15 novembro 2018

O Vigésimo Oitavo Venerável Mestre


O elemento que a Loja unanimemente - como é habitual na Loja Mestre Affonso Domingues - escolheu para assegurar a responsabilidade de a dirigir no ano maçónico de 2016/2017 foi António M..

António M. era um veterano da Loja que a tinha deixado há alguns anos atrás, para colaborar no lançamento de uma nova Loja e que, estabilizada a mesma, regressara a casa, à sua Loja-Mãe, à Mestre Affonso Domingues.

A sua antiguidade, a sua qualidade, mas também a sua disponibilidade para ajudar a dar vida a um novo projeto e, quando esse já estava apto a dele não necessitar, retornar à sua Loja, faziam dele o homem certo no momento certo para dirigir a Loja, no consensual juízo desta. Com efeito, no ano anterior houvera alguma turbulência e desencontro de opiniões, que se esperava que a experiência de António M. ajudasse a ultrapassar. Após um período de debates acesos e persistentes, a Loja ansiava por algum sossego e concórdia. Mas, mais uma vez, a perceção que se tinha da realidade era incompleta e, logo, errada.

O que sucedera no ano anterior não fora conjuntural, antes - só mais tarde se percebeu - fora o afloramento de uma divergência de conceções de que ainda nos não apercebêramos, ao menos na sua completa extensão.Não bastaria tratar, disfarçar ou adiar a eclosão dos sintomas.Viria a ser necessário identificar e encarar de frente o problema - e resolvê-lo.

Ao contrário do que esperávamos, o ano de António M. não iria ser de acalmia. Pelo contrário, foi o ano em que a crise se iria manifestar com toda a força sobre a Loja, qual alterosa onda que se abatia sobre a linha de costa, com fragor e fúria.

Um pequeno incidente, logo no início do mandato de António M., desencadeou uma sucessão de eventos e de reações, que rapidamente se tornou desproporcionada, com diferentes formas, de difícil controlo e - teríamos de o aceitar, ainda durante esse ano - com consequências inevitáveis. 

 Habitualmente, no início do mandato de um novo Venerável apresentam-se os relatórios da atividade do ano anterior. Um desses relaórios foi elaborado por um dos Oficiais que não se conformara com uma decisão do Venerável anterior - e que expressou isso mesmo no seu relatório. Gerou-se uma imediata reação por parte de vários elementos da Loja, que declararam a sua discordância com tal relatório, não só porque tomada decisão pelo Venerável Mestre fica o assunto encerrado, não cabendo continuar alguém a insistir em pôr em causa a decisão tomada, como porque, no caso concreto, a decião que se persistia em contestar fora ratificada e assumida pela Loja. O relatório em causa foi retirado e não foi sequer submetido a votação.

Mas um antigo e influente elemento da Loja achou que António M. tinha também direta responsabilidade na apresentação do relatório rejeitado, pois certamente dele tivera conhecimento prévio à sua proposta à Loja e, se não instruíra o autor da proposta de relatório para a alterar era porque concordava com a mesma e com a acesa crítica ao seu antecessor. E decidiu que, a partir daí, iria opor-se ativamente ao Venerável. De nada serviu argumentar com ele que, com essa atitude, estava a ter exatamente a mesma postura que recriminara aos que tinham expressado a sua discordância em relação ao Venerável anterior.

Agora em novos moldes, reeditava-se o cenário de dois grupos internos da Loja se oporem quanto ao apoio ou desapoio ao Venerável Mestre em exercício! Mas o que, no ano anterior, pudera, apesar de tudo, ser tratado como um incidente infeliz, mas isolado, agora perfilava-se com uma gravidade maior. Agora verificava-se que um peso pesado da Loja direta e persistentemente afrontava o Venerável Mestre e fazia-o em praticamente todas as reuniões da Loja, a propósito de tudo e de nada. A lógica era que o Venerável Mestre integrava um grupo e outro grupo tinha que se lhe opor, se necessário fosse até que os outros saíssem da Loja... Efetivamente, num primeiro momento, havia quem visse com bons olhos o desafio ao Venerável Mestre e quem optava pelo suporte ao Venerável Mestre que por todos fora eleito. Durante um bom par de meses, o debate foi constante, a argumentação intensa, o cenário de uma luta fraticida apresentava-se. Mas um observador atento poderia verificar que, se era verdade que havia dois pequenos grupos a digladiarem-se, se havia  pesos pesados de um e de outro lado, havia também uma maioria da Loja que assistia silenciosa e com um crescente desagrado ao deplorável espetáculo.

Pouco a pouco, o sentimento de desencanto com a situação de confronto na Loja foi aumentando. Mesmo alguns que inicialmente trocavam argumentos se foram apercebendo que o caminho que se trilhava não levava a nada de bom, que se podia ganhar discussões, mas que se perdia a coesão da Loja. Vária alertas foram sendo lançados. Uma Loja maçónica não deveria ser encarada como uma assmbleia onde se usa a oratória para fazer vencer a sua posição. Havia que estancar a obsessão pelo debate pelo debate, pela discussão sem fim, pela cegueira de ganhar discussões. O facto de porventura alguma vez se conseguir convencer uma maioria ou fazer calar uma oposição não dava qualquer garantia de que se estivesse a ter a posição e a atitude corretas. Pouco a pouco, vários dos elementos mais antigos a Loja foram dando conta do seu crescente desconforto, do seu entendimento de que havia, de uma vez por todas, que entender que  processo de decisão, a troca de ideias, o confronto delas, numa Loja maçónica se faz em plano diverso - para melhor! - do que o que ocorre numa vulgar assembleia de condomínio. Pouco a pouco, um a um, todos foram evoluindo para uma postura de evitar o conflito , de não fomentar discussão.

Infelizmente, o tal  antigo e influente elemento da Loja, por obstinação ou por erradamente ter tomado o crescente silêncio dos demais em relação aos seus ataques ao Venerável Mestre por concordância com eles, só se apercebeu da fadiga da Loja em relação à sua postura de ataque e confronto, quando estava praticamente só prosseguindo uma luta que parecia só ele querer prosseguir. Ao verificar que praticamente todos, mesmo antigos companheiros de muitos anos de Loja, discordavam do seu combate, não se limitou apenas a cessá-lo. Entendeu por bem sair da Loja, transferido-se para outra.

Foi a primeira baixa de peso que a Loja sofreu no meio e em virtude da sua crise. Lamentavelmente. Mas, mais impressivo ainda, o sentimento que a Loja teve com aquela saída foi, na altura, de alívio, de esperança que tal desfecho permitisse finalmente o restabelecimento da paz e da harmonia na Loja.

Muitos anos de amizade e de cumplicidade foram abalados com esta saída e as circunstâncias dela. Felizmente, sem problemas de maior e que não fossem remediados com a simples passagem do tempo, grane nivelador que a todos ajuda a perspetivar o que a certa altura parecia altaneiro penhasco como afinal a minúscula e natural elevação de terreno que apenas era. Hoje, e na tradição da Loja Mestre Affonso Domingues, esse antigo e influente elementos, agora noutro projeto, continua e continuará a ser pela Loja visto como um dos nossos e, quando necessário, já deu, continua a dar e não regateia a sua preciosa colaboração à Loja. Nisso, a Loja não mudou - e espera-se que nunca mude: Um vez um de nós, sempre um dos nossos!

Mas o período de turbulência na Loja, afinal já com mais de um ano de vigència e sucedendo a três ou quatro anos de instabilidades casuisticamente remediadas veio ainda a cobrar à Loja mais um alto preço. Um grupo de obreiros da Loja, desagradados com o que se estava passando, fartos de controvérsias, desiludidos nos seus andeios, decidiu sair em conjunto da Loja e iniciar um outro projeto. De nada valeu  o tempo de acalmia que finalmente se lograra atingir. O período de instabilidade fora longo e fizera nascer e amadurecer o seu projeto de formação de nova Loja. Para a Loja Mestre Affonso Domingues, o golpe era rude: tratava-se de um grupo de obreiros que, entrados quase todos ao mesmo tempo, a Loja formara em conjunto, em conjunto fomentara o seu espírito de corpo e, jovens Mestres, neles depositava a esperança de lhes transmitir, a muito curto prazo, as rédeas da administração da Loja. Mas nada havia a fazer, a decisão fora tomada - afinal, a Loja fizera um bom trabalho na criação do espírito de corpo  desses elementos...

Tendo tomado conhecimento do propósito de saída de alguns elementos para formarem outro projeto, a Loja Mestre Affonso Domingues, não obstante o golpe que para si isso constituia, teve a lucidez de compreender que a sua melhor atitude era nenhum obstáculo colocar a esse projeto, afinal a livre expressão da livre vontade de vários elementos. Pelo contrário, viabilizou e facilitou institucionalmente o nascimento da nova Loja, afinal, mais uma nascida sob os auspícios da Mestre Affonso Domingues.

A Loja ficou mais pequena e, sobretudo, perdeu alguns elementos valiosos. Mas estes dois acontecimentos consolidaram na mente de todos os que permaneceram que havia que rever processos, que mudar posturas, que redefinir prioridades na Loja. E, rápida e consensualmente, assim se fez. O final do mandato de António M. foi pacífico e, sobretudo, im tempo de produtivo trabalho da Loja. Os princípios e valores da Maçonaria foram relembrados, o trabalho de aperfeiçoamento individual dos obreiros da Loja retomado. A doença aguda foi vencida, o processo de convalescença iniciou-se.

António M. apanhou em cheio com a crise da Loja. Mas teve a lucidez, o sangue-frio e a calma de segurar firmemente o seu leme. Posto forte e repetidamente em causa, não vacilou e manteve-se firme no cumprimento do mandato que lhe foi confado. Fez o que tinha a fazer, quando tinha que o fazer. Não exacerbou conflitos, apelou sempre à fraternidade. Suportou o temporal e, quando ele passou, guiou a barca da Loja com imperturbável serenidade. Navegou à vista e, nos momentos de maior perigo, em que muitos viam escolhos que poderiam conduzir a Loja a infausto naufrágio, soube escolher o rumo certo, apoiar-se na experiência de muitos dos que, como ele, queriam preservar o projeto da Loja Mestre Affonso Domingues e conduzir a Loja para mar calmo, sem rombos irremediáveis, e soube propiciar o início da reparação dos inevitáveis estragos.

António M. recebeu uma Loja alvoroçada e passou ao seu sucessor uma Loja apaziguada Só por isso, merece lugar de destaque na Memória da Loja Mestre Affonso Domingues!

Rui Bandeira

05 novembro 2018

O Vigésimo Sétimo Venerável Mestre


Com a eleição de  Paulo M. - um dos que escrevem neste blogue -, a Loja continuou a trilhar o caminho da transição de gerações, que então pensava ser o maior problema que tinha de enfrentar. Com efeito, Paulo M. entrara na Loja já depois do início deste blogue, de que. mais tarde, viria a ser um dos animadores. Ter na direção da Loja "um dos novos" afigurava-se ser a receita certa para prosseguir e concretizar a transição de gerações.

