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26 junho 2025

Carta ao meu afilhado


Tenho apenas um afilhado na maçonaria. Lamento muito que quando da sua iniciação, não tinha a experiência e a maturidade maçónica que tenho agora. Fiz e faço meu melhor por ele, mesmo a distância. Entretanto, se pudesse voltar no tempo, gostava de ter-lhe escrito a seguinte carta:


Meu querido afilhado e agora irmão,

É com profunda satisfação e responsabilidade que me dirijo a ti, nesta nova jornada em que te encontras, como teu padrinho maçónico. Hoje, desejo partilhar contigo algumas reflexões e conselhos que acumulei ao longo dos anos, na esperança de que te proporcionem algum conforto e orientação nesta senda de aprendizado e descoberta.


"Tudo podes, mas nem tudo te convém." Ao refletires sobre estas palavras, verás que se trata de um convite à consciência sobre as escolhas que irás fazer. Na maçonaria, encontrarás um horizonte vasto, repleto de oportunidades para expandires teu entendimento e tua prática. No entanto, escolher o melhor caminho às vezes requer que sejamos prudentes em nossas ações e ponderemos os impactos que possam gerar.


Muitas vezes vais questionar-te sobre teu papel e propósitos aqui. Estes momentos de dúvida são preciosos, uma vez que estimulam o pensamento crítico e te incentivam a buscar respostas dentro e fora de ti. Nunca hesite em explorar esses questionamentos, pois eles serão alicerces para teu aprimoramento.


"O silêncio será teu maior amigo durante o teu tempo de aprendiz." Cultiva a prática de observar e escutar atentamente, pois no silêncio reside uma poderosa capacidade de compreensão. Nele, poderás encontrar o espaço necessário para introspeção e para o verdadeiro entendimento dos símbolos e das lições que te são apresentadas. 


Por vezes, serás corrigido, chamar-te-ão a atenção, nem sempre de maneira cuidadosa. Ficarás frustrado. Mas garanto-te que um dia entenderás os motivos. É simples: nossos irmãos querem o nosso bem.


Respeitar as tradições é uma das formas mais nobres de honrar o legado maçónico. Cada ritual, cada palavra proferida e cada símbolo carregam séculos de história e sabedoria, cuidadosamente preservados para que possamos deles aprender. Ao envolver-te nestas práticas, lembra-te de que não se trata apenas de repetição, mas de uma conexão viva com os irmãos que vieram antes de nós.


Verás que a compreensão dessas tradições exige tanto humildade quanto dedicação, pois elas não são meras formalidades, mas sim pilares que sustentam a identidade e a unidade da nossa ordem. Valoriza-as, pois nelas reside a essência do que significa ser maçom.


Compreenda que "a caminhada é individual, mas não solitária." Esta jornada envolve crescimento pessoal, mas és parte de uma fraternidade que compartilha valores e aspirações comuns. Existe uma rede de irmãos sempre pronta a apoiar-te, a ser motivação e a oferecer o ombro quando dele necessitares. Aproveita essa comunhão para partilhar o melhor de ti e acolher o que os outros têm a oferecer. Contudo, estará entre pessoas com diferentes níveis de empenho; será importante manter foco nos que realmente compartilham o compromisso com os ideais maçónicos.


A simbologia que permeia a maçonaria é a linguagem mais antiga para transmitir conhecimento e tradições. Estes símbolos são como chaves que abrem portas para um entendimento mais profundo. No entanto, para que a simbologia tenha sentido, é essencial tua presença em loja e teu empenho no estudo. A vivência dos rituais e o estudo cuidadoso dos símbolos permitir-te-ão desvendar um pouco mais os mistérios e beleza da ordem maçónica. E lembre-te sempre: o segredo da maçonaria é a própria maçonaria.


Posso mostrar-te o caminho, mas a escolha de segui-lo é apenas tua. Cada etapa demanda um compromisso pessoal, e cabe a ti decidir como trilharás tua trajetória. Esculpe tua jornada de acordo com teus valores e princípios. Lembra-te de que "o tempo é teu. Não estamos em uma corrida." Aprende a saborear cada aprendizado, cada ritual e cada convivência, pois cada elemento tem sua importância e potencial para transformar-te.


Farei meu melhor para ser um bom exemplo para ti, mas lembra-te de que também sou falho. A beleza da maçonaria está em seu ideal; seus irmãos, por outro lado, são humanos e suscetíveis a erros. É essencial que mantenhas em mente que todos estamos aqui para aprender e evoluir juntos. Vê isso como um encorajamento para que sejas indulgente com os outros e contigo mesmo.


Conforme cresces na maçonaria, crescem tuas responsabilidades. Ao passares de grau, muitos olharão para ti como um guia. Que tua presença seja uma reflexão de justiça, integridade e sabedoria. E lembra-te, cada grau é tanto um privilégio quanto uma obrigação de promover a harmonia, o bem e o crescimento coletivo.


Não deixe que o teu ego atrapalhe tua caminhada. Será tentador mostrar o quanto sabes, o quanto cresceste, os progressos que fizeste. Mas antes de deixar que o teu ego assuma tuas atitudes, pergunta-te: “O que agregarei à minha loja com isto?”. Se a resposta não vier, cala-te.


Finalmente, acolhe cada ensinamento com o coração aberto e a mente curiosa. Permite que eles te guiem em direção a um sentido maior de propósito, e lembra-te que meu apoio é constante.


Com sinceridade e carinho, um abraço fraterno

Teu Padrinho”

 

Fábio Serrano, MM

Junho de 6025



13 fevereiro 2017

A pedra bruta (republicação)...

Para a habitual publicação das "segundas-feiras" irá rever a luz um texto em forma de alegoria que o Paulo M. publicou aqui no  "A Partir Pedra", e que pode ser consultado no seu original aqui, que aborda a "Pedra Bruta", conceito maçónico este que os nossos habituais leitores já deverão ter depreendido que é um tema que me é muito caro. 

E como para o maçom o processo da sua transformação, inicialmente sendo ele uma simples "pedra bruta" ( o seu Eu, com os defeitos e vícios adquiridos ao longo da sua vida) para se tornar numa "pedra polida" (sendo este um estádio mais avançado, evoluído de si mesmo) ser deveras importante, dado que o aprimoramento moral - o seu auto-aperfeiçoamento ! - é necessário para uma conduta social, profissional, inclusive familiar(!) exemplar; já para não falar (passe o pleonasmo) de que essa evolução ser também  necessária também no seio da Maçonaria, porque apenas reconhecendo aqueles que são livres e mesmo de bons costumes, é possível também esta Augusta Ordem progredir...

