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22 agosto 2016

A Santificação do Homem (republicação)

O texto de hoje, ou a sua republicação, foi escrito pelo José Ruah em 2009 e onde aborda o Judaísmo, a sua religião, e reproduz uma comunicação que apresentou  no colóquio " Turres Veteras X - a Historia do Sagrado e do Profano".
O texto original pode ser consultado aqui.

Uma pequena menção do autor:  "O Texto foi escrito para ser lido e por isso perdoarão alguma incorrecção. As citações são extraidas do Livro " Torá" editado recentemente pela editora Sefer do Brasil e consequentemente estão escritas em português do lado de lá."

"A Santificação do Homem

Quando me foi lançado este desafio, de vir aqui falar sobre o Sagrado e o Profano do ponto de vista do judaísmo, aceitei sem saber bem o que iria dizer sobre o tema.

É importante lembrar que não sou Rabino nem estudioso de matérias religiosas pelo que corro o sério risco de vos apresentar algo que fique muito aquém das expectativas, mas é a minha visão do assunto.

O judaísmo enquanto religião e forma de vida visa sempre a santificação do homem numa perspectiva de o tornar mais próximo de Deus.

A religião judaica prescreve mandamentos e regras que se integralmente cumpridas representarão o respeito máximo por Deus e pela sua Santidade, e que não cumpridas farão do homem um profano que ao contrario do seu irmão cumpridor, no dia do julgamento poderá ser considerado como indigno de se manter vivo.

Todavia o homem está sempre a tempo de se arrepender e retornar ao caminho da santidade com isso glorificar Deus. Este arrependimento, que pode surgir a qualquer altura, está muito associado com o dia do Kipur. Dia de penitencia e arrependimento e também o dia em que cada judeu se apresenta perante Deus e lhe apresenta contas do que fez, esperando que o seu nome seja inscrito por Deus no Livro da Vida e que o seu arrependimento seja aceite.

Neste sentido e de forma a realçar a importância do percurso do homem, de cada homem, no sentido a elevação espiritual decidi ir buscar exactamente os trechos da Torá que explicam e regulamentam o dia de Kipur e de lá extrair o que me pareceu fundamental para ilustrar a perspectiva judaica sobre o sagrado e o profano, do ponto de vista do homem.

Uma breve explicação prévia, a Torá é composta por 5 livros (Bereshit – Génesis, Shemot – Êxodo, Vaycrá -Levitico, Bamidbar – Números e Devarim – Deutronomio) e constitui a lei fundamental do judaísmo, a lei dada por Deus a Moisés no deserto. Nestes livros poderemos encontrar desde a criação do Mundo aos preceitos alimentares e regulamentos familiares. Estes livros são lidos em capítulos semanais de maneira a que num período de um ano todos os livros tenham sido integralmente lidos e se recomece.

Estes são os livros de base do que se convencionou chamar de Bíblia.

Para ilustrar o tema de hoje escolhi algumas passagens e respectivos comentários, que penso poderão ajudar a explicar o que o judaísmo pensa e preconiza. Estas passagens estão incluídas no capítulo que regula o Dia de Kipur.


“... E tomarás os dois cabritos e os farás ficar diante do Eterno à porta da tenda da reunião. E lançará Aarão sobre os dois cabritos, sortes, uma para o Eterno e outra para Azazel. E aproximará Aarão o cabrito sobre o qual caiu a sorte para o Eterno e o oferecerá como oferta de pecado. E o cabrito sobre o qual caiu a sorte para Azazel colocar-se-á vivo diante do Eterno, para expiar por meio dele, para envia-lo para Azazel no deserto.


E colocará Aarão suas duas mãos sobre a cabeça do cabrito vivo, e manifestará sobre ele todas as iniquidades dos filhos de Israel, todos os seu delitos e todos os seus pecados, e os porá sobre a cabeça do cabrito e o enviará, por mão de um homem designado para isso para o deserto. E levará o cabrito todas as iniquidades à terra desabitada e deixará o cabrito ir pelo deserto… “

Vaikrá (Levitico) 16: 7 a 10 e 21 a 22

Sobre este trecho da Torá o Rabino Mendel Diesendruck, que na década de 50 do sec. XX foi Rabino em Lisboa escreve o seguinte:


“ Sortes: os nossos exegetas interpretam esta cerimónia de sortear os cabritos como indicação simbólica para os dois diferentes elementos humanos e a sua maneira distinta de encarar os problemas da vida. Um encarna com o seu estilo de viver e pela pureza das suas acções e pensamentos aquela máxima gravada em muitas sinagogas com letras douradas por cima da Arca Sagrada, Shiviti Hashem Lenegdi Tamid (Tenho o Eterno sempre à minha presença), ou seja tudo o que eu faço e pretendo fazer é orientado e guiado por uma única motivação: Viver sempre dentro das prescrições da Torá, amar a Deus, o meu povo e a humanidade inteira; e para concretizar este meu ideal sublime não receio qualquer sacrifício.