A realidade, porém, no mandato de Paulo M. e no do seu sucessor, veio a revelar-se mais complexa. Foi no mandato de Paulo M. que se começaram a tornar evidentes sinais de crise. O que a Loja fazia, a forma como a Loja atuava, estava já desfasada do sentimento da maioria dos elementos que a constituíam. Até então, os desequilíbrios eram apenas pressentidos. No mandato de Paulo M. tornaram-se visíveis.

Paulo M. era e é um homem meticuloso, pormenorizado, que, detetando um problema, analisa-o em profundidade e estabelece uma via para a sua superação. No caso, Paulo M. tinha como problema mais evidente a questão das quotas por pagar por parte de um significativo número de obreiros da Loja. As contas da Loja ressentiam-se deste facto. Havia que resolver esse problema com alguma urgência, sob pena de, a curto prazo, a Loja ficar sem fundos para pagar as capitações à Grande Loja e assegurar o seu normal funcionamento.

Paulo M. identificou várias diferentes situações que contribuíam para a existência do problema. Este começara na altura da crise económica e da intervenção da troika no país. Alguns obreiros da Loja foram atingidos pelo desemprego. Outros viram significativamente reduzidos os seus rendimentos. Houve vários obreiros que emigraram e outros que se viram na necessidade de ir viver e trabalhar para localidades distantes de Lisboa. À crise e suas repercussões nas finanças da Loja, esta começara por reagir absorvendo os encargos decorrentes de atrasos e omissões no pagamento das quotas por parte de uma parcela significativa dos seus elementos. Contudo, a crise económica no país começava a ser superada, as coisas iam melhorando para muitos dos elementos que tinham sido afetados - mas a rotina do atempado pagamento de quotas não recuperara em igual nível.

Da análise que fez, Paulo M. concluiu que havia quem continuava a não pagar atempadamente porque não podia ainda, mas havia também quem já podia pagar e não o fazia porque perdera o hábito e negligenciava a sua saudável retoma. Havia quem, podendo já pagar de novo a sua quotização mensal, não o estava a fazer porque o peso do atrasado o inibia de tudo regularizar de uma vez, mas também quem não retomava o pagamento porque o parceiro do lado ainda o não fizera e "não havia filhos e enteados". Havia quem, embora tendo quotas em atraso, comparecia assiduamente e participava com regularidade nos trabalhos e nas decisões e nos projetos e havia quem não estava a pagar, mas também não comparecia.

Feita a análise, gizou um plano para resolver ou, pelo menos, minimizar o problema, afinal esquematizando com bom senso as várias e diferentes opções possíveis em face das diferentes situações. Em síntese, quem podia pagar devia pagar; quem podia recomeçar a pagar mas não podia regularizar de uma só vez ou em breve tempo a dívida acumulada, recomeçava a pagar e estabelecia um plano de pagamentos escalonado no tempo  para ir resolvendo o atrasado; quem não estava ainda em condições de poder retomar o pagamento e estava com atraso significativo no pagamento das suas quotas, das duas, uma: ou comparecia regularmente nas sessões ou também primava pela ausência - se comparecia, mantinha a ligação ao grupo e devia beneficiar do apoio do grupo; se não comparecia, então estava a quebrar a sua ligação ao grupo e não fazia sentido que o grupo pagasse para manter no seu seio um elemento que não comparecia e nesse caso, aplicava-se o que estava regulamentarmente previsto: notificava-se o visado para se colocar em dia com as quotas ou para apresentar plano para o fazer e para voltar a comparecer, sob pena de exclusão da Loja - e aplicava-se a exclusão a quem não correspondesse satisfatoriamente.

Paulo M. explicou cuidadosamente em Loja os vários aspetos do que decidira e as razões que suportavam as suas opções. A Loja não se mostrou desfavorável, na essência, às opções expostas, uma vez incorporadas algumas pequenas alterações. Em poucas semanas foi encaminhada a maioria dos casos, restando um pequeno número de elementos - uns três ou quatro - que não tinham ainda, nem se sabia quando teriam, condições para pagar, mas continuavam diligentemente assíduos. Não querendo deixar a sua tarefa incompleta, Paulo M. socorreu-se de uma prerrogativa que o Regulamento da Loja lhe conferia: a de poder dispensar um obreiro do pagamento de quotas, pagando-as a Loja com a verba destinada à beneficência. Deste modo, dispensou de quotas os obreiros em causa pelo período que tinham em falta, obteve destes a promessa de que reporiam o montante dispensado de pagamento se e quando lhes fosse possível e deixou a evolução futura para análise atualizada em relação à evolução das circunstâncias para os seus sucessores.

Algo de inaudito, porém, sucedeu. Alguns elementos da Loja, incluindo dois obreiros que integravam o seu Quadro de Oficiais, manifestaram-se contrários ao que Paulo M. decidira. Paulo M., pacientemente, voltou a explicar pormenorizadamente a sua decisão e as razões dela e colocou a questão em debate e em decisão pela Loja. A Loja ratificou a decisão do seu Venerável Mestre. Mas alguns elementos continuaram a discordar e a remar contra a concretização das decisões do Venerável Mestre.

Paulo M. tinha então duas opções a tomar: ou seguia a via disciplinar e abria processos contra os que diretamente violavam os respetivos compromissos de não contrariar as decisões do Venerável Mestre (ainda por cima ratificadas em Loja) ou, compreendendo que havia estados emocionais e amizades no fundo de algumas das objeções formuladas, preferia evitar o corte a direito e geria a situação de forma a que, paulatinamente, a questão se fosse resolvendo. Tomou - acertadamente, a meu ver - a segunda opção e, paciente e meticulosamente repetiu as vezes que foram necessárias as razões da sua decisão, promoveu a sua execução e tentou sempre minimizar o problema.

Ficou, no entanto, evidente que algo mudara na Loja. Pela primeira vez, desde a sua fundação, um grupo de obreiro da Loja desafiou diretamente a autoridade do Venerável Mestre e persistiu na sua postura mesmo depois de ver ratificada a decisão do Venerável Mestre pela Loja, entendendo ser seu direito democrático exprimir as suas posições e lutar por elas enquanto entendesse útil ou necessário fazê-lo. Esta posição motivou, por outro lado, reação dos que não viam com bons olhos o direto desafio ao Venerável Mestre. Estava gerado o turbilhão que iria envolver a Loja no resto do mandato de Paulo M. e grande parte do mandato do seu sucessor, tornando evidente crise da Loja que não seria ultrapassada sem significativo prejuízo.

Por outro lado, Paulo M. ficou muito ferido pelas atitudes de alguns dos obreiros da Loja. Ainda hoje as cicatrizes se notam...

O mandato de Paulo M. foi, assim, atribulado. Mas - sejamos justos! - não por sua culpa. Paulo M. fez o que devia fazer quando o devia fazer e renunciou a fazer algo que podia fazer, em prol da Loja. A meu ver, esteve na direção da Loja em má altura e apanhou em cheio com uma crise que se desenhava, com uma onda que se vinha insensivelmente formando bem lá de trás e de que só nos apercebemos quando apanhámos com ela em cheio. A clivagem não era, afinal, entre velhos e novos. A clivagem tinha a ver com diferentes conceções de estar e decidir em Loja, diversos entendimentos do que era, como se processava e se vivia a integração do indivíduo no coletivo de uma Loja maçónica. Superar essa clivagem iria ter custos, levar tempo e paciência e implicar o recurso à amizade. Mas, afinal, esse era um processo de evolução natural que tínhamos de vivenciar. Um coletivo nasce, cresce, amadurece e reinventa-se ou morre. Era tempo de nos reinventarmos.

Paulo M., apanhado pela crise, viria a ser um dos elementos que contribuíram para a reinvenção da Loja. Que está para lavar e durar, todos o esperamos, por muitos e bons anos, enfrentando e superando todas as crises que periodicamente surjam e suscitem as mudanças que necessário for. Com a preciosa colaboração do Paulo M., que foi o homem certo no conduzir do barco quando a tempestade começou a levantar ventos fortes. É mais um elemento que contribui para a individualidade específica da Loja Mestre Affonso Domingues. E mais um elemento que ajudará, no futuro, a enfrentar as crisezinhas que vierem. Porque soube enfrentar com acerto e bom senso a crise que lhe coube em sorte. E todos lhe estamos gratos por isso - mesmo os que, na altura, a ele se opuseram! Porque águas passadas não movem moinhos e este moinho da Mestre Affonso Domingues ainda tem muito cereal para moer - e vai fazê-lo, sempre em conjunto!

Rui Bandeira

25 outubro 2018

A mudança

Na sequência da Prancha apresentada por um  I:. intitulada “Sobre a Impermanência”, pareceu-me ser consistente escrever sobre a mudança e os processos que lhe estão associados, já que está subjacente à impermanência.

Deixem-me começar por transcrever algumas frases soltas que creio poderem servir para enquadrar o tema:
  • "Quando sentimos a necessidade de uma mudança profunda, normalmente vemo-la como algo que deve ocorrer, mas não em nós. Nas funções em que exercemos autoridade, sejamos pais, professores, chefes, ou outra coisa qualquer, somos particularmente atentos à necessidade de mudar dos outros. Esses esforços falham frequentemente e é comum que respondamos aumentando a pressão. Esta luta raramente traz consigo mudança ou excelência." - Robert E. Quinn
  • "Se nos conseguíssemos mudar a nós próprios, então as tendências do mundo também mudariam. Conforme a nossa mudança, assim muda também a atitude do mundo perante nós… não precisamos de esperar que os outros mudem." - Mahatma Gandhi
  • "A mudança não é algo opcional… é inevitável." - Barbara Sher
  • "A mudança pode ser um desafio, mas pode também ser uma ameaça. Aquilo em que acreditamos pavimenta o nosso caminho para o sucesso ou insucesso." - Marsha Sinetar
  • "A espécie que sobrevive não é a mais forte, nem sequer a mais inteligente; é sim a que se adapta mais facilmente à mudança." - Charles Darwin
  • "Todos já aceitámos que a mudança é inevitável. Mas todos ainda a encaramos como a morte ou pagar impostos – deve ser adiada o mais possível e se for possível, fiquemos na mesma. Contudo, no período em que vivemos o normal é a mudança e não a permanência." - Peter F. Drucker
  • "Mudemos antes que tenhamos de mudar." - Jack Welch
  • "A mudança é difícil porque tendemos a sobrevalorizar o que temos e a desvalorizar o que poderíamos ter se mudássemos." - James Belasco e Ralph Stayer
  • "Não há nada mais difícil de assumir, mais arriscado de dirigir, ou com maior incerteza no resultado, do que a liderança na mudança." - Niccolo Machiavelli
  • "Choque com o futuro é o resultado do stress e desorientação que induzimos nos indivíduos, quando os submetemos a demasiadas mudanças num curto espaço de tempo." - Alvin Toffler
  • A vida é constituída por uma série de mudanças naturais e espontâneas. Resistir-lhes só serve para trazer frustração e tristeza. Deixemos que a realidade seja a realidade. Deixemos as coisas fluírem naturalmente na direcção que tiverem de tomar.” - Lao Tzu
  • Quando a taxa de mudança nos mercados for maior que a da organização, o fim está à vista.” - Jack Welch

Entremos em matéria…

A vida vai acontecendo e o que acontece é muitas vezes denominado de mudança. Algumas são resultado da evolução biológica e da passagem do tempo, no que é o ciclo natural do nascimento, crescimento, decrescimento e morte. Outras resultam de factos sob o nosso controlo e esforço ou da interacção com familiares, amigos, etc. Finalmente, há um terceiro grupo que resulta de factos totalmente fora do nosso controlo.

As nossas experiencias resultam de factos externos ou internos que seguem um caminho linear, regulado pelo tempo, pelo espaço, ou pelas estruturas sociais. Podem também resultar de aspectos emocionais, psicológicos ou até das nossas lutas internas e externas. Podem ser subtis ou graduais, fáceis e bem-vindas ou difíceis e exigentes. Podemos encará-las e à mudança que implicam, com aceitação e adesão ou com protesto e resistência.

O significado pessoal de cada mudança ocorre quando decidimos mudar, já que isto significa passar do estado mais contemplativo em que as coisas acontecem porque sempre aconteceram, para um estado mais activo em que mudamos para obter um resultado por nós escolhido. Mudar o nosso foco do que acontece para o que fazemos com o que acontece é outra forma de descrever a mudança. Não nos esqueçamos que a forma como interagimos com a mudança é uma escolha pessoal.

O perigo de mudar sem verdadeiramente experimentarmos a mudança é o de essa mudança não chegar a ocorrer. Se estivermos focados na mudança em si mesmo e/ou demasiado ansiosos por resolver um problema, podemos perder a mensagem que o processo contém, bem como o seu aspecto transformativo. Daqui resulta que é importante não só a mudança, mas também a forma como mudamos. Mudanças radicais sem um processo evolutivo resultam frequentemente em cenários “déjà-vu” e no reforço de comportamentos que pretendíamos mudar. Para que a mudança seja real e tenha um efeito efectivo, é necessário que aprendamos a trabalhar realmente com ela e não a evitá-la sempre que possível. Já agora, contemplá-la também não costuma dar resultado.

Os antigos filósofos diziam que tudo muda permanentemente (impermanência). O I Ching, o Livro da Mudança, é um texto Chinês que tem servido como ferramenta para tomada de decisões e para tentar prever o futuro, por mais de cinco mil anos. Apesar de tudo ser transitório e estar em constante mudança, o conceito e o seu processo evolutivo respeitam as leis naturais, que pelas suas propriedades cíclicas e repetitivas, fazem da mudança um processo que não muda (impermanência).

O I Ching contem uma simbologia cujo objectivo é ajudar-nos a encontrar ordem dentro dos acontecimentos quase aleatórios da vida. Basicamente, todas as situações na vida ocorrem segundo seis estadios, que embora sejam mutáveis, são previsíveis: começar a ser, início, expansão, evolução para atingir o potencial mais alto, potencial mais alto, regressão. Podemos estabelecer um paralelismo com os seres: concepção, nascimento, crescimento, evolução para a maturidade, maturidade, envelhecimento e morte. Estes estadios são também aplicáveis ás organizações, aos produtos e a muitas outras coisas que nos rodeiam. Tudo parece ter um inicio e um fim e nesse intervalo está em constante mudança.

Apesar da mudança poder interromper o decurso normal das nossas vidas (e fá-lo), constitui também uma oportunidade e um desafio para analisar o que fazemos e o que poderemos fazer e para alterar esse estado, se assim o entendermos. Pode até servir para nos mantermos como estamos e assim permitir-nos melhores escolhas e decisões.

Afastar ou negar a mudança e o que nos pode oferecer, pode ser uma oportunidade perdida de aprendizagem ou de descoberta. A chave está em entender e aceitar que a mudança é a regra e não a excepção e que mesmo que não aceitemos mudar, estaremos ainda assim a fazê-lo. Quando aceitamos esta realidade e aprendemos a lidar com ela, torna-se muito mais fácil ajustar-nos, já que o fazemos com a consciência de que estamos a mudar de forma controlada, num processo que não muda.

Colocando a mudança de lado, vejamos a outra parte da equação – a complexidade do desenvolvimento da personalidade individual. O desenvolvimento da personalidade é função de três variáveis ou sistemas: O corpo (soma), A psique (psyche), e o comunitário ou social (ethos).

Existem diversas teorias sobre o desenvolvimento da personalidade, mas as do psicanalista Erik Erickson são consideradas das que melhor nos podem ajudar a compreender a mudança no contexto do ciclo da vida. A sua teoria ajuda a clarificar como é que um individuo adere e processa a sua mudança intrínseca o que permite perceber se a pessoa está à altura para fazer mudanças em si próprio.

Esta teoria identifica oito estadios pelo qual o individuo passa, desde o nascimento até à velhice. Todos estão presentes à nascença, mas desenvolvem-se em função de uma dicotomia entre o pessoal e o social.

Cada estadio é marcado por uma crise psicossocial entre uma vertente positiva e uma vertente negativa. As duas vertentes são necessárias, mas é essencial que se sobreponha a positiva à negativa. A forma como cada crise é ultrapassada ao longo de todos os estadios influenciará a capacidade para se resolverem conflitos inerentes à vida, bem como a atitude perante a evolução (mudança). Para Erickson, o conflito e a crise psicossocial são positivas, já que são fontes de crescimento, força e compromisso.

A forma como cada individuo evolui ao longo deste trajecto de oito estadios, pode determinar que seja mais ou menos confiante e que tenha uma maior ou menor aversão ao risco. Confiança e atitude perante o risco são dois factores fundamentais que balizam a forma como lidamos com a mudança.

Para além desta perspectiva mais teórica, há diversos factores de ordem pratica que influenciam se e como lidamos com a mudança.

O temperamento, ou seja, a nossa atitude perante a vida, que faz de nós maleáveis e adaptáveis, envergonhados e medrosos, ou difíceis e inflexíveis, influencia de forma decisiva a forma como vemos o mundo e os outros e consequentemente a nossa capacidade de nos adaptarmos. Os pensamentos, atitudes e comportamentos de todos aqueles que nos rodeiam, podem influenciar a nossa forma de pensar e de agir. Por exemplo, amor, aceitação ou optimismo induzem confiança e esperança, ao contrário de críticas, pessimismo e outras atitudes negativas. O mesmo papel podem desempenhar experiências passadas: uma mudança com sucesso gera optimismo, abertura e confiança.

Os valores familiares e sociais são sempre herdados pelo individuo, desde o princípio da sua vida. O medo da mudança e de assumir riscos são contagiosos e interferem na forma como o individuo encara a mudança e limitam o que é capaz de fazer. Para muitos a simples ideia de mudar é esmagadora e geradora de ansiedade, constituindo algo a evitar a todo o custo.

Mas quais são realmente as implicações da mudança quer no plano individual, quer no grupo ou organização. O que é que devemos e/ou pudemos tentar gerir?

Edgar Henry Schein (Ph.D., Psicologia Social, Harvard University) propõe-nos um modelo conceptual para a mudança e suas implicações. Segundo ele, a mudança gera normalmente dois tipos de ansiedade:

A ansiedade associada ao ter de mudar (também chamada “Ansiedade de Aprendizagem”, já que isso implica ter de aprender e deixar o que sabemos por o que não sabemos. Esta ansiedade pode ser gerada e alimentada por diversas razões, toda elas válidas:
  • Receio de perder poder e/ou posição.
  • Receio de sermos temporariamente incompetentes
  • Receio de não sermos capazes de mudar (Princípio de Peter), ou seja, o receio de já termos atingido o nosso limiar de competências que evoluir implique passarmos a ser incompetentes.
  • Finalmente, o receio de perca de identidade e de pertença ao grupo.
Como parece ser claro, quanto maior for esta ansiedade, maior será também a nossa Resistência à Mudança. Adiante veremos formas de tentar minimizar estes efeitos.

Mas a mudança também pode induzir a chamada “Ansiedade de Sobrevivência”, ou seja, o medo sobre o que pode acontecer se não mudarmos.

Como é evidente, estamos perante duas ansiedades que jogam em sinal contrário – “eu estou bem como estou, mas o que é que acontecerá se eu não mudar”. Parece também ser evidente que a mudança fica claramente dificultada enquanto a Ansiedade de Aprender for superior à de Sobrevivência e a forma de conseguirmos que o processo evolua é precisamente “jogar” com estas duas variáveis.

Como???

Para baixar a Ansiedade de Aprendizagem, há algumas alternativas.
  • Desdramatizar o processo, envolvendo os implicados e criando condições para que possam participar.
  • Estabelecer programas de formação e de apoio à aquisição e implementação de novas competências.
  • Gerir a mudança para que não seja brusca ou implique rupturas.
  • Implementar mentalidades que permitam errar... a chamada gestão do erro.
  • Outras…
Relativamente à aquisição e implementação de novas competências, importa reflectir sobre o processo de aprendizagem, que podemos estruturar em quatro fases:
  1. Somos Inconscientemente Incompetentes, ou seja, não sabemos e nem sequer sabemos que não sabemos. Os processos de avaliação de desempenho ou uma análise de “gaps” entre o que sabemos e o que teremos de saber no futuro, poderão ajudar a passarmos para a próxima fase.
  2. Conscientemente Incompetentes – não sabemos, mas já sabemos que não sabemos. Aqui importa ter formação que nos permita adquirir novos conhecimentos.
  3. Conscientemente Competentes – já sabemos como se faz, mas ainda não sabemos fazer. Usando o desporto como analogia, é nesta fase que devemos treinar, praticar; devemos conscientemente utilizar os novos conhecimentos até que sejam interiorizados e os possamos utilizar de forma inconsciente.
  4. Inconscientemente Competentes – esta é fase que se pretende atingir, ou seja, estamos em condições de usar as nossas novas competências e assim acompanhar o processo de mudança, ou seja Mudámos.
Naturalmente que este processo deve ser acompanhado com apoio e envolvimento que permitam criar um ambiente “psicologicamente seguro” onde a aprendizagem fique facilitada.

A cultura que possa existir de “gestão do erro”, poderá facilitar ou dificultar a mudança e a aprendizagem. Numa organização em que quem erra é quase que “crucificado” por o ter feito, haverá certamente resistência à mudança, já que todos quererão continuar na sua zona de conforto e a fazer como sempre fizeram. Este aspecto aplica-se também ao nível individual; a forma como lidamos com os nossos erros, pode facilitar ou dificultar bastante a adesão a novas formas de estar, pensar ou agir.

Relativamente à segunda ansiedade – a de Sobrevivência -, deixo à imaginação e criatividade dos meus irmãos a forma de o conseguir, já que nem sempre é possível reduzir a Ansiedade de Aprender para níveis inferiores à de Sobrevivência e há que actuar nesta, aumentando-a.

A forma como se utilizam as duas ansiedades pode ajudar também a analisar o estilo de direcção de um qualquer gestor. Um líder tenderá a dar prioridade à Ansiedade de Aprendizagem, quase esgotando a sua utilização, antes de se voltar para a outra. Por outro lado, um chefe recorrerá muito mais precocemente à Ansiedade de Sobrevivência, estabelecendo regras e definindo penalidades.

Fazendo um parêntesis nesta prancha, se analisarmos à luz desta teoria, as dificuldades que algumas organizações têm para implementar mudanças, facilmente entendemos porque assim é. A Ansiedade de Sobrevivência é muito baixa e é muito difícil de subir.

Gostaria também de vos apresentar o conceito de “instabilidade Contida” desenvolvido por Ralph Stacey. Segundo ele, as organizações, sejam de que tipo forem, devem ter estabilidade suficiente para que as pessoas não desperdicem tempo e energia a “reinventar a roda” e a criar mecanismos de defesa, mas ter também suficiente instabilidade que leve as pessoas a serem motivadas para mudar, para serem criativas e para procurar novas formas de actuar e fazer as coisas, mesmo quando esse processo possa eventualmente ser doloroso.

E o que é que tudo isto tema ver com a Maçonaria?

Tudo!!!

A Maçonaria visa ajudar a criar homens melhores e de alguma forma esperar que estes sejam cristalizadores na sociedade. Nós aderimos à Ordem porque sentimos que podemos melhorar e porque reconhecemos a Ordem como um espaço para isso.

Quem muda ou faz as nossas próprias mudanças somos nós e nós somos Maçons. A Maçonaria disponibiliza-nos um espaço de mudança onde não há Ansiedade de Sobrevivência, já que nada nos será cobrado se não evoluirmos, e onde cada um muda ao seu ritmo e na direcção que quer, respeitando naturalmente os nossos princípios e regras.

Termino atrevendo-me a acrescentar algo Às palavras de Mahatma Gandhi, apresentadas no início: “podemos mudar os outros, começando por nos mudar a nós próprios”

António Jorge - Mestre Maçon

02 outubro 2018

Comunicação do Grão-Mestre da GLLP/GLRP por ocasião da sua Instalação, no equinócio de outono de 2018


Meus queridos Irmãos,

Agradeço a vossa presença e a todos saúdo com um tríplice fraternal abraço.

Começo por saudar tão vasta representação de Representantes das delegações de potências maçónicas estrangeiras, que muito nos honram e sensibilizam com a sua presença.

Permitam-me que saúde de forma muito especial os Antigos Grão-Mestres, aqui presentes: o M. R. I. José Manuel Anes, o M. R. I. José Moreno e o M. R. I. Júlio Meirinhos que acabou de me instalar na cadeira de Salomão, o que muito me honrou.

Recebo das suas mãos uma Ordem mais forte. A Grande Loja teve um enorme incremento nos últimos 4 anos, fortaleceu-se internamente e aumentou significativamente a sua influência internacional. E isso resultou do esforço e empenho no exercício do cargo. Agradeço-te, pois, M. R. I. Júlio Meirinhos o teu empenho e dedicação à nossa Grande Loja.

Mas todos tiveram um papel notável na edificação da nossa Augusta Ordem. Foram o garante da nossa unidade e regularidade. Com o seu entusiasmo e dedicação, foram protagonistas relevantes da nossa história, e muito contribuiram para o crescimento da nossa Fraternidade. A todos eles devemos o que somos hoje. Agradeço em meu nome, em nosso nome, a todos os que me antecederam.  

Permitam-me ainda lembrar, com muita saudade, dois grandes e notáveis Maçons que marcaram, de forma indelével, o meu percurso e maturidade maçónica: Mário Martin Guia e Rui Clemente Lelé. A eles devo, ainda que de forma distinta, grande parte do que sou hoje como maçom.

Ao longo dos últimos anos, tive o privilégio de conhecer muitos Irmãos que enobreceram e enobrecem a nossa Augusta Ordem. Percorri um amplo número de Lojas e ajudei a fundar algumas. Fiz um trajeto que muitos outros Irmãos também fizeram e que muitos mais podem e, com certeza, virão a fazer.

No tempo que considerei certo, apresentei-me como candidato a Grão-Mestre da GLLP/GLRP, apresentei-me com a simplicidade e a normalidade de um qualquer Irmão que assim o desejasse e estivesse conforme à regularidade e aos regulamentos.

As últimas eleições para o cargo de Grão-Mestre reafirmaram a pluralidade e diversidade de opiniões e a enorme vitalidade da nosa Augusta Ordem. Cumprimento por isso todos os RR. II. que comigo as disputaram.

Em democracia as eleições são a pedra angular da liberdade e é sempre salutar que elas ocorram conforme os cânones que se lhe aplicam, com serenidade, igualdade, cordialidade e correção.

Na nossa Augusta Ordem, as eleições, no estrito cumprimento dos Regulamentos e do verdadeiro espírito maçónico assumem, ainda que assentes em princípios democráticos, contornos particulares. No nosso caso, exige-se que tal suceda em fraternidade. Ou seja: porque somos uma obediência fraternal, impõe-se que a disputa seja leal e em irmandade, pois ninguém está, enquanto pessoa e Irmão, acima de quem quer que seja e o "pleito eleitoral", sendo necessário e importante na vida da nossa Augusta Ordem, é apenas um momento de escolha, onde os Irmãos elegem um seu par para assumir a cadeira de Salomão.

Na cadeira de Salomão, o ocupante senta-se para governar o que lhe foi confiado, tentar resolver o insolúvel, preparar-se para o imprevisível, antever o possível, dirimir os conflitos, eliminar o que for injusto e negativo e procurar a harmonia, a paz e a concórdia.

É certo que crescemos muito. Foi meu compromisso "eleitoral" defender a máxima exigência na seleção daqueles que devemos aceitar na nossa Augusta Ordem e a quem possamos verdadeiramente reconhecer como Irmãos. A nossa dificuldade tem de estar em selecionar, não em recrutar. Selecionar, sempre com o intuito de ter connosco os melhores e mais bem preparados, pois só assim poderemos agir com maior significado junto da vida profana onde nos inserimos e só assim manteremos a união e a fraternidade que nos carateriza.

Vivemos um tempo de dificuldades no país, na Europa e no mundo, em que proliferam muitas desavenças políticas, conflitos bélicos, incertezas geoestratégicas e incapacidade para resolver os problemas sociais, como os das minorias e dos refugiados. Internamente, o país regista ambivalências, com esperança numa definitiva mudança, entre certezas e muitas dúvidas.

E reflito nisto aqui porque a Maçonaria náo vive fora do mundo e das realidades que a cercam e, por isso mesmo, não poderemos nunca ser um corpo amorfo e indiferente em tão vasto horizonte de eventos com que nos confrontamos.

Num mundo em permanente evolução, a mudança deve estar ancorada num quadro de valores que, em momento nenhum, esqueça as pessoas e a liberdade individual como principal motor dessa dinâmica e, em última instância, da garantia da própria felicidade humana.

A sociedade em que hoje vivemos encerra, em acelerada mudança, um conjunto de desafios de proporções ainda desconhecidas e de consequências imprevisíveis. Os riscos da incerteza exigirão firme e determinada intervenção das lideranças das principais instituições que compõem a sociedade.

A nossa Augusta Ordem, ontem como hoje, pela força da sua génese e pela sua responsabilidade histórica, será inevitavelmente chamada a, mais uma vez, constituir-se como farol da evolução, saber de experiência feita sobre o essencial da libertação do Homem, luz sobre os valores que mudança alguma pode colocar em causa.

Consciente destes desafios, ciente da responsabilidade secular que o cargo impõe, proponho-me, se soberba, ativamente contribuir para resgatar para a maçonaria o papel central sobre este processo de evolução, recolocando-a como referência maior e escola de vida para os Homens Bons que pretendem apurar-se na relação com os outros, tornando-se Homens Melhores.

Honrando a herança recebida desde o exemplo maior de Jacques de Molay, 704 anos após a sua morte às mãos da tirania de Filipe IV, curiosamente de cognome "O Belo", propomo-nos continuar a combater por uma sociedade mais livre e mais solidária, onde o génio individual liberte todo o seu poder criativo à luz da razão, conquistando a verdadeira beleza que resulta da perfeição.

Quando atendemos à dimensão de todos aqueles que se sacrificaram em nome dos nossos ideais, só podemos ter orgulho na condição de maçons que transportamos em nós.

Por todas estas razões, escolhi como lema do meu Grão-Mestrado "O Orgulho em Ser Maçom".

Quanto maior a alma, maior o desafio. E por tudo isto, liderar o grupo de Homens Bons que integram a nossa Augusta Ordem é, não só um privilégio, uma honra, mas uma enorme responsabilidade. É orgulho, felicidade e ambição, que só a profunda admiração que nutro por cada um me fazem imaginar sequer poder estar à altura.

Num momento, também, em que a maçonaria enferma de uma injusta perceção pública, numa época em que tudo vale, muitas vezes entre nós próprios, para fazer vingar um qualquer fim, mais do que nunca teremos que travar a queda por este declive obscuro e recolocar a Maçonaria no caminho e no patamar que sempre a distinguiu ao longo da História.

A Maçonaria em Portugal esculpiu pela sua ação alguns dos momentos maos épicos dos feitos nacionais. Da democracia à consagração das diferentes liberdades, muitas são as medalhas que podemos exibir com brio e dignidade.

É pois tempo de voltarmos a contribuir ativamente para o apuramento do Homem e da sociedade, é tempo de voltarmos a fazer História.

Para este desígnio, tenho plena consciência que o caminho a que me proponho não será nem fácil nem pacífico. Tenho total certeza das inúmeras tormentas que nos esperam e dos múltiplos ataques que nos aguardam.

A Maçonaria sempre existiu, e existirá, para melhorar o mundo. Mas para isso é preciso, primeiro, melhorar o homem. É essa a função primordial da Maçonaria.

Chegado aqui, cumpre-me, obviamente, refletir sobre o nosso momento, a realidade da nossa fraternidade. O certo é que, sendo uma Fraternidade, somos também uma Ordem onde impera a lealdade e a irmandade. Mas não nos esqueçamos que somos ainda uma Obediência e esta obriga-nos, a todos, a uma sã relação de respeito para com o Grão-Mestre e deste para com os todos os Irmãos.

Ninguém é obrigado a ser Maçom, mas, em o sendo, tem de se conformar com as constituições e as regras da Maçonaria Universal.

E é por isso que, quando prestamos os juramentos, comprometemo-nos a cumpri-los. Podemos não concordar com o que quer que seja, mas temos de cumprir e, sobretudo, em fraternidade, cumprir e agir irmãmente. Nunca por objeções, maledicências, deslealdades ou críticas que atingem a dignidade  de qualquer Irmão.

Não poderemos, nunca, como em qualquer outra instituição, obter a total aceitação ou unanimidade sobre tantos e tão delicados assuntos em que nos envolvemos. Mas podemos e devemos, sempre, aproximar ideias, objetivos e obter consensos alargados que traduzam a vontade generalizada dos Irmãos.

É iso que farei nos próximos 2 anos, com total empenho e dedicação, aprimorando o talhe da pedra, cuja beleza não cessará de ser trabalhada, visando a solidificação da Ordem e o crescimento da Fraternidade.

A condição de Maçom exige que o eleito se convença da sua humildade, pois ela será a sua grandeza, mas humildade em excesso ou pouco sentida não são mais que vícios e vaidades escondidas. Contudo, Humildade não é inação ou falta de determinação, uma vez que não se pode renunciar a governar em plenitude, mas tal apenas o determina no sentido do "Bem da Ordem".

"O Bem da Ordem" não é uma arbitrariedade ou uma aritmética administrativa. É essencialmente agir, garantindo a continuidade provinda de antanho e prossegir adiante, robustecendo a Fraternidade, constituída por Maçons livres que se congregaram para o aperfeiçoamento do homem e a melhoria do mundo. 

São estes os objetivos e os limites da governação. Tudo o mais não interessa, mas sem deixar de agir, liderar e trabalhar, fazendo o que tem de ser feito, antecipando o bom porvir e evitando o que é desajustado.

Afinal, tudo só pode ser feito com o empenho de todos os Irmãos, pois se é verdade que a Grande Loja tem de ser o vértice da Fraternidade, esse vértice tem que assentar numa base que são as Lojas, com proximidade e interação.

Reafirmo, pois, o compromisso assumido de intensificar a aproximação da Grande Loja com as Lojas e destas entre si, fortalecendo dessa forma as nossas relações e estimulando o fortalecimento da nossa Instituição.

Por isso, também, todos os Irmãos devem esforçar-se por trabalhar comigo, ajudando-me na obra comum. Quem, inconformado, passa para uma inorgânica "oposição", se afasta ou evita compromissos e serviços, "nunca será um bom Maçom". Será tão só um "membro da Loja", alguém que assinou uma proposta para ingresso na Maçonaria, como quem subscreve ou participa, anódino, numa associação social, recreativa, desportiva ou cultural.

Não sou dos que defende que haja nas Respeitáveis Lojas e também na Grande Loja portadores de cargos e colares e que apenas deambulam pelas Sessões e festividades, sem conhecimento e dedicação às funções.

Somos todos necessários e assim é inaceitável que, no meio dos "ELEITOS DA LUZ", não haja maçons disponíveis para o trabalho: só pelo trabalho o Maçom elimina as trevas.

A propósito da Luz, recorro-me da poesia do nosso Muito Querido e saudoso Mário Martin Guia e do poema Hino à Harmonia:

"Sendo o homem a sombra do Divino
e sendo também verdade
que a necessidade equilibra a Liberdade
o Espírito a Matéria, a Fé a Razão
e a sabedoria o Poder
para haver Harmonia
e alcançar a Felicidade
é também ponto assente
que a Luz deve vir do Oriente".

Desde o primeiro dia em que entrei para a nossa Augusta Ordem que sei fazer parte de um grupo que veio para ficar, com uma ideia de futuro e um plano para cumprir. É neste quadro que sustentamos a razão da nossa existência. É neste quadro que queremos crescer, ajudando os homens a serem bons e os bons a serem melhores. Ajudando as sociedades a rimarem liberdade com responsabilidade, alma com solidariedade. É este o legado que queremos deixar.

Darei por isso continuidade a tudo o que de bom foi feito, melhorando aquilo que tiver que ser, com o objetivo de cumprir o meu programa, mas respeitando o princípio da pluralidade e diversidade, ouvindo as vossas opiniões e propostas.

Importa criar e semear aqui e agora, olhando para o futuro e para a Augusta Ordem que queremos ter.

A equipa que me acompanhará é aquela que eu entendo ser o resultado da reflexão sobre a renovação das tradições que nos fazem maçons, conjugadas com a realidade, prioridades e objetivos que uma sociedade iniciática requer, num tempo imediatista e desinformado.

Disse sempre que não me candidatava contra ninguém, nem a favor de ninguém. Agora que sou o vosso GM fiquem certos de que não estarei contra ninguém, exceto aqueles cujos comportamentos e ações não respeitem os princípios e juramentos que nos unem.

O GM será o garante que nenum Irmão fica esquecido, que todas as palavras são escutadas, mas igualmente que nenhum outro se arroga de importâncias que não tem, ou de egos que deve, em primeira linha, combater. Este é o espaço da liberdade, da igualdade e da tolerância. 

Comprometi-me e vou demonstrar que somos uma organização virada para a sociedade, aceite e contributiva e onde os maçons são reconhecidos como homens de confiança, livres e de bons costumes.

É tempo de trabalhar muito, com dedicação, ética e entrega a esta causa que é de todos.

Assim, o futuro da GLLP/GLRP será risonho, não tenham dúvidas, porque a quantidade e qualidade dos Irmãos que a constituem assim querem, desejam e tudo farão para que tal suceda.

Para isso preciso de todos. Convosco, sei que chegarei lá. Convosco sei que, em paz e harmonia, todos faremos mais e melhor para a nossa Augusta Ordem.

À Glória do Grande Arquiteto do Universo.

Armindo Azevedo
Grão-Mestre

28 setembro 2018

Assembleia de Grande Loja da GLLP/GLRP no Equinócio de outono: última intervenção como Grão-Mestre do agora Antigo Grão-Mestre Júlio Meirinhos


Queridos Irmãos em todos os vossos graus e qualidades, a todos saúdo: sede bem-vindos à casa dos valores, à casa dos irmãos, à nossa casa.

Hoje celebramos em Grande Loja o quarto e último equinócio de Outono do meu tempo de Grão Mestre. E tal como tenho vindo a instruir, trata-se de uma data em que a inclinação da terra e a incidência dos raios da luz do sol afiançam idêntica duração dos dias e das noites que, traduzindo para linguagem maçónica, significa que tudo está justo e perfeito.

Aqui, perante esta nossa magna assembleia, apresentar antes de tudo as mais calorosas felicitações, não àquele que me vai substituir, mas sim àquele que me vai suceder, e que, de forma tão esclarecedora, foi em quem a imensa maioria dos irmãos desta nossa Augusta Ordem depositamos grande confiança, o irmão Armindo Azevedo.

E, neste momento solene de passagem do gládio testemunhal, alguns irmãos seriam tentados a sugerir: as boas contas fazem sempre os bons irmãos, por isso o mais importante seria fazer-vos aqui a apresentação do rol das promessas concetizadas, assim como o cômputo de outras profanas contabilidades. Mas, tal como proclama o poeta, também eu aqui proclamos: não! Não vou por aí!.

Existe um provérbio mirandês que diz: "solo mius feitos me lhoubaran"! Por isso, fazer tal avaliação não deve ser o meu papel. Essas profanas contabilidades, a ser feitas, sê-lo-ão por outros que não sofram das miopias do umbigo, que não sejam juízes em causa própria. 

Mas posso confessar-vos que, aqui, hoje, convosco, estou sereno, de alma cheia, feliz por haver levado a bom porto desígnios fundadores que sempre quis concretizar:

- Os afetos e o amor pelos irmãos, a plena liberdade, a proximidade e presença para com todas as lojas, para com todos os irmãos, do primeiro ao último dia, fica a sensação de haver tratado a todos os irmãos como iguais, onde, por uma qualquer razão oculta, uns não fossem mais iguais que outros;

-  O rigor administrativo, o rigor na aplicação da nossa justiça, a coerência em cada ação;

- A concretização da plena transferência de conhecimento, a elaboração de Rituais rigorosos, a produção do grande e completo "Livro Verde";

- Conseguir plena satisfação no crescimento do número de lojas, plena satisfação no crescimento do número de obreiros;

- Ter impulsionado as obras que era preciso impulsionar;

- Ter conseguido o pleno reconhecimento e visibilidade internacional.

Por isso, deixo aqui um grande tríplice abraço, em jeito de muito obrigado, a todos os irmãos: Aprendizes, Companheiros e Mestres, a todos os Veneráveis Mestres, a todos os Respeitáveis e Muito Respeitáveis Grandes Oficiais e colaboradores mais diretos.

Este caminho, que durou quatro anos, foi um caminho que percorremos todos juntos, em que eu fui apenas aquele que primeiro sentia o afago das ténues brisas matinais.

E não quero com isto dizer que fui perfeito, longe de mim tal desígnio. Há um grande poeta mirandês, de quem já vos falei em diferentes ocasiões, Amadeu Ferreira, que sabiamente nos esclarece com o seu poema, ao afirmar:

"olha para os teus defeitos como um desafio, um sinal de vida, linha de onde tens de partir em corrida para os conseguir ultrapassar, porque perfeitas são as estátuas, alguns mortos e os deuses, e em nenhum deles a vida floresce".

Eu quero que a vida nos continue a florescer a todos, por isso digo ao querido Irmão Armindo Azevedo que é um sortudo felizardo, porque ainda há muita maçonaria para ele percorrer, muita brisa para sentir na face. Se tudo já tivesse sido concluído por mim, para ti o caminho seria de um terrível tédio, por isso, Armindo, deixando coisas por fazer, apenas quis ser teu amigo.

E, por vezes, nós até nos queremos arrogar muito competentes, quando apresentamos créditos curriculares bombásticos, muito sérios e muito pomposos, mas, nestes quatro anos em que exerci o humilde cargo de Grão Mestre, aprendi que o essencial do nosso currículo é sempre o que não se escreve, porque fica agarrado às pequenas coisas que fazemos no dia a dia, mesmo as mais pequeninas.

São elas que nos revelam e definem, mas não somos capazes de as reproduzir ou descrever: os sorrisos, as ajudas, as causas, o amor, as condutas, atitudes, a cidadania que nos exige de corpo e alma inteiros, sempre e em cada lugar, a defesa plena da liberdade! O que se segue não passa de intervalos, nem sempre muito relevantes, entre estas pequenas coisas que realmente contam para construir felicidade, vidas e sociedades.

Albert Camus escreveu, sobre a passagem dos anos:

"Envelhecer é o único meio de viver muito tempo. Envelhecer é passar da paixão para a compaixão. Aos vinte anos reina o desejo, aos trinta reina a razão, aos quarenta o juízo. O que não é belo aos vinte, forte aos trinta, rico aos quarenta, nem sábio aos cinquenta, nunca será nem belo, nem forte, nem rico, nem sábio... Quando se passa dos sessenta, são poucas as coisas que nos parecem absurdas. Os jovens pensam que os velhos são bobos; os velhos sabem que os jovens o são. A maturidade do homem é voltar a encontrar a serenidade como aquela que se usufruia quando se era menino. Nada passa mais depressa que os anos. Nos olhos dos jovens arde a chama, nos olhos dos velhos brilha a luz, mas é preciso que haja sempre um menino em todos os homens. Os anos é bom vivê-los, mas não tê-los."

Eu procurei viver estes quatro anos ao pleno serviço da nossa Augusta Ordem com a maior intensidade que me foi possível. Espero ter conseguido.

Por isso, meus irmãos, o que quer que façamos só é grande quando, de um ponto de vista nosso, alguém possa dele dizer: não lhe serviu para nada. Apenas aquilo que consegue ascender para lá do umbigo, da barriga, da economia imediata e do utilitarismo é também o que consegue chegar ao patamar mais alto da alma humana.

E nada mais me apraz dizer-vos. Agora resta-me proceder como Catão, velho general romano que, depois de ter sido chamado pelo senado a fazer a guerra pelo seu país, deixou a sua lavoura e respondeu ao chamamento. Foi, conduziu as tropas e ganhou a guerra aos Volcos e aos Equos. Mas no regresso não se atardou a receber honrarias, voltou para a sua lavoura, apertou de novo a rabiça do arado, deu uma palavra mansa à sua junta de bois e continuou de novo a lavrar a terra.

Sou eterno aprendiz, é a minha sina, por isso, aqui me tendes à Ordem do Muito Respeitável Grão Mestre Armindo Azevedo, à Ordem dos meus Irmãos.

E era esta a mensagem simples que neste equinócio queria partilhar convosco, através da força dos afetos, da palavra e dos valores, e, deles imbuídos, continuaremos o nosso caminho, unidos e fortes, humildemente, harmoniosamente, assumindo a plenitude universal da Maçonaria, para continuar a consolidação e edificação da nossa Augusta Ordem, a bem da Humanidade, à Glória do Grande Arquiteto do Universo.

Júlio Meirinhos
Gráo Mestre

29 julho 2018


Projeto de unidade

Teremos em Setembro um novo “VM” tal como teremos um novo “GM”. Posso pensar que é a Maçonaria Regular a renovar-se e será bom que seja. É mesmo muito bom que seja. Não vou adiantar nada agora sobre uma coleção de “arestas” que tenho sentido (se calhar por desajuste da minha sensibilidade) mas que tenho sentido nestes últimos tempos do meu reconhecimento maçónico.
E para o caso de, desta vez, ter razão, resolvi alinhar um desafio interno (RLMAD)… mas que rapidamente e salutarmente se poderá expandir.

I -
Nenhuma organização justifica a sua existência sem objetivos, ou pelo menos, sem um objetivo. Tenho tentado ao longo dos anos, bem acompanhado diga-se, para que a RLMAD defina ano a ano um objetivo para o ano do Veneralato, objetivo que receba a adesão do interesse dos Irmãos, que os ligue mais, que os aproxime, que faça deste conjunto uma família de facto… tanto quanto possível. Mesmo sendo uma utopia alguma coisa fica sempre de bom nessa aproximação. E falo-vos do que já experimentei. Durante anos a  MAD manteve projetos de trabalho que anualmente se renovavam e que fizeram da MAD aquilo que quase deixou de ser há 4 ou 5 anos. Houve um belo ensaio há 3 anos (lembram-se dos óculos para Moçambique ?) que se finou aí. Não sei porque não teve continuidade… mas não teve.
Nada impede que regressemos agora, com sangue novo, ativo e imaginativo, a essa condição.
Vou ler 3 extratos condensados de um livro do Valter Hugo Mãe (“A Máquina de Fazer Espanhois”):
 
 
a laura morreu, pegaram em mim e puseram-me no lar com dois sacos de roupa e um album de fotografias. depois, nessa mesma tarde, levaram o álbum porque achavam que ia servir apenas para que eu cultivasse a dor de perder a minha mulher. depois, ainda nessa mesma tarde, trouxeram uma imagem da nossa senhora de fátima e disseram que, com o tempo, eu haveria de ganhar um credo religioso, aprenderia a rezar e salvaria assim a minha alma. e um médico respondeu, a verdade é que ficam mais calmos. achei que era esperado de mim um desespero motor. digo motor para dizer de acção. algo como partir coisas, revirar os moveis, agredir fisicamente os funcionários, os enfermeiros que me poderiam prender. o quarto pequeno é todo ele uma cela, a janela não abre e, se o vidro se partir, as grades de ferro antigas seguram as pessoas do lado de dentro do edifício. pus-me a olhar para o chão, com ar de entregue. estou entregue, pensei. aos meus pés os dois sacos de roupa e uma enfermeira dizendo coisas simples. convencida de que a idade mental de um idoso é, de facto, igual à de uma criança. o choque de se ser assim tratado é tremendo.
no sétimo dia, o doutor bernardo pediu-me que passasse pelo seu consultório e perguntou-me como me sentia. disse-lhe que estava bem, que o lar correspondia a um grau de qualidade admirável e que eu estava bem. ele informou-me de que a elisa, o meu genro e os meus dois netos viriam visitar-me e quis saber se isso não me seria difícil. achei muito estranho que mo perguntasse, esperaria que nos primeiros tempos de uma experiência assim toda a proximidade de família com o idoso seria benéfica. contudo, encontrava-me ali com a obrigação de lhe dizer que sim ou que não, e pensei o suficiente para trazer ao cima o pior de mim. disse que não. que não estaria disposto a receber a minha família porque precisava de tempo para esquecer a perda da laura e a necessidade de deixar a minha casa, não queria sentir que tudo prosseguia sem mim. ainda não. o doutor bernardo percebeu as tremuras nas minhas mãos, um nervosismo que se começava a descontrolar e respondeu, claro, senhor silva, não se preocupe. é compreensível. está a libertar-se de muita coisa e precisa de tempo, é perfeitamente normal. eu estava a libertar-me de tudo. tinha dois sacos de roupa e uma nossa senhora de fátima miserável e mais nada. estava livre de tudo, como é óbvio. (*)
 
Diz-se, diz a chamada comunicação social, alegadamente reproduzindo conversas, estatísticas, estudos alegadamente oficiais… que Portugal tem a sua população envelhecida. Que há cada vez mais “velhos” e cada vez menos “novos”, seja qual for a definição de velho e de novo.
Eu aproveito estas vésperas de férias para vos deixar este sublinhado.
 
“Os Velhos” deste país ! Haverá alguma coisa a fazer ? Os Maçons podem fazer alguma coisa ?
Não é a Maçonaria, são os Maçons ! Podem fazer alguma coisa ?
II –
Aquilo que aqui sublinho relativamente aos “Velhos” é um 1º ponto de sublinhado.
Quanto às crianças deste país ?  Bébés e crianças com 2, 3, … 7, 8, … anos. Poder-se-á fazer alguma coisa ?
O que acontece a estas crianças ? Ficam onde ? Com quem ? Em que condições ?

Será que os Maçons podem fazer alguma coisa ? Não é a Maçonaria, são os Maçons ! Podem fazer alguma coisa ?
 
III –
Os homens e as mulheres desempregados, mas que querem trabalhar.
Os que dormem no chão de Sta. Apolónia, aqui tão perto… ou no adro de igrejas, ou debaixo das colunas do Terreiro do Paço, ou pura e simplesmente sentados num banco de jardim (um saltinho ali aos “Anjos” a vê-los)…

Será que os Maçons podem fazer alguma coisa ?
Não é a Maçonaria, são os Maçons ! Podem fazer alguma coisa ?

Se  calhar não vale a pena inventar a roda. Mas há muitas organizações no terreno que apenas procuram ajuda para poderem fazer o seu trabalho de apoio, quiçá de reabilitação de muita gente, de muitas situações que existem e não deviam existir. Se a Humanidade é alguma coisa nobre no reino animal, então tentemos que os Homens não existam como bichos.
Há tanto para fazer por esse mundo… e até aqui bem ao pé da porta…
Salvar a Humanidade é trabalho do GADU.
Salvar a esperança a um Homem é trabalho nosso.

 (*) – O texto está transcrito em formato de obediência exata (pelo menos foi essa a intenção) do original de Valter Hugo Mãe.
 Lisboa, 25/julho/6018
J.Paiva Setúbal
(M:.M:.)






05 julho 2018

Jerônimo Borges (1942-2018) - In memoriam


Não o conheci pessoalmente. Nunca falei com ele de viva voz. Trocámos algumas mensagens de correio eletrónico e acompanhávamos mutuamente os respetivos trabalhos publicados em relação à Maçonaria. Tanto bastou para que nutrisse por ele um grande respeito e consideração. Partiu ontem para o Oriente Eterno. É mais um insubstituível que teremos de aprender a substituir!

Jerônimo Borges, brasileiro de Santa Catarina, não perdia uma oportunidade de gabar a sua Florianópolis. Foi juiz e foi maçom. Quando se aposentou da magistratura, entendeu por bem passar a aproveitar o tempo que passara a ter disponível para criar e manter, durante anos, o que será, durante muito tempo, um marco da imprensa maçónica em língua portuguesa, o informativo maçónico JB News. Durante anos, diariamente caía nas caixas de correio eletrónico de todos os que se tinham inscrito para receber, o número dessa jornada do JB News. Dia após dia. De inverno e de verão. Em época de trabalho e em período de férias. Em dias de trabalho e em dias de descanso. O JB News, durante anos, era algo que todos os seus subscritores tinham por certo.

Nas colunas do JB News se publicou, em língua portuguesa, muito do que de bom se produziu relativamente à Arte Real. Foi através do JB News que alguns maçons europeus tomaram conhecimento do muito que, com qualidade, se estudava e escrevia sobre Maçonaria no Brasil. Foi através do JB News que muitos Irmãos brasileiros conheceram algo do que sobre Maçonaria se produz em Portugal.

Como editor do JB News, Jerônimo Borges foi um exemplo de qualidade e persistência. Notável como, durante anos a fio assegurou, sozinho com o seu teclado e o seu computador, a edição e difusão diária do informativo. Mesmo em férias, não folgava: estivesse onde estivesse, só precisava de uma ligação à Internet para enviar o exemplar do dia... Quando viajava, providenciava pelo envio antes de partir ou depois de chegar. Quando, apesar de tudo, não conseguia a diária publicação, no dia seguinte enviava dois números, um do dia em atraso e outro do próprio dia. 

O JB News foi claramente uma paixão, um projeto concebido e executado com gosto. Há uns anos, anunciou que ia deixar de publicar o JB News. Nada que me admirasse. Editar e enviar o informativo, dia após dia dia, ano após ano, só podia esgotar o mais pintado... E a família deveria formular crescentes protestos... E a idade certamente começaria a pesar... E a saúde a dar sinais de fraquejar... Mas o anúncio causou um clamor tal, um tão grande coro de pedidos de reconsideração, que voltou atrás. A paixão continuou ainda a vencer a razão. Por mais algum tempo, não muito, que a realidade impõe-se sempre ao desejo. Um ou dois anos depois, teve de reconhecer que era tempo de parar. Ainda terá tido a ilusão de que o seu JB News poderia ser continuado por outros, em frequência diária ou semanal. Debalde: Jerônimo Borges só havia um... E desfrutar do JB News ers fácil. Editá-lo e distribuí-lo era mais difícil...

Tive a honra de ser convidado por Jerônimo Borges para ser um dos "cronistas residentes" do JB News, na fase final deste. Uma breve troca de mensagens bastou. Combinámos até quando lhe deveria enviar os textos e tudo ficou acertado, Semanalmente, enviava o meu texto. Dois dias depois, no dia acertado lá estava ele publicado. Assim foi até que o Irmão Jerônimo teve de pôr um ponto final no JB News.

Esta publicação ficará como um repositório de muito do que de bom se publicou sobre Maçonaria em língua portuguesa. Alguns - muitos - contribuíram com os seus textos. Um, o Irmão Jerônimo Borges, concebeu, executou e manteve todo o projeto!

Com a cessação da publicação do JB News, parecia que o Irmão Jerônimo se retirara destas lides. Pura ilusão! Poucas semanas volvidas, apareceu, sob sua edição, o ACML News, informativo da Academia Catarinense Maçônica de Letras, que integrava. Sem periodicidade fixa, com um conteúdo mais específico, foi, nitidamente, o alimentar do bichinho do Irmão Jerônimo e a oportunidade de mantermos algum contacto com ele. Há algum, não muito, tempo, dei conta que passara já um anormalmente longo período sem receber o ACML News. Pelos vistos, agora sei porquê...

Jerônimo Borges integrou a Loja Alferes Tiradentes, n.º 20 da Grande Loja de Santa Catarina. Foi também, pelo menos, membro correspondente da Loja Francisco Xavier Ferreira de Pesquisas Maçônicas, a Chico da Botica. Foi, sobretudo, um eminente maçom e um excelente ser humano!

Nesta hora em que se consumou a saída deste plano de existência do Irmão Jerônimo Borges, deste lado europeu do Atlântico deixo-lhe a minha homenagem de admirador da sua obra. À sua família, dedico uma palavra de conforto. A todos os maçons, formulo uma exortação de que tenham bem presente o seu exemplo!

Rui Bandeira

04 julho 2018

Os sete brindes rituais

Após o final das sessões rituais em Loja, segue-se habitualmente o ágape, no qual se bebe vinho, e com ele se fazem brindes, sendo que o vinho na Maçonaria tem um valor simbólico, que varia em função de cada rito ou ritual.

Tradicionalmente, os maçons designam os copos usados nestes brindes como “canhões” e há exemplos históricos de peças de vidro ou cristal criadas especificamente para este fim, que são autênticas obras de arte.

 “Canhões” usados pelos Maçons

Os brindes maçónicos são sempre feitos com vinho tinto, (pólvora negra) e de pé. Os copos (canhões) são levados à boca de forma pausada. Com excepção dos dois últimos brindes, a resposta ao brinde é dada pelos maçons presentes, de pé, empunhando os seus canhões e proferindo, antes de beberem um pouco: “Fogo“. No brinde às senhoras e no 7º brinde, as expressões utilizadas são respectivamente “ás Senhoras” e “A todos os maçons”.

Qualquer das sessões de Loja ou de Grande Loja, é realizada em espaços privativos ou reservados. Os ágapes maçónicos decorrem em locais recatados e discretos, utilizando terminologia ritual, embora também possam efectuar-se em restaurantes públicos.

O momento em que é feito cada brinde é estabelecido por quem dirige o ágape e é dirigido pelo Mestre de Cerimónias, se estiver designado. Quem dirige o ágape convida irmãos para efectuarem cada um dos brindes, que são iniciados por “Meus II:., convido-vos a carregar os canhões e a levantarem-se para o “..º” brinde. Por ordem do V:. M:. (se for ele a presidir), meus II:. juntem-se a mim para brindar…“:
  1. A Sua Excelência o Presidente da República,  (o nome de quem, no momento, exerce a função).
  2. A todos os Soberanos e Chefes de Estado que protegem a Maçonaria (isto é, de todos os países em que é legal e lícita a prática da Maçonaria, pois a única protecção que a Maçonaria reclama dos poderes públicos é a da Lei).
  3. Ao Muito Respeitável Grão-Mestre.
  4. Aos Grandes Oficiais.
  5. Ao Venerável Mestre.
  6. Às Senhoras.
  7. A todos os maçons.
NOTA: Quando não estiverem presentes Grandes Oficiais em funções, mas participarem visitantes no ágape, o quarto brinde é dedicado ao Venerável Mestre da Loja e o quinto aos visitantes. Quando nem Grande Oficiais em funções nem visitantes participem no ágape, o quarto brinde é dedicado ao Venerável Mestre e o quinto aos Oficiais da Loja.

O sétimo brinde é por vezes denominado de brinde das 11 horas, que evidencia pela posição dos ponteiros, o aspecto de um compasso prestes a fechar-se, o que ocorre à meia-noite pela sobreposição dos ponteiros.

Neste brinde, o Grão-Mestre (ou Venerável Mestre) permanece sentado, e o maçon mais jovem (ou o aprendiz mais recente) coloca-se de pé imediatamente por detrás, coloca a sua mão esquerda no ombro direito daquele, ergue a sua taça e profere a saudação: “A todos os Maçons espalhados pelo Globo, na Terra, no Mar ou no Ar, desejamos uma rápido restabelecimento para os seus sofrimentos e um pronto regresso a suas casas, se esse for o seu desejo”.

Todos os maçons presentes, de pé, erguem então os seus “canhões” com vinho, e respondem em uníssono: “A todos os maçons”.

Em algumas ocasiões, quem preside ao banquete maçónico pode retribuir este brinde. Levanta-se, e de frente para o aprendiz, estando este com a taça erguida, toca-a com a sua, e declara: “meu irmão, eu não sou mais do que tu”; de seguida tocam-se outra vez as taças, e declara: “meu irmão , tu não és menos do que eu”; depois, pela terceira vez, tocam-se as taças, e declara: “meu irmão, tu e eu somos iguais, bebamos juntos”. De seguida, entrelaçam os braços e bebem simultaneamente.

Os maçons presentes saúdam este final com uma salva de palmas.

Compilado de diversas origens, incluindo este Blog.
António Jorge

28 junho 2018

As perseguições à Maçonaria


Ao longo dos últimos 300 anos a maçonaria passou por perseguições de toda a ordem. Políticas, religiosas, culturais e étnicas. Assim, resolvi apresentar uma breve reflexão sobre a perseguição á maçonaria antes da II Guerra Mundial, e durante a mesma, sumarizando os tempos difíceis pela qual a maçonaria passou nos meados do século XX.

O rol de perseguições á nossa augusta ordem foi enorme e de toda a espécie. Durante as primeiras décadas do século XX essa perseguição atingiu uma particular violência um pouco por toda a Europa.
Começando no primeiro regime Fascista da Europa, na Hungria em 1919 com Bella Kun, e prosseguindo com o regime Fascista de Mussolini em 1923, esses tempos difíceis na maçonaria propagaram-se também a Portugal e a Espanha.

Por exemplo, mesmo aqui ao lado durante, e após, o termo da Guerra Civil Espanhola, o Generalíssimo Franco promulgou em 1940 a Lei de Repressão contra a Maçonaria e o Comunismo. Aliás, Franco atribuía frequentemente todos os males que padecia Espanha ao complot Judaico Maçónico, como se pode testemunhar ainda no seu último discurso feito em Madrid em 10 de Janeiro de 1975.



Das muitas perseguições que a maçonaria sofreu no último século, posso destacar a perseguição sobre o jugo nazi e as coincidências temporais pela qual a maçonaria foi também perseguida em Portugal.
Quando Hitler chegou ao poder em 1933, a sua política estava bem definida, pois já no seu livro "Minha Luta", Hitler dizia que “a maçonaria sucumbiu aos judeus e converteu-se num excelente instrumento para combater pelos seus interesses […]”.

No entanto os esforços para eliminar a maçonaria não eram a sua primeira prioridade. Mas, e após o estabelecimento e fortalecimento das bases do regime nacional-socialista, a perseguição chegou às portas das lojas. Primeiramente, as lojas que defendiam a tolerância, a igualdade, e que de algum modo estavam ligadas aos sociais-democratas ou liberais, foram sujeitas a perseguições e eram pressionadas para abater colunas "voluntariamente".

Nessa primeira fase, durante o ano de 1933 aquelas lojas mais conservadoras, e que estavam dispostas a acomodar-se ao regime, ainda puderam funcionar durante mais algum tempo.

No entanto, os nacionais socialistas desde bem cedo pretenderam excluir de cargos públicos todos aqueles mações que se recusavam a renunciar á maçonaria.

A situação mudaria radicalmente no início de 1934 quando Roland Freisler (Juiz Nazi e Ministro da Justiça do Terceiro Reich) criou o "Volksgerichtshof" (Tribunal do Povo), que não era nem mais nem menos que um tribunal político pelo qual os nacionais socialistas tentavam controlar a população através de penas desproporcionadas e brutais.

Roland Freisler decidiu em Janeiro de 1934 que os maçons que não deixassem as suas lojas até 30 de janeiro desse ano, não se poderiam filiar no Partido Nacional Socialista. Ainda no mesmo mês, Hermann Goering na altura ministro do Interior da Prússia emitiu um decreto ordenando que as lojas se dissolvessem "voluntariamente", e exigindo que essas acções "voluntárias" lhe fossem submetidas para a sua aprovação.

Além disso, as lojas foram atacadas em toda a Alemanha por unidades locais da S.A., que destruíram os templos, e seus recheios. Isto tudo somado á crescente pressão, sobre os funcionários públicos suspeitos de pertencerem á maçonaria (Magistrados, Professores, Militares), levou a que fosse desferido um duro golpe na nossa Ordem.

Ainda em Maio de 1934, o Ministério da Defesa Alemão proibiu a maçonaria, a todo o seu pessoal militar, e civil. Os funcionários estavam proibidos de aderir ou pertencer a qualquer loja maçónica. Nesse Outono de 1934, depois de Himmler e Reinhard Heydrich tomarem as rédeas da Gestapo, a polícia Alemã fechou muitas lojas e confiscou os seus bens.

Entretanto em 28 de Outubro de 1934, o Ministro do Interior do Reich, Wilhelm Frick, emitiu um decreto em que considera as lojas como "hostis ao Estado". Ao serem declaradas hostis ao Estado as lojas  sujeitavam-se a ficar com os seus bens apreendidos.

Só por curiosidade, em Portugal o então deputado José Cabral, Director-Geral dos Serviços Prisionais, apresenta, em 19 de Janeiro de 1935, na Assembleia Nacional, o projecto de lei n.º 2, visando a extinção das associações secretas. O projecto adoptava uma definição de associação secreta que tinha em vista atingir a maçonaria. Enfim coincidências...

Finalmente, em 17 de Agosto de 1935, citando a autoridade de "O Decreto do Fogo do Reichstag (Reichstagsbrandverordnung)*”, Frick ordenou que todas as Lojas restantes fossem dissolvidas e seus bens confiscados.

Também em Portugal em 27 de Março de 1935 a Câmara Corporativa emite um parecer favorável à aprovação do projecto de lei, nº 2 num extenso parecer subscrito por Domingos Fezas Vital, Afonso de Melo, e Gustavo Cordeiro Ramos. A 21 de Janeiro de 1937 foi emitida uma portaria (baseada na lei nº 1901), que dissolve o Grémio Lusitano (Associação profana que suporta o Grande Oriente), e a lei nº 1950 que entrega todos os bens do Grémio Lusitano á Legião Portuguesa.

Ainda em 1935 Reinhard Heydrich Chefe da Polícia de Segurança e do S.D.** dizia que os Maçons, os Judeus, e o Clero, eram os "inimigos mais implacáveis da raça alemã". Afirmava convictamente que era necessário erradicar de todos os Alemães a "influência indirecta do espírito judaico", pois para ele essa influência, "era um resíduo infeccioso Judeu, Liberal e Maçónico, que contaminava acima de tudo o mundo académico e intelectual".

Heydrich criou uma secção especial do Serviço de Segurança SS, Secção II /111, para enfrentar e exterminar especificamente a Maçonaria. O S.D. estava muito interessado neste tema, pois acreditava, que a maçonaria exercia um poder político real, e que controlava a opinião pública através da Imprensa, o que significava que a maçonaria, estaria em condições de fomentar a subversão e a revolução.

Mais tarde a RSHA*** uma mistura de S.D. e de Policia de Segurança formada em 1939 assumiu a secção dedicada á investigação da maçonaria.

No entanto a seguir aos anos tempestuosos de 1934, a 1936 e com a Alemanha a preparar-se para a guerra nota-se em 1937 e 1938, um alívio sobre a maçonaria.

Hitler amnistia alguns membros que renunciaram á maçonaria em Abril de 1938, e foram decididas algumas reintegrações nos serviços do Estado caso a caso. Após a II Guerra Mundial começar em 1939, muitos ex-maçons que tinham sido obrigados a aposentarem-se regressaram ao serviço público, sendo levantada a proibição de ex-maçons servirem na Wehrmacht (Forças Armadas Alemães), inclusivamente como oficiais. No entanto o Partido Nacional Socialista continuou a proibir os ex-maçons a aderirem às suas fileiras embora tenham havido algumas excepções depois de 1938.

Após conquistarem a Europa em 1940, e nos países aonde estabeleceram um regime de ocupação, os Alemães dissolveram as organizações maçónicas e confiscaram os seus bens e documentos.

Assim, alguns dos parceiros Alemães do Eixo decretaram medidas policiais e de segregação desfavoráveis aos maçons. Um exemplo claro desta política é o decreto proferido em agosto de 1940, pelo regime Francês de Vichy. Esse decreto afirmava que os maçons eram inimigos do estado e permitiam a vigilância policial a todo e qualquer maçon. Isso levou a que as autoridades Francesas do Regime de Vichy criassem um arquivo onde estavam identificados todos os membros do Grande Oriente da França, uma das principais organizações Maçónicas francesas;



Quanto ao modo de actuar dos Alemães nas zonas ocupadas, era o seguinte:

Depois de fecharem uma Obediência apreendiam a lista de membros, bibliotecas, mobiliário e outros artefactos culturais. Os itens apreendidos eram enviados para a agência alemã apropriada, principalmente o S.D. e mais tarde, o RSHA.



Também, como parte de sua campanha de propaganda contra a maçonaria, os nazistas e outras organizações de direita locais, montaram exposições antimaçónicas em toda a Europa ocupada. Assim, um pouco por toda a Europa a Alemanha, montou várias exposições, como a de Paris em outubro de 1940, e a de Bruxelas em fevereiro de 1941. Exibindo rituais maçónicos e artefactos culturais roubados de lojas, essas exposições visavam ridicularizar e dirigir o ódio contra os maçons e aumentar os temores de uma Conspiração Judaico-Maçónica.

Além disso a propaganda Alemã durante e guerra, sempre acusou os judeus e os maçons de terem provocado a Segunda Guerra Mundial e serem responsáveis pelas políticas do presidente dos EUA Franklin Delano Roosevelt, que foi identificado como maçon.

Em 1942, Alfred Rosenberg**** foi autorizado por um decreto de Hitler a realizar uma "guerra intelectual" contra os judeus e os maçons. Assim, Hitler concedeu uma autorização a Rosenberg, de livre acesso a todos os arquivos e bibliotecas maçónicas, de modo a ter informação e conhecimentos suficientes para continuar "a luta intelectual e metódica", que era necessária para vencer a guerra.
Aquando do fim da Segunda Guerra Mundial, foram capturados aos Alemães enormes quantidades de arquivos e bibliografia maçónica que tinham sido apreendidas pelas autoridades Alemãs. Esse material foi capturado pelos aliados e enviado quer para Moscovo (importante arquivo capturado na Silésia), quer para Washington e Londres.

Desde o fim da Guerra Fria, muitas colecções relacionadas com a maçonaria foram restituídas aos países de origem, enquanto outras continuam a ser mantidas em armazéns no estrangeiro.

Honestamente é difícil determinar quantos Irmãos morreram durante o regime nacional-socialista apenas por serem maçons, mas uma estimativa conservadora aponta que os números de maçons Alemães que foram executados ou morreram em campos de concentração foram cerca de 80 000. Já, em todos os países ocupados estima-se que tenham morrido há volta de 200 000 maçons.

Por incrível que pareça a II Guerra Mundial além de derrotar o nacional-socialismo veio dar um novo sopro de vida á maçonaria principalmente nos Estados Unidos como explica William J. Jones de Villa Grove, (quinquagésimo terceiro Grão-Mestre do Estado de Illinois, 2000-2003).  Segundo ele, "Após o final da guerra muitos dos homens que combateram além-mar juntaram-se á maçonaria. Eu penso que os veteranos experimentaram uma grande comunhão de objectivos e princípios com os seus camaradas quando estavam no serviço além-mar. Na Guerra eles estavam juntos, com outros homens, e sentiam um parentesco próximo, uma verdadeira irmandade. Quando chegaram aos Estados Unidos, não encontraram esse mesmo sentimento de irmandade que sentiam quando estavam além-mar, e reflectindo chegaram á conclusão que gostariam de se juntar a uma fraternidade, a uma organização masculina, para que pudessem ter uma comunhão semelhante ao que tinham tido quando estavam em serviço além-mar."

O exemplo disso é o do Estado de Illinois. Entre 1940 e 1950 a maçonaria ganhou 55751 novos Irmãos. É caso para dizer que o nacional-socialismo e o fascismo perderam em todos os sentidos para a maçonaria.



JBO
M:. M:. da R:. L:. Mestre Affonso Domingues em Fevereiro 2016

FONTES:

NOTAS:

  • * Ordem do Império Presidente para a Proteção de Pessoas e EstadoCom base no artigo 48, parágrafo 2, da Constituição do Reich, prescreve-se o seguinte para a defesa contra os actos de violência comunistas que prejudicam o estado: com base em actos de violência comunistas que acabam com o estado: § 1º. Os artigos 114, 115, 117, 118, 123, 124 e 153 da Constituição do Reich alemão serão suspensos até novo aviso. É, portanto, restrições à liberdade pessoal, ao direito à liberdade de expressão, incluindo liberdade de imprensa, direitos de associação e reunião, intervenções no segredo postal, postal, telegráfico e telefónico, ordens de busca e apreensão de casas e restrições de propriedade, mesmo fora dela de outra maneira permitida por lei. § 1. Os artigos 114, 115, 117, 118, 123, 124 e 153 da Constituição do Reich são suspensos até novo aviso. [Habeas corpus], liberdade de opinião, incluindo a liberdade de imprensa, a liberdade de organizar e reunir, a privacidade das comunicações posta, telegráficas e telefónicas. Os mandados para pesquisas domiciliares, ordens de confisco e restrições de propriedade são, portanto, permitidos além dos limites legais prescritos de outra forma.
  • **Sicherheitsdienst (alemão: [zɪçɐhaɪtsˌdiːnst], Serviço de Segurança), o título completo Sicherheitsdienst des Reichsführers-SS (Serviço de Segurança do Reichsführer-SS), ou SD, foi a agência de inteligência das SS e o Partido Nazista na Alemanha nazista. A organização foi a primeira organização de inteligência nazista a ser estabelecida e foi considerada uma organização irmã com a Gestapo, que a SS se infiltrava muito depois de 1934. Entre 1933 e 1939, o SD foi administrado como um escritório SS independente, após o qual foi transferido para a autoridade do Reich Main Security Office (Reichssicherheitshauptamt; RSHA), como um dos seus sete departamentos / escritórios. O Seu primeiro diretor, Reinhard Heydrich, destinado ao SD a trazer cada indivíduo dentro do alcance do Terceiro Reich sob "supervisão contínua".
  • *** O Reichssicherheitshauptamt, (em português Gabinete Central de Segurança do Reich) abreviado como RSHA, era o órgão do Partido Nazista que controlava as polícias, segurança alemãs e administração das mesmas no período de 1939, quando foi criada, até 1945.
  • **** Alfred Rosenberg (Reval, 12 de janeiro de 1893 — Nuremberg, 16 de Outubro de 1946) foi um político e escritor alemão, sendo o principal teórico do nacional-socialismo, sintetizado na obra O Mito do Século XX (Der Mythus des zwanzigsten Jahrhunderts, 1930). Conselheiro de Adolf Hitler, chegando a ser ministro encarregado dos territórios da Europa Oriental, em 1941, onde deportou e exterminou centenas de milhares de pessoas, principalmente judeus. O Tribunal de Nuremberg (ou Nuremberga) condenou-o à morte por enforcamento, pelos crimes de guerra.