Por isso é tão relevante este conceito tão singelo, e para alguns estranho, de "Pedra Bruta" e do trabalho que deve o maçom  fazer neste desbaste contínuo desta sua "pedra", e que me aprazeria dizer que é mesmo um trabalho  necessário ser efectuado quase que diariamente, senão o risco de estagnação e de pouca ou nenhuma evolução pessoal conseguirá ser concretizado, contrariando de certa forma, aquilo a que o maçom se propôs a fazer no dia em que sentiu a necessidade de dar um passo no sentido de evoluir e crescer...

Assim e depois deste pequeno "apontamento" inicial passarei à transcrição do texto que escolhi para esta semana:
"A pedra bruta

 O aprendiz tivera recentemente a sua primeira lição sobre a pedra bruta e a pedra polida. Foi-lhe explicada a base, o essencial, o ponto de partida do significado desses símbolos, que depois interiorizaria e desenvolveria por si mesmo. Aprendeu, então, que a pedra é cada um de nós; que o nosso trabalho consiste em "aparar" as nossas asperezas de modo a atingirmos um estado de maior perfeição - ou de polimento - para que, por fim, juntos, formemos essa sublime construção, esse supremo templo que o Homem edifica, a partir de si mesmo, à Glória do seu Criador.

Várias noites seguidas o aprendiz adormeceu sobre o assunto, e sonhou com pedras de todos os feitios. Sonhou com enormes e antigos rochedos cobertos de um musgo ancestral; sonhou com areia fina, outrora parte de imponentes escarpas e agora reduzida a pó; sonhou com mós de moinho, com as pedras dos muros das aldeias da sua infância, com a calçada da cidade, com esquinas de prédios, com gravilha, com os seixos rolados que lançava fora quando abria um buraco no quintal e cuja forma traía um longo percurso de leito de rio e de enxurradas de Outono.

Num dos seus sonhos, o seu olhar recaiu sobre um calhau quase em bruto, semi-enterrado, com um dos lados mais plano - o mais batido pela intempérie - e o resto, por ter passado a maior parte do tempo oculto debaixo da terra, ainda cheio de rugosidades e imperfeições. Algo de familiar lhe chamara a atenção para com aquela pedra, pelo que a fixou com atenção. Logo acordou, mas aquele calhau, mais áspero de uns lados, mais liso de outro, não lhe saía da cabeça.

Só dias depois, ao fazer uma introspeção sobre as suas fraquezas e as suas forças, se reconheceu, não sem algum embaraço, na pedra com que sonhara. O seu lado mais polido - aquele, afinal, em que mais tempo investira, e que era aquele que lhe punha o pão na mesa - estava, não obstante, rachado e eivado de sulcos aqui, mas ali ainda com sinais de pouco trabalho e pouca perseverança que traíam a rugosidade original. Do resto nem valia a pena falar; precisava de tudo.

Inspirou fundo e quase desistiu; a tarefa era árdua, e não sabia sequer por onde começá-la. Apercebeu-se, então, que nem sequer sabia onde queria chegar, pelo que não fazia sentido meter-se, antes disso, ao caminho. O que deveria fazer dessa pedra que era ele mesmo?

Inquieto, procurou junto de um dos seus Mestres orientações quanto ao que deveria fazer. Este, à guisa de resposta, mostrou-lhe dois muros, igualmente sólidos e compactos: um, formado por pedras de forma paralelepipédica, cada um com as suas 6 faces laboriosamente aparadas; outro, formado por pedras irregulares mas firmemente encaixadas umas nas outras, em que apenas uma ou duas faces - as exteriores - tinham sido polidas, mas essas, oh, como brilhavam!

Mais baralhado ainda, perguntou ao Mestre que pedra deveria ser, e o que deveria fazer para o atingir. Deveria ir aparando, nas várias faces, as rugosidades maiores, esperando que, ao fim de muitas passagens, a forma se fosse compondo? Ou deveria investir numa ou duas das faces e ignorar as restantes? Ou, pelo contrário, deveria trabalhar todas, mas dando forte preponderância a uma ou duas, e limitando-se a atingir os mínimos nas remanescentes?

Respondeu-lhe o Mestre que não tinha resposta para lhe dar. Que cada um deveria aparelhar a sua pedra da forma que entendesse ser a mais perfeita, e que o Grande Arquiteto saberia usá-la, como ficasse, na construção do Templo. Umas, mais toscas, seriam usadas como enchimento, sem o qual as paredes não teriam consistência para se suster; outras, mais ornamentadas, seriam colocadas em lugar de destaque, mas seriam eventualmente mais frágeis; outras ainda, robustas e fortes, aparadas de forma milimétrica mas sem quaisquer adornos, tornar-se-iam nas pedras que susteriam os vãos e as abóbadas. Algumas pedras, pela sua própria natureza, nunca poderiam servir para certos fins; mas todas conseguiriam tornar-se úteis para alguma coisa, e tanto mais úteis quanto mais trabalho tivesse sido despendido nas mesmas.

O Aprendiz olhou então, longamente, a sua pedra, inspecionou minuciosamente a face mais polida - mas imperfeita - bem como as outras, rugosas e ásperas, e lançou-se ao trabalho.

.·.

Anos mais tarde, já o Aprendiz chegara, por sua vez, a Mestre, tendo a oportunidade de ir apreciando os trabalhos dos Aprendizes e Companheiros da sua Loja, e o quanto eram diferentes uns dos outros. Enquanto uns se esforçavam mais por distribuir o seu esforço por várias faces - obtendo belas peças geométricas que formavam um todo harmonioso, em que nenhuma face sobressaía das demais - outros persistiam em trabalhar a mesma face até que esta brilhasse como um espelho, ofuscando as imperfeições que haviam ficado por trabalhar nas restantes, e que podiam, mesmo, ser vistas como uma promessa de aperfeiçoamento futuro. Em todas elas o Mestre teve oportunidade de aprender algo de novo. E apercebeu-se, então, de que o seu  Mestre tivera razão, pois que de nenhuma poderia dizer, com segurança, que fosse melhor do que as outras.

Paulo M. "

16 janeiro 2017

"Eu, Pedra Bruta que sou..."


Já no texto que publiquei anteriormente e que abordava este conceito de "Pedra Bruta" tive a oportunidade de abordar um pouco o que ela é e representa para a Maçonaria; ou seja, é nela que reside a essência de um maçom (e) no que respeita ao desenvolvimento do seu trabalho pessoal na construção de si mesmo, nomeadamente no que é o seu auto-aperfeiçoamento como ser humano.

Assim, hoje volto novamente a abordar esta temática, que me é muito cara também, com uma reflexão que efectuei há uns anos atrás e que para mim ainda é muito presente no meu "pensamento" e que pode ser consultada no seu original aqui.

