O mandato do terceiro Venerável Mestre
A forma como foi construído o consenso removeu um grande escolho no caminho do novo Venerável Mestre. Mas as circunstâncias adversas acumulavam-se e o mandato de José C. C. não podia deixar de se ressentir. A Loja estava exausta: quase dois anos de actividade ritual extremamente intensa, dedicados a iniciar, passar e elevar quase todos os obreiros da nóvel grande Loja deixaram marcas que inevitavelmente cobrariam o seu preço. A equipa que dirigira a Loja durante o mandato de José M. M. e que, com notável coesão, assegurara todo o trabalho ritual esrava cansada e dispersava-se. José C. C. teve de efectuar uma renovação do quadro de oficiais da Loja, recorrendo inevitavelmente a elementos menos experientes.
Com a condução das cerimónias rituais por elementos com menor experiência e, sobretudo, sem a coesão que a anterior equipa forjara, não podia deixar de se notar uma quebra de qualidade no trabalho ritual na Loja, particularmente um aumento de hesitações e de comissão de pequenos erros. Isto levou a duas consequências, uma penosa a curto prazo, outra rapidamente gratificante.
A penosa foi que muitos dos que tinham manifestado discordância perante a perspectiva de José C. C. ser Venerável Mestre da Loja, pensaram que se confirmavam os seus receios. Essa sensação e o cansaço acumulado fez com que muitos dos elementos até então preponderantes na Loja fossem paulatinamente reduzindo a sua comparência. Por outro lado, no final do mandato de José M. M. a Loja tinha decidido mudar os dias de reunião. Em vez de reunir dois sábados por mês, passou a reunir um sábado e uma quarta-feira em cada mês. A reunião à quarta-feira à noite demorou a entrar nos hábitos dos obreiros da Loja e foi no período do mandato de José C. C. que tal mais se sentiu. Durante esse ano, algumas quartas-feiras houve em que as sessões decorreram com o mínimo indispensável de presenças, algo a que a nossa pujante loja não estava, de todo, habituada...
A gratificante foi que a nova equipa resolveu adequadamente o problema da sua inexperiência: corrigiu erros, ultrapassou hesitações, ganhou coesão e, em poucos meses. a qualidade do trabalho ritual foi retomada. Particularmente importante, porque difícil, foi o papel do novo Mestre de Cerimónias.
Numa loja maçónica do Rito Escocês Antigo e Aceite, o rito praticado pela Loja Mestre Affonso Domingues, toda a circulação no espaço do Templo é assegurada e dirigida pelo Mestre de Cerimónias, oficial que, assim, assume particular importância no ritmo e na correcção de todas as cerimónias rituais. A Loja estava habituada a trabalhar com um fentástico e experiente Mestre de Cerimónias, Miguel C. M.. A sua substituição não se antevia fácil e não o foi. Mas o caminho faz-se caminhando - e o cemitério está cheio de insubstituíveis... A seu tempo emergiu um novo e notável Mestre de Cerimónias que, à sua indesmentível qualidade no exercício do ofício, veio a aliar a sua permanente disponibilidade para partilhar os seus conhecimentos do ritual e ajudar os outros a bem exercitar a sua função. Hoje é, seguramente, dos maçons portugueses que mais sabe do Rito Escocês Antigo e Aceite e ainda continua a, sempre que é preciso, proficientemente exercer o ofício de Mestre de Cerimónias (ou qualquer outro em Loja, diga-se de passagem...). Quem habitualmente lê este blogue está familiarizado com o seu nome: José Ruah!
Mas aquele ano 1992/1993, com todas as dificuldades, com todos os obstáculos, foi passando, sem problemas de maior. Foi um ano de anti-clímax, de "serviços mínimos", em que, paulatinamente, a Loja recuperou fôlego, renovou o seu Quadro de Oficiais e viu uma nova geração de Mestres ganhar experiência. E aprendeu que as dificuldades se superam com trabalho e coesão. E isso foi um importantíssimo ganho para a Loja: a coesão que naquele ano aprendeu e obteve, nunca mais, até hoje, a perdeu. E tempos difíceis vieram em que essa coesão se revelou essencial. Ainda hoje a característica mais forte, mais distintiva, da Loja Mestre Affonso Domingues é, na minha opinião, a sua coesão, que se fortalece e floresce quando as adversidades surgem. José C. C. teve um papel importante no construir dessa coesão. Só por isso, merece uma grata referência na memória da Loja.
José C. C, um tímido afável, exerceu esforçada e interessadamente o seu ofício de Venerável Mestre. E, com a ajuda do seu Quadro de Oficiais, cumpriu a sua obrigação: entregou ao seu sucessor a Loja objectivamente melhor do que a recebeu, recomposta, mais experiente, pronta para, esgotado o ciclo do contributo ritual para a implantação da Obediência, definir o seu projecto.
Rui Bandeira