O conceito maçónico de "Grande Arquiteto Do Universo" - Epílogo
Depois de tudo o que foi dito, e de se entender como o conceito de Grande Arquiteto do Universo se foi progressivamente alargando, resta a questão final: porque é que a Maçonaria Regular insiste em exigir dos seus membros esta crença, quando não a define cabalmente? Porque é que não deixa, de uma vez por todas, de estabelecer essa restrição? Qual a razão, enfim, por detrás da obrigatoriedade da crença no Grande Arquiteto do Universo?
Revisitemos rapidamente a evolução do conceito: do Deus de várias denominações cristãs, passou a significar o Deus das religiões "do Livro" (cristianismo, islão e judaísmo); daí alargou-se a qualquer conceito equivalente, fosse de que religião fosse - ou mesmo de uma crença sem religião nenhuma. Continua, todavia, a insistir-se que o maçon tem que ter fé - seja lá no que for. Porquê?
Por mais diferentes que sejam as suas religiões, duas pessoas que creiam que a existência não é "só isto", só este deambular por um mundo condenado a esvair-se de novo no pó das estrelas, conseguirão encontrar pontos comuns que não terão nunca com um ateu. Sob formas distintas, partilharão do conceito de que a existência tem algum propósito, que não é indiferente a forma como levamos a nossa vida, e que o Bem é um valor e o Mal deve ser evitado.
Não é o ser ou não ateu que determina se uma pessoa é "boa" ou "má". Muitos ateus são excelentes pessoas, e muitos crentes são execráveis simulacros de ser humano. Contudo, há uma certa visão do mundo, a valorização - ou não - de certos pormenores, a prevalência ou prioridade que se dá a certos princípios sobre outros, que separa incomensuravelmente um crente de um ateu, de uma forma que não separa um judeu de um muçulmano, um evangélico de um animista, ou um budista de um sikh. De uma forma ou de outra, todos - com exceção do ateu - crêem na continuidade da vida depois da morte, e que o Bem que se faça será recompensado.
As prioridades são, por isso, forçosamente diferentes, bem como os princípios prevalecentes. Alguém que não acredite num futuro para além desta existência dificilmente se poderá conformar com a privação, o sofrimento ou o despojamento - mesmo que voluntários - em nome de que se estará a "fazer o Bem", e que este será, mais tarde, adequadamente recompensado. "E de que te serve isso?" - perguntarão. De facto, a partir de certo ponto, o fosso é inultrapassável - as diferenças são profundas demais. Ciente desse fosso, a Maçonaria Regular mantém como Landmark a crença no Grande Arquiteto de Universo, e fá-lo a meu ver por três razões distintas.
Em primeiro lugar, por uma questão formal: os Landmarks são considerados algo de inamovível que ninguém tem a legitimidade de alterar. Alterar a interpretação de um Landmark - como foi feito ao alargar-se o conceito de Grande Arquiteto de Universo de modo a torná-lo mais inclusivo - é uma coisa; outra completamente distinta seria eliminar de todo o Landmark. Os Landmarks são, literalmente, o que marca as extremas dos terrenos; por analogia, são o que marca os limites da Maçonaria Regular. Fora destes, ou não é regular, ou não é, de todo, Maçonaria.
Em segundo lugar, porque não há necessidade: esse foi, precisamente, o caminho tomado pela Maçonaria Liberal. Esta constitui em si mesma um diferente entendimento do que é a Maçonaria - com claras diferenças face à Maçonaria Regular - como inevitável reflexo de princípios distintos, prioridades distintas e, como consequência, um ethos e uma praxis algo diferentes. A existência destas várias correntes na Maçonaria tem a virtude de permitir que uma maior diversidade de pessoas possa encontrar o seu lugar na Maçonaria se assim o desejar.
Em terceiro e último lugar, aprende-se na Maçonaria que a vida é um caminho solitário que se faz acompanhado. Solitário porque estabelecido por cada um no exercício da sua liberdade, e forçosamente diferente dos demais porque todos somos diferentes; mas acompanhado porque os Irmãos estão sempre a curta distância, disponíveis para dividir connosco as alegrias e as tristezas que o caminho nos traz, e para partilhar os ensinamentos advindos de tais situações. É, por isso, mais proveitoso, mais frutuoso, que cada um, ao aconselhar-se junto dos seus Irmãos, receba os seus conselhos na certeza de que os princípios que lhes estão subjacentes são tão próximos quanto possível daqueles que regem a sua própria existência.