"Eu, Pedra Bruta que sou..."

Um dos vários motivos que me levaram a “bater à porta” do Templo e entrar na Maçonaria, e o mais importante (disso tenho a certeza!) foi o de precisamente puder “desbastar a minha pedra bruta”.

Pedra Bruta essa que não é uma capa ou camada rochosa que sirva de sustentação para a minha pele ou corpo; mas antes sim, uma capa que envolve a minha Alma.

Essa Pedra Bruta a ser (e que quer ser!!!) lapidada sou EU!!!

Não que eu tenha imperfeições ou quaisquer defeito no meu corpo. Nada disso!!!
Tenho antes, algumas imperfeições na Alma. Imperfeições essas que me impedem de ser um Homem Bom e Perfeito.

São vícios, são vontades e paixões a combater, muitos “Eus” e poucos “Outros”, que me impedem de ser alguém melhor do que aquilo que sou na realidade.
E são estas arestas defeituosas que eu quero desbastar, partir, extirpar de Mim.

A Pedra Bruta em si, simboliza a Imperfeição do Homem comum, com os seus vários defeitos. E é o seu trabalho, o seu desbastar, o seu polir, que importa reflectir.
Quais as ações a tomar, quais as ferramentas a ser usadas. Essas sim, são as tarefas de quem quer polir a sua pedra bruta.

Quando na cerimónia da minha Iniciação segurei as ferramentas de Aprendiz e dei as  pancadas rituais na Pedra Bruta, senti naquele momento que algo em mim estava a mudar, senti que algo mudava para melhor. Senti que naquele momento aquela pedra era eu, e reparei que ainda tinha muito trabalho pela frente. Pois aquela pedra bruta, com as faces “mal amanhadas” como se usa dizer, em nada se parecia com a Pedra Cúbica e Perfeita que tanto almejo em me tornar.
E sei que só cultivando a prática do Bem, da Solidariedade bem como da Caridade, do cultivo da Fraternidade, Tolerância e Respeito pelo próximo, com uma enorme disciplina e vontade de aprender; somente dessa forma me poderei tornar numa Pedra Polida, e deixar de ser esta pedra tosca e feia que hoje sou.

Não sei se algum dia terei as minhas faces tão polidas e serei tão perfeito como a pedra polida que se encontra no interior do Templo; mas uma coisa tenho eu bem por certa, é que não me cansarei de usar o malho e o cinzel, por mais que as "mãos me doam" ou que os "calos me incomodem", até que a minha forma se assemelhe a ela. 
E quando chegar esse dia, poderei pousar e guardar finalmente as minhas ferramentas e então, poderei partir contente e satisfeito, pois pouco terei mais a fazer...

02 janeiro 2017

Pedra Bruta...


Esta minha primeira publicação de 2017/6017 é uma republicação de um texto de minha autoria e que foi publicado previamente, à cerca de 6 anos noutro local e que agora considero que deve ser acedido também pelos habituais leitores deste espaço.

O texto tem como tema central a "Pedra Bruta", cuja simbólica é muito importante para os Maçons, mas principalmente para o Aprendiz Maçom. 
Num primeiro plano,  porque este é o Grau de acesso na Maçonaria e depois porque, e também, ser esta "pedra" a primeira "coisa" com que Aprendiz terá contato na sua vida maçónica...

Espero que com esta pequena introdução ao tema, tenha despertado ou aguçado a curiosidade para o texto em si... 
Aqui fica:

" Pedra Bruta"

A Pedra Bruta à primeira vista, é apenas um pedaço de pedra tosca e imperfeita, um bocado de rocha com arestas vincadas e ásperas, sem forma definida. Tal se assemelha ao Aprendiz Maçom quando entra em Loja pela primeira vez. 
-Ele próprio é essa pedra grosseira-. 
Ela representa o seu estado e o longo caminho que ele tem ainda a percorrer…

O trabalho do Aprendiz consiste no desbastar dessa pedra bruta; no seu aprimoramento pessoal e moral.

O Aprendiz com o auxílio do malho e do cinzel, com sua vontade própria e o desejo de melhorar, deve desbastar essa pedra bruta (ele) e dar-lhe forma, torna-la perfeita, com as suas faces bem polidas e transformar essa pedra, numa pedra cúbica.
E essa transformação, passa por numa fase primária, burilar as pontas, as arestas que a pedra tem. Tentar ele próprio, vencer os seus medos e receios, “acalmar” as suas ansiedades, adquirir a concentração e disciplina necessárias à tarefa a que se propõe. 

Só dominando os seus pensamentos poderá ele então dominar as suas atitudes. Pensando com a clareza e discernimento necessário para que nada diga ou nada faça que não tenha a certeza de o fazer.  E só depois desse “pequeno/grande trabalho”, no qual, também expôs o interior da pedra à vista de todos, o seu Interior (Alma), é que poderá então tornar a pedra mais harmoniosa, alisando e polindo a sua face, através da sua persistência em se tornar melhor pessoa, sendo mais solidário, mais tolerante e mais fraterno com o seu próximo.

Só assim, a pedra começará a ganhar a forma desejada, e se poderá concluir então, se o trabalho efetuado, se encontra no caminho certo.

E só pesando os prós e os contras, o antes e o depois, se conseguirá analisar o que se tem conquistado com este labutar. Que será sempre mais do que o que se perdeu ou gastou em tempo e energia para se poder dedicar a essa árdua tarefa.

Certamente durante esse processo aumentou o seu conhecimento sobre várias matérias, mas acima de tudo, melhorou o seu auto-conhecimento (o mais importante deste processo). Como proporcionalmente, se perderam vícios e comodismos que nada trazem de melhor à sua vida, e que só o “atrasam” na percepção do mundo em que vive.

E é nesse mundo profano, em que o Aprendiz vive, que deve ele usar os seus conhecimentos e a experiência adquirida no polir a sua pedra, que ele deverá exercer a sua influência. Sendo um exemplo de boa conduta para os demais, sempre cumpridor dos deveres e regras tal como qualquer outro cidadão seja obrigado a cumprir e a respeitar. Nunca estando acima da Lei, mas ao seu nível.

