e a morte! O sol és tu e a lua és tu e o vento és tu! Tu és os nossos corpos e as nossas almas e o nosso amor és tu também. Onde nada está tu habitas e onde tudo está é o teu templo. Dá-me vida para te servir e alma para te amar. Dá-me vista para te ver sempre no céu e na terra, ouvidos para te ouvir no vento e no mar, e mãos para trabalhar em teu nome.
Torna-me puro como a água e alto como o céu. Que não haja lama nas estradas dos meus pensamentos nem folhas mortas nas lagoas dos meus propósitos. Faz com que eu saiba amar os outros como irmãos e servir-te como a um pai. Sê digno de ti em mim.
Bendito seja o teu nome de Céu e de Terra, e de Corpo e Alma, e de Vida e Morte! Louve-te a minha boca e as minhas mãos te louvem!
Minha vida seja digna da tua presença. Meu corpo seja digno da Terra tua carne. Minha alma possa aparecer diante de ti como um filho que volta ao lar.
Torna-me grande como o Sol, para que eu te possa adorar em mim; e torna-me puro como a lua, para que eu te possa rezar em mim; e torna-me claro como o dia, para que eu te possa ver sempre em mim e rezar-te e adorar-te.
Senhor, protege-me e ampara-me. Dá-me que eu me sinta teu.
Senhor, livra-me de mim. Unge-me da tua divina (*).
Que o meu pomar dê frutos saborosos a Ti e a minha vinha dê vinho.
Quando me movo, és tu que te moves; quando falo, és tu que me és falando. Quando dou um passo, avanças tu. Se paro, estacas de mim.
(*) Deixado em branco pelo autor. Este humilde escrevinhador propõe que a palavra que o autor deixou por escrever seja Luz.
Leitor, releia e deixe a beleza deste texto impregnar a sua sensibilidade! E verifique como esta oração pode ser dita por um cristão, um judeu, um muçulmano ou um crente de qualquer outra crença!
Leitor, releia e deixe a beleza deste texto impregnar a sua sensibilidade! E verifique como esta oração pode ser dita por um cristão, um judeu, um muçulmano ou um crente de qualquer outra crença!
Este texto foi escrito em 1912 por um génio de seu nome Fernando Pessoa.
Está publicado no livro Prosa íntima e de autoconhecimento, edição de Richard Zenith, Assírio & Alvim, 2017.
Rui Bandeira
Rui Bandeira