Ao estudar a diversidade das populações, os matemáticos descobriram um facto curioso: muitas das populações, quando ordenadas por uma das sua dimensões - como o peso, a altura, ou mesmo a distância entre os olhos - distribuíam-se de acordo com uma curva em forma de sino, como a que pode ver-se na imagem que ilustra este texto. O ponto mais alto da curva corresponde ao valor médio, e as "pontas" correspondem aos valores que mais se afastam da média. No gráfico em causa, vemos a distribuição do QI (Quociente de Inteligência) de uma população. Sendo 100 o QI médio, vemos que podemos encontrar 68,2% (34,1 + 34,1) da população - mais de dois terços - entre os 85 e os 115. Entre os 70 e os 130 encontramos já 95,4% (13,6 + 34,1 + 34,1 + 13,6), o que significa que um pouco mais de 19 em cada 20 pessoas se encontram neste intervalo. Entre os 130 e os 145 encontramos 2,2% da população - tantos quantos encontramos entre os 55 e os 70. Mas é acima dos 145 (e abaixo dos 55...) que encontramos os grupos mais reduzidos: 0,1%. Um em cada mil. Os melhores - e os piores... - são sempre raros. Fácil é ser-se mediano. A este tipo de distribuição chama-se "distribuição normal", e a sua universalidade tem uma explicação matemática. Uma vez que o saber não ocupa lugar, e o conceito até é fácil de abarcar, vamos a ele.
Tomemos um dado de jogar: um cubo, com 6 faces, em cada uma das quais está inscrito um certo número de pintas: 1, 2, 3, 4, 5 ou 6. A probabilidade de cada face ficar por cima é igual para todas as faces. Suponhamos agora que lançamos o dado uma centena de vezes. é natural que "saia" cada um dos números o mesmo número de vezes - entre 16 e 17, uma vez que 100/6 = 16,666666. Até aqui, nada de novo.
As coisas começam, porém, a tornar-se interessantes se decidirmos lançar de cada vez não um mas dois dados, e registar a soma das pontuações. Podemos obter qualquer número de 2 a 12, inclusive, num total de 11 resultados diferentes, correspondentes respetivamente de um par de "uns" a um par de "seis". A probabilidade de se obter qualquer desses números é que não é igual. Senão, vejamos: para se obter "2" tem que se obter 1 no primeiro dado e 1 no segundo dado; não há outra forma. Já para se somar 3, podemos ter 1 no primeiro dado e 2 no segundo (1+2), ou 2 no primeiro dado e 1 no segundo (2+1). Pode, do mesmo modo, somar-se 4 com 1+3, 2+2 ou 3+1. A soma "7" pode ser obtida com 1+6, 2+5, 3+4, 4+3, 5+2 ou 6+1, ou seja, de seis formas distintas! Diz-se, por isso, que a probabilidade de obtermos "7" é 6 vezes maior do que a de obtermos "2". Se somarmos o número de formas que nos permitem obter um dado número, ficamos com:
Total de "2": 1 (1+1)
Total de "3": 2 (1+2, 2+1)
Total de "4": 3 (1+3, 2+2, 3+1)
Total de "5": 4 (1+4, 2+3, 3+2, 4+1)
Total de "6": 5 (1+5,2+4, 3+3, 4+2, 5+1)
Total de "7": 6 (1+6, 2+5, 3+4, 4+3, 5+2, 6+1)
Total de "8": 5 (2+6, 3+5, 4+4, 5+3, 6+2)
Total de "9": 4 (3+6, 4+5, 5+4, 6+3)
Total de "10": 3 (4+6, 5+5, 6+4)
Total de "11": 2 (5+6, 6+5)
Total de "12"": 1 (6+6)
Se lançarmos os dados cem vezes, é natural que obtenhamos a soma "7" cerca de seis vezes mais do que a soma "2". Os valores "2" e "12" são mais raros do que quaisquer dos restantes, ocorrendo em média uma vez em cada 36, enquanto que o valor "7" ocorrerá em média 6 vezes em cada 36, que é o mesmo que dizer 1 vez em cada 6. Os valores de "5" a "9", que são menos de metade dos números possíveis, acumulam entre si 24 em cada 36 lançamentos - ou seja, dois terços, ou quase 67%.
Se repetirmos o mesmo exercício com 3 dados, depois com 4, e por aí fora, ir-nos-emos aproximando sucessivamente de uma distribuição normal. É isto mesmo o que nos diz o
"Teorema do Limite Central", de acordo com o qual
"a soma de muitas variáveis aleatórias independentes e com mesma distribuição de probabilidade tende à distribuição normal".
Em qualquer população heterogénea há, incontornavelmente, quem se situe no topo, como sucede com a nata do leite que, rica em gordura, flutua sobre este, e donde vem a expressão "a nata da sociedade". Do francês - em que
"crème" é, precisamente, a nata do leite - nos vem, precisamente, a expressão
"la crème de la crème", que significa os melhores de entre os melhores. As
elites, termo usado no século XVIII para nomear produtos de qualidade excepcional, viriam a constituir, por alargamento semântico do termo, grupos sociais superiores, tais como unidades militares de primeira linha ou os elementos mais altos da nobreza.
Quem tiver lido até aqui não estranhará, agora, ouvir-me dizer que as elites não são, no fundo, senão uma inevitabilidade matemática que tem na sua origem a própria diversidade humana. Se tomarmos como premissa que cada dimensão que procurarmos medir decorre de uma multiplicidade de fatores, podemos dizer que enquanto os homens forem diferentes haverá, para cada dimensão, uns grandes e outros pequenos, uns mais acima e outros mais abaixo, uns melhores e outros piores. As elites são, tão só, aqueles que se encontram junto ao limite superior da medida cujo critério tivermos estabelecido.
Paulo M.