25 outubro 2025

Ó malhão, malhão… que raio de malhete és tu?


Há expressões e músicas populares que se colam à memória e de repente ganham outro sentido quando aplicadas à nossa vida, até mesmo à nossa vida para além da profanidade. Foi isso que me aconteceu numa sessão, quando ao encostar o malhete ao peito me veio à mente a tradicional cantiga do malhão. "Ó malhão, malhão, que raio de malhete és tu? Um gesto tantas vezes repetido, quase automático, mas que me soou estranho. Porque fazemos isto? De onde vem? Que sentido tem? É ritual? Ou simplesmente foi um erro que se tornou hábito, que virou costume, fez-se tradição e adaptou-se como princípio? Nunca se valeu como norma, muito menos se fundamentou como Lei, Landmark.

O malhete, sabemos, é símbolo de autoridade e de comando. Marca decisões, ordena silêncios, abre e fecha trabalhos, mas quando um Vigilante o encosta ao peito, o gesto parece inverter o significado. Em vez de comando, submissão, em vez de palavra, silêncio. É aí que surge o paradoxo, porque no Ritual o malhete junto ao coração só aparece num contexto muito concreto, quando o Vigilante pede a palavra ou o faz sentado ou se entender em pé com o malhete junto ao peito. Nunca como sinal de estar “à ordem”. Ao transpormos esse gesto para outros momentos, fundimos dois planos que deveriam permanecer distintos. 

O nosso Ritual é claro ao afirmar que “ninguém se desloca em Loja à ordem”. A formulação é taxativa e não deixa espaço para dúvidas. Porém, em tantas Lojas é hábito os Vigilantes percorrerem as colunas com o malhete encostado ao peito, como se assim se mantivessem “à ordem”. Está aqui um paradoxo evidente sobre o que o Ritual proíbe e o costume transformou em norma tácita. É ritual? Ou simplesmente foi um erro que se tornou hábito, que virou costume, fez-se tradição e adaptou-se como princípio? Nunca se valeu como norma, muito menos se fundamentou como Lei, Landmark.

Curiosamente, o Ritual é minucioso em detalhes quando assim o entende. Na verificação das colunas, por exemplo, estabelece que o 1.º Vigilante cruza num sentido após encontrar o 2.º Vigilante no Ocidente. A excepção ao percurso é registada, mas não há qualquer excepção que autorize o uso do sinal “à ordem” com o malhete ao peito. Se fosse parte integrante, o Ritual tê-lo-ia inscrito, tal como fez para a marcha e outros casos. Mas não o fez. O que temos é apenas costume, não norma ritual.

Em algumas visitas que tive oportunidade de fazer a Lojas inglesas, observei um procedimento diferente e muito elucidativo, os Vigilantes percorrem as colunas sem qualquer sinal de “à ordem”, verificam com naturalidade, e apenas no momento solene em que comunicam o resultado ao Venerável Mestre se colocam verdadeiramente “à ordem” e fazem-no com o malhete pousado sobre a mesa, não encostado ao peito. 

Há ainda outra pergunta inevitável. O nosso Ritual é tão claro que até explica com detalhe como o maçon deve estar “à ordem” com espada. Se fosse suposto fazê-lo também com o malhete, não estaria igualmente registado? A ausência dessa instrução parece responder por si. É ritual? Ou simplesmente foi um erro que se tornou hábito, que virou costume, fez-se tradição e adaptou-se como princípio? Nunca se valeu como norma, muito menos se fundamentou como Lei, Landmark.

E há ainda um paradoxo mais profundo, de natureza simbólica. Estar “à ordem” é uma atitude pessoal, pertence ao maçon enquanto indivíduo. É dizer, de forma silenciosa, que está presente, atento, disponível. O malhete, pelo contrário, não pertence à pessoa, mas ao cargo. É instrumento de direcção, não de obediência. Misturar os dois gestos é confundir a submissão do maçon com a autoridade do oficial. 

Na Maçonaria, cada gesto é uma palavra silenciosa. Cada sinal é uma mensagem que transporta um ensinamento. Se confundirmos a linguagem, perdemos clareza simbólica, e a música que dá cadência à nossa Arte transforma-se em ruído. É como no próprio “Malhão”: se trocarmos os passos, a dança perde o compasso. E nesse momento resta-nos a pergunta que ecoa como refrão inevitável: 

É ritual? 

Ou simplesmente foi um erro que se tornou hábito, que virou costume, fez-se tradição e adaptou-se como princípio? 

Nunca se valeu como norma, muito menos se fundamentou como Lei, Landmark.


João B. M∴M∴ 

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