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13 fevereiro 2017

A pedra bruta (republicação)...

Para a habitual publicação das "segundas-feiras" irá rever a luz um texto em forma de alegoria que o Paulo M. publicou aqui no  "A Partir Pedra", e que pode ser consultado no seu original aqui, que aborda a "Pedra Bruta", conceito maçónico este que os nossos habituais leitores já deverão ter depreendido que é um tema que me é muito caro. 

E como para o maçom o processo da sua transformação, inicialmente sendo ele uma simples "pedra bruta" ( o seu Eu, com os defeitos e vícios adquiridos ao longo da sua vida) para se tornar numa "pedra polida" (sendo este um estádio mais avançado, evoluído de si mesmo) ser deveras importante, dado que o aprimoramento moral - o seu auto-aperfeiçoamento ! - é necessário para uma conduta social, profissional, inclusive familiar(!) exemplar; já para não falar (passe o pleonasmo) de que essa evolução ser também  necessária também no seio da Maçonaria, porque apenas reconhecendo aqueles que são livres e mesmo de bons costumes, é possível também esta Augusta Ordem progredir...

Por isso é tão relevante este conceito tão singelo, e para alguns estranho, de "Pedra Bruta" e do trabalho que deve o maçom  fazer neste desbaste contínuo desta sua "pedra", e que me aprazeria dizer que é mesmo um trabalho  necessário ser efectuado quase que diariamente, senão o risco de estagnação e de pouca ou nenhuma evolução pessoal conseguirá ser concretizado, contrariando de certa forma, aquilo a que o maçom se propôs a fazer no dia em que sentiu a necessidade de dar um passo no sentido de evoluir e crescer...

Assim e depois deste pequeno "apontamento" inicial passarei à transcrição do texto que escolhi para esta semana:
"A pedra bruta

 O aprendiz tivera recentemente a sua primeira lição sobre a pedra bruta e a pedra polida. Foi-lhe explicada a base, o essencial, o ponto de partida do significado desses símbolos, que depois interiorizaria e desenvolveria por si mesmo. Aprendeu, então, que a pedra é cada um de nós; que o nosso trabalho consiste em "aparar" as nossas asperezas de modo a atingirmos um estado de maior perfeição - ou de polimento - para que, por fim, juntos, formemos essa sublime construção, esse supremo templo que o Homem edifica, a partir de si mesmo, à Glória do seu Criador.

Várias noites seguidas o aprendiz adormeceu sobre o assunto, e sonhou com pedras de todos os feitios. Sonhou com enormes e antigos rochedos cobertos de um musgo ancestral; sonhou com areia fina, outrora parte de imponentes escarpas e agora reduzida a pó; sonhou com mós de moinho, com as pedras dos muros das aldeias da sua infância, com a calçada da cidade, com esquinas de prédios, com gravilha, com os seixos rolados que lançava fora quando abria um buraco no quintal e cuja forma traía um longo percurso de leito de rio e de enxurradas de Outono.

Num dos seus sonhos, o seu olhar recaiu sobre um calhau quase em bruto, semi-enterrado, com um dos lados mais plano - o mais batido pela intempérie - e o resto, por ter passado a maior parte do tempo oculto debaixo da terra, ainda cheio de rugosidades e imperfeições. Algo de familiar lhe chamara a atenção para com aquela pedra, pelo que a fixou com atenção. Logo acordou, mas aquele calhau, mais áspero de uns lados, mais liso de outro, não lhe saía da cabeça.

Só dias depois, ao fazer uma introspeção sobre as suas fraquezas e as suas forças, se reconheceu, não sem algum embaraço, na pedra com que sonhara. O seu lado mais polido - aquele, afinal, em que mais tempo investira, e que era aquele que lhe punha o pão na mesa - estava, não obstante, rachado e eivado de sulcos aqui, mas ali ainda com sinais de pouco trabalho e pouca perseverança que traíam a rugosidade original. Do resto nem valia a pena falar; precisava de tudo.

Inspirou fundo e quase desistiu; a tarefa era árdua, e não sabia sequer por onde começá-la. Apercebeu-se, então, que nem sequer sabia onde queria chegar, pelo que não fazia sentido meter-se, antes disso, ao caminho. O que deveria fazer dessa pedra que era ele mesmo?

Inquieto, procurou junto de um dos seus Mestres orientações quanto ao que deveria fazer. Este, à guisa de resposta, mostrou-lhe dois muros, igualmente sólidos e compactos: um, formado por pedras de forma paralelepipédica, cada um com as suas 6 faces laboriosamente aparadas; outro, formado por pedras irregulares mas firmemente encaixadas umas nas outras, em que apenas uma ou duas faces - as exteriores - tinham sido polidas, mas essas, oh, como brilhavam!

Mais baralhado ainda, perguntou ao Mestre que pedra deveria ser, e o que deveria fazer para o atingir. Deveria ir aparando, nas várias faces, as rugosidades maiores, esperando que, ao fim de muitas passagens, a forma se fosse compondo? Ou deveria investir numa ou duas das faces e ignorar as restantes? Ou, pelo contrário, deveria trabalhar todas, mas dando forte preponderância a uma ou duas, e limitando-se a atingir os mínimos nas remanescentes?

Respondeu-lhe o Mestre que não tinha resposta para lhe dar. Que cada um deveria aparelhar a sua pedra da forma que entendesse ser a mais perfeita, e que o Grande Arquiteto saberia usá-la, como ficasse, na construção do Templo. Umas, mais toscas, seriam usadas como enchimento, sem o qual as paredes não teriam consistência para se suster; outras, mais ornamentadas, seriam colocadas em lugar de destaque, mas seriam eventualmente mais frágeis; outras ainda, robustas e fortes, aparadas de forma milimétrica mas sem quaisquer adornos, tornar-se-iam nas pedras que susteriam os vãos e as abóbadas. Algumas pedras, pela sua própria natureza, nunca poderiam servir para certos fins; mas todas conseguiriam tornar-se úteis para alguma coisa, e tanto mais úteis quanto mais trabalho tivesse sido despendido nas mesmas.

O Aprendiz olhou então, longamente, a sua pedra, inspecionou minuciosamente a face mais polida - mas imperfeita - bem como as outras, rugosas e ásperas, e lançou-se ao trabalho.

.·.

Anos mais tarde, já o Aprendiz chegara, por sua vez, a Mestre, tendo a oportunidade de ir apreciando os trabalhos dos Aprendizes e Companheiros da sua Loja, e o quanto eram diferentes uns dos outros. Enquanto uns se esforçavam mais por distribuir o seu esforço por várias faces - obtendo belas peças geométricas que formavam um todo harmonioso, em que nenhuma face sobressaía das demais - outros persistiam em trabalhar a mesma face até que esta brilhasse como um espelho, ofuscando as imperfeições que haviam ficado por trabalhar nas restantes, e que podiam, mesmo, ser vistas como uma promessa de aperfeiçoamento futuro. Em todas elas o Mestre teve oportunidade de aprender algo de novo. E apercebeu-se, então, de que o seu  Mestre tivera razão, pois que de nenhuma poderia dizer, com segurança, que fosse melhor do que as outras.

Paulo M. "

16 janeiro 2017

"Eu, Pedra Bruta que sou..."


Já no texto que publiquei anteriormente e que abordava este conceito de "Pedra Bruta" tive a oportunidade de abordar um pouco o que ela é e representa para a Maçonaria; ou seja, é nela que reside a essência de um maçom (e) no que respeita ao desenvolvimento do seu trabalho pessoal na construção de si mesmo, nomeadamente no que é o seu auto-aperfeiçoamento como ser humano.

Assim, hoje volto novamente a abordar esta temática, que me é muito cara também, com uma reflexão que efectuei há uns anos atrás e que para mim ainda é muito presente no meu "pensamento" e que pode ser consultada no seu original aqui.

"Eu, Pedra Bruta que sou..."

Um dos vários motivos que me levaram a “bater à porta” do Templo e entrar na Maçonaria, e o mais importante (disso tenho a certeza!) foi o de precisamente puder “desbastar a minha pedra bruta”.

Pedra Bruta essa que não é uma capa ou camada rochosa que sirva de sustentação para a minha pele ou corpo; mas antes sim, uma capa que envolve a minha Alma.

Essa Pedra Bruta a ser (e que quer ser!!!) lapidada sou EU!!!