E apesar do trabalho de se desbastar a pedra bruta, ser um trabalho e caminho (evolução) pessoal, ele não se faz solitariamente. Existe sempre alguém pronto para o ajudar nesse percurso, nunca o facilitando, mas servindo apenas de apoio e guia. E esse acompanhamento, esse “guia”, ele pode encontrar na sua Respeitável Loja, refletido nos seus Irmãos.
E na sua Respeitável Loja, através da partilha mútua de conhecimentos e experiências em Loja com os seus Irmãos, fazendo uso do seu tempo disponível (às vezes sacrificando inclusive a sua família), se envolvendo mais nas atividades da Loja, estudando o catecismo, tomando atenção ao que lhe dizem e cumprindo de forma laboriosa o ritual, que o aprendizado do Aprendiz se faz (o próprio desbastar a pedra bruta, é um processo de aprendizagem e ensino). E ele aprende porque usufrui da informação e experiências que os seus Irmãos lhe podem oferecer, mas também deve ele ensinar os seu Irmãos, partilhando o que sabe e auxiliá-los no que eles mais precisem.
Porque um dos seus próprios deveres, é também auxiliar os seus Irmão no desbastar das suas pedras… Pois também ele os “transforma”, com a sua forma de estar, exemplo de conduta e conhecimento.

Somente partilhando o que se tem, é que se pode obter mais, nunca num sentido material, mas antes, num sentido espiritual. 
Só doando parte dele próprio, poderá conquistar mais Conhecimento, ser Respeitado e ter a Amizade dos seus Irmãos.

Às vezes pensa-se que partir pedra e polir a mesma, é um trabalho fácil.
Mas desengane-se quem assim pensa. Se fosse assim tão fácil, eu não seria Maçom!


21 novembro 2016

“Estar Aprendiz…”





Para a publicação de hoje trago-Vos uma Prancha lida em Loja há algum tempo atrás, aliás foi a minha primeira Prancha escrita e posteriormente lida numa Sessão Maçónica, logo uma Prancha de Aprendiz.
Geralmente as Pranchas deste Grau são muito pessoais, sensoriais. Normalmente são abordadas as "primeiras impressões" de quem chega a uma Loja e não raramente são abordadas as Iniciações ou o simbolismo do que se pode observar e tocar num Templo Maçónico. 
Naturalmente também pouco mais se pode pedir a um Aprendiz. Ele é uma "pessoa nova", recém-chegada a um grupo já coeso e unido e terá de se integrar - e ser integrado (!) - e uma das melhoras formas desta "integração" é a sua formação.
- Apenas bem formando poderemos ter melhores maçons, melhores Homens entre nós e na Sociedade.-

E como numa sessão o Aprendiz nada diz, apenas observa,  poderá então fazer uma "viagem interna", um pouco semelhante à viagem que teve de fazer na sua Iniciação. Este facto de ter de estar obrigatoriamente em silêncio durante a sessão, vai lhe permitir fazer uma reflexão introspetiva e uma contemplação de tudo o que vê e ouve que, eventualmente, de outra forma não poderia ser feita, principalmente por alguém que pouco ou nada sabe sobre Maçonaria. No fundo, serve de uma proteção ao próprio também, porque desta forma não poderá errar e lhe são corrigidos eventuais comportamentos intempestivos que poderiam prejudicar o "normal" funcionamento da Loja.

E como Aprendiz, o que a Loja espera do seu trabalho é fundamentalmente a sua integração, a correção de comportamentos profanos errados/desviantes que possa ter e apreender o simbolismo que lhe é apresentado e a Ordem em si. O que não é tão pouco ou tão simples como o possa aparentar.

Dito isto, passo à transcrição da Prancha que Vos trago, a minha "primeira Prancha" e cujo título é "Estar Aprendiz":

"Estar Aprendiz"
                                  Muito Respeitável Grão-Mestre,
Venerável Mestre,
Respeitáveis Oficiais desta Assembleia de Maçons,
Ilustres Irmãos em todos os vossos Graus e Qualidades…

À Glória do Grande Arquiteto do Universo!

 Pois é, aqui estou eu entre colunas, de “Pé e à Ordem” defronte a Vós, aproveitando este pequeno interstício do meu tempo de silêncio na Coluna do Norte,  para Vos oferecer esta  Prancha cujo tema é Estar Aprendiz…”.
Após demorado período de introspeção e reflexão, eu ansiava por buscar a “Luz”. O Conhecimento!
O que já detinha não me chegava e eu ambicionava mais…
As leituras, as pesquisas que efetuava sobre a Arte Real, os vídeos e documentários que visionava, apenas me aumentavam os meus conhecimentos sobre a Maçonaria. Cada vez que pesquisava, mais me “aguçava” o espírito.
Mas, por mais que lesse e estudasse, sentia que faltava sempre “qualquer coisa”.

A Maçonaria faz-se, vivenciando-a!

E como “quem procura, acaba por encontrar”, decidi “bater à Vossa porta”. A porta deste honrado Templo onde reinam a Tolerância, a Virtude e  a Liberdade.

 Entretanto prossegui o meu caminho, pessoal mas não solitário, através do setentrião, escutando, meditando e refletindo sobre tudo o que se tratava e discutia em Loja como também sobre o vasto simbolismo inerente ao grau em que me encontro. Não foi fácil e nunca o será. Trabalhar para aprender assim o implica!!!
Por isso demorei algum tempo a escrever esta minha primeira prancha que tenho hoje a honra de a partilhar com Vocês.
Para alguns, talvez tenha demorado tempo demais na sua elaboração, certamente pouco tempo para outros, mas tempo em Maçonaria é um conceito que não encontra paralelismo na profanidade. E como tal, aqui me encontro e me apresento diante Vós como um simples aprendiz, e cá estarei sempre para Vos ouvir e refletir no que tendes para comigo partilhar e principalmente me ensinar. E, com o Vosso honrado auxílio seguirei em frente neste percurso que é a Vida. Pois se a Vida não pára, a aprendizagem também não…
Aprendiz ontém, hoje e sempre!!!

 Prosseguindo, o Aprendiz, recém neófito, ao entrar numa loja maçónica vai encontrar gente de várias idades, vários quadrantes sociais e politicos, pelo que lhe é exigido tolerância em relação às opiniões e posturas dos respetivos irmãos. Ele só terá a aprender com eles no imediato, para que lhes possa ensinar no futuro.
O aprendiz deve aprender a executar o ritual de forma exemplar, por forma a que interiorize a ritualística necessária ao bom funcionamento da Loja. Aprender os timings em que as “coisas” acontecem e são feitas.
  A atenção é fundamental no seu processo de formação, tal como o era na escola, tal como o é no seu emprego. Sem se estar concentrado no que se faz e que se aprende, o erro sucederá; neste caso, a distração será tal como o “rápido” é inimigo do “bom”.

 No entanto, não basta ao Aprendiz querer aprender, ele tem de ter vontade em mudar e mudar para melhor. Vendo, ouvindo e refletindo, o Aprendiz irá por em prática o seu aprendizado e irá interiorizar e compreender os vários conceitos e a vasta simbólica maçónica que encontrará no seu grau. O que oportunamente lhe criarão a disciplina de estudo que o auxiliará na sua caminhada pela Augusta Ordem a que todos temos a honra de pertencer.