Paulo M.
10 comentários:
Meu Caro Paulo:
Concordo quase sempre a 100% com os seus escritos e como desta vez, tal não acontece, gostava de o deixar expresso.
Ora bem, sendo a Maçonaria uma filosofia de vida INICIATICA, não poderá estar distante do esotérico. Como seguidores, há os teístas e deistas .
Para os ATEISTAS, numa vida iniciática, qualquer que ela seja, se não existir uma coisa superior, … como esotérico, só se for a macumba ou a bruxaria!
Portanto, no que respeita ao ponto 1 e dado que ninguém é obrigado a definir o GADU, estamos esclarecidos e ponto final.
No que respeita á Maçonaria Regular, o que não foca e referente a sujeição da vontade politica… é algo que me custa muito a digerir, mas… assim é.
Quanto a Maçons, para os que a vivenciam verdadeiramente, não há distinção de obediência, pois a divisão não passa, na maioria das vezes de mera questão administrativa.
Assim sendo, os pontos dois e três têm pouca sustentabilidade e, a meu ver, parecem algo confusos.
Aceite a minha visão da Coisa. Abraço
@Paulo
1. Landmark a crença no Grande Arquitecto de Universo, e fá-lo a meu ver por três razões distintas.
2. Os Landmarks são, literalmente, o que marca as extremas dos terrenos; por analogia, são o que marca os limites da Maçonaria Regular. Fora destes, ou não é regular, ou não é, de todo, Maçonaria.
3. A existência destas várias correntes na Maçonaria tem a virtude de permitir que uma maior diversidade de pessoas possa encontrar o seu lugar na Maçonaria se assim o
@candido: Não entendi de todo esta sua frase: "No que respeita á Maçonaria Regular, o que não foca e referente a sujeição da vontade politica… é algo que me custa muito a digerir, mas… assim é." Quanto aos pontos 2 e 3, não terei sido talvez muito claro, mas vou tentar sê-lo.
No ponto 2 pretendi dizer que se a Maçonaria Regular aceitasse ateus não estaria senão a "copiar" a Maçonaria Liberal; e que assim, mantendo-se as diferenças, mantém-se a diversidade, o que é bom, pois a liberdade só se pode exercer se houver alternativas.
Quanto ao ponto 3, pretendi transmitir que me parece natural que, quando procuramos conselho, o façamos prioritariamente junto de quem se rege pelos mesmos princípios do que nós.
Espero só que o que escrevi esteja mais claro - mas não o pretendo convercer de nada. Afinal, como disse, a diversidade é a essência da liberdade...
Um abraço,
Paulo M.
Peço desculpa pela falta de clareza no que toca ao poder politico, mas eu vou clarificar com a transcrição de um texto seu sobre a implantação da republica e que a UGLE exige que seja como você diz:
@ Paulo - Se as leis de um país passarem a proibir a Maçonaria, e mesmo assim uma Grande Loja continue a existir - cometendo uma ilegalidade - ser-lhe-á retirado o reconhecimento internacional por parte das outras Grandes Lojas regulares.
Era sobre este ponto que eu disse não “engolir” bem.
Ainda no que se refere a GADU, pode induzir-se que só a Obediência Regular honra os seus cultos em Sua memória e tal não é tão linear assim. Privo com Maçons, num espaço hermético e ecuménico, com gente de TODAS as Obediências e todos afirmam haver um Ser Superior sempre presente e creio que em todos na forma de GADU.
Depois o Paulo diz:
Fora destes, ou não é regular, ou não é, de todo, Maçonaria.
Para logo admitir que os irregulares também são Maçonaria.
Não pretendo aqui marcar nenhum território, pois aceito o mesmo que você. O que me custa é ver a divisão de “homens bons”.
