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25 abril 2016

Desde há 42 anos - para sempre!


Recordo que, quando eu era rapazote, havia algo que me impressionou ao ponto de não o ter esquecido. O dia 5 de outubro era, como voltou a ser depois de breve hiato, feriado nacional. Comemorava-se a Implantação da República. E, no telejornal, religiosamente seguido por todos lá em casa, nesse dia lá víamos sempre a reportagem das comemorações do aniversário da dita Implantação, em que os principais intervenientes eram uns caquéticos velhinhos, cada ano mais caquéticos e mais velhinhos, mas também cada ano menos em quantidade.

A minha mente infantil abismava-se então que se comemorasse a República, uma coisa tão natural como o ar que respiramos. Que tinha isso de especial? "Toda a gente" sabia que o normal era haver República, que isso da Monarquia era uma ultrapassada cena do passado, que desaparecera há mais de cinquenta anos (então...)! 

E então aquela coisa dos velhinhos a desfilarem e a colocar coroas de flores não sabia bem aonde, também me parecia algo bizarro. Que raio de ideia dos senhores, manifestamente frágeis, virem para a rua (ainda apanhavam alguma pneumonia e depois era o cabo dos trabalhos...) naquelas poses solenes, em vez de estarem comodamente em casa junto dos seus netos!

Precisei de crescer para entender que o regime republicano não era coisa tão natural assim, que havia vários países que optavam por manter o regime monárquico, que a Implantação da República não fora coisa fácil e implicara três dias de batalhas, com mortos a sério e suicídio de um dos comandantes da revolta quando pensava que esta tinha falhado e posterior reviravolta que assegurara o triunfo dos republicanos. Só mais crescido entendi que aqueles velhinhos frágeis e caquéticos eram o que restava dos combatentes da Rotunda e de outros locais por onde passou a revolta republicana, então vigorosos jovens na flor da idade que viram a morte desfilar diante dos seus olhos, que estiveram debaixo de fogo e fizeram fogo. Só então entendi que aqueles dias tinham sido tão importantes, tão determinantes, tão identitários para aqueles homens, que eles não se dispensavam, ano após ano, embora cada ano menos e cada ano mais frágeis, de evocar aquele evento.

Hoje, estando já eu a caminho da caquexia, senão velhinho pelo menos já meio velhote (decididamente usado e já muito fora do prazo de garantia...) entendo perfeitamente aqueles velhos republicanos e sou eu que não dispenso de evocar uma data para mim importante, determinante e identitária: o 25 de abril! Não que eu tivesse tido nele alguma participação, para além de a tudo ter assistido, empolgado e esperançoso. Tinha então menos de 19 anos e nem sequer estava de armas na mão porque tinha adiado o cumprimento do então obrigatório serviço militar, em virtude de ser estudante universitário.

Passaram 42 anos!

Pela minha vivência infantil em relação aos velhos republicanos, percebo perfeitamente que as crianças e jovens de hoje vejam com alguma indiferença o que eles consideram a bizarria de comemorar um golpe militar ocorrido muito antes de terem nascido e que os cotas mais velhos afirmam ter permitido a instauração da Democracia! Entendo perfeitamente que as crianças e jovens de hoje achem estranha esta comemoração. Então a Democracia não é tão natural como o ar que respiramos? 

É, pois, importante que os mais velhos não deixem de transmitir que, sendo a Democracia natural e desejável, não é necessariamente existente. Que a Democracia necessita constantemente de ser defendida, vivida, praticada e renovada.

Eu vivi mais de 18 anos da minha vida sob um regime político não democrático e sei a asfixia que, quando ganhei consciência da cidadania, tal me provocou. O meu pai viveu quase toda a sua vida em regime não democrático. Lembro-me perfeitamente de, em 1969, ter havido uma novidade: ia haver umas eleições em que era permitido que concorressem listas não afetas ao regime. Lembro-me de, nesse dia, o meu pai, agitadíssimo, receosíssimo, prudentíssimo, ter saído de casa para ir votar, com o boletim de vota na lista da situação num bolso do casaco e o boletim de voto na lista da oposição no outro bolso (então era assim, boletins separados, não havia cá quadradinhos nem cruzinhas...), após ter proibido terminantemente a minha mãe e os filhos de saírem de casa ou sequer assomarem à janela, não fosse haver algum problema, e de, ao regressar, ter-se dirigido imediatamente à cozinha, retirado do bolso o não utilizado boletim de voto na situação e pressurosamente tê-lo queimado, para que não houvesse provas que ele tinha votado na oposição, recomendando a todos que mantivéssemos a boca calada em relação à sua decisão de voto, que as paredes tinham ouvidos e a policia política do regime não era para brincadeiras!