Este elemento humano que representa pela nobreza do seu carácter a perfeição da criação Divina é o símbolo de “ para o Eterno” .

Mas existe também um elemento radicalmente oposto. É aquele ser humano cuja vida é claramente profana, cujos interesses nesta vida são de um materialismo vil, uma abjecção grosseira; o tipo de ser humano cujo maior ideal é o seu próprio ego, para o qual o meio ambiente não existe, porque ele é incapaz de dar algo de si.

Este tipo de homem vive na auto ilusão de ser um elemento útil à sociedade mas quem for capaz de deitar um olho para dentro da sua alma vazia e pobre, verificará facilmente que ele, coitadinho, não é mais que um bode isolado num deserto. Pois nós todos sabemos muito bem que existem não apenas desertos geográficos, mas também – e o que é mais lamentável – desertos espirituais, intelectuais, assim como existem climas que não dependem somente das condições atmosféricas, mas sim do calor das nossas almas e dos sentimentos de nossos corações. Este segundo elemento também não se importa em fazer toda a espécie de sacrifícios para alcançar o seu fim, mas é o fim próprio que distingue estes dois carácteres.

Enquanto para o primeiro o alvo é “ para o Eterno “ , a meta do segundo é orientada “ para Azazel “.
A cerimónia de sortear os bodes, oficiada no dia mais sagrado e pelo homem mais sagrado (o sumo-sacerdote) é talvez a mais bela e mais significativa demonstração de que o acaso pode ser um factor decisivo quando se trata de carneiros inocentes, mas nunca em relação ao homem responsável pelos seus actos. “

Mais à frente pode ler-se na Torá:

“… E falou o Eterno a Moisés dizendo: “ Fala a toda a congregação dos filhos de Israel, e lhes dirás: Santos sereis, pois santo sou EU o Eterno vosso Deus….” …”
Vaikrá (Levitico) 19: 1 e 2


A este propósito o Rabino Mendel Diesendruck escreveu o seguinte:

“Santos Sereis: Segundo Rashi (comentador mais importante da Torá) isto significa – “ afastai-vos de toda a espécie de imoralidade e da transgressão” – “

O Rabino Diesendruck retoma escrevendo:

“ O Judaísmo não conhece nenhum outro “santo” além de Deus. Em que consiste então a substancialidade de Deus? No “ser diferente”, no “ser fora” de toda a natureza e por isso na liberdade. A opinião que Deus Sive Natura é uma flagrante negação da doutrina básica do judaísmo. Fora da natureza é o reino da liberdade. “Santo” significa livre no grau mais transcendental. O homem nunca é fora da natureza; para o ser o humano só pode prevalecer sempre a “aspiração à santidade “, aspiração cujo objectivo é livrar suas acções de tudo o que é terrestre, material, fútil, mesquinho e profano, uma aspiração a que os seus sentimentos e desejos sejam determinados o máximo possível pela sua consciência divino-espiritual…”

O comentário é concluído com a seguinte afirmação:

“ Ser criado à imagem de Deus não é um facto consumado, mas sim uma elevada missão, uma potencialidade em constante desenvolvimento. “

Na mesma edição da Torá que utilizei e a propósito da mesma passagem os editores juntam o seguinte comentário:

“ Santos sereis: O homem não precisa de executar nenhum acto fora do comum ou feito extraordinário para ser santo. Em todas as esferas da vida o “fazer” e o “não fazer” de cada indivíduo é que o tornam santo. A singularidade do povo de Israel está no facto de que a vida e a santidade não são dois domínios separados. Quem deseja ser santo não precisa de se afastar da natureza, da vida, retirar-se da sociedade para ir viver no deserto, fechar-se asceticamente dentro de muros ou ir viver isolado para a floresta. Todos nós podemos ser “ um reino de sacerdotes e um povo santo” (Êxodo 19:6), e isso não se dará pelo afastamento ou renúncia da vida, mas sim através da santificação da vida, de acordo com o conselho: “ Reconhece-O em todos os teus caminhos” (Provérbios 3:6).”

Como podemos perceber destes comentários e do que atrás foi dito, no judaísmo é dado um especial enfoque ao homem como o decisor da santidade.

O Judaísmo preconiza valores e preceitos que permitem, se seguidos, ao homem tornar-se mais puro e mais santo, pois aproximam-no de Deus.