Não que eu tenha imperfeições ou quaisquer defeito no meu corpo. Nada disso!!!
Tenho antes, algumas imperfeições na Alma. Imperfeições essas que me impedem de ser um Homem Bom e Perfeito.

São vícios, são vontades e paixões a combater, muitos “Eus” e poucos “Outros”, que me impedem de ser alguém melhor do que aquilo que sou na realidade.
E são estas arestas defeituosas que eu quero desbastar, partir, extirpar de Mim.

A Pedra Bruta em si, simboliza a Imperfeição do Homem comum, com os seus vários defeitos. E é o seu trabalho, o seu desbastar, o seu polir, que importa reflectir.
Quais as ações a tomar, quais as ferramentas a ser usadas. Essas sim, são as tarefas de quem quer polir a sua pedra bruta.

Quando na cerimónia da minha Iniciação segurei as ferramentas de Aprendiz e dei as  pancadas rituais na Pedra Bruta, senti naquele momento que algo em mim estava a mudar, senti que algo mudava para melhor. Senti que naquele momento aquela pedra era eu, e reparei que ainda tinha muito trabalho pela frente. Pois aquela pedra bruta, com as faces “mal amanhadas” como se usa dizer, em nada se parecia com a Pedra Cúbica e Perfeita que tanto almejo em me tornar.
E sei que só cultivando a prática do Bem, da Solidariedade bem como da Caridade, do cultivo da Fraternidade, Tolerância e Respeito pelo próximo, com uma enorme disciplina e vontade de aprender; somente dessa forma me poderei tornar numa Pedra Polida, e deixar de ser esta pedra tosca e feia que hoje sou.

Não sei se algum dia terei as minhas faces tão polidas e serei tão perfeito como a pedra polida que se encontra no interior do Templo; mas uma coisa tenho eu bem por certa, é que não me cansarei de usar o malho e o cinzel, por mais que as "mãos me doam" ou que os "calos me incomodem", até que a minha forma se assemelhe a ela. 
E quando chegar esse dia, poderei pousar e guardar finalmente as minhas ferramentas e então, poderei partir contente e satisfeito, pois pouco terei mais a fazer...

02 janeiro 2017

Pedra Bruta...


Esta minha primeira publicação de 2017/6017 é uma republicação de um texto de minha autoria e que foi publicado previamente, à cerca de 6 anos noutro local e que agora considero que deve ser acedido também pelos habituais leitores deste espaço.

O texto tem como tema central a "Pedra Bruta", cuja simbólica é muito importante para os Maçons, mas principalmente para o Aprendiz Maçom. 
Num primeiro plano,  porque este é o Grau de acesso na Maçonaria e depois porque, e também, ser esta "pedra" a primeira "coisa" com que Aprendiz terá contato na sua vida maçónica...

Espero que com esta pequena introdução ao tema, tenha despertado ou aguçado a curiosidade para o texto em si... 
Aqui fica:

" Pedra Bruta"

A Pedra Bruta à primeira vista, é apenas um pedaço de pedra tosca e imperfeita, um bocado de rocha com arestas vincadas e ásperas, sem forma definida. Tal se assemelha ao Aprendiz Maçom quando entra em Loja pela primeira vez. 
-Ele próprio é essa pedra grosseira-. 
Ela representa o seu estado e o longo caminho que ele tem ainda a percorrer…

O trabalho do Aprendiz consiste no desbastar dessa pedra bruta; no seu aprimoramento pessoal e moral.

O Aprendiz com o auxílio do malho e do cinzel, com sua vontade própria e o desejo de melhorar, deve desbastar essa pedra bruta (ele) e dar-lhe forma, torna-la perfeita, com as suas faces bem polidas e transformar essa pedra, numa pedra cúbica.
E essa transformação, passa por numa fase primária, burilar as pontas, as arestas que a pedra tem. Tentar ele próprio, vencer os seus medos e receios, “acalmar” as suas ansiedades, adquirir a concentração e disciplina necessárias à tarefa a que se propõe. 

Só dominando os seus pensamentos poderá ele então dominar as suas atitudes. Pensando com a clareza e discernimento necessário para que nada diga ou nada faça que não tenha a certeza de o fazer.  E só depois desse “pequeno/grande trabalho”, no qual, também expôs o interior da pedra à vista de todos, o seu Interior (Alma), é que poderá então tornar a pedra mais harmoniosa, alisando e polindo a sua face, através da sua persistência em se tornar melhor pessoa, sendo mais solidário, mais tolerante e mais fraterno com o seu próximo.

Só assim, a pedra começará a ganhar a forma desejada, e se poderá concluir então, se o trabalho efetuado, se encontra no caminho certo.

E só pesando os prós e os contras, o antes e o depois, se conseguirá analisar o que se tem conquistado com este labutar. Que será sempre mais do que o que se perdeu ou gastou em tempo e energia para se poder dedicar a essa árdua tarefa.

Certamente durante esse processo aumentou o seu conhecimento sobre várias matérias, mas acima de tudo, melhorou o seu auto-conhecimento (o mais importante deste processo). Como proporcionalmente, se perderam vícios e comodismos que nada trazem de melhor à sua vida, e que só o “atrasam” na percepção do mundo em que vive.

E é nesse mundo profano, em que o Aprendiz vive, que deve ele usar os seus conhecimentos e a experiência adquirida no polir a sua pedra, que ele deverá exercer a sua influência. Sendo um exemplo de boa conduta para os demais, sempre cumpridor dos deveres e regras tal como qualquer outro cidadão seja obrigado a cumprir e a respeitar. Nunca estando acima da Lei, mas ao seu nível.

E apesar do trabalho de se desbastar a pedra bruta, ser um trabalho e caminho (evolução) pessoal, ele não se faz solitariamente. Existe sempre alguém pronto para o ajudar nesse percurso, nunca o facilitando, mas servindo apenas de apoio e guia. E esse acompanhamento, esse “guia”, ele pode encontrar na sua Respeitável Loja, refletido nos seus Irmãos.
E na sua Respeitável Loja, através da partilha mútua de conhecimentos e experiências em Loja com os seus Irmãos, fazendo uso do seu tempo disponível (às vezes sacrificando inclusive a sua família), se envolvendo mais nas atividades da Loja, estudando o catecismo, tomando atenção ao que lhe dizem e cumprindo de forma laboriosa o ritual, que o aprendizado do Aprendiz se faz (o próprio desbastar a pedra bruta, é um processo de aprendizagem e ensino). E ele aprende porque usufrui da informação e experiências que os seus Irmãos lhe podem oferecer, mas também deve ele ensinar os seu Irmãos, partilhando o que sabe e auxiliá-los no que eles mais precisem.
Porque um dos seus próprios deveres, é também auxiliar os seus Irmão no desbastar das suas pedras… Pois também ele os “transforma”, com a sua forma de estar, exemplo de conduta e conhecimento.

Somente partilhando o que se tem, é que se pode obter mais, nunca num sentido material, mas antes, num sentido espiritual. 
Só doando parte dele próprio, poderá conquistar mais Conhecimento, ser Respeitado e ter a Amizade dos seus Irmãos.

Às vezes pensa-se que partir pedra e polir a mesma, é um trabalho fácil.
Mas desengane-se quem assim pensa. Se fosse assim tão fácil, eu não seria Maçom!


21 novembro 2016

“Estar Aprendiz…”





Para a publicação de hoje trago-Vos uma Prancha lida em Loja há algum tempo atrás, aliás foi a minha primeira Prancha escrita e posteriormente lida numa Sessão Maçónica, logo uma Prancha de Aprendiz.
Geralmente as Pranchas deste Grau são muito pessoais, sensoriais. Normalmente são abordadas as "primeiras impressões" de quem chega a uma Loja e não raramente são abordadas as Iniciações ou o simbolismo do que se pode observar e tocar num Templo Maçónico. 
Naturalmente também pouco mais se pode pedir a um Aprendiz. Ele é uma "pessoa nova", recém-chegada a um grupo já coeso e unido e terá de se integrar - e ser integrado (!) - e uma das melhoras formas desta "integração" é a sua formação.
- Apenas bem formando poderemos ter melhores maçons, melhores Homens entre nós e na Sociedade.-

E como numa sessão o Aprendiz nada diz, apenas observa,  poderá então fazer uma "viagem interna", um pouco semelhante à viagem que teve de fazer na sua Iniciação. Este facto de ter de estar obrigatoriamente em silêncio durante a sessão, vai lhe permitir fazer uma reflexão introspetiva e uma contemplação de tudo o que vê e ouve que, eventualmente, de outra forma não poderia ser feita, principalmente por alguém que pouco ou nada sabe sobre Maçonaria. No fundo, serve de uma proteção ao próprio também, porque desta forma não poderá errar e lhe são corrigidos eventuais comportamentos intempestivos que poderiam prejudicar o "normal" funcionamento da Loja.