Dou graças por as crianças e jovens do meu País sempre terem vivido em Democracia e não saberem, nem sequer imaginarem o que é viver sem ela! Recomendo vivamente que não tenham a Democracia como algo de garantido, como favas contadas, e a defendam, vivam e pratiquem. Que não a deixem estiolar nem fenecer, para não virem a sofrer a falta dela.

42 anos passaram. Hoje a Democracia parece-nos tão natural como o ar que respiramos. Felizmente muitos de nós não têm noção da sua falta. 

Comemoram-se hoje 42 anos do 25 de abril. Comemora-se hoje o evento que permitiu se restabelecesse a Democracia em Portugal. Que ela permaneça na nossa terra - para sempre!

Rui Bandeira

27 abril 2015

25 de Abril... uma singela reflexão


Comemora-se hoje mais um feriado referente ao 25 de Abril. 

Como todos bem sabemos, este feriado celebra o fim da ditadura do Estado Novo, época durante a qual as liberdades e direitos da maioria do povo se encontravam cerceados.

O 25 de Abril, ou a revolução efetuada nesse dia e mais tarde conhecida com o sugestivo epíteto de “revolução dos cravos”, independentemente de muitos concordarem ou não com os seus fins programáticos, numa coisa todos terão de concordar, trouxe alguma da liberdade de expressão que antes não existiria. 

Liberdade de expressão esta que me permite neste momento estar a debitar estas singelas linhas,” liberdade de expressão” que me autoriza a que eu o possa assim fazer apenas por me apetecer tal.

Para além disso, consignou o “direito à livre reunião entre pessoas”, direito esse eu que orgulhosamente usufruo na sua plenitude. Permitindo-me estar com quem eu quero quando o assim desejo ou posso.

Trouxe também o “direito à livre circulação”, que a todos dará muito jeito. Qualquer pessoa pode circular por onde quiser e principalmente às horas que desejar.

Com estes não tão singelos direitos outorgados pela “revolução dos cravos”, que não são tão simples assim como poderão aparentar pela forma de como os descrevi, é permitido  que a Maçonaria possa subsistir -  e perseverar, digo eu! – nos dias que correm.

Se tal “revolução” não tivesse acontecido, nem maçons nem o povo na sua generalidade poderiam vivenciar tais direitos, mas saberiam pelo menos dar-lhe o valor que os mesmos teriam, porque simplesmente não os poderiam experienciar. E como quase tudo na vida, normalmente só damos valor a algo quando tal é inalcançável ou que se o tenha perdido. Singularidades da vida, é o que me apraz dizer...

Hoje em dia e passados já mais de quatro décadas desta revolução começa a por-se em questão esta dita revolução, seja pelo espaço temporal a que aconteceu seja porque uma grande parte da população já ter nascido depois desta insurreição e não ter “sentido na pele” o estado retrógrado em que se vivia então, no sentido de que estas ditas “liberdades” serão mesmo liberdades ou garantias básicas para a evolução da sociedade ou meramente algo que se pode prescindir em detrimento de outra coisa qualquer e a qualquer custo também...

O povo ou os seus “mandatários”, libertaram-se de um sistema anti-democrático para se submeterem a um jugo financeiro atual, tal a dependência que temos dos sistemas bancários e instituições económico-financeiras. Poderes estes não controlados pela “força do voto”. - O que se pode tornar perigoso a curto e médio prazo para as "liberdades" da generalidade -.

Naturalmente que nos primeiros tempos em “liberdade” muitas coisas erradas aconteceram fruto da inebriação coletiva do recente fim da ditadura. Aconteceram coisas positivas outras nem tanto, mas foram essas coisas que nos trouxeram até aqui e que nos desenvolveram a nossa identidade atual.

O que somos atualmente?

Passámos de uma sociedade em que a grande parte dos seus cidadãos viveria com salários pequenos e condições de trabalho limitadas para uma sociedade contemporânea consumista e excessivamente materialista e capitalista.