O homem tem a capacidade de progredir no caminho da sacralização por acção do seu livre arbítrio e vontade, cumprindo os mandamentos e preceitos e assim aproximando-se do seu Criador, à imagem do qual foi feito.

Este tema é no fundo uma das bases da sacralização pois podemos interpretar que o ter sido feito à imagem e semelhança quer dizer que lhe foi concedido raciocínio e poder de decisão.

Consequentemente o homem, ao contrário dos animais que agem por instinto, pode separar o bem do mal e pode escolher ser mais “santo” fazendo sobressair a centelha Divina que lhe foi incutida, ou por outro lado decidir uma vida mais profana.

É todavia importante perceber e diferenciar esta santificação do homem na religião judaica, da santificação / beatificação na religião Cristã. No judaísmo a Santificação é interior e exclusiva de quem segue o caminho dos mandamentos e será apenas reconhecida por Deus. Não existirá em caso algum a veneração de um homem por parte de outros homens.

Concluo com uma incerteza e uma certeza. A incerteza de vos ter trazido algo de utilidade, a certeza de ter aprendido com este trabalho e desta forma ter progredido um ínfimo passo no meu melhoramento.

Todavia se porventura a minha incerteza se tornar certeza então tenho que agradecer-vos pela oportunidade que me deram de dar mais um pequeno passo, neste caminho que todos deveremos levar no sentido da santidade.

Apenas com o trabalho interior de cada um independentemente da religião que seguimos poderemos de forma afirmativa progredir. A nossa progressão individual terá seguramente como consequência a progressão dos nossos semelhantes em direcção a um futuro que esperamos melhor.


José Ruah"

24 novembro 2014

A importância que um Padrinho tem na formação de um maçom…

(imagem proveniente de Google Images)

O  texto que hoje publico, vai abordar algo que no meu entendimento será bastante relevante para a Maçonaria e que é o papel que um padrinho deverá ter na formação do seu afilhado maçom.
Um padrinho deve ter a sensibilidade para poder analisar quem deve ou não fazer parte da Augusta Ordem Maçónica. E padrinho pode ser qualquer maçom exaltado à condição de Mestre. O Mestre é o maçom de pleno direito. Logo tem a responsabilidade de fazer respeitar os princípios da Ordem, auxiliar na formação dos seus Irmãos, detenham eles o grau que tiverem, e de apesar de não fazer proselitismo, deve procurar no mundo profano quem tenha qualidades para ingressar na Maçonaria e que com essa admissão possa desenvolver um trabalho correto tanto pela Ordem Maçónica bem como pela sociedade civil na sua generalidade.
O padrinho não tem de ser um guru nem ser um visionário (pois ele será também um eterno aprendiz), o papel que ele deverá representar  para o seu afilhado é o de um guia, de uma pessoa que o auxílie na sua integração na Loja bem como o de sendo alguém que o ajude na sua formação maçónica, principalmente nos primeiros tempos, em complemento com a formação que é efetuada na loja, auxiliando também o Segundo Vigilante (cargo oficial desempenhado pelo terceiro elemento da  hierárquia de uma loja maçónica) no cumprimento das suas funções, nomeadamente como formador dos Aprendizes Maçons.
Compete ao padrinho após identificar no mundo profano alguém com as capacidades intelectuais e morais que são necessárias para alguém ser reconhecido maçom, abordar o mesmo da forma como achar que será melhor recebida pelo seu interlocutor. Na maioria das situações, a abordagem é feita pelo reverso, alguém que é profano e que se identifica com a Maçonaria intercede junto de um maçom para que lhe seja concedida a entrada na Ordem. Independente da maneira de como é feita a proposição, cabe ao maçom que irá ser o padrinho efetuar algumas diligências, ou seja, conhecer os gostos e preferências do seu futuro afilhado bem como dos hábitos e rotinas que ele possa ter  (se não os conhecer anteriormente), isto é, tudo aquilo que é habitual num ser humano. Conhece-lo!
E  numa fase posterior, se concluir que o profano detém  as qualidades necessárias para entrar na Maçonaria, deve abordar alguns temas de âmbito maçónico, retirando algumas das dúvidas que possam persisitir na mente do seu futuro apadrinhado sobre o que a Ordem Maçónica é e qual o seu papel no mundo. Mas mais que isso, na minha opinião, o futuro padrinho deve fazer-se acompanhar pelo profano em eventos maçónicos de cariz aberto (eventos brancos) onde este poderá ter um contato mais alargado com o que é a Ordem, ou seja, frequentar tertúlias e palestras onde a Maçonaria seja o tema principal a ser abordado.
Neste caso, admito que começará aqui, para mim, a formação maçónica do futuro iniciado. Pois se o mesmo afinal decidir que não se identifica com o que encontra, observa e escuta, então o processo de candidatura não terá início e o profano aproveitará apenas para aumentar a sua cultura geral sobre o que à Maçonaria concerne e ter uma opinião mais concreta sobre esta Augusta Ordem. No entanto, e caso o profano se identifique claramente com o que lhe é mostrado, deverá então ser iniciado o processo de candidatura à admissão numa loja maçónica. E de preferência que seja na loja que é integrada pelo seu padrinho. Isso é de extrema importância. E porquê?!
Porque durante o desenrolar do processo de candidatura, os membros da loja confiarão no zelo que o padrinho se propõe a cumprir ao apadrinhar a candidatura em avaliação porque o conhecem, e  também estes por sua vez, respeitarão quem vier a ser escolhido para ser acolhido pela loja.
E depois, porque o padrinho deverá acompanhar o seu afilhado na assistência das sessões da loja a que estes pertencem, para que este não se sinta desapoiado e nem desintegrado num grupo de gente que à partida não o conhece bem nem o qual deverá conhecer devidamente.
Acontece também o contrário, por vezes quem chega a uma loja maçónica já é popular no mundo profano ou puderá ter relações profanas com alguns membros da loja e assim a sua integração é mais facilmente consumada.
Mas e apesar de todo o fraternalismo que existe na Maçonaria em geral, os “primeiros tempos de vida” de um maçom podem-lhe parecer estranhos porque terá de ser relacionar inclusivé com gente que talvez, no mundo profano, preferiria evitar. É verdade, tal pode acontecer e ainda bem que tal assim acontece. Desta forma, é possível um entendimento que de outra maneira não seria possível acontecer. Porque os irmãos são “obrigados” a confraternizar, logo, encontrar "pontos de comunhão” e de “convergência”. Também, pelo facto de se terem de relacionar, isso obrigará a que as pessoas se conheçam melhor, e com isso, desfazer alguns preconceitos que poderiam ter anteriormente e que se assumirão posteriormente, como errados e descabidos. Outros quiçá, manterão a mesma opinião que anteriormente. Tal poderá acontecer, somos humanos e em relação a isso pouco se pode fazer… A não ser, tolerar e respeitar o próximo tal como outra pessoa qualquer o deve merecer.
 - Os maçons são pessoas como as outras, não são perfeitos; a  forma de como combatem as suas paixões e evitam os seus vícios é que os difere dos restantes membros da sociedade -.