E como Aprendiz, o que a Loja espera do seu trabalho é fundamentalmente a sua integração, a correção de comportamentos profanos errados/desviantes que possa ter e apreender o simbolismo que lhe é apresentado e a Ordem em si. O que não é tão pouco ou tão simples como o possa aparentar.

Dito isto, passo à transcrição da Prancha que Vos trago, a minha "primeira Prancha" e cujo título é "Estar Aprendiz":

"Estar Aprendiz"
                                  Muito Respeitável Grão-Mestre,
Venerável Mestre,
Respeitáveis Oficiais desta Assembleia de Maçons,
Ilustres Irmãos em todos os vossos Graus e Qualidades…

À Glória do Grande Arquiteto do Universo!

 Pois é, aqui estou eu entre colunas, de “Pé e à Ordem” defronte a Vós, aproveitando este pequeno interstício do meu tempo de silêncio na Coluna do Norte,  para Vos oferecer esta  Prancha cujo tema é Estar Aprendiz…”.
Após demorado período de introspeção e reflexão, eu ansiava por buscar a “Luz”. O Conhecimento!
O que já detinha não me chegava e eu ambicionava mais…
As leituras, as pesquisas que efetuava sobre a Arte Real, os vídeos e documentários que visionava, apenas me aumentavam os meus conhecimentos sobre a Maçonaria. Cada vez que pesquisava, mais me “aguçava” o espírito.
Mas, por mais que lesse e estudasse, sentia que faltava sempre “qualquer coisa”.

A Maçonaria faz-se, vivenciando-a!

E como “quem procura, acaba por encontrar”, decidi “bater à Vossa porta”. A porta deste honrado Templo onde reinam a Tolerância, a Virtude e  a Liberdade.

 Entretanto prossegui o meu caminho, pessoal mas não solitário, através do setentrião, escutando, meditando e refletindo sobre tudo o que se tratava e discutia em Loja como também sobre o vasto simbolismo inerente ao grau em que me encontro. Não foi fácil e nunca o será. Trabalhar para aprender assim o implica!!!
Por isso demorei algum tempo a escrever esta minha primeira prancha que tenho hoje a honra de a partilhar com Vocês.
Para alguns, talvez tenha demorado tempo demais na sua elaboração, certamente pouco tempo para outros, mas tempo em Maçonaria é um conceito que não encontra paralelismo na profanidade. E como tal, aqui me encontro e me apresento diante Vós como um simples aprendiz, e cá estarei sempre para Vos ouvir e refletir no que tendes para comigo partilhar e principalmente me ensinar. E, com o Vosso honrado auxílio seguirei em frente neste percurso que é a Vida. Pois se a Vida não pára, a aprendizagem também não…
Aprendiz ontém, hoje e sempre!!!

 Prosseguindo, o Aprendiz, recém neófito, ao entrar numa loja maçónica vai encontrar gente de várias idades, vários quadrantes sociais e politicos, pelo que lhe é exigido tolerância em relação às opiniões e posturas dos respetivos irmãos. Ele só terá a aprender com eles no imediato, para que lhes possa ensinar no futuro.
O aprendiz deve aprender a executar o ritual de forma exemplar, por forma a que interiorize a ritualística necessária ao bom funcionamento da Loja. Aprender os timings em que as “coisas” acontecem e são feitas.
  A atenção é fundamental no seu processo de formação, tal como o era na escola, tal como o é no seu emprego. Sem se estar concentrado no que se faz e que se aprende, o erro sucederá; neste caso, a distração será tal como o “rápido” é inimigo do “bom”.

 No entanto, não basta ao Aprendiz querer aprender, ele tem de ter vontade em mudar e mudar para melhor. Vendo, ouvindo e refletindo, o Aprendiz irá por em prática o seu aprendizado e irá interiorizar e compreender os vários conceitos e a vasta simbólica maçónica que encontrará no seu grau. O que oportunamente lhe criarão a disciplina de estudo que o auxiliará na sua caminhada pela Augusta Ordem a que todos temos a honra de pertencer.

 Todavia, é no grau de Aprendiz que a consciencialização pessoal terá um potencial maior. Isto é, fruto do silêncio a que o Aprendiz é submetido, o Aprendiz irá utilizar faculdades interiores que lhe seriam desconhecidas. E a meditação será uma delas, pois através do seu silêncio, lhe será muito dificil de errar, mas não impossível de o fazer. Porque para se aprender, também por vezes é-se necessário cair no erro.
E uma das melhores lições que a Vida nos pode proporcionar é qual a atitude a ter e quais os procedimentos a efetuar para se evitar esse mesmo erro numa ocasião futura.

Não adianta querermos exaltar as nossas virtudes se depois não quisermos evitar o erro, combatendo os nossos vícios e as nossas  paixões!
E como poderemos ambicionar sermos justos e perfeitos, se os nossos erros persistirem?! E nada aprendermos com eles?!

 Não é à toa que um dos métodos que uso na minha aprendizagem maçónica foi adquirido através do “silêncio”.
De modo que algumas das mais-valias desse silêncio são aprender, ouvir e escutar de uma forma que se assim não o fosse, influenciaria negativamente a minha aprendizagem.
Sendo esse também um dos motivos pelos quais o Aprendiz tem o dever de permanecer calado em sessão de Loja, que é para que aprenda e acima de tudo, discipline a sua vontade de falar. E assim falar somente o necessário, quando necessário, e de uma forma sucinta, apenas o que for importante para conhecimento dos demais Irmãos.

 É através do silêncio, tal como a citação latina “Audi, Vide, Tace” o demonstra (ver, ouvir, sentir/calar), é que a reflexão é posta em prática, fazendo-se de forma demorada e paciente a análise do que se tem a aprender e principalmente do que se tem para dizer. Tanto que apenas permanecendo em silêncio se é passível de atingir um estado de clarividência, um estado de consciencialização que trará benefícios espirituais ao próprio Ser.

  E, reconhecendo o valor do silêncio nos dias que correm, onde toda a gente parece mais preocupada em se fazer ouvir, do que ouvir alguém; é de elevada importância, e por isso eu sinto-me grato pelo tempo em que tive e ainda tenho de permanecer em silêncio.

 Estar Aprendiz, também é partilhar. Seja através da partilha de informação ou de conhecimentos adquiridos pela experiência de uma vida, seja através de ensinamentos sobre a prática ritual e simbólica da nossa Ordem, o que através de uma forma profícua e benéfica melhor integrará os Irmãos no seio da nossa comunidade. E falando em comunidade e em partilha, Estar Aprendiz é também aprender com a permuta de sentimentos entre os Irmãos, numa ampla comunhão fraternal de afetos que potenciam a egrégora e a vivência da família maçónica. Pois todos nós pertencemos à mesma Família apesar de não sermos Irmãos “de sangue” mas que o somos através da Virtude.

  E Estar Aprendiz para além desta vivência e caminho pela Virtude, é também por sua vez, desejarmos ir mais longe, ambicionarmos mais e melhor, servirmos de exemplo para os outros através da nossa conduta, ajudar os outros sem nada esperar em troca, nunca baixarmos os braços face à adversidade, a estupidez e a ignorância, mas antes combatê-las veemente.

No fundo, “Estar Aprendiz” é um way of life for a lifetime

“Um modo de Vida para uma Vida…”

Um estado que será de uma luta constante e onde se terá de ser persistente em permanência. E quem não tiver essa noção ficará pelo caminho…

 Na Maçonaria, a preguiça e o ócio não são bem acolhidos, de tal modo que a Luz/Conhecimento só se alcançam fruto de muito estudo, disciplina e motivação. Tudo qualidades que devem fazer parte de um processo formativo. E como tal, considero a Maçonaria como uma escola de Homens de Bem que se querem tornar ainda melhores…e costumo afirmar que:
“Na Maçonaria aprende-se, trabalhando…”.