Quantos de nós, principalmente os da minha geração (que nasceram entre 1975 e 1990) souberam dar valor ou reconhecer algum mérito à liberdade que temos e que usufruímos?!

Alguns com certeza. Outros falarão de liberdade apenas como um neologismo criado pelos tempos vigentes, pois nunca – felizmente!- sentiram ou partilharam dos sentimentos que os seus pais ou avós partilhavam.

E falei da minha geração porquê?

Porque neste momento também já não são somente filhos de uma revolução, mas sim pais e alguns até mesmo avós, e caberá a esta geração transmitir estes valores e ideais de Liberdade às gerações atuais. 
Primeiro porque as faixas etárias estão muito próximas, depois porque falam uma “linguagem” muito semelhante, e finalmente numa boa parte dos casos, serão os ídolos destas gerações, logo gente que é escutada e observada no seu quotidiano. Logo mais facilmente sob escrutínio das gerações atuais.

É que apesar de a Liberdade ser um conceito demasiado amplo, o mesmo não pode ser vago. Quando se fala em liberdade, convém explicitar depois qual liberdade a que nos referimos, uma vez que a nossa liberdade termina quando começa a do nosso semelhante, e se duas “liberdades” colidirem entre si, obviamente que não haverá qualquer liberdade; existirá sim, a liberdade de um prevalecendo sobre a do próximo, e isso em última instância não é sequer Liberdade mas outra coisa qualquer…indigna de lhe ser outorgado esse nome.

Hoje, 25 de Abril de 2015, num ano de eleições legislativas, num ano em que a maioria dos cidadãos portugueses terá na sua mão o seu destino e o destino dos próximos anos, convirá que todos façam a sua reflexão, que meçam os prós e os contras, que metam na “balança” as suas ideias, os seus desígnios, e se preparem para o “grande dia”. 
Já não falta tanto tempo assim…

É que se alguma liberdade esta revolução nos trouxe foi a liberdade de decisão e de opção pela agremiação política que melhor poderá nos representar a nós próprios bem como decidir o destino das nossas vidas e dos nossos concidadãos.

Agora o que importará  é que todos exerçamos esse direito, essa regalia que nos foi concedida, porque depois e porque vivemos num sistema democrático, teremos de nos submeter à decisão do coletivo do eleitorado.

Por ora, que saibamos viver em liberdade e que saibamos partilhar essa liberdade com o nosso semelhante.

25 de Abril, Sempre!!!



PS: Este texto foi escrito este sábado, dia 25 de Abril, e apenas publicado hoje por opção editorial minha.

23 abril 2014

Há quarenta anos, dia por dia...


Há quarenta anos, dia por dia, eu era um jovem de dezoito anos que alcançara, à custa de muito trabalho, uns quantos sacrifícios e bastantes privações dos meus pais, o que era então o verdadeiro privilégio de ser estudante universitário. Estudava que me desunhava, não porque fosse especialmente dedicado, mas porque sabia que os meus pais - ele, operário eletricista, ela doméstica - não podiam sustentar vilegiaturas académicas sem aproveitamento. O curso era para se fazer o mais depressa que fosse possível, que os tostões eram parcos e contadíssimos e havia que deixar de ser fardo para a família e começar a contribuir para o seu sustento. Por outro lado, não bastava tirar o curso depressa: havia que procurar ter boas notas, única forma de diferenciação possível de quem provinha de classe modesta e não dispunha de pedigree, conhecimentos ou auxílios da elite que dominava este país. 

Há quarenta anos, dia por dia, o sentimento que perpassava por toda a sociedade, por praticamente toda a população, era de medo. Medo de ir ou de que o seu filho fosse para a guerra, medo de ser tomado por algum polícia, PIDE ou bufo (informador da polícia política) como desafeto ao regime, pois isso implicaria, no mínimo, uma condução a instalações policiais e sujeição a interrogatório "musculado" com uns valentes tabefes, eventualmente uma estada, gratuita, mas frequentemente sem direito a dormir e com direito a uma estátua (mas quem fazia de estátua e não podia dormir era o "hóspede"...) nas temidas instalações da polícia política, na Rua António Maria Cardoso, ou mesmo umas "férias" mui pouco agradáveis na estância muito pouco termal de Caxias.