E ter um padrinho que os guie corretamente nessas situações,  que lhes dê a mão para os apoiar quando necessitarem disso e que acima de tudo os critique quando o deve fazer para os manter num bom caminho, marcará de todo a diferença. Isso é “meio caminho andado” para um crescimento maçónico correto e que não seja funesto para a Ordem no futuro.
Os casos que normalmente vêm a público no mundo profano devem-se a erros de casting ou a gente que foi mal formada ou que não se identificou depois com os princípios morais que encontrou no interior da Maçonaria. Por isto, é que não basta a um padrinho convidar ou apadrinhar alguém apenas por ser seu amigo, por ser seu colega ou por essa pessoa ter alguma influência ou notoriedade no mundo profano. Esse “alguém” terá mesmo de se identificar com a Maçonaria e saber um pouco ao que vai, porque caso contrário, criará uma perca de tempo ao próprio e à loja maçónica que o acolher com as consequências que sabemos que poderão suceder e que algumas vezes ocorrem mesmo!
E nos casos em que os maçons “derrapam” ou se desviam do seu caminho na virtude, os padrinhos deveriam ser também responsabilizados, isto é, serem chamados à atenção por terem trazido para dentro da Instituição Maçónica quem agiu de forma errada e que levou a que a imagem desta Augusta Ordem fosse questionada profanamente. Obviamente que não digo que fossem sancionados, mas que exista uma conversa para os alertar do perigo que é de apadrinhar gente com este tipo de conduta para que no futuro sejam mais zelosos nos seus apadrinhamentos e que também tivessem acompanhado a conduta do seu apadrinhado. Naturalmente que um padrinho não pode ser culpado, a não ser que seja cúmplice, da atuação do seu afilhado, mas se puder prever que o mesmo possa se desviar e errar, deve alertar o mesmo dos riscos que este corre, seja de suspensão ou até mesmo de expulsão da Ordem, com tudo o que isso acarretará moralmente para ambos. Porque mesmo em surdina, as “orelhas” do padrinho sofrem sempre as consequências dos atos do seu afilhado. É habitual o ser humano criticar algo, todos somos “treinadores de bancada”, logo criticar-se algo que não correu bem é a consequência lógica de tal. Por isso até mesmo quem entra na Maçonaria deve refletir na sua conduta para que não ponha a imagem dos outros irmãos em questão.
Porém, e ainda no âmbito da instrução maçónica do seu afilhado, o padrinho deverá  complementar a formação que será concedida pela loja ao seu apadrinhado; porque ao lhe demonstrar também que a Maçonaria vive de símbolos, metáforas e alegorias, mas fundamentalmente, da prática de rituais próprios, também ele (padrinho) ao instruir o seu afilhado, poderá refletir e por em prática os conhecimentos que já adquiriu até então - o que é sempre uma mais valia pessoal - e que lhe permitirá vivenciar o que também ele aprendeu durante a sua formação até atingir o mestrado.
- Conhecer e ensinar outrém é do melhor que o ser humano poderá fazer pelo seu semelhante. Tanto que acredito que o Conhecimento somente é  Sabedoria quando compartilhado-.
Mais tarde, quando o seu afilhado já se encontrar na condição de mestre, já não será tão essencial ter aquela “especial” atenção que considero como importante na caminhada de um maçom, porque este já atingiu uma parte importante da sua formação maçónica e concluiu o seu percurso até à mestria. Mas no entanto,  nunca o deverá abandonar, pois apesar de este ser um irmão seu, será sempre o seu afilhado, logo alguém que um dia reconheceu como tendo capacidades e qualidades maçónicas. E essa responsabilidade nunca desaparecerá.
E isto é algo que por vezes acontece e que eu considero como sendo nefasto para a vida interna de uma Obediência. Não basta convidar alguém, se iniciar alguém, (mal) formar alguém e depois deixá-lo à  mercê dos tempos e vontades… Virar as costas a um irmão, mesmo que seja inconscientemente, nunca trará resultados frutuosos para ninguém e principalmente para a Ordem. É na nossa união que reside a nossa força, é com nosso apoio que conseguimos enfrentar o dia-a-dia. E se isto poderá parecer como demasiado simplista e inocente, não nos devemos esquecer que é no nosso espírito de corpo que se encontra a fonte da egrégora que é criada em loja e que é a impulsionadora da nossa fraternidade.
Assim, alguém que queira apadrinhar a candidatura de um profano, terá de assumir que adquire uma responsabilidade tal, que nunca será irrelevante e que nos seus “ombros” suportará o “peso” de uma Ordem iniciática e de cariz fraternal  como o é a Maçonaria. E que terá como seus deveres  principais: reconhecer, informar, transmitir/formar e acompanhar  quem ele considerar como sendo um válido (futuro) membro da  Maçonaria.
Não será uma tarefa fácil, esta de se apadrinhar alguém, mas este é um compromisso que os maçons assumem para com a Ordem e a bem da Ordem...