 Por isso quando me perguntam se é fácil ser Aprendiz, eu respondo que não! Porque se assim o fosse, eu não estaria aqui…
 E para terminar, gostaria de partilhar convosco esta reflexão que me tem acompanhado ao longo da minha Vida:
“Pouco ou nada sei e no entanto existe tanto por aprender…”
Disse, Venerável Mestre. Meus Irmãos…

24 outubro 2016

"O lugar do Aprendiz" (republicação)

O texto de hoje, da autoria do Rui Bandeira,  versa sobre a localização do sítio no interior de um templo maçónico onde deve se sentar o Aprendiz.
O Aprendiz, em qualquer Rito maçónico, ocupará um lugar na Coluna do Norte, e isso é algo que aprende logo no dia da sua Iniciação. Mas deixo para o Rui, que explica muito bem -como é hábito - esta questão.

Este texto foi publicado na sua versão original em Novembro de 2007 e pode ser consultado aqui também e nas seguintes linhas transcritas :

"O lugar do Aprendiz"

O local onde uma Loja maçónica se reúne é pelos maçons designado de Templo. Dentro do Templo, e no decorrer de uma reunião de Loja, tudo existe segundo uma ordem determinada e todos têm assento em locais definidos. O sentido de ordem, a segurança que psicologicamente é transmitida a quem se encontra num local ordenado, onde tudo e todos estão no seu lugar, ajudam à criação de uma atmosfera de confiança, descontracção e concentração que é preciosa, quer para o bom desenrolar da sessão, quer para o conforto de todos, quer para a predisposição para atender aos assuntos do espírito, deixando-se efectivamente os metais à porta do Templo.

Como todos os outros obreiros, o Aprendiz tem o seu lugar determinado. Ou, melhor dizendo, uma zona da sala destinada a que ele ali se coloque e assista a tudo o que se passa. Esse lugar, essa zona, situa-se nas cadeiras traseiras do lado Norte da sala.

O lado Norte aqui em causa é, como quase tudo em Maçonaria, simbólico. Pode, portanto, corresponder ou não ao Norte geográfico. Normalmente, as salas onde decorrem as reuniões de Lojas têm a forma rectangular, com a entrada colocada num dos lados mais pequenos. E quando não tem essa forma, utilizam-se os adereços necessários para que o local onde decorre a reunião tenha essa disposição. O lado onde se situa a entrada é, por convenção, designado de Ocidente. Logo, o lado oposto, onde se coloca a Cadeira de Salomão, é o Oriente. A generalidade dos obreiros toma assento nos lados direito e esquerdo da entrada. Convencionado que está que a entrada se situa no Ocidente, o lado direito de quem entra é, portanto, o Sul e o lado esquerdo de quem entra é o Norte.

Portanto, o Aprendiz toma assento na segunda fila do lado esquerdo de quem entra. Como sempre, esta disposição tem um significado simbólico. Para ser entendido, há que ter presente que a Maçonaria nasceu no hemisfério Norte. Neste hemisfério, o que está situado a Norte é menos ensolarado, menos iluminado. Em termos de Maçonaria, o Aprendiz ainda está na fase de transição da vida profana para a vivência maçónica. Está em processo de aprendizagem dos símbolos, dos princípios, da vivência, da Maçonaria. Está no início do percurso que todos os maçons procuram fazer, do seu aperfeiçoamento, da busca do Conhecimento do significado da Vida e da Morte, da Criação, do Universo, do Material e do Imaterial. Está, como os maçons dizem, no início do caminho para a Luz. O Sol nasce a Oriente. Simbolicamente a Luz que o maçon busca encontra-se a Oriente. Daí que seja no lado que simboliza o Oriente que se encontra a Cadeira de Salomão, onde toma assento o Venerável Mestre, que conduz a Loja e os seus Obreiros na busca, individual e colectiva, do aperfeiçoamento e do Conhecimento, na busca da Luz. O Conhecimento, para quem não está preparado, pode ser nefasto, pode ser incompreendido ou mal compreendido e, logo, recusado, afastado, distorcido. Portanto, o acesso à Luz deve ser gradual, em função da capacidade, da preparação, do Caminhante. Consequentemente, aquele que está ainda menos preparado, aquele que está ainda na fase inicial da sua Jornada, deve ser protegido do excesso de Luz, para que nele se não torne nefasto o que deve ser benfazejo. Assim, deve tomar assento na zona mais protegida da Luz, ou seja, no Norte.

Quanto ao facto de tomar assento nas cadeiras traseiras, e não na primeira fila, tal deve-se, quer ao facto de, quanto mais ao Norte estiver, mais protegido estar da Luz em excesso, quer, muito mais prosaicamente, ao facto de o Aprendiz ainda ter uma reduzida intervenção nos trabalhos e ser conveniente deixar a primeira fila ser ocupada por quem pode intervir ou necessita de circular pela sala...

Esta regra só tem uma excepção: no dia da Iniciação, finda a respectiva cerimónia, o nóvel Aprendiz toma assento, até ao final da sessão (e só nessa sessão), na primeira fila do Norte. Também por uma razão muito prática: não faz sentido ser colocado mais atrás, porventura obrigando outros obreiros a desviarem-se para lhe dar passagem, para o que resta da sessão. Dá muito mais jeito manter reservado um lugar na primeira fila que, a seu tempo, será então ocupado pelorecém-iniciado. Afinal, depois do turbilhão de emoções que constitui a Iniciação, sabe bem sentar-se pertinho, pertinho, no primeiro lugar disponível e facilmente acessível...

A partir da´sessão seguinte, e durante todo o tempo em que for Aprendiz, tomará, então assento na zona que lhe está destinada, os assentos traseiros do lado Norte. Protegido na sua zona, subtraído a movimentações, o Aprendiz está sossegado, em plenas condições de se concentrar, de tudo observar, de tudo apreender. Em Maçonaria, o Aprendiz é um Homem do Norte...

Rui Bandeira"

02 novembro 2015

O Silêncio dos Aprendizes (republicação)

O texto que hoje republico é um texto da autoria do A.Jorge e aborda a sua experiência pessoal em relação ao "silêncio" que é imposto aos Aprendizes. Silêncio este que todos os Maçons alguma vez experimentaram... Para uns, algo difícil, para outros, algo necessário... Cada um com a sua experiência própria.

Aqui fica o texto, que pode ser consultado no seu original aqui e cuja "Caixa de Comentários" originou um debate interessante e esclarecedor.

"O Silêncio dos Aprendizes

Ao escolher este tema presto homenagem ao silêncio dos aprendizes em loja e em particular ao seu significado e objectivos, dado considerar que ele contribuiu decisivamente para a minha aprendizagem e para a minha evolução como pessoa e, espero que, como Maçon.

Nas conversas prévias que tive com os Irmãos Mestres J:. R:. e R:. B:., integradas no meu processo de admissão à Maçonaria, houve desde logo algo que me causou alguma apreensão – como iria eu conviver com o silêncio que se impunha aos aprendizes em Loja. Ter uma opinião para transmitir e não o poder fazer, só poderia ser uma forma sofisticada de praxe ou de tortura, para ver se eu me aguentava....

Sendo normalmente uma pessoa interventiva, o ficar calado significava para mim quase que uma prova de fraqueza ou ignorância, e isso era algo que não estava habituado. No mundo profano, nomeadamente nas esferas empresariais, é normalmente preferível dizer alguma coisa, mesmo que inútil, do que não dizer nada, já que isso parece ser apreciado.

As minhas primeiras sessões em loja foram muito conflitivas – se não podia falar e só podia ouvir, o que é que eu estava ali a fazer? Durante este período, passei por várias fases evolutivas: equacionei ir-me embora, já que não queriam ouvir o que eu tinha para dizer e eu tinha muito para dizer; ponderei os inconvenientes de desrespeitar a regra, rompendo o silêncio; efectuei comparações entre os argumentos que eram utilizados e os que eu utilizaria na mesma situação, etc.. Creio que posso afirmar que a minha permanência na Maçonaria se deve a um acto de teimosia, já que decidi não desistir e ir até ao fim.