 Todavia, é no grau de Aprendiz que a consciencialização pessoal terá um potencial maior. Isto é, fruto do silêncio a que o Aprendiz é submetido, o Aprendiz irá utilizar faculdades interiores que lhe seriam desconhecidas. E a meditação será uma delas, pois através do seu silêncio, lhe será muito dificil de errar, mas não impossível de o fazer. Porque para se aprender, também por vezes é-se necessário cair no erro.
E uma das melhores lições que a Vida nos pode proporcionar é qual a atitude a ter e quais os procedimentos a efetuar para se evitar esse mesmo erro numa ocasião futura.

Não adianta querermos exaltar as nossas virtudes se depois não quisermos evitar o erro, combatendo os nossos vícios e as nossas  paixões!
E como poderemos ambicionar sermos justos e perfeitos, se os nossos erros persistirem?! E nada aprendermos com eles?!

 Não é à toa que um dos métodos que uso na minha aprendizagem maçónica foi adquirido através do “silêncio”.
De modo que algumas das mais-valias desse silêncio são aprender, ouvir e escutar de uma forma que se assim não o fosse, influenciaria negativamente a minha aprendizagem.
Sendo esse também um dos motivos pelos quais o Aprendiz tem o dever de permanecer calado em sessão de Loja, que é para que aprenda e acima de tudo, discipline a sua vontade de falar. E assim falar somente o necessário, quando necessário, e de uma forma sucinta, apenas o que for importante para conhecimento dos demais Irmãos.

 É através do silêncio, tal como a citação latina “Audi, Vide, Tace” o demonstra (ver, ouvir, sentir/calar), é que a reflexão é posta em prática, fazendo-se de forma demorada e paciente a análise do que se tem a aprender e principalmente do que se tem para dizer. Tanto que apenas permanecendo em silêncio se é passível de atingir um estado de clarividência, um estado de consciencialização que trará benefícios espirituais ao próprio Ser.

  E, reconhecendo o valor do silêncio nos dias que correm, onde toda a gente parece mais preocupada em se fazer ouvir, do que ouvir alguém; é de elevada importância, e por isso eu sinto-me grato pelo tempo em que tive e ainda tenho de permanecer em silêncio.

 Estar Aprendiz, também é partilhar. Seja através da partilha de informação ou de conhecimentos adquiridos pela experiência de uma vida, seja através de ensinamentos sobre a prática ritual e simbólica da nossa Ordem, o que através de uma forma profícua e benéfica melhor integrará os Irmãos no seio da nossa comunidade. E falando em comunidade e em partilha, Estar Aprendiz é também aprender com a permuta de sentimentos entre os Irmãos, numa ampla comunhão fraternal de afetos que potenciam a egrégora e a vivência da família maçónica. Pois todos nós pertencemos à mesma Família apesar de não sermos Irmãos “de sangue” mas que o somos através da Virtude.

  E Estar Aprendiz para além desta vivência e caminho pela Virtude, é também por sua vez, desejarmos ir mais longe, ambicionarmos mais e melhor, servirmos de exemplo para os outros através da nossa conduta, ajudar os outros sem nada esperar em troca, nunca baixarmos os braços face à adversidade, a estupidez e a ignorância, mas antes combatê-las veemente.

No fundo, “Estar Aprendiz” é um way of life for a lifetime

“Um modo de Vida para uma Vida…”

Um estado que será de uma luta constante e onde se terá de ser persistente em permanência. E quem não tiver essa noção ficará pelo caminho…

 Na Maçonaria, a preguiça e o ócio não são bem acolhidos, de tal modo que a Luz/Conhecimento só se alcançam fruto de muito estudo, disciplina e motivação. Tudo qualidades que devem fazer parte de um processo formativo. E como tal, considero a Maçonaria como uma escola de Homens de Bem que se querem tornar ainda melhores…e costumo afirmar que:
“Na Maçonaria aprende-se, trabalhando…”.

 Por isso quando me perguntam se é fácil ser Aprendiz, eu respondo que não! Porque se assim o fosse, eu não estaria aqui…
 E para terminar, gostaria de partilhar convosco esta reflexão que me tem acompanhado ao longo da minha Vida:
“Pouco ou nada sei e no entanto existe tanto por aprender…”
Disse, Venerável Mestre. Meus Irmãos…

24 outubro 2016

"O lugar do Aprendiz" (republicação)

O texto de hoje, da autoria do Rui Bandeira,  versa sobre a localização do sítio no interior de um templo maçónico onde deve se sentar o Aprendiz.
O Aprendiz, em qualquer Rito maçónico, ocupará um lugar na Coluna do Norte, e isso é algo que aprende logo no dia da sua Iniciação. Mas deixo para o Rui, que explica muito bem -como é hábito - esta questão.

Este texto foi publicado na sua versão original em Novembro de 2007 e pode ser consultado aqui também e nas seguintes linhas transcritas :

"O lugar do Aprendiz"

O local onde uma Loja maçónica se reúne é pelos maçons designado de Templo. Dentro do Templo, e no decorrer de uma reunião de Loja, tudo existe segundo uma ordem determinada e todos têm assento em locais definidos. O sentido de ordem, a segurança que psicologicamente é transmitida a quem se encontra num local ordenado, onde tudo e todos estão no seu lugar, ajudam à criação de uma atmosfera de confiança, descontracção e concentração que é preciosa, quer para o bom desenrolar da sessão, quer para o conforto de todos, quer para a predisposição para atender aos assuntos do espírito, deixando-se efectivamente os metais à porta do Templo.

Como todos os outros obreiros, o Aprendiz tem o seu lugar determinado. Ou, melhor dizendo, uma zona da sala destinada a que ele ali se coloque e assista a tudo o que se passa. Esse lugar, essa zona, situa-se nas cadeiras traseiras do lado Norte da sala.

O lado Norte aqui em causa é, como quase tudo em Maçonaria, simbólico. Pode, portanto, corresponder ou não ao Norte geográfico. Normalmente, as salas onde decorrem as reuniões de Lojas têm a forma rectangular, com a entrada colocada num dos lados mais pequenos. E quando não tem essa forma, utilizam-se os adereços necessários para que o local onde decorre a reunião tenha essa disposição. O lado onde se situa a entrada é, por convenção, designado de Ocidente. Logo, o lado oposto, onde se coloca a Cadeira de Salomão, é o Oriente. A generalidade dos obreiros toma assento nos lados direito e esquerdo da entrada. Convencionado que está que a entrada se situa no Ocidente, o lado direito de quem entra é, portanto, o Sul e o lado esquerdo de quem entra é o Norte.