15 setembro 2014

Ser reconhecido Maçom...


(imagem retirada de Google Images)

Para alguém ser considerado maçom, primeiramente terá de ser reconhecido por outro como tal. Depois terá de passar por uma conjunto de processos após os quais será aceite ( ou não) por uma Respeitável Loja e a sua consequente Iniciação.

Mas não é tão fácil como o parágrafo anterior se apresenta, mas também não será tão difícil como se poderá supor.
Nas Maçonarias tipicamente anglo-saxónicas é usual a célebre afirmação “2B1ASK1” ou seja “ To Be One, ask One” ( Para ser Um, Pergunte a Um; numa tradução literal), o que permitirá mais facilmente atrair mais gente a esta Augusta Ordem.
Mas por norma, qualquer Obediência (Potência Maçónica) tem um domicílio físico, isto é, uma porta onde se poderá bater no caso de que algum potencial candidato que se interesse ou identifique com os princípios e causas maçónicas se puderá dirigir caso não tenha nenhum conhecido que seja maçom na sua lista de contatos ou esfera de influência. Ou também, o que sucede bastantes vezes, não tenha sido reconhecido ainda por algum outro maçom.

Mas que “reconhecimento” é esse que acabei de falar?!
Nada mais nada menos que tal como os maçons afirmam, que se reconheça em alguém que seja uma pessoa “livre e de bons costumes”, com um comportamento probo e honesto; que seja alguém considerado com bom “pai de família” e um bom colega de trabalho pelos seus pares; que esteja inserido na sociedade onde viva e que tenha vontade em aprender e partilhar o que sabe com outrem; bem como ter também a vontade em auxiliar o seu semelhante.