Abraço
@candido: Ah, percebi agora o que lhe custava engolir... Esse é um dos pontos em que, claramente, há um conflito de princípios, que a Maçonaria Regular e a Maçonaria Liberal resolvem hierarquizando os princípios de forma diferente uma da outra, com a Maçonaria Regular a dar o primado à Lei - independentemente de esta ser ou não justa - e a Maçonaria Liberal a dar primazia ao que entendam ser justo - independentemente de ser ou não legal. São formas distintas, com consequências profundas, de resolver este conflito de princípios. Como este, há outros, que, no seu conjunto, tornam estas formas de viver a Maçonaria tão diferentes entre si.
"Ainda no que se refere a GADU, pode induzir-se que só a Obediência Regular honra os seus cultos em Sua memória(...)" Não disse isso; o que disse foi que a Maçonaria Liberal aceita ateus no seu seio, e isso a distingue da Regular. Nunca disse que a Maçonaria Liberal fosse composta exclusiva ou essencialmente por ateus.
"(...) todos afirmam haver um Ser Superior sempre presente (...)" Há maçons da Maçonaria Liberal que, por serem ateus, não subscrevem, de todo, esta visão. O que não impede - como sei bem - que uma boa parte dos maçons da Maçonaria Liberal seja crente - seja lá no que for. Mas uma boa parte não quer dizer todos.
"Fora destes [dos Landmarks], ou não é regular, ou não é, de todo, Maçonaria." Os Landmarks não são um texto escrito universalmente aceite. Aliás, há poucas coisas universalmente aceites dentro da Maçonaria... Assim sendo, há obediências que aceitam e aplicam determinados Landmarks, e outras que os rejeitam. É para mim claro que a Maçonaria Liberal é Maçonaria - mas não é Maçonaria Regular. É para mim igualmente claro que um grupo de pessoas que, tendo lido umas coisas e - admitamo-lo - até tendo tido acesso a rituais maçónicos legítimos, se reúnam seguindo à risca esses rituais, não passam, só por isso, a ser Maçonaria - e estou certo de que, sem dificuldade, encontrará mais exemplos para além deste de organizações que não são Maçonaria, e muito menos Regular, a começar, por exemplo, na Banda Filarmónica lá do bairro...
E tomando a deixa da Banda Filarmónica... não acha que o panorama musical seria muito mais pobre se todos só gostassem de jazz ou de música clássica? Ou acha que gostarem de coisas diferentes divide os melómanos? A este respeito, sugiro que deixemos que cada um ouça a música de que gosta - e diga que gosta de música! O que não impedirá os amantes do Fado de Lisboa de o distinguirem do Fado de Coimbra, e de explicarem as diferenças entre um e outro...
Um abraço,
Paulo M.
Completamente esclarecido e concordo consigo. Obrigado pelo esclarecimento.
Abraço
@candido: O Rui Bandeira gosta de, com ar de gozo, me chamar "explicadinho", e já me fez notar, mais do que uma vez, que "explicar" facilmente descai para o "discutir" o ponto de vista do outro, quando não há mal nenhum em que as pessoas tenham opiniões divergentes.
Contudo, estou convicto de que boa parte das divergências de opinião se deve ao facto de se chamar coisas diferentes pelo mesmo nome, ou dar nomes diferentes à mesma coisa, e que uma vez esclarecida a nomenclatura e os pontos de vista as divergências se esvaem: não passavam de mal-entendidos.
Um abraço,
Paulo M.
Caro Paulo M,
Aproveito a deixa - ...O Rui Bandeira gosta de, com ar de gozo, me chamar "explicadinho"... - é possível, por obséquio, jogar luz sobre esta passagem?:
"...Maçonaria Regular a dar o primado à Lei - independentemente de esta ser ou não justa - e a Maçonaria Liberal a dar primazia ao que entendam ser justo - independentemente de ser ou não legal. São formas distintas, com consequências profundas, de resolver este conflito de princípios."
independentemente de esta ser ou não justa? consequências profundas?
Abraços Fraternos.
À Glória do Grande Arquiteto!
Regulares e Liberais, são ambos filhos da Viúva.
Cumprimentos
JPA
@Jocelino Neto: Convido-o a (re)ler dois artigos sobre o quarto e décimo Landmarks, escritos por quem sabe mais disto do que eu.
@JPA: Perfeitamente de acordo.
Um abraço,
Paