URGÊNCIAS 2007
Esta terceira edição do conceito, sempre com textos novos, mostra uma assinalável evolução qualitativa, com uma inteligente encenação de Tiago Rodrigues e um oportuno aproveitamento dos meios técnicos que o Teatro Maria Matos disponibiliza. A utilização de imagens em vídeo como parte integrante do cenário, a apurada utilização da iluminação (concebida, bem como o cenário, por Thomas Walgrave) e do som (com dois DJ's em palco, ALX e Riot) na construção da atmosfera pretendida par cada texto, valorizam harmonicamente os textos, as interpretações e a encenação.
A primeira peça curta intitula-se Domingo e nela Tónan Quito e Cláudia Gaiolas eficazmente preparam o ambiente para a soberba interpretação de um quase-monólogo (apenas pontuados por esparsas e curtas falas da personagem interpretada por Tónan Quito) por Fernando Luís, em grande forma. O público é paulatinamente conduzido até ao entendimento da situação, de forma quase hipnótica, pelo lento movimento, sempre acompanhado pelo incansável discurso da personagem interpretada por Fernando Luís. Um texto de qualidade da autoria de José Maria Vieira Mendes, muito bem interpretado e correctamente encenado.
A peça seguinte, Duas Estrelas, da autoria de Rui Cardoso Martins, mostra-nos uma possível reacção de um vencedor de um chorudo prémio do Euromilhões. Uma competente encenação, servida por mais uma óptima interpretação de Fernando Luís, bem acompanhado por Margarida Cardeal, Cláudia Gaiolas (delirante a sua burlesca interpretação de uma irritante e interesseira administradora de condomínio, que faz muitos dos assistentes recordarem-se do respectivo condomínio...) e Tónan Quito.
O terceiro texto, Amar-te longe daqui onde pudesse chamar pelo teu nome sem ter de virar para trás, de Mickael de Oliveira, foi o que menos apreciei. Contudo, foi bem defendido por uma boa encenação e a competente interpretação de Margarida Cardeal, Joaquim Horta e da jovem Rita Brütt, esta uma agradável surpresa na valorização da sua personagem.
O quarto texto, Fora de serviço, de Inês Meneses, foi o que mais apreciei. Difícil de interpretar, por ser constituído essencialmente por um diálogo entre dois monólogos, foi objecto de sóbria encenação e valorizado pelas excelentes interpretações de Margarida Cardeal e Joaquim Horta.
A peça curta Pum, o tiro era a que mais curiosidade me despertava, por ser escrita por um valor já seguro da dramaturgia contemporânea, José Luís Peixoto. O texto, no entanto, não correspondeu às minhas expectativas. Porém, a simples historieta apresentada foi, surpreendentemente servida por uma fantástica encenação que, optando pelo registo da farsa, em minha opinião fez de um texto vulgar um muito bom espectáculo de teatro, com o registo escolhido a valorizar o texto de uma forma que se duvidaria possível. É claro que este registo de farsa (com uma surpreendente e de alto risco alteração de cenário) só teve um merecido êxito graças às fantásticas interpretações de (mais uma vez) Fernando Luís e de Cláudia Gaiolas (esta definitivamente com uma eficácia na farsa e no burlesco que impressiona), bem acompanhados por Margarida Cardeal, Rita Brütt, Joaquim Horta e Tónan Quito.
Tónan Quito que, na minha opinião, teve a sua grande interpretação da noite, mostrando-nos a sua grande qualidade, no último e ambivalente texto, A dispersão ou simulacro de urgência, de Joaquim Horta, mais uma vez servido por uma agradável encenação, que muito valorizou, não só a qualidade do trabalho do protagonista, mas as mais-valias trazidas pelos DJ's, pelo vídeo e uma competente iluminação. Rita Brütt, Fernando Luís e Cláudia Gaiolas acompanharam e serviram bem o merecido solo superlativamente interpretado por Tónan Quito.
Estas URGÊNCIAS 2007, produção Mundo Perfeito, Produções Fictícias e Teatro Maria Matos, está em cena até 29 de Julho, de quartas a sábados às 21,30 h e aos domingos às 17 horas e é um espectáculo que vivamente recomendo, pois auguro que nele assistimos às sementes do teatro português de qualidade das próximas décadas, quer a nível de actores, quer a nível de autores, quer de encenação.
Rui Bandeira