Todavia, e aqui algo que poderá criar confusão na mente de algumas pessoas, o candidato terá de ser alguém com defeitos, ou seja, alguém que identifique e reconheça os seus defeitos pessoais e tenha a vontade e ambição de mudar o seu comportamento para melhor - “vencer os seus vícios e paixões”… - evoluindo como pessoa e ser humano que é, através de uma via espiritual e iniciática que neste caso preciso é a Maçonaria.

Em geral, na minha opinião, não é a simples pertença na Maçonaria que tornará “homens bons” em “homens melhores”, antes pelo contrário, serão os homens que poderão tornar a instituição maçónica em algo melhor; pois as suas atitudes estarão sob o escrutíno da Sociedade. Os maçons são os seus próprios “juízes e carrascos”, o resto é conversa…

A Maçonaria através das suas “ferramentas filosóficas e espirituais” é que pode auxiliar na evolução pessoal de cada um em direção a um aperfeiçoamento moral e comportamental. Por isso é que é hábito em maçonaria se afirmar que “ a Ordem não procura homens perfeitos”, pois esses já trilharam o seu caminho… 
À Maçonaria interessa sim, quem deseja mudar, mas mudar para melhor…
Somente atuando assim, é que alguém pode um dia esperar ser reconhecido como maçom. Mas não lhe bastará apenas ter sido reconhecido, há que continuar nesta senda de perfeição, caso contrário, as palavras, as atitudes, os comportamentos serão vãos e apenas tudo culminará numa perda de tempo para ambas as partes, tanto para a Respeitável Loja e Obediência que o acolha, quanto para o próprio, que será passível de perder um reconhecimento que por regra não é atribuído a qualquer um!
Tanto que por isso, sempre após uma possível “identificação maçónica” num profano ou após a submissão de um pedido de candidatura de adesão a uma Respeitável Loja, é desencadeado um conjunto de diligências, nomeadamente um processo de inquirição, para que se possa averiguar qual a conduta do suposto candidato a iniciar. Seja através de conversas com o próprio ou com seus familiares e/ou amigos, para que se possa aferir quais as reais intenções de quem deseja que “a porta lhe seja aberta”… 

É que fortuitamente e como em qualquer instituição ou associação onde entre o bicho-homem, também por vezes a Maçonaria tem alguns erros de casting que acabam por manchar a reputação dos demais maçons e influenciar negativamente a opinião profana sobre a Maçonaria e os seus membros. E geralmente são estes casos que vêm a público, pois o bem que a Maçonaria faz, apenas fica resguardado para ela…
E, mesmo depois de ter terminado o processo de inquirição respeitante a um candidato, o mesmo ainda terá de ser sufragado pela Respeitável Loja que o irá cooptar no futuro. E somente após essa decisão da loja, será ou não iniciado.

Por isto tudo, é que afirmei no início que não seria difícil entrar na Maçonaria, mas que por sua vez também, não será tão fácil assim como se poderia supor.


Finalizando e em jeito de conclusão, tenho para mim que antes de se entrar na Maçonaria e se obter qualquer tipo de reconhecimento, já a Maçonaria “entrou dentro de nós”…

01 junho 2007

A Santificação do Homem

O post de hoje, para desanuviar, é sobre um tema um pouco diferente da maçonaria , ou talvez não.

Reproduzo aqui uma comunicação que apresentei há umas semanas atrás no coloquio:
" Turres Veteras X - a Historia do Sagrado e do Profano"

O Texto foi escrito para ser lido e por isso perdoarão alguma incorrecção. As citações são extridas do Livro " Torá" editado recentemente pela editora Sefer do Brasil e consequentemente estão escritas em português do lado de lá.


A Santificação do Homem


Quando me foi lançado este desafio, de vir aqui falar sobre o Sagrado e o Profano do ponto de vista do judaísmo, aceitei sem saber bem o que iria dizer sobre o tema.

É importante lembrar que não sou Rabino nem estudioso de matérias religiosas pelo que corro o sério risco de vos apresentar algo que fique muito aquém das expectativas, mas é a minha visão do assunto.

O judaísmo enquanto religião e forma de vida visa sempre a santificação do homem numa perspectiva de o tornar mais próximo de Deus.

A religião judaica prescreve mandamentos e regras que se integralmente cumpridas representarão o respeito máximo por Deus e pela sua Santidade, e que não cumpridas farão do homem um profano que ao contrario do seu irmão cumpridor, no dia do julgamento poderá ser considerado como indigno de se manter vivo.