Há quarenta anos, dia por dia, eu, que até me considerava atento e bem informado, só sabia o que os detentores do poder político entendiam que me era permitido saber, pois a Imprensa (então não se costumava ainda dizer Comunicação Social...) estava sujeita a um férreo regime de censura, crismada com o cognome de "exame prévio", que só permitia que fosse publicado o que não lhes causasse inconveniência - e o principal "desporto" dos jornalistas da época dava pelo nome de "finta à Censura"; e que grandes craques havia nessa interessantíssima "modalidade desportiva", felizmente extinta, por desnecessidade, espero que para sempre!

Há quarenta anos, dia por dia,  a sina de qualquer jovem adulto fisicamente apto (e mesmo de alguns nem sequer tão aptos como isso...) era ir perder quatro anos da sua vida (ou perder a sua vida no horizonte de quatro anos...) numa "comissão de serviço" na Guiné, em Angola ou Moçambique, combatendo não sabia quem, porquê, para quê e até quando. A não ser que optasse por se exilar e conseguisse fazê-lo ou que fosse filho de algum dos próceres do regime, que esses tinham garantido confortável cumprimento dos seus deveres militares na "Metrópole", isento de riscos e de sacrifícios, integrantes da casta dominante que eram.

Há quarenta anos, dia por dia, não se escolhiam os líderes políticos, nem se opinava sobre as políticas a seguir. Os detentores do poder detinham-no e pronto! As funções políticas eram exercidas por escolhidos em circuito interno e à generalidade da população cabia obedecer e não refilar.

Há quarenta nos, dia por dia, não se podia sair legalmente do país sem autorização "de quem de direito", os direitos cívicos e políticos existiam no papel (num célebre art. 8.º da Constituição de 1933), mas o mesmo papel elencava tantas exceções e restrições ao exercício desses direitos que, na prática, não existiam, ou só existiam se, quando e na medida em que o poder entendesse permitir que fossem existindo.

Há quarenta anos, dia por dia, eu era um jovem universitário vivendo num ambiente de medo, sem perspetivas, sem direitos realmente dignos desse nome, sem nada  que não fosse vegetar e esperar, esperar, esperar que um dia, talvez, algo mudasse. Era um jovem comum, um entre milhões que não tinha atividade política relevante, ao fim de dezenas de anos de condicionamento de todo um povo para que não ousasse "meter-se em política".

Há quarenta anos, dia por dia, eu, como todo um povo, sentia-me asfixiado pela falta do ar da Liberdade.

Há quarenta anos, dia por dia, eu, como todo um povo, vivia no momento de maior negrume de uma noite que se prolongava por mais de outros quarenta anos.

Há quarenta anos, dia por dia, eu, como todo um povo, à exceção de umas centenas de heróis que estavam na ponta final da preparação do que iria finalmente mudar as coisas, não sabia ainda que o maior negrume da noite é a altura que precede imediatamente o momento do nascer da aurora - e que esse momento estava a menos de quarenta e oito horas de distância.

Hoje, relembrando como estávamos há quarenta anos, dia por dia, deixo aqui um simples, emocionado e sincero MUITO OBRIGADO àqueles heróis que, menos de quarenta e oito horas depois, me iam ensinar que também se chora de alegria - e que se chora de alegria precisamente quando essa alegria é enorme, imensa!   

Hoje relembro como era este país há quarenta anos, dia por dia, porque muitos e muitos há que, felizmente, já não viveram esses tempos. Vivemos hoje tempos de dificuldade - mas sabemos que vamos, mais tarde ou mais certo, ultrapassá-la. Expressamos hoje a nossa insatisfação - mas podemos fazê-lo. Não concordamos com muito do que aqueles que nos dirigiram nos últimos anos decidiram ou fizeram - mas podemos, individual e coletivamente, criticar, decidir e executar o que se decidir fazer para se corrigir o que de errado se fez. Duvidamos das capacidades, da competência, dos motivos de alguns dos que nos dirigiram ao longo destes quarenta anos - mas sabemos que fomos nós, coletivamente, que lhes entregámos essa liderança e sabemos que podemos escolher quem colocamos a dirigir-nos, procurando não cometer os mesmos erros de avaliação do passado.