Gradualmente, fui começando a alterar a minha atitude perante o silêncio, principalmente a partir do momento em que conclui ser inútil preocupar-me em construir uma argumentação que depois não teria continuidade. Já que não podia falar, talvez existissem outras formas de rentabilizar o tempo que ali passava e a forma mais lógica e imediata parecia ser, ouvir e assimilar o que estava a ser dito. Tal “descoberta” fez-me começar a escutar de forma consciente, o que efectivamente se dizia, o que me conduziu a uma nova descoberta acerca de mim próprio: tinha tendência para só escutar os outros em função da resposta que teria de lhes dar e não por aquilo que tinham para me dizer.

Esta constatação levou-me a começar a tentar escutar os outros de forma desinteressada e sem reservas ou intenções. Foi um processo intencional, lento, com avanços e retrocessos mas extremamente agradável - sentir que começava a descobrir os outros e ver que a atitude destes se alterava gradualmente. De forma tímida no inicio, primeiro nos círculos familiares e depois entre amigos e em ambientes profissionais, foi encorajante ouvir frases como “não sei porquê, mas agora é mais agradável conversar contigo”...

No campo estritamente profissional e nomeadamente nos processos negociais, em que cada argumento antecipado pode constituir uma vantagem para os outros, descobri também que o escutar me permitia analisar melhor a situação e sobretudo preparar melhor a argumentação necessária à consecução de estratégias ganhadoras.

E no entanto toda esta simplicidade parece ser fruto de uma sabedoria milenar que já Hiram utilizava quando formava os seus aprendizes e companheiros, para os preparar para a construção do Templo de Salomão.
Quando o recém iniciado é advertido de que não poderá falar em loja, desde a sua iniciação até à sua passagem a mestre, devendo apenas ouvir e observar, está-se simplesmente a dar continuidade a um dos mais antigos costumes das ordens iniciáticas: o silêncio.

Voltado para si mesmo, calado, numa postura de reflexão e recepção, o Aprendiz Maçon deverá evitar resvalar para uma atitude passiva ou desinteressada. Pelo contrário, todos os seus sentidos devem estar atentos para o que se passa em loja. Ver, ouvir, receber, reflectir e guardar, são as palavras chave deste processo de aprendizagem e evolução interior. Juntar e interligar todas as informações que lhe chegam ao cérebro, estranhas e diferentes das que já conhece, formulando hipóteses e conclusões que lhe permitam uma visão cada vez mais elevada das observações que faz. Esta deve ser a maior preocupação do iniciado.

O ainda candidato é exposto pela primeira vez perante a regra de silêncio quando é introduzido na Câmara de Reflexão, permanecendo sozinho e ladeado por símbolos, palavras e frases, estimulado a pensar e a penetrar no fundo do seu interior. No silêncio da meditação, vai ao encontro de si mesmo, examinando minuciosamente o que lhe vai na alma. É então confrontado com a sigla Vitriol (Visita Interiora Terrae, Retificandoque, Invenies Occultum Lapidem), que na sua tradução para português significa: "desce ao interior da terra, e perseverando na rectidão, poderás encontrar a pedra oculta".

Após toda a cerimónia de iniciação, o candidato profano transforma-se em recipiendário silencioso, o recém iniciado assume o papel do hermetista, ou do alquimista na sua busca incessante da Pedra Filosofal, que uma vez descoberta, o transformará no homem perfeito. Este é o sentido que o maçom busca quando luta para transformar a sua Pedra Bruta na Pedra Cúbica, que poderá utilizar e encaixar perfeitamente na construção do seu novo Templo interior.

O conselho "lege, lege, relege, ora, labora et invenies", que significa lê, lê, relê, ora, trabalha e encontrarás, era dado ao eleito para conhecer e assimilar os mistérios da Alquimia. Hoje, continua sendo este o conselho dado ao iniciado. O maçon afasta lentamente todas as suas paixões, os seus vícios, os seus desejos incontroláveis, para vê-los transformarem-se em virtudes, domínio de si mesmo, tolerância e prudência, alcançadas no silêncio e na introspecção. O iniciado reconhece como fundamentais, as palavras "Vigilância e Perseverança" nas metodologias do seu estágio de observação. Quem fala muito pensa pouco, ligeira e superficialmente, e a Maçonaria quer que seus membros sejam melhores pensadores do que faladores.

Todo este processo pretende, na sua essência, preparar e induzir ao Aprendiz a necessidade da reflexão como método de transformação interna. Embora indirectamente, é possível estabelecer vários paralelismos e interacções com o Catecismo do 1º grau, nomeadamente:
  • Quando o Aprendiz afirma vir “vencer as suas paixões, submeter a sua vontade e realizar novos progressos na Maçonaria”, logo seguido de “Porque um Maçon deve desafiar-se a si próprio e evitar juízos de valor antes de consultar a sabedoria dos irmãos”. O silencio proporciona-lhe um método de progressão e impõe-lhe uma prática de reflexão que o levará a ponderar os seus juízos de valor em função de conhecimentos que deve reconhecer como mais profundos.
  • Na resposta “Antes queria ter a garganta cortada do que revelar os segredos que me foram confiados”, que pressupõe não só dedicação e respeito pela Ordem, mas também a capacidade de responder ou reagir após um processo de interiorização e valoração, que a pratica do silencio poderá ajudar a tornar inconsciente e natural.
  • Na resposta “Porque todas as forças destinadas a desenvolverem-se utilmente no exterior devem primeiro concentrar-se em si mesmas”, em que claramente transparece a necessidade de um trabalho interior prévio em que o silencio pode e deve ser uma peça fundamental.
Se mais não houvesse para aprender na Maçonaria, o ter conhecido o valor do silencio e tudo aquilo que este me proporcionou, já teria valido a pena.
Partindo de um silencio imposto, cujas motivações se fundamentam na sabedoria milenar do grupo e que constitui como que um tirocínio para o recém iniciado, passa-se para uma fase de utilização em termos interiores do silencio, evoluindo finalmente para um estadio de admiração pelo silencio em que a imposição se transforma em voluntariado que assim se transforma em sabedoria, fechando o círculo e preparando o iniciado para novas fases da sua evolução e do seu crescimento interior.

A. Jorge em 27.04.6000"

21 setembro 2015

O Silêncio dos Aprendizes (republicação)

O texto que hoje remeto para Vossa leitura é um texto do já "longínquo" ano de 2009 e saiu da pena do A.Jorge e retrata a sua experiência enquanto Aprendiz e o que ele sentiu durante esse período em relação ao silêncio que lhe era imposto pela Loja.
 - Silêncio este que é imposto a todos os Aprendizes e Companheiros durante o seu tempo de frequência nesses graus -.

Aqui fica o seu testemunho:

"Ao escolher este tema presto homenagem ao silêncio dos aprendizes em loja e em particular ao seu significado e objectivos, dado considerar que ele contribuiu decisivamente para a minha aprendizagem e para a minha evolução como pessoa e, espero que, como Maçon.

Nas conversas prévias que tive com os Irmãos Mestres J:. R:. e R:. B:., integradas no meu processo de admissão à Maçonaria, houve desde logo algo que me causou alguma apreensão – como iria eu conviver com o silêncio que se impunha aos aprendizes em Loja. Ter uma opinião para transmitir e não o poder fazer, só poderia ser uma forma sofisticada de praxe ou de tortura, para ver se eu me aguentava....

Sendo normalmente uma pessoa interventiva, o ficar calado significava para mim quase que uma prova de fraqueza ou ignorância, e isso era algo que não estava habituado. No mundo profano, nomeadamente nas esferas empresariais, é normalmente preferível dizer alguma coisa, mesmo que inútil, do que não dizer nada, já que isso parece ser apreciado.

As minhas primeiras sessões em loja foram muito conflitivas – se não podia falar e só podia ouvir, o que é que eu estava ali a fazer? Durante este período, passei por várias fases evolutivas: equacionei ir-me embora, já que não queriam ouvir o que eu tinha para dizer e eu tinha muito para dizer; ponderei os inconvenientes de desrespeitar a regra, rompendo o silêncio; efectuei comparações entre os argumentos que eram utilizados e os que eu utilizaria na mesma situação, etc.. Creio que posso afirmar que a minha permanência na Maçonaria se deve a um acto de teimosia, já que decidi não desistir e ir até ao fim.

