15 novembro 2025

Entre espiões, lojas e fantasmas

Andava eu a vaguear pelas internets, a ler as notícias, até que me deparei com mais um artigo de opinião a anunciar, com dramatismo as “ligações perigosas” entre maçonaria e os nossos serviços secretos. Daquelas notícias que de tempos a tempos, aparecem. Sempre com o mesmo titulo de a maçonaria exercer uma influência excessiva e colocar pessoas no topo.

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Pois bem, sejamos justos. Sim, é verdade que nós influenciamos excessivamente. Eu próprio o faço todos os dias. Influenciamos para que consigamos ser melhores, a crescer intelectualmente, a estudar mais, a trabalhar o carácter, a questionar preconceitos, e também a tentar, com maior ou menor sucesso, chegar ao dia de amanhã um degrau acima daquilo que fomos ontem, na nossa caminhada até ao nosso topo.


Se isto é influência excessiva, então assumo a culpa.

O artigo apresenta a “descoberta” de que vários responsáveis do SIS e do SIED, ao longo dos anos, passaram por lojas maçónicas, algo que, aparentemente, é notícia sempre que convém incendiar um pouco o imaginário popular. Recorda também as famosas “lojas de poder”, como a Mozart, a Mercúrio ou a Brasília, num tom entre o policial e o mitológico. Eu aqui tenho que discordar, pois a meu ver, mais poderosa que a RLMAD n5, a minha loja, não há. Mas esta é a minha humilde, mas poderosa opinião. 

O autor diz, por exemplo, que “a maçonaria atrai até os espiões” e que estas lojas tinham “objetivos estratégicos de intervenção social e política”. Acredito nesta parte de atrair espiões, penso que A maçonaria atrai pessoas curiosas, cultas, inquietas, atrai quem procura reflexão, filosofia, ética, simbolismo, camaradagem, silêncio interior e, sim, também debate civilizado.  E até aceito que se diga que debatam políticas, não partidárias, mas politicas importantes para a humanidade, filosóficas, civilizacionais, éticas e sociais, política no sentido clássico, ou seja, aquilo que molda a sociedade e o ser humano.

Agora se entre os maçons, há espiões, médicos, professores, militares, advogados, camionistas ou calceteiros… é porque somos um espelho (imperfeito) da sociedade. Nada mais. Na RLMAD, e isto talvez desiluda os mais ávidos de teorias, não há um único político, mas, nas cento e muitas lojas da maçonaria regular em Portugal, é óbvio que existirá de tudo: presidentes de câmara, secretários de estado, médicos, engenheiros, calceteiro, pedreiros e até desempregado, todos homens livres e de bons costumes.

A maçonaria não escolhe profissões, aceita pessoas.

Há também a velha tese de que a maçonaria vive num reino de sombras, reunindo-se secretamente em lugares misteriosos e maquiavélicos. Reunimo-nos discretamente, sim. Não para esconder algo obscuro, mas porque aquilo que cultivamos exige silêncio, interioridade e foco, é difícil “elevar o espírito” com jornalistas ou lives no Instagram. A discrição protege também os Irmãos da caricatura fácil, num país onde basta dizer “maçonaria” para acender fantasmas e suspeições. Se fôssemos totalmente públicos, autores como o do artigo em questão teriam matéria infinita para reduzir pessoas reais a personagens de conspiração. A discrição não oculta, preserva o essencial e evita que o trabalho humano e interior que fazemos seja transformado em ruído.

Por fim, o artigo conclui com a ideia de que, se o novo diretor do SIED for confirmado, teremos no topo das secretas portugueses vários “maçons adormecidos”. A palavra parece quase ameaçadora, “adormecidos”, como se estivessem prestes a acordar para tomar o país e em vez de Républica de Portugal, se tornasse a Maçonaria de Portugal.

O artigo é, no fundo, a velha narrativa de que a maçonaria é perigosa porque é discreta, que é poderosa porque é diversa, que influencia porque tenta educar e que tem segredos porque cultiva introspecção. Vistas pelo prisma individual de cada maçom, estas ideias até têm verdade:
- A discrição é “perigosa” porque, se se soubesse, o maçom poderia ser ostracizados pela sociedade.
- A diversidade é um poder real, o poder de escutar e aprender com mentes diferentes
- A influência existe, sim, mas é sobre nós próprios, na exigência de estudar e crescer.
- Os “segredos” não passam da nossa introspecção, que é só nossa, de mais ninguém.

A maçonaria regular portuguesa, com todos os seus defeitos e virtudes, continua a ser:

– um espaço de aperfeiçoamento,
– um laboratório de ideias,
– um lugar de tolerância activa,
– uma escola de liberdade,
– e uma comunidade de irmãos que tentam ser melhores do que eram.

Se isso incomoda, talvez o problema não esteja na maçonaria.

João B. M∴M∴ 

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