Portanto, o Aprendiz toma assento na segunda fila do lado esquerdo de quem entra. Como sempre, esta disposição tem um significado simbólico. Para ser entendido, há que ter presente que a Maçonaria nasceu no hemisfério Norte. Neste hemisfério, o que está situado a Norte é menos ensolarado, menos iluminado. Em termos de Maçonaria, o Aprendiz ainda está na fase de transição da vida profana para a vivência maçónica. Está em processo de aprendizagem dos símbolos, dos princípios, da vivência, da Maçonaria. Está no início do percurso que todos os maçons procuram fazer, do seu aperfeiçoamento, da busca do Conhecimento do significado da Vida e da Morte, da Criação, do Universo, do Material e do Imaterial. Está, como os maçons dizem, no início do caminho para a Luz. O Sol nasce a Oriente. Simbolicamente a Luz que o maçon busca encontra-se a Oriente. Daí que seja no lado que simboliza o Oriente que se encontra a Cadeira de Salomão, onde toma assento o Venerável Mestre, que conduz a Loja e os seus Obreiros na busca, individual e colectiva, do aperfeiçoamento e do Conhecimento, na busca da Luz. O Conhecimento, para quem não está preparado, pode ser nefasto, pode ser incompreendido ou mal compreendido e, logo, recusado, afastado, distorcido. Portanto, o acesso à Luz deve ser gradual, em função da capacidade, da preparação, do Caminhante. Consequentemente, aquele que está ainda menos preparado, aquele que está ainda na fase inicial da sua Jornada, deve ser protegido do excesso de Luz, para que nele se não torne nefasto o que deve ser benfazejo. Assim, deve tomar assento na zona mais protegida da Luz, ou seja, no Norte.

Quanto ao facto de tomar assento nas cadeiras traseiras, e não na primeira fila, tal deve-se, quer ao facto de, quanto mais ao Norte estiver, mais protegido estar da Luz em excesso, quer, muito mais prosaicamente, ao facto de o Aprendiz ainda ter uma reduzida intervenção nos trabalhos e ser conveniente deixar a primeira fila ser ocupada por quem pode intervir ou necessita de circular pela sala...

Esta regra só tem uma excepção: no dia da Iniciação, finda a respectiva cerimónia, o nóvel Aprendiz toma assento, até ao final da sessão (e só nessa sessão), na primeira fila do Norte. Também por uma razão muito prática: não faz sentido ser colocado mais atrás, porventura obrigando outros obreiros a desviarem-se para lhe dar passagem, para o que resta da sessão. Dá muito mais jeito manter reservado um lugar na primeira fila que, a seu tempo, será então ocupado pelorecém-iniciado. Afinal, depois do turbilhão de emoções que constitui a Iniciação, sabe bem sentar-se pertinho, pertinho, no primeiro lugar disponível e facilmente acessível...

A partir da´sessão seguinte, e durante todo o tempo em que for Aprendiz, tomará, então assento na zona que lhe está destinada, os assentos traseiros do lado Norte. Protegido na sua zona, subtraído a movimentações, o Aprendiz está sossegado, em plenas condições de se concentrar, de tudo observar, de tudo apreender. Em Maçonaria, o Aprendiz é um Homem do Norte...

Rui Bandeira"

02 novembro 2015

O Silêncio dos Aprendizes (republicação)

O texto que hoje republico é um texto da autoria do A.Jorge e aborda a sua experiência pessoal em relação ao "silêncio" que é imposto aos Aprendizes. Silêncio este que todos os Maçons alguma vez experimentaram... Para uns, algo difícil, para outros, algo necessário... Cada um com a sua experiência própria.

Aqui fica o texto, que pode ser consultado no seu original aqui e cuja "Caixa de Comentários" originou um debate interessante e esclarecedor.

"O Silêncio dos Aprendizes

Ao escolher este tema presto homenagem ao silêncio dos aprendizes em loja e em particular ao seu significado e objectivos, dado considerar que ele contribuiu decisivamente para a minha aprendizagem e para a minha evolução como pessoa e, espero que, como Maçon.

Nas conversas prévias que tive com os Irmãos Mestres J:. R:. e R:. B:., integradas no meu processo de admissão à Maçonaria, houve desde logo algo que me causou alguma apreensão – como iria eu conviver com o silêncio que se impunha aos aprendizes em Loja. Ter uma opinião para transmitir e não o poder fazer, só poderia ser uma forma sofisticada de praxe ou de tortura, para ver se eu me aguentava....

Sendo normalmente uma pessoa interventiva, o ficar calado significava para mim quase que uma prova de fraqueza ou ignorância, e isso era algo que não estava habituado. No mundo profano, nomeadamente nas esferas empresariais, é normalmente preferível dizer alguma coisa, mesmo que inútil, do que não dizer nada, já que isso parece ser apreciado.

As minhas primeiras sessões em loja foram muito conflitivas – se não podia falar e só podia ouvir, o que é que eu estava ali a fazer? Durante este período, passei por várias fases evolutivas: equacionei ir-me embora, já que não queriam ouvir o que eu tinha para dizer e eu tinha muito para dizer; ponderei os inconvenientes de desrespeitar a regra, rompendo o silêncio; efectuei comparações entre os argumentos que eram utilizados e os que eu utilizaria na mesma situação, etc.. Creio que posso afirmar que a minha permanência na Maçonaria se deve a um acto de teimosia, já que decidi não desistir e ir até ao fim.

Gradualmente, fui começando a alterar a minha atitude perante o silêncio, principalmente a partir do momento em que conclui ser inútil preocupar-me em construir uma argumentação que depois não teria continuidade. Já que não podia falar, talvez existissem outras formas de rentabilizar o tempo que ali passava e a forma mais lógica e imediata parecia ser, ouvir e assimilar o que estava a ser dito. Tal “descoberta” fez-me começar a escutar de forma consciente, o que efectivamente se dizia, o que me conduziu a uma nova descoberta acerca de mim próprio: tinha tendência para só escutar os outros em função da resposta que teria de lhes dar e não por aquilo que tinham para me dizer.

Esta constatação levou-me a começar a tentar escutar os outros de forma desinteressada e sem reservas ou intenções. Foi um processo intencional, lento, com avanços e retrocessos mas extremamente agradável - sentir que começava a descobrir os outros e ver que a atitude destes se alterava gradualmente. De forma tímida no inicio, primeiro nos círculos familiares e depois entre amigos e em ambientes profissionais, foi encorajante ouvir frases como “não sei porquê, mas agora é mais agradável conversar contigo”...

No campo estritamente profissional e nomeadamente nos processos negociais, em que cada argumento antecipado pode constituir uma vantagem para os outros, descobri também que o escutar me permitia analisar melhor a situação e sobretudo preparar melhor a argumentação necessária à consecução de estratégias ganhadoras.

E no entanto toda esta simplicidade parece ser fruto de uma sabedoria milenar que já Hiram utilizava quando formava os seus aprendizes e companheiros, para os preparar para a construção do Templo de Salomão.
Quando o recém iniciado é advertido de que não poderá falar em loja, desde a sua iniciação até à sua passagem a mestre, devendo apenas ouvir e observar, está-se simplesmente a dar continuidade a um dos mais antigos costumes das ordens iniciáticas: o silêncio.

Voltado para si mesmo, calado, numa postura de reflexão e recepção, o Aprendiz Maçon deverá evitar resvalar para uma atitude passiva ou desinteressada. Pelo contrário, todos os seus sentidos devem estar atentos para o que se passa em loja. Ver, ouvir, receber, reflectir e guardar, são as palavras chave deste processo de aprendizagem e evolução interior. Juntar e interligar todas as informações que lhe chegam ao cérebro, estranhas e diferentes das que já conhece, formulando hipóteses e conclusões que lhe permitam uma visão cada vez mais elevada das observações que faz. Esta deve ser a maior preocupação do iniciado.

O ainda candidato é exposto pela primeira vez perante a regra de silêncio quando é introduzido na Câmara de Reflexão, permanecendo sozinho e ladeado por símbolos, palavras e frases, estimulado a pensar e a penetrar no fundo do seu interior. No silêncio da meditação, vai ao encontro de si mesmo, examinando minuciosamente o que lhe vai na alma. É então confrontado com a sigla Vitriol (Visita Interiora Terrae, Retificandoque, Invenies Occultum Lapidem), que na sua tradução para português significa: "desce ao interior da terra, e perseverando na rectidão, poderás encontrar a pedra oculta".

Após toda a cerimónia de iniciação, o candidato profano transforma-se em recipiendário silencioso, o recém iniciado assume o papel do hermetista, ou do alquimista na sua busca incessante da Pedra Filosofal, que uma vez descoberta, o transformará no homem perfeito. Este é o sentido que o maçom busca quando luta para transformar a sua Pedra Bruta na Pedra Cúbica, que poderá utilizar e encaixar perfeitamente na construção do seu novo Templo interior.

O conselho "lege, lege, relege, ora, labora et invenies", que significa lê, lê, relê, ora, trabalha e encontrarás, era dado ao eleito para conhecer e assimilar os mistérios da Alquimia. Hoje, continua sendo este o conselho dado ao iniciado. O maçon afasta lentamente todas as suas paixões, os seus vícios, os seus desejos incontroláveis, para vê-los transformarem-se em virtudes, domínio de si mesmo, tolerância e prudência, alcançadas no silêncio e na introspecção. O iniciado reconhece como fundamentais, as palavras "Vigilância e Perseverança" nas metodologias do seu estágio de observação. Quem fala muito pensa pouco, ligeira e superficialmente, e a Maçonaria quer que seus membros sejam melhores pensadores do que faladores.

Todo este processo pretende, na sua essência, preparar e induzir ao Aprendiz a necessidade da reflexão como método de transformação interna. Embora indirectamente, é possível estabelecer vários paralelismos e interacções com o Catecismo do 1º grau, nomeadamente:
  • Quando o Aprendiz afirma vir “vencer as suas paixões, submeter a sua vontade e realizar novos progressos na Maçonaria”, logo seguido de “Porque um Maçon deve desafiar-se a si próprio e evitar juízos de valor antes de consultar a sabedoria dos irmãos”. O silencio proporciona-lhe um método de progressão e impõe-lhe uma prática de reflexão que o levará a ponderar os seus juízos de valor em função de conhecimentos que deve reconhecer como mais profundos.
  • Na resposta “Antes queria ter a garganta cortada do que revelar os segredos que me foram confiados”, que pressupõe não só dedicação e respeito pela Ordem, mas também a capacidade de responder ou reagir após um processo de interiorização e valoração, que a pratica do silencio poderá ajudar a tornar inconsciente e natural.
  • Na resposta “Porque todas as forças destinadas a desenvolverem-se utilmente no exterior devem primeiro concentrar-se em si mesmas”, em que claramente transparece a necessidade de um trabalho interior prévio em que o silencio pode e deve ser uma peça fundamental.
Se mais não houvesse para aprender na Maçonaria, o ter conhecido o valor do silencio e tudo aquilo que este me proporcionou, já teria valido a pena.
Partindo de um silencio imposto, cujas motivações se fundamentam na sabedoria milenar do grupo e que constitui como que um tirocínio para o recém iniciado, passa-se para uma fase de utilização em termos interiores do silencio, evoluindo finalmente para um estadio de admiração pelo silencio em que a imposição se transforma em voluntariado que assim se transforma em sabedoria, fechando o círculo e preparando o iniciado para novas fases da sua evolução e do seu crescimento interior.

A. Jorge em 27.04.6000"

21 setembro 2015

O Silêncio dos Aprendizes (republicação)

O texto que hoje remeto para Vossa leitura é um texto do já "longínquo" ano de 2009 e saiu da pena do A.Jorge e retrata a sua experiência enquanto Aprendiz e o que ele sentiu durante esse período em relação ao silêncio que lhe era imposto pela Loja.
 - Silêncio este que é imposto a todos os Aprendizes e Companheiros durante o seu tempo de frequência nesses graus -.

Aqui fica o seu testemunho:

"Ao escolher este tema presto homenagem ao silêncio dos aprendizes em loja e em particular ao seu significado e objectivos, dado considerar que ele contribuiu decisivamente para a minha aprendizagem e para a minha evolução como pessoa e, espero que, como Maçon.

Nas conversas prévias que tive com os Irmãos Mestres J:. R:. e R:. B:., integradas no meu processo de admissão à Maçonaria, houve desde logo algo que me causou alguma apreensão – como iria eu conviver com o silêncio que se impunha aos aprendizes em Loja. Ter uma opinião para transmitir e não o poder fazer, só poderia ser uma forma sofisticada de praxe ou de tortura, para ver se eu me aguentava....

Sendo normalmente uma pessoa interventiva, o ficar calado significava para mim quase que uma prova de fraqueza ou ignorância, e isso era algo que não estava habituado. No mundo profano, nomeadamente nas esferas empresariais, é normalmente preferível dizer alguma coisa, mesmo que inútil, do que não dizer nada, já que isso parece ser apreciado.