Gradualmente, fui começando a alterar a minha atitude perante o silêncio, principalmente a partir do momento em que conclui ser inútil preocupar-me em construir uma argumentação que depois não teria continuidade. Já que não podia falar, talvez existissem outras formas de rentabilizar o tempo que ali passava e a forma mais lógica e imediata parecia ser, ouvir e assimilar o que estava a ser dito. Tal “descoberta” fez-me começar a escutar de forma consciente, o que efectivamente se dizia, o que me conduziu a uma nova descoberta acerca de mim próprio: tinha tendência para só escutar os outros em função da resposta que teria de lhes dar e não por aquilo que tinham para me dizer.

Esta constatação levou-me a começar a tentar escutar os outros de forma desinteressada e sem reservas ou intenções. Foi um processo intencional, lento, com avanços e retrocessos mas extremamente agradável - sentir que começava a descobrir os outros e ver que a atitude destes se alterava gradualmente. De forma tímida no inicio, primeiro nos círculos familiares e depois entre amigos e em ambientes profissionais, foi encorajante ouvir frases como “não sei porquê, mas agora é mais agradável conversar contigo”...

No campo estritamente profissional e nomeadamente nos processos negociais, em que cada argumento antecipado pode constituir uma vantagem para os outros, descobri também que o escutar me permitia analisar melhor a situação e sobretudo preparar melhor a argumentação necessária à consecução de estratégias ganhadoras.

E no entanto toda esta simplicidade parece ser fruto de uma sabedoria milenar que já Hiram utilizava quando formava os seus aprendizes e companheiros, para os preparar para a construção do Templo de Salomão.

Quando o recém iniciado é advertido de que não poderá falar em loja, desde a sua iniciação até à sua passagem a mestre, devendo apenas ouvir e observar, está-se simplesmente a dar continuidade a um dos mais antigos costumes das ordens iniciáticas: o silêncio.

Voltado para si mesmo, calado, numa postura de reflexão e recepção, o Aprendiz Maçon deverá evitar resvalar para uma atitude passiva ou desinteressada. Pelo contrário, todos os seus sentidos devem estar atentos para o que se passa em loja. Ver, ouvir, receber, reflectir e guardar, são as palavras chave deste processo de aprendizagem e evolução interior. Juntar e interligar todas as informações que lhe chegam ao cérebro, estranhas e diferentes das que já conhece, formulando hipóteses e conclusões que lhe permitam uma visão cada vez mais elevada das observações que faz. Esta deve ser a maior preocupação do iniciado.

O ainda candidato é exposto pela primeira vez perante a regra de silêncio quando é introduzido na Câmara de Reflexão, permanecendo sozinho e ladeado por símbolos, palavras e frases, estimulado a pensar e a penetrar no fundo do seu interior. No silêncio da meditação, vai ao encontro de si mesmo, examinando minuciosamente o que lhe vai na alma. É então confrontado com a sigla Vitriol (Visita Interiora Terrae, Retificandoque, Invenies Occultum Lapidem), que na sua tradução para português significa: "desce ao interior da terra, e perseverando na rectidão, poderás encontrar a pedra oculta".

Após toda a cerimónia de iniciação, o candidato profano transforma-se em recipiendário silencioso, o recém iniciado assume o papel do hermetista, ou do alquimista na sua busca incessante da Pedra Filosofal, que uma vez descoberta, o transformará no homem perfeito. Este é o sentido que o maçom busca quando luta para transformar a sua Pedra Bruta na Pedra Cúbica, que poderá utilizar e encaixar perfeitamente na construção do seu novo Templo interior.

O conselho "lege, lege, relege, ora, labora et invenies", que significa lê, lê, relê, ora, trabalha e encontrarás, era dado ao eleito para conhecer e assimilar os mistérios da Alquimia. Hoje, continua sendo este o conselho dado ao iniciado. O maçon afasta lentamente todas as suas paixões, os seus vícios, os seus desejos incontroláveis, para vê-los transformarem-se em virtudes, domínio de si mesmo, tolerância e prudência, alcançadas no silêncio e na introspecção. O iniciado reconhece como fundamentais, as palavras "Vigilância e Perseverança" nas metodologias do seu estágio de observação. Quem fala muito pensa pouco, ligeira e superficialmente, e a Maçonaria quer que seus membros sejam melhores pensadores do que faladores.

Todo este processo pretende, na sua essência, preparar e induzir ao Aprendiz a necessidade da reflexão como método de transformação interna. Embora indirectamente, é possível estabelecer vários paralelismos e interacções com o Catecismo do 1º grau, nomeadamente:
  • Quando o Aprendiz afirma vir “vencer as suas paixões, submeter a sua vontade e realizar novos progressos na Maçonaria”, logo seguido de “Porque um Maçon deve desafiar-se a si próprio e evitar juízos de valor antes de consultar a sabedoria dos irmãos”. O silencio proporciona-lhe um método de progressão e impõe-lhe uma prática de reflexão que o levará a ponderar os seus juízos de valor em função de conhecimentos que deve reconhecer como mais profundos.
  • Na resposta “Antes queria ter a garganta cortada do que revelar os segredos que me foram confiados”, que pressupõe não só dedicação e respeito pela Ordem, mas também a capacidade de responder ou reagir após um processo de interiorização e valoração, que a pratica do silencio poderá ajudar a tornar inconsciente e natural.
  • Na resposta “Porque todas as forças destinadas a desenvolverem-se utilmente no exterior devem primeiro concentrar-se em si mesmas”, em que claramente transparece a necessidade de um trabalho interior prévio em que o silencio pode e deve ser uma peça fundamental.
Se mais não houvesse para aprender na Maçonaria, o ter conhecido o valor do silencio e tudo aquilo que este me proporcionou, já teria valido a pena.

Partindo de um silencio imposto, cujas motivações se fundamentam na sabedoria milenar do grupo e que constitui como que um tirocínio para o recém iniciado, passa-se para uma fase de utilização em termos interiores do silencio, evoluindo finalmente para um estadio de admiração pelo silencio em que a imposição se transforma em voluntariado que assim se transforma em sabedoria, fechando o círculo e preparando o iniciado para novas fases da sua evolução e do seu crescimento interior."

A. Jorge em 27.04.6000

13 junho 2014

O Silêncio e o Verbo! – Parte -3

Normalmente, enquanto homens profanos, sentimo-nos aterrorizados com o Silêncio, fugindo assim e sempre que podemos ao mesmo, esse foi o erro em que fui induzido e educado durante a minha vida profana.

Normalmente ensinam-nos que o Silêncio, e ou a pessoa que está em Silencio, têm falta de algo, ou que este significa um estado limitativo e ou depressivo.

Ensinam-nos que o Silêncio é sempre algo de negativo, negando-nos desta forma o poder e o verdadeiro significado do mesmo.

Hoje posso afirmar que já ganhei nesta minha nova caminhada.

Foi efectivamente necessário chegar a esta etapa da minha vida, para aprender a ver o outro lado do uso do Verbo, o Silêncio.

Hoje já aprendi a controlar a minha ambição, de querer usar o Verbo sempre, em detrimento da prática do Silêncio.

Todos vós já muitas vezes, por certo, ouvistes falar e muito leram sobre o Silêncio, eu próprio também já algumas vezes escutei algumas definições, mas de todas elas existe uma que muito me diz e que convosco gostava de partilhar.

Pierre Lacout, descrevia o Silêncio numa reunião, da seguinte forma:
“ Num silêncio ativo, a Luz Interior começa a brilhar – uma pequena faísca. Para que a chama se possa acender e desenvolver-se, devem de ser apaziguadas as discussões subtis e o clamor das nossas emoções.
(…)
As palavras devem de ser purificadas num silêncio redentor caso se pretenda que elas transportem consigo a mensagem da paz.
O direito de falar é um apelo ao dever de ouvir. Falar não tem significado, a não ser que haja mentes atentas e corações silenciosos.
O silêncio é a aceitação de boas vindas do outro. A palavra que nasce a partir do silêncio deve ser recebida em silêncio.”

(Autor: Pierre Lacout, 1969).

Assim, aquilo que a principio muitas vezes me afligia e me consumia as entranhas, o tal medo de que o Silêncio, pudesse engolir o Verbo, e devora-lo, destruindo-o e assim acabando, de uma só vez, com ele, é hoje uma vantagem e um bem ao qual cada vez mais recorro em todos os meus tempos e ações.