Hoje, digo e afirmo: por muito mal que as coisas andem, por muito descontentes que estejamos, lembrem-se todos, mas principalmente aqueles que tiveram a felicidade de não ter vivido aquele tempo, que estamos muitíssimo, incomparavelmente melhor do que estávamos há quarenta anos, dia por dia. Porque ao longo destes quarenta anos, tudo o que de certo e de errado (e muito de errado houve também, sem dúvida) se fez, foi, em última análise, feito ou permitido POR NÓS TODOS, enquanto povo LIVRE. Livre mesmo cometendo erros, mesmo fazendo ou permitindo disparates, mesmo escolhendo por vezes mal os seus líderes. Mas LIVRE de aprender, de melhorar, de corrigir, de opinar, de debater, de escolher os seus caminhos.

Que cada um faça as suas escolhas. Que todos debatamos os caminhos, Que, por vezes, nos zanguemos até uns com os outros, no calor das discussões sobre as escolhas a fazer. Mas que todos sempre prezemos e defendamos o essencial (que ninguém o duvide!) que este povo há quarenta anos, dia por dia, estava a menos de quarenta e oito horas de recuperar: a LIBERDADE e a possibilidade de, exercendo-a, viver a sua vida com dignidade!

Há quarenta anos, dia por dia, não sabia ainda que estava prestes a finalmente ter direito a uma vida digna de ser vivida. Com erros e acertos. Com coisas boas e coisas más. Mas com as escolhas feitas por mim. Eu e todos os meus compatriotas. Que nunca mais neste país se perca o direito de cada um fazer as suas escolhas. Que nunca mais este Povo volte a perder a sua LIBERDADE, alfa e ómega de tudo o que coletivamente vale a pena ser vivido!

Rui Bandeira   

25 abril 2007

É 25 de ABRIL

Liberdade querida e suspirada



Liberdade querida e suspirada,
Que o Despotismo acérrimo condena;
Liberdade, a meus olhos mais serena,
Que o sereno clarão da madrugada!
Atende à minha voz, que geme e brada
Por ver-te, por gozar-te a face amena;
Liberdade gentil, desterra a pena
Em que esta alma infeliz jaz sepultada;
Vem, oh deusa imortal, vem, maravilha,
Vem, oh consolação da humanidade,
Cujo semblante mais que os astros brilha;
Vem, solta-me o grilhão da adversidade;
Dos céus descende, pois dos Céus és filha,
Mãe dos prazeres, doce Liberdade!
Bocage




Depois do “post” do Rui fica muito pouco para dizer sobre o significado desta data.
Eu tenho mais 15 anos do que o Rui, o que significa que passei sob aquele regime mais 15 anos do que Ele, tendo-me dado a oportunidade, que dispensaria gratamente, de viver algumas situações que a geração dele já não chegou a sentir, felizmente.
O “Dia do Estudante”, a “greve da fome” na Cantina Universitária, as corridas pelo Jardim Botânico de Lisboa quando as “bestas” a cavalo assaltavam a Faculdade de Ciências, os comunicados dos estudantes coordenados entre as Academias de Lisboa, Porto e Coimbra… (1960/1962)
Claro, a censura, bicho medonho que capou um povo durante dezenas de anos, a guerra, a miséria generalizada transformada, por milagre de Fátima, em bênção divina para ganhar o Céu…, a prisão (que eu não cheguei a ter) e a mordaça, o medo, o medo, o medo, constante, presente em toda a parte, a cada esquina de cada rua, de cada canto deste País.
Falam os defensores do “Estado Novo” (Estado Novo… ?) nas reservas de ouro que Portugal então acumulou.
Pois…, e para quê ? Para utilizar onde ? E com quem ? Como ?
A dupla negra do Sec. XX português Salazar/Cardeal Cerejeira amordaçou um povo, mantendo o isolamento de Portugal relativamente a tudo o que se passava fora das fronteiras do País, filtrando toda a informação publicada, mantendo a ignorância e o atraso do desenvolvimento cultural.
O lema era “ninguém quer o que não sabe que existe” ! e isso fez com que passassem 50 anos praticamente sem consequências na nossa cultura como povo.
A máscara do desenvolvimento industrial serviu para enquadrar milhares de trabalhadores em fábricas, facilitando o controlo das suas vidas e ocupações.
A riqueza, sob a forma dos ordenados que eram pagos nas fábricas, era distribuída “o quanto baste” para o sustento diário curto, muito curto, dando a ilusão que se vivia quando de facto apenas se sobrevivia.
A RTP passa actualmente uma série exemplar na construção, apresentação e verdade histórica, de António Barreto, “Portugal um Retrato Social”, a não perder por razão alguma.





