Perceção, verdade e tolerância - V (conclusão)
A Maçonaria não pretende, ao contrário da Religião, tratar da relação entre o Homem e o seu Criador; apenas trata da relação entre o Homem e o Homem. Nascida em tempos conturbados de guerras fratricidas de origem religiosa, a Maçonaria tinha - e tem ainda hoje - o propósito de estabelecer entre homens bons uma ligação mais forte do que as forças que os afastam em virtude das diferentes fações - religiosas, partidárias, ideológicas ou outras - a que os mesmos pertençam.
A Maçonaria procura, nesse sentido, estabelecer um meio-termo, um máximo denominador comum, um common ground com que todos se identifiquem, que a todos inclua e a ninguém deixe de fora. Quando James Anderson foi incumbido de compilar e redigir as regras e regulamentos da Maçonaria, escreveu:
"Um maçom é obrigado, pela sua condição, a obedecer à lei moral, e se compreender corretamente a Arte, nunca será um estúpido ateu, nem um libertino irreligioso. Mas, embora em tempos antigos os maçons devessem, em cada país, ser da religião desse país ou nação, qualquer que fosse, entende-se agora ser mais acertado somente obrigá-los à religião com a qual todos os homens concordam, deixando suas opiniões particulares para si mesmos; isto é, ser homens bons e verdadeiros, ou homens de honra e honestidade, quaisquer que sejam as denominações que os distingam."
Esta noção de que os maçons poderiam ser de qualquer fé ou religião, e apenas deveriam aderir à "religião com a qual todos os homens concordam", é uma ideia claramente oriunda do conceito de "Religião Natural", conceito muito em voga no Iluminismo, e a propósito do qual podemos ler na Wikipédia:
"As ideias, para serem válidas, devem ser baseadas na razão inata do Homem. No caso da religião, isto significa que deve haver uma religião natural, isto é, deve haver um conjunto de ideias religiosas que emanam da natureza humana - ideias que são inatas da mesma forma que as ideias lógicas, matemáticas e científicas. Eles teriam, portanto, validade geral no sentido de que todas as pessoas em todos os momentos, independentemente de sua situação cultural, as devessem possuir."
A ideia de uma "religião natural" não é, propriamente, uma ideia da Maçonaria, mas uma ideia sua contemporânea que a influenciou, no sentido de que especula ser possível encontrar-se, de entre todas as religiões, um certo conjunto de regras comuns; estas seriam aquelas que a Maçonaria tomaria para os seus seguidores, de modo a lograr o seu propósito: ser um elo de união entre os homens. E nesse sentido, em vez de se cingir aos caminhos da Moral, abraçou os da Razão, muito menos controversos e muito mais passíveis de estabelecer princípios incontroversos.
Contudo, ao procurar encontrar um conjunto de regras morais retiradas do seu contexto religioso, a Maçonaria foi tomada, pela maioria das religiões organizadas, por um concorrente, por um antagonista, e como tal condenada, e rotulada como relativista ou sincretista ou mero "travesti" religioso. O que parece escapar aos seus detratores é que a Maçonaria não procura de modo algum substituir ou minimizar a religião de cada um, antes incentivando cada um a que viva a sua fé da melhor forma possível.
Os fins últimos da Maçonaria são a harmonia, a fraternidade e a paz entre os Homens, pelo que dá preponderância a estes princípios, mesmo que sob pena de relegar as convicções religiosas de cada um à esfera privada. Na verdade, a Maçonaria não quer saber em que é que cada um acredita, desde que acredite em alguma coisa, e guarde essa convicção afastada de controvérsias, contendas e cizânias. E esta postura - condenada por muitos que pretendem propagar verdades absolutas mesmo que à espadeirada - é uma das que caraterizam, distinguem e orgulham os maçons.
Paulo M.