Todavia o homem está sempre a tempo de se arrepender e retornar ao caminho da santidade com isso glorificar Deus. Este arrependimento, que pode surgir a qualquer altura, está muito associado com o dia do Kipur. Dia de penitencia e arrependimento e também o dia em que cada judeu se apresenta perante Deus e lhe apresenta contas do que fez, esperando que o seu nome seja inscrito por Deus no Livro da Vida e que o seu arrependimento seja aceite.

Neste sentido e de forma a realçar a importância do percurso do homem, de cada homem, no sentido a elevação espiritual decidi ir buscar exactamente os trechos da Torá que explicam e regulamentam o dia de Kipur e de lá extrair o que me pareceu fundamental para ilustrar a perspectiva judaica sobre o sagrado e o profano, do ponto de vista do homem.

Uma breve explicação prévia, a Torá é composta por 5 livros (Bereshit – Génesis, Shemot – Êxodo, Vaycrá -Levitico, Bamidbar – Números e Devarim – Deutronomio) e constitui a lei fundamental do judaísmo, a lei dada por Deus a Moisés no deserto. Nestes livros poderemos encontrar desde a criação do Mundo aos preceitos alimentares e regulamentos familiares. Estes livros são lidos em capítulos semanais de maneira a que num período de um ano todos os livros tenham sido integralmente lidos e se recomece.

Estes são os livros de base do que se convencionou chamar de Bíblia.

Para ilustrar o tema de hoje escolhi algumas passagens e respectivos comentários, que penso poderão ajudar a explicar o que o judaísmo pensa e preconiza. Estas passagens estão incluídas no capítulo que regula o Dia de Kipur.


“... E tomarás os dois cabritos e os farás ficar diante do Eterno à porta da tenda da reunião. E lançará Aarão sobre os dois cabritos, sortes, uma para o Eterno e outra para Azazel. E aproximará Aarão o cabrito sobre o qual caiu a sorte para o Eterno e o oferecerá como oferta de pecado. E o cabrito sobre o qual caiu a sorte para Azazel colocar-se-á vivo diante do Eterno, para expiar por meio dele, para envia-lo para Azazel no deserto.


E colocará Aarão suas duas mãos sobre a cabeça do cabrito vivo, e manifestará sobre ele todas as iniquidades dos filhos de Israel, todos os seu delitos e todos os seus pecados, e os porá sobre a cabeça do cabrito e o enviará, por mão de um homem designado para isso para o deserto. E levará o cabrito todas as iniquidades à terra desabitada e deixará o cabrito ir pelo deserto… “

Vaikrá (Levitico) 16: 7 a 10 e 21 a 22

Sobre este trecho da Torá o Rabino Mendel Diesendruck, que na década de 50 do sec. XX foi Rabino em Lisboa escreve o seguinte:


“ Sortes: os nossos exegetas interpretam esta cerimónia de sortear os cabritos como indicação simbólica para os dois diferentes elementos humanos e a sua maneira distinta de encarar os problemas da vida. Um encarna com o seu estilo de viver e pela pureza das suas acções e pensamentos aquela máxima gravada em muitas sinagogas com letras douradas por cima da Arca Sagrada, Shiviti Hashem Lenegdi Tamid (Tenho o Eterno sempre à minha presença), ou seja tudo o que eu faço e pretendo fazer é orientado e guiado por uma única motivação: Viver sempre dentro das prescrições da Torá, amar a Deus, o meu povo e a humanidade inteira; e para concretizar este meu ideal sublime não receio qualquer sacrifício.

Este elemento humano que representa pela nobreza do seu carácter a perfeição da criação Divina é o símbolo de “ para o Eterno” .

Mas existe também um elemento radicalmente oposto. É aquele ser humano cuja vida é claramente profana, cujos interesses nesta vida são de um materialismo vil, uma abjecção grosseira; o tipo de ser humano cujo maior ideal é o seu próprio ego, para o qual o meio ambiente não existe, porque ele é incapaz de dar algo de si.

Este tipo de homem vive na auto ilusão de ser um elemento útil à sociedade mas quem for capaz de deitar um olho para dentro da sua alma vazia e pobre, verificará facilmente que ele, coitadinho, não é mais que um bode isolado num deserto. Pois nós todos sabemos muito bem que existem não apenas desertos geográficos, mas também – e o que é mais lamentável – desertos espirituais, intelectuais, assim como existem climas que não dependem somente das condições atmosféricas, mas sim do calor das nossas almas e dos sentimentos de nossos corações. Este segundo elemento também não se importa em fazer toda a espécie de sacrifícios para alcançar o seu fim, mas é o fim próprio que distingue estes dois carácteres.