No entanto seria grande presunção pensar que tal ferramenta já domino e que sobre a mesma já tudo sei e ou ouvi.

Neste momento apenas vos posso dizer que esta ferramenta já a utilizo e garantir-vos que tenho a plena consciência que com ela devo permanentemente continuar a trabalhar, mas os resultados da utilização desta ferramenta só serão reais se pelos meus iguais forem reconhecidos.

Por isso, junto de vós submeto esta reflexão, sobre a minha capacidade de utilização do Silêncio, como complemento do Verbo.

Alexandre T.

06 junho 2014

O Silêncio e o Verbo! – Parte -2


Hoje estou certo que tinha sido garantidamente uma atitude totalmente descabida e fratricida, terem-me entregue nas mãos uma arma tão poderosa, uma arma capaz de gerar mau estar e confusão, entre aqueles que escutassem os sons produzidos pela utilização, então, indevida e fora de tempo.

Um dia ouvi, dizer que o Silêncio era aquilo que realmente criava um Maçon porque o Silêncio era a principal “coisa” que efectivamente alterava o “Homem” Maçon geneticamente!

Na altura já sabia que o Silêncio não devia ser visto apenas numa ação em si mesmo, mas como um princípio de aprendizagem e de entendimento.

Mas este Silêncio, que agora me era imposto, muitas vezes me despertou um terror Ctónico, que por estar sujeito a ele tantas vezes me devorou as entranhas.

Mas hoje, hoje finalmente entendi o que aquele homem queria dizer, com aquela afirmação.
Hoje sinto, tal como foi dito naquele dia, a verdadeira alteração que o Silêncio fez no meu ADN.
Hoje digo que o Verbo é sem dúvida a Vida, mas o Silêncio nem sempre é a Morte.

Tal como a Luz, do Sol, se retira ao final do dia, pelo Ocidente e volta a surgir pela manhã, no Oriente, também hoje, utilizo o Silêncio do amanhecer ao anoitecer, ou seja, passei a ter o Silêncio como uma ferramenta de uso diário.

Hoje e desde do momento em que a Luz me foi mostrada, sei que ele, o Silêncio, é acima de tudo uma forma de criar, ou pelo menos de educação e formação de um Maçon, por isso hoje também já digo, como aquele homem um dia ouvi dizer:

Que o Silêncio é a “coisa” que efectivamente altera o “Homem” Maçon geneticamente!”

É o Silêncio que me tem permitido distinguir a verdadeira necessidade da utilização do Verbo, pois pela sua graça e poder, o Verbo, só deve ser utilizado se o seu objetivo for a construção, a criação, a designação do bem e nunca usado apenas com o objetivo de destruir, de minimizar, de ridicularizar, de oprimir e ou de se fazer superior a outrem, tentação tão profana que muitos, por vezes, são levados a realizar.

Alexandre T.

30 maio 2014

O Silêncio e o Verbo! – Parte -1

O Silêncio e o Verbo!

Gênesis 1:1 No princípio criou Deus os céus e a terra.
Gênesis 1:2 A terra era sem forma e vazia; e havia trevas sobre a face do abismo, mas o Espírito de Deus pairava sobre a face das águas.
(Fonte: A Bíblia Sagrada – Génesis – A criação do Mundo)

No princípio …
No princípio da criação, tendo em conta os livros sagrados, nada existia com forma, nada havia para além do vazio.

Tínhamos apenas o espaço vazio, o caos, o vácuo, o espaço sem direção (sem Sul, sem Norte, sem Oriente, sem Ocidente, sem Zénite e sem Nadir, ou seja, sem a verdadeira dimensão de universalidade, até porque nada existia com forma).

Assim se nada existia, com forma, também o Verbo não podia descrever essa mesma ausência de forma, porque também ele não existia, o que fazia que não existindo o Verbo (a palavra), também o Silêncio não existia, pois o Silêncio é, ou pode ser:

(…) a ausência total ou relativa de sons audíveis. Por analogia, o termo também se refere a qualquer ausência de comunicação, ainda que por meios diferentes da fala.
(Fonte: Wikipédia)

Ou seja, se a comunicação é o Verbo e o Verbo aquilo que permite a existência da comunicação é também a existência do Verbo que leva à existência do Silêncio e se o Verbo não existia, também o Silêncio não existia.

Gênesis 1:3 Disse Deus: haja luz. E houve luz.
Gênesis 1:8 Chamou Deus ao firmamento céu. E foi a tarde e a manhã, o dia segundo.
Gênesis 1:29 Disse-lhes mais:
Eis que vos tenho dado todas as ervas que produzem semente, as quais se acham sobre a face de toda a terra, bem como todas as árvores em que há fruto que dê semente; ser-vos-ão para mantimento.

(Fonte: A Bíblia Sagrada – Génesis – A criação do Mundo)

“E disse Deus…”
“Chamou Deus…”
“Disse-lhes mais…”


Ou seja o Grande Arquiteto Do Universo quebrou o vazio, desfez a ausência de forma, preencheu o vazio, organizou o caos, deu direção ao espaço, criando assim o Sul, o Norte, o Oriente, o Ocidente, o Zénite e o Nadir, ou seja, deu dimensão ao conceito de Universalidade, através do uso do Verbo, isto é, o Grande Arquiteto Do Universo criou com o uso do Verbo, quebrando e gerando assim, em simultâneo, o próprio Silêncio.

No seu ato final, a criação do Homem, o Grande Arquiteto Do Universo, teve de comunicar diretamente a fim de gerar um EU e um TU, isto é, não quebrar apenas o Silêncio, usando o Verbo, mas dirigir esse Verbo a alguém, “Ele” tinha de ser ouvido.

1 No princípio era o Verbo, e o Verbo estava junto de Deus e o Verbo era Deus.
2. Ele estava no princípio junto de Deus.
3. Tudo foi feito por ele, e sem ele nada foi feito.
4. Nele havia a vida, e a vida era a luz dos homens.
5. A luz resplandece nas trevas, e as trevas não a compreenderam
(…)
8. Não era ele a luz, mas veio para dar testemunho da luz.
9. [O Verbo] era a verdadeira luz que, vindo ao mundo, ilumina todo homem
(Fonte: A Bíblia Sagrada - O Evangelho Segundo S. João)

Assim perante o poder da criação, declarado pela utilização do Verbo e diante da grandeza do “Real”, que é sábia na utilização deste, comecei a entender melhor o porquê do “SILÊNCIO” .

Era demasiada a ambição e até descabida, alguém como eu, que começara a apreender a utilizar as ferramentas base, na construção do seu próprio Templo, querer ter logo de início o poder de criar, isto mesmo sem mais nada saber!

Será que não está mais que provado que o uso inadequado do Verbo tem sido a principal causa de conflitos e de destruição desde do princípio dos tempos?

Não seria desta forma uma atitude totalmente descabida e tendencialmente fratricida passar tal arma e poder para as mãos de quem ainda não estava preparado?

Hoje estou certo que sim!
Mas afinal onde estava eu nessa altura com essa ambição tão desmedida e descabida?
Querer criar, sem primeiro entender como o fazer!

Estava afinal ainda ligado a um cordão umbilical profano, estava ainda ligado a uma corrente de vida profana, da qual não tinha sido capaz de me desligar aquando da minha descida ao centro da terra, afinal não tinha sido capaz de visitar o meu interior e rectificar-me, largado os conceitos e preconceitos profanos, dos quais havia prometido livrar-me!

Alexandre T.

16 abril 2014

Lição de um Mestre ao seu Aprendiz - VI

Pedro Espanhol, 2009, óleo sobre tela, 90 x 120 cm
Reprodução publicada pelo autor em Masonic Art

Antes do mais, sê muito bem-vindo entre nós. Estás aqui por teus méritos e, sobretudo, por tuas potencialidades. A ti, e só a ti, deves a admissão no seio dos obreiros desta Oficina da Augusta Ordem da Maçonaria. Nós, os que vos acolhemos, limitámo-nos a reconhecer em ti a capacidade e a vontade de efetuar o longo – direi mesmo: interminável -, trabalhoso – acrescentarei: permanente – e minucioso – precisarei: rendilhado – processo de transformação de um Homem Bom num Homem Melhor.