As minhas primeiras sessões em loja foram muito conflitivas – se não podia falar e só podia ouvir, o que é que eu estava ali a fazer? Durante este período, passei por várias fases evolutivas: equacionei ir-me embora, já que não queriam ouvir o que eu tinha para dizer e eu tinha muito para dizer; ponderei os inconvenientes de desrespeitar a regra, rompendo o silêncio; efectuei comparações entre os argumentos que eram utilizados e os que eu utilizaria na mesma situação, etc.. Creio que posso afirmar que a minha permanência na Maçonaria se deve a um acto de teimosia, já que decidi não desistir e ir até ao fim.

Gradualmente, fui começando a alterar a minha atitude perante o silêncio, principalmente a partir do momento em que conclui ser inútil preocupar-me em construir uma argumentação que depois não teria continuidade. Já que não podia falar, talvez existissem outras formas de rentabilizar o tempo que ali passava e a forma mais lógica e imediata parecia ser, ouvir e assimilar o que estava a ser dito. Tal “descoberta” fez-me começar a escutar de forma consciente, o que efectivamente se dizia, o que me conduziu a uma nova descoberta acerca de mim próprio: tinha tendência para só escutar os outros em função da resposta que teria de lhes dar e não por aquilo que tinham para me dizer.

Esta constatação levou-me a começar a tentar escutar os outros de forma desinteressada e sem reservas ou intenções. Foi um processo intencional, lento, com avanços e retrocessos mas extremamente agradável - sentir que começava a descobrir os outros e ver que a atitude destes se alterava gradualmente. De forma tímida no inicio, primeiro nos círculos familiares e depois entre amigos e em ambientes profissionais, foi encorajante ouvir frases como “não sei porquê, mas agora é mais agradável conversar contigo”...

No campo estritamente profissional e nomeadamente nos processos negociais, em que cada argumento antecipado pode constituir uma vantagem para os outros, descobri também que o escutar me permitia analisar melhor a situação e sobretudo preparar melhor a argumentação necessária à consecução de estratégias ganhadoras.

E no entanto toda esta simplicidade parece ser fruto de uma sabedoria milenar que já Hiram utilizava quando formava os seus aprendizes e companheiros, para os preparar para a construção do Templo de Salomão.

Quando o recém iniciado é advertido de que não poderá falar em loja, desde a sua iniciação até à sua passagem a mestre, devendo apenas ouvir e observar, está-se simplesmente a dar continuidade a um dos mais antigos costumes das ordens iniciáticas: o silêncio.

Voltado para si mesmo, calado, numa postura de reflexão e recepção, o Aprendiz Maçon deverá evitar resvalar para uma atitude passiva ou desinteressada. Pelo contrário, todos os seus sentidos devem estar atentos para o que se passa em loja. Ver, ouvir, receber, reflectir e guardar, são as palavras chave deste processo de aprendizagem e evolução interior. Juntar e interligar todas as informações que lhe chegam ao cérebro, estranhas e diferentes das que já conhece, formulando hipóteses e conclusões que lhe permitam uma visão cada vez mais elevada das observações que faz. Esta deve ser a maior preocupação do iniciado.

O ainda candidato é exposto pela primeira vez perante a regra de silêncio quando é introduzido na Câmara de Reflexão, permanecendo sozinho e ladeado por símbolos, palavras e frases, estimulado a pensar e a penetrar no fundo do seu interior. No silêncio da meditação, vai ao encontro de si mesmo, examinando minuciosamente o que lhe vai na alma. É então confrontado com a sigla Vitriol (Visita Interiora Terrae, Retificandoque, Invenies Occultum Lapidem), que na sua tradução para português significa: "desce ao interior da terra, e perseverando na rectidão, poderás encontrar a pedra oculta".

Após toda a cerimónia de iniciação, o candidato profano transforma-se em recipiendário silencioso, o recém iniciado assume o papel do hermetista, ou do alquimista na sua busca incessante da Pedra Filosofal, que uma vez descoberta, o transformará no homem perfeito. Este é o sentido que o maçom busca quando luta para transformar a sua Pedra Bruta na Pedra Cúbica, que poderá utilizar e encaixar perfeitamente na construção do seu novo Templo interior.

O conselho "lege, lege, relege, ora, labora et invenies", que significa lê, lê, relê, ora, trabalha e encontrarás, era dado ao eleito para conhecer e assimilar os mistérios da Alquimia. Hoje, continua sendo este o conselho dado ao iniciado. O maçon afasta lentamente todas as suas paixões, os seus vícios, os seus desejos incontroláveis, para vê-los transformarem-se em virtudes, domínio de si mesmo, tolerância e prudência, alcançadas no silêncio e na introspecção. O iniciado reconhece como fundamentais, as palavras "Vigilância e Perseverança" nas metodologias do seu estágio de observação. Quem fala muito pensa pouco, ligeira e superficialmente, e a Maçonaria quer que seus membros sejam melhores pensadores do que faladores.

Todo este processo pretende, na sua essência, preparar e induzir ao Aprendiz a necessidade da reflexão como método de transformação interna. Embora indirectamente, é possível estabelecer vários paralelismos e interacções com o Catecismo do 1º grau, nomeadamente:
  • Quando o Aprendiz afirma vir “vencer as suas paixões, submeter a sua vontade e realizar novos progressos na Maçonaria”, logo seguido de “Porque um Maçon deve desafiar-se a si próprio e evitar juízos de valor antes de consultar a sabedoria dos irmãos”. O silencio proporciona-lhe um método de progressão e impõe-lhe uma prática de reflexão que o levará a ponderar os seus juízos de valor em função de conhecimentos que deve reconhecer como mais profundos.
  • Na resposta “Antes queria ter a garganta cortada do que revelar os segredos que me foram confiados”, que pressupõe não só dedicação e respeito pela Ordem, mas também a capacidade de responder ou reagir após um processo de interiorização e valoração, que a pratica do silencio poderá ajudar a tornar inconsciente e natural.
  • Na resposta “Porque todas as forças destinadas a desenvolverem-se utilmente no exterior devem primeiro concentrar-se em si mesmas”, em que claramente transparece a necessidade de um trabalho interior prévio em que o silencio pode e deve ser uma peça fundamental.
Se mais não houvesse para aprender na Maçonaria, o ter conhecido o valor do silencio e tudo aquilo que este me proporcionou, já teria valido a pena.

Partindo de um silencio imposto, cujas motivações se fundamentam na sabedoria milenar do grupo e que constitui como que um tirocínio para o recém iniciado, passa-se para uma fase de utilização em termos interiores do silencio, evoluindo finalmente para um estadio de admiração pelo silencio em que a imposição se transforma em voluntariado que assim se transforma em sabedoria, fechando o círculo e preparando o iniciado para novas fases da sua evolução e do seu crescimento interior."

A. Jorge em 27.04.6000