O oitavo Venerável Mestre
O oitavo Venerável Mestre, tal como ocorrera com José M. M., completou o mandato do seu antecessor e foi eleito e assegurou um novo, e agora completo, mandato. Porém, e até hoje, foi o único Venerável Mestre duas vezes eleito para essa função. Com efeito, José M. M. completara o mandato do seu antecessor por designação do Grão-Mestre; o oitavo Venerável Mestre, como bem lembrou aqui o José Ruah, foi, após a decisão da Loja, subsequente à cisão ocorrida em 1996/1997, de permanecer leal ao Grão-Mestre, regularmente eleito para completar o mandato de José Ruah que, pelas razões que estão explicadas no texto para que remete o atalho acima, entendeu renunciar ao seu mandato. Em Julho de 1997, na reunião normalmente agendada para eleições, foi reeleito para continuar a ocupar a Cadeira de Salomão entre Setembro de 1997 e igual mês de 1998, o que ocorreu.
Jean-Pierre G. foi o oitavo Venerável Mestre da Loja Mestre Affonso Domingues e, mais uma vez, a Loja teve a fortuna de ter o homem certo a dirigi-la no momento certo. Sendo, como o seu nome indica, de origem e cultura francesas, Jean-Pierre G. não possuía a fraqueza, tão comum nos portugueses, do "nacional-porreirismo". Como ele muitas vezes disse e repetiu, com ele "serviço é serviço, conhaque é conhaque", isto é, a amizade não colidia com o dever, a obrigação e o poder de dirigir impunham-lhe que tomasse as decisões que entendia certas, independentemente das amizades, e havia um tempo para folgar e um tempo para trabalhar. Tão simples como isto, mas tão saudavelmente distante de algumas das nossas atávicas idiossincrasias...
Assim, Jean-Pierre G. foi um Venerável Mestre que fez o que tinha a fazer. Recebeu uma loja escaqueirada pela cisão e não se lamentou - apanhou os cacos. Recebeu uma Loja amputada dos seus mais experientes quadros e não se apoquentou - trabalhou com os quadros que havia, que ganharam experiência em exercício. Recebeu uma Loja que perdera organização e não se desorientou - organizou-a.
Jean-Pierre G. foi o gestor de meios, de homens e de expectativas que a Loja precisava. Quando teve de ser autoritário, foi-o. Recordo-me de uma certa ocasião em que se debatia a limpeza do quadro de elementos que não compareciam a reuniões e não pagavam quotas. Um dos elementos em causa era um Grande Oficial, que exercia, e bem, e com dedicação e zelo, uma função importante e que era da particular confiança do Grão-Mestre. Absorvido nessas funções, há mais de um ano que não comparecia em Loja. A Loja hesitava. Era certo que há muito não vinha às reuniões. Mas era Grande Oficial... E de confiança do Grão-Mestre... E estava a fazer um bom trabalho... E era um tipo porreiro... Jean-Pierre G. viu no que aquilo ia dar e resolveu cortar a direito: tudo isso está muito bem, mas eu é que sou o Venerável Mestre e foi a mim que me encarregaram de decidir. Porreiro ou não porreiro, de confiança ou não, Grande Oficial ou não, o certo é que ultrapassou o período fixado para estar ausente da Loja e deve ter o mesmo tratamento que os outros, que aqui não há filhos e enteados - ou vem à próxima reunião ou até lá pede para mudar de Loja, senão, decide-se a sua exclusão e o Grão-Mestre que arranje outro Grande Oficial. E ponto final! Todos os elementos da Loja se entreolharam, mas todos meteram a viola no saco: realmente o Irmão estava em falta; e não havia nada nos regulamentos que justificasse que tivesse um tratamento de privilégio; e o Venerável Mestre fora eleito para decidir... Resultado: antes da reunião seguinte, o Secretário da Loja recebeu o formal pedido de transferência para outra Loja, onde era mais conveniente para esse Irmão comparecer, e o problema ficou resolvido!
Com Jean-Pierre G. a Loja aprendeu que a fraternidade não exclui o rigor, que a amizade não autoriza privilégios, que quando é tempo de trabalhar, é tempo de trabalhar. Se o caminho se faz caminhando, então é preciso caminhar, não apenas pensar em fazê-lo.
Tenho para mim que, naquela época, muito beneficiou a Loja em ser dirigida por alguém com uma mentalidade diferente, em que o rigor não era incompatível com a boa disposição. Com efeito, Jean-Pierre G. era e continua a ser um homem com um extraordinário sentido de humor, brincalhão e bonacheirão - mas só na hora do conhaque; na hora do serviço, faz-se o que se tem de se fazer, enquanto se tem de fazer.
Ainda hoje a Loja é um refúgio de boa disposição, de descontraída brincadeira entre Irmãos que se tornaram amigos e que facilmente integram e enturmam os novos. Mas ainda hoje a Loja, dir-se-ia que por reflexo adquirido no tempo do Jean-Pierre G., quando trabalha, trabalha - com rigor e espírito de procurar fazer o melhor possível e de ser hoje melhor que ontem, esperando que seja pior do que amanhã.
Rui Bandeira
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