Esta frase, que de tantas vezes dita soa já como um lugar-comum, é, acredita-me, muito mais simples de dizer do que de levar à prática. Passar de um simples e comum Homem Bom – aquilo que nós, maçons, costumamos designar por homem livre e de bons costumes – para se ser um Homem Melhor é tarefa, mais do que diária, de todos os instantes, verdadeiramente permanente, que necessita de ser executada ao longo de toda a vida – e que só faz sentido se for permanentemente executada ao longo de toda a vida.

É uma tarefa interminável, porque é de sua natureza sê-lo: o homem bom de hoje que se transforma amanhã num homem um pouco melhor, em bom rigor, ao fim do dia de amanhã não será mais do que um pouco melhor homem bom que poderá e deverá, no dia seguinte, melhorar um pouco mais. E assim sucessivamente até ao momento em que a nossa tarefa neste plano de existência terminar.

A Arte Real é um guia para esse trabalho. O método que propõe e coloca à disposição de todos os seus obreiros é o estudo, compreensão e interiorização dos significados – quantas vezes vários, ou mesmo múltiplos – dos muitos símbolos com que nos deparamos.

Admito que, hoje, aqui e agora, não tiveste ainda tempo para te aperceberes de que tudo o que nos rodeia tem carga simbólica. Como certamente ainda não assimilaste convenientemente o significado do que se passou, do que viveste, desde o instante em que entraste neste edifício até agora. Não te preocupes com isso. É normal, é natural, é previsível, é até desejável que assim seja. Tivemos o cuidado de nada de substancial te informar sobre o que irias viver neste dia. Porque é necessário sem conhecimento prévio viver, sentir, a passagem que acabaste de efetuar para depois melhor compreender o seu significado.

Não esqueças nunca: a Razão complementa, completa, domina e interpreta a Emoção. O que vale por dizer que a Emoção é forte alicerce da Razão, que o mero conhecimento racional pode ser muito e vasto, mas é fraco e pouco consistente se não estiver ancorado, se não tiver sido adquirido com a Inteligência Emocional que integra também a nossa capacidade para estarmos, orientarmo-nos e compreendermos o mundo em que vivemos. Se assim não fosse, não precisávamos de viajar – bastava ler livros e ver filmes de viagens...

A tua primeira tarefa é também um labor permanente e será, afinal, o teu último trabalho: conhecer-te a ti mesmo. Isso é essencial. Porque tu és o centro, a origem, o início e o fim do teu mundo. Portanto, o mínimo que te é exigível é que te conheças verdadeiramente a ti mesmo. Não a imagem que tens ou dás de ti, mas o que está por detrás dela, em tudo o que ali está e o que foi, que é causa do que é e base para o que será. O que tem de agradável e luminoso, mas também o que é mais sombrio e com que nos custa a deparar.

Esta a base, o ponto de partida. Já há milhares de anos estava escrito no Templo de Delfos: “Conhece-te a ti mesmo e conhecerás todo o Universo e os deuses, porque se o que procuras não achares primeiro dentro de ti mesmo, não acharás em lugar algum”.

Esta asserção é, desde a mais remota Antiguidade, a base de toda a busca e jornada iniciática. Não precisamos de inventar nada, não é necessário inventar o que já está inventado.

Devo-te esclarecer o significado da Arte Real. Como o poderei fazer, se há mais de vinte anos que o busco e ainda não o determinei completamente? Talvez a melhor resposta seja esta: a Arte Real é um método de busca que tem princípio em ti mesmo, como guia os símbolos, como rota a melhoria individual, como objetivo a perfeição e como meta todo o Universo e o que mais haja.

Sei bem que esta definição que acabei de te propor hoje, aqui e agora não é mais do que um conjunto de palavras que se juntam a uma enorme quantidade de informação que hoje recebeste e de sensações que experimentaste e que, portanto, agora de pouco te vale. Não te preocupes tu com isso, que eu também não estou nada preocupado. Tens à tua frente muito tempo para ordenar, para assimilar, para compreender tudo o que hoje viveste, viste e ouviste. E tudo, a seu tempo, te fará sentido. Até este arrazoado que tiveste a paciência de ouvir...

Mas isso fica para depois. Agora o tempo que chega é de celebrar, de conviver, de nos alegrarmos por estarmos juntos e sermos mais a estar juntos. Amanhã começarás o teu trabalho!

Rui Bandeira

21 outubro 2012

O saber calar-se



A sessão fora produtiva e algo longa, e todos ansiavam já pelo momento de confraternização que se lhe seguiria. Como é regra, todos os aprendizes e companheiros haviam observado absoluto silêncio durante a sessão, não podendo pedir a palavra nem manifestar-se. Agora que a sessão tinha terminado, falavam aberta e incessantemente de tudo e de nada, uns aqui sobre um pormenor da sessão que não tinham percebido ou sobre o qual queriam saber mais, outros de assuntos mais mundanos, outros ainda auxiliando-se mutuamente na arrumação do templo - que é, precisamente, uma das incumbências dos aprendizes. Seguiu-se o ágape - uma refeição em conjunto - em que todos podem falar. E todos o fazem, e é precisamente o que se pretende.

// 

Em sessão de loja não se pode falar sem primeiro pedir a palavra, mas não basta pedir, não basta um "com licença" para legitimar que se tome a palavra de imediato; é necessário esperar que quem tenha a palavra termine o que tem a dizer, pedir-se de seguida a palavra com um gesto, e esperar que esta seja concedida por quem dirige a sessão - o Venerável Mestre. E enquando se discute um certo assunto, cada um tem apenas direito a uma única intervenção; não há direito de resposta, não há "esqueci-me disto ou daquilo", e muito menos comentários ao que outro acabou de dizer.

Com estas regras aprende-se a ser objetivo, sucinto e claro no que se pretende dizer; não há oportunidade de se fazer um discurso por sucessivas aproximações, nem "navegação à vista". Cada um diz o que tem a dizer, e escuta serenamente o que os demais tenham para partilhar. No fim, o Venerável Mestre fará uma súmula do que foi dito e, com base na posição de cada um, estabelece a posição da loja. Os aprendizes e os companheiros mantêm-se em silêncio, para aprenderem pelo exemplo como se faz, o que se faz, e o que não deve fazer-se. Uma vez elevados a Mestres, poderão pedir a palavra e manifestar-se, mas nesse momento terão já tido a oportunidade de ver e aprender, durante um par de anos, como é que devem exercer esse direito.

//

Um dos mestres presentes estava a contar histórias antigas, e curiosamente um dos aprendizes presentes - homem já maduro - tinha algo a acrescentar a essas histórias. Com naturalidade, interrompeu a palavra a quem falava - "dá-me só um segundo..." - e acrescentou um pormenor, deu uma informação adicional e, rapidamente, devolveu a palavra. O mestre prosseguiu durante alguns minutos, até que foi de novo interrompido pelo mesmo aprendiz - "se me permites, meu irmão..." - e contou mais um pouco daquilo de que se falava, deixando todos interessados com o que contou, logo se desculpando de novo e devolvendo a palavra. Discretamente, alguns dos mestres presentes trocaram olhares e sorriram com bonomia. "Tem tempo, ele há de lá chegar", pareciam dizer entre si.

É bom que um aprendiz ou um companheiro tenham algo a dizer - e que o façam no momento e lugar próprios, como o é um ágape após uma sessão de loja. É precisamente essa a circunstância ideal para que vão aprendendo a fazê-lo da forma que se espera que venham a configurar futuramente em loja, quando já mestres; nesse momento, poderão intervir em sessão com fluidez e harmonia, já cientes da forma como deverão agir.

Estive mesmo para dar uma palavra, no final, ao aprendiz em causa - mas contive-me. Afinal, quando se diz que "em maçonaria tudo se aprende e nada se ensina" pretende-se realçar, precisamente, o respeito pelo tempo e pelo ritmo de cada um, e pela descoberta por cada um do seu caminho e das suas verdades. O aprendiz haveria de ter mais oportunidades para descobrir por si mesmo; afinal, o mesmo tinha sucedido também comigo. De facto, não sem algum pudor, recordei as minhas primeiras intervenções junto dos meus Irmãos - intempestivas, acutilantes, desarmoniosas - e pensei que, se eu fora capaz de (começar a) aprender a calar-me (coisa que continuo a aprender todos os dias), certamente aquele aprendiz teria o direito de o descobrir também por si mesmo.

Paulo M.