Enquanto para o primeiro o alvo é “ para o Eterno “ , a meta do segundo é orientada “ para Azazel “.
A cerimónia de sortear os bodes, oficiada no dia mais sagrado e pelo homem mais sagrado (o sumo-sacerdote) é talvez a mais bela e mais significativa demonstração de que o acaso pode ser um factor decisivo quando se trata de carneiros inocentes, mas nunca em relação ao homem responsável pelos seus actos. “

Mais à frente pode ler-se na Torá:

“… E falou o Eterno a Moisés dizendo: “ Fala a toda a congregação dos filhos de Israel, e lhes dirás: Santos sereis, pois santo sou EU o Eterno vosso Deus….” …”
Vaikrá (Levitico) 19: 1 e 2


A este propósito o Rabino Mendel Diesendruck escreveu o seguinte:

“Santos Sereis: Segundo Rashi (comentador mais importante da Torá) isto significa – “ afastai-vos de toda a espécie de imoralidade e da transgressão” – “

O Rabino Diesendruck retoma escrevendo:

“ O Judaísmo não conhece nenhum outro “santo” além de Deus. Em que consiste então a substancialidade de Deus? No “ser diferente”, no “ser fora” de toda a natureza e por isso na liberdade. A opinião que Deus Sive Natura é uma flagrante negação da doutrina básica do judaísmo. Fora da natureza é o reino da liberdade. “Santo” significa livre no grau mais transcendental. O homem nunca é fora da natureza; para o ser o humano só pode prevalecer sempre a “aspiração à santidade “, aspiração cujo objectivo é livrar suas acções de tudo o que é terrestre, material, fútil, mesquinho e profano, uma aspiração a que os seus sentimentos e desejos sejam determinados o máximo possível pela sua consciência divino-espiritual…”

O comentário é concluído com a seguinte afirmação:

“ Ser criado à imagem de Deus não é um facto consumado, mas sim uma elevada missão, uma potencialidade em constante desenvolvimento. “

Na mesma edição da Torá que utilizei e a propósito da mesma passagem os editores juntam o seguinte comentário:

“ Santos sereis: O homem não precisa de executar nenhum acto fora do comum ou feito extraordinário para ser santo. Em todas as esferas da vida o “fazer” e o “não fazer” de cada indivíduo é que o tornam santo. A singularidade do povo de Israel está no facto de que a vida e a santidade não são dois domínios separados. Quem deseja ser santo não precisa de se afastar da natureza, da vida, retirar-se da sociedade para ir viver no deserto, fechar-se asceticamente dentro de muros ou ir viver isolado para a floresta. Todos nós podemos ser “ um reino de sacerdotes e um povo santo” (Êxodo 19:6), e isso não se dará pelo afastamento ou renúncia da vida, mas sim através da santificação da vida, de acordo com o conselho: “ Reconhece-O em todos os teus caminhos” (Provérbios 3:6).”

Como podemos perceber destes comentários e do que atrás foi dito, no judaísmo é dado um especial enfoque ao homem como o decisor da santidade.

O Judaísmo preconiza valores e preceitos que permitem, se seguidos, ao homem tornar-se mais puro e mais santo, pois aproximam-no de Deus.

O homem tem a capacidade de progredir no caminho da sacralização por acção do seu livre arbítrio e vontade, cumprindo os mandamentos e preceitos e assim aproximando-se do seu Criador, à imagem do qual foi feito.

Este tema é no fundo uma das bases da sacralização pois podemos interpretar que o ter sido feito à imagem e semelhança quer dizer que lhe foi concedido raciocínio e poder de decisão.

Consequentemente o homem, ao contrário dos animais que agem por instinto, pode separar o bem do mal e pode escolher ser mais “santo” fazendo sobressair a centelha Divina que lhe foi incutida, ou por outro lado decidir uma vida mais profana.

É todavia importante perceber e diferenciar esta santificação do homem na religião judaica, da santificação / beatificação na religião Cristã. No judaísmo a Santificação é interior e exclusiva de quem segue o caminho dos mandamentos e será apenas reconhecida por Deus. Não existirá em caso algum a veneração de um homem por parte de outros homens.

Concluo com uma incerteza e uma certeza. A incerteza de vos ter trazido algo de utilidade, a certeza de ter aprendido com este trabalho e desta forma ter progredido um ínfimo passo no meu melhoramento.

Todavia se porventura a minha incerteza se tornar certeza então tenho que agradecer-vos pela oportunidade que me deram de dar mais um pequeno passo, neste caminho que todos deveremos levar no sentido da santidade.

Apenas com o trabalho interior de cada um independentemente da religião que seguimos poderemos de forma afirmativa progredir. A nossa progressão individual terá seguramente como consequência a progressão dos nossos semelhantes em direcção a um futuro que esperamos melhor.


José Ruah