Ontem (dia 24) saltou-me no correio a notícia do lançamento de um livro, “Bocage Maçon” de Jorge Morais.
Bocage foi um dos maiores génios portugueses do Sec. XVIII (morreu em 1805) e foi também ele um excluído da ditadura de então (a tradição de ditaduras vem de longe !), esteve preso, foi perseguido pela Inquisição (hoje é a Congregação para a Doutrina da Fé da qual Ratzinger foi Prefeito), torturado, agredido e finalmente espoliado de tudo acabou morrendo na miséria.
Entretanto foram encontrados elementos, há documentos maçónicos, processos judiciais e muita correspondência da época, que permitem a conclusão de que José Maria Barbosa du Bocage foi Maçon, iniciado (1795/1797) na Loja Fortaleza (fundadora do Grande Oriente Lusitano que mais tarde sofreu a cisão que deu origem à “Grande Loja Legal de Portugal/Grande Loja Regular de Portugal”).
Bocage na Sua Iniciação tomou o cognome maçónico de “Lucrécio”, obrigatório ainda hoje na obediência do GOL mas que a “GLLP/GLRP” não utiliza.
Esta condição de Maçon foi uma das razões que o levaram à prisão e ao sofrimento.

. . .
“Por outro lado, nesta fase da sua vida, Bocage, para além da poesia lírica, compôs poemas de carácter satírico contemplando pessoas do regime, tipos sociais e o clero, facto que não agradou obviamente ao poder. Poemas como "Liberdade, onde estás? Quem de demora?", "Liberdade querida e suspirada", "Pavorosa Ilusão da Eternidade" ou um outro em que faz explicitamente o louvor de Napoleão, paradigma da revolução francesa, e a crítica do Papa conduziram-no à prisão, por crime de lesa-majestade. No Limoeiro, vivendo em condições infra-humanas, moveu as suas influências e beneficiou da amizade do ministro José de Seabra da Silva e da sua popularidade. Três meses mais tarde, era entregue à Inquisição, já sem o poder discricionário que outrora tivera, sob a acusação de impiedade. Dos cárceres da Inquisição passou para o Mosteiro de S. Bento, como comprova o respectivo "Dietário", referente a 1798”
. . .
“Porém, a saga de Bocage com a Inquisição reacendeu-se em 1802, tendo sido aberto novo processo por denúncia feita por Maria Theodora Severiana Lobo que o acusava de pertencer à Maçonaria.
Por falta de provas e provavelmente devido à saúde fragilizada do escritor, o referido processo, que pode ser consultado na Torre do Tombo, foi arquivado. Um último aspecto é digno de menção: a censura perseguiu Bocage durante toda a sua vida.
Muitos versos foram cortados, outros ostensivamente alterados, poemas houve que só postumamente viram a luz do dia. Compreende-se plenamente o seu anseio desesperado: ‘Liberdade, onde estás? Quem te demora?’ ”
(Informação pesquisada na NET em
http://purl.pt/1276/1/liberdade.html)




Hoje, 25 de Abril de 2007, recordo Bocage, não como boémio, sacrílego, desregrado, mas como Homem espiritual e culturalmente desenvolvido (andou pelo Brasil e pela Índia), cidadão interessado, pertenceu à Marinha e foi Ministro.
Crítico mordaz do seu tempo e dos políticos que atraiçoavam o País, não lhes perdoava os jogos de interesses nem as jogadas palacianas.
A sua poesia tanto podia sair sarcástica, irreverente, como libertária ou romântica.
O seu génio permitia-lhe tudo isso.


“Aos sócios da Nova Arcádia” dirigiu-se-lhes um dia clamando:

Vós, Ó Franças, Semedos, Quintanilhas,
Macedos, e outras pestes condenadas;
Vós, de cujas buzinas penduradas
Tremem de Jove as melindrosas filhas:
Vós néscios, que mamais das vis quadrilhas
Do baixo vulgo insonsas gargalhadas,
Por versos maus, por trovas aleijadas,
De que engenhais as vossas maravilhas.


JPSetúbal


24 abril 2007

Memória do último dia sem Liberdade

Faz hoje trinta e três anos que vivi o último dia de Ditadura, o último dia sem Liberdade.

Vivi dezoito anos, oito meses e três dias em Ditadura. Bem menos do que meu Pai. Bem mais, felizmente, do que todos aqueles, o presente e o futuro desta terra, que nem um dia de falta de Liberdade suportaram. Talvez estes não tenham a noção da felicidade que têm: ninguém apreciará, certamente, mais a faculdade de ver do que o cego de nascença que foi curado da sua cegueira... Talvez só aprecie verdadeiramente a Liberdade, a singela Liberdade a transparente Liberdade, a invisível Liberdade, a "inútil" Liberdade quem viveu dela privado.

Eu vivi (só) dezoito anos, oito meses e três dias em Ditadura e tive a sorte de, na maior parte desse tempo, não me aperceber disso, embalado na Inocência da Infância e distraído pelos fulgores da Adolescência. Mas, sempre que a Razão se sobrepôs à Distracção a falta de Liberdade atingiu-me como ao asmático a falta de ar o afecta. É isso: fui um "asmático da Liberdade": tive a sorte de conseguir esquecer muitas vezes a minha insuficiência de Liberdade, mas quando a crise me atingia, atingia forte e feio! E, para mim, cada um dos dias desses dezoito anos, oito meses e três dias foi um dia a mais!

A todos aqueles que têm a ventura de não ter vivido nesse período, deixo as três palavras que a minha memória regista da Ditadura: Medo, Vergonha e Humilhação.

Medo que vi inúmeras vezes nos olhos de meu Pai. Medo que fazia que meu Pai, mesmo no aconchego do lar, sempre que desabafava e lhe escapava alguma palavra ou frase contra o Regime, assustadamente baixava a voz e inquietamente olhava em redor (na sua própria casa...), porque "as paredes tinham ouvidos" e a PIDE estava em todo o lado... Medo que fez meu Pai ter acções hoje tão inauditas como esta: naquele tempo, as "eleições" não eram nada como agora naturalmente ocorre; nem sequer se punha a "cruzinha" num boletim de voto: cada candidatura, a oficial e as pontualmente toleradas, enviava para casa de cada "chefe de família" (só esse podia votar...) um boletim com a sua lista de candidatos; o voto traduzia-se na colocação na urna do boletim da lista escolhida; recordo-me bem do cuidado que meu Pai teve, em 1969, de, antes de sair de casa, colocar num dos bolsos a lista da Situação (A "União Nacional" ou a "Acção Nacional Popular", e no outro a da Oposição. E, depois de voltar, apressadamente, ter ido QUEIMAR a lista da Situação, para que nenhuns restos indiciassem que se tinha atrevido a votar na Oposição...

Vergonha que eu senti ao ser obrigado a usar a farda da "Mocidade Portuguesa". Naquele tempo, não se podia frequentar o Liceu sem, obrigatoriamente, ter de pertencer àquela imitação de pacotilha da Juventude Hitleriana... A vergonha que eu sentia de ter de usar aquela ridícula camisa verde, aqueles patéticos calções caqui, aquele ofensivo cinto com a fivela em forma de "S" (de Salazar, pois claro...)!! Como eu desejava que chovesse a potes nos dias em que eu tinha de ir para a "Bufa" (como nós chamávamos àquela aberração), só para poder tapar com a gabardina aquela farda que me envergonhava!

Humilhação que senti quando, entrado para a Faculdade de Direito de Lisboa, tive de suportar os "famosos" GORILAS, os "contínuos" recrutados pelas suas especiais qualificações de possuírem músculos na proporção inversa em que possuíam miolos e cuja principal função era reprimirem brutalmente qualquer tentativa de manifestação de rebeldia que a "estudantada" ousasse ter. A Humilhação de ver diariamente as minhas Colegas serem objecto de grosseiros piropos oriundos daquelas minúsculas mentes, sem poder pôr devidamente na ordem aqueles brutamontes, sacos ambulantes de esteróides anabolizantes, que ainda por cima andavam sempre aos pares...

Hoje faz trinta e três anos que vivi o meu último dia sem Liberdade. Amanhã, como nos últimos trinta e três anos, no mesmo dia, não escrevo. Saio, passeio, respiro, sobretudo respiro e gozo a Liberdade, que sei apreciar por ter havido tempos em que a não tive. Para mim, amanhã é e será sempre assim:


Rui Bandeira

25 fevereiro 2007

Andam á procura de um Português GRANDE ?

Com o atraso de 2 dias, isto de disponibilidade de tempo tem andado algo atrapalhado, trago-Vos a recordação de um Português GRANDE.
Fez 20 anos que passou ao Oriente Eterno (anteontem, 23) e Portugal recordou José Afonso, quem foi, o que nos legou, o que é ainda hoje, 20 anos após ter deixado o mundo que o insultou e a humanidade que Ele defendeu como muito poucos.
Para os da geração de "40" o "Zeca" foi, em determinado momento da vida de Portugal, verdadeiramente "a luz ao fundo do tunel" teimando em brilhar contra quase tudo.
Na sua preocupação central de defender a Liberdade, de espalhar Fraternidade, de promover Igualdade, "Zeca" foi único em dimensão, em sentido de futuro, em projecto de vida para a humanidade, na forma que adoptou para o fazer.
Há 20 anos "Zeca" Afonso deixou o mundo, mas não deixou a humanidade.
Ele continua vivo na recordação dos que Lhe devem "enormes" momentos de abertura de esperança e, tal a Sua dimensão, em muita juventude actual, que havendo nascido muito após a Sua morte retomou os seus temas e os seus motivos.
Parte importante da música de intervenção urbana actual, hip-hop tão em voga, foi confessadamente buscar ao "Zeca" muita da inspiração com que combate a descriminação e aponta um rumo de esperança, particularmente aos jovens, ensinando que há saídas possiveis e que vale a pena lutar por elas.
Em muito dessa música é evidente o grito solidário e o protesto pelo mundo fraterno que devia estar instituido... e não está !
Esse foi o tema do "Zeca", e foi a Sua luta, e foi a Sua prisão, e foi a Sua alegria, finalmente, quando em 25 de Abril de 1974 viu o dia amanhecer ao som da Sua música e o Sol a brilhar na esperança da luta que tinha travado durante toda a vida.
Recordo-me que a primeira edição do "Vampiros" (... eles comem tudo, eles comem tudo e não deixam nada...") tive de a pedir ao meu cunhado que estava em medicina em Coimbra, para me arranjar um exemplar (vinil e 45 r.p.m. ...), só possível no circuito clandestino das Academias e das Associações de Estudantes (numa tarde qualquer do início dos 70's entrei na Sasseti, na altura ficava numa esquina da R. do Carmo, para comprar um disco do José Mário Branco. A cara do jovem, tão jovem quanto eu próprio, desconfiado a olhar para mim assim como que "é desta que vou dentro..." ficou-me inesquecível, e lá me vendeu o disquinho, "long play 33 r.p.m.", metendo-o num saco de papel debaixo do balcão e pedindo-me para não o abrir na rua !).
Era assim a vida portuguesa e devemos ao Zeca muito do que foi feito para a alterar.
Azeitão 1979-1987
"Curioso é que nós passamos 40 ou 50 anos de uma vida a fazer determinadas coisas e um dia mais ou menos de repente, sem que renunciemos a nada do que fizemos, apercebemo-nos de que tudo deveria ter sido diferente. É apenas uma vaga sensação que se instala, sem que saibamos defini-la muito bem. No fundo sou muito mais contraditório e supersticioso do que quis admitir ao longo dos anos."
"Eu sempre disse que a música é comprometida quando o músico, como cidadão é um homem comprometido. Não é o produto saído desse cantor que define o compromisso mas o conjunto de circunstâncias que o envolve com o momento histórico e político que se vive e as pessoas com quem ele priva e com quem ele canta.
"Não me arrependo de nada do que fiz. Mais: eu sou aquilo que fiz. Embora com reservas acreditava o suficiente no que estava a fazer, e isso é o que fica. Quando as pessoas param há como que um pacto implícito com o inimigo, tanto no campo político como no campo estético e cultural. E, por vezes, o inimigo somos nós próprios, a nossa própria consciência e os alibis de que nos servimos para justificar a modorra e o abandono dos campos de luta."
" Admito que a revolução seja uma utopia, mas no meu dia a dia procuro comportar-me como se ela fosse tangível. Continuo a pensar que devemos lutar onde exista opressão, seja a que nível for."

José Afonso

José Afonso está vivo e continua a cantar para todos nós ! (http://www.aja.pt/biografia.htm)



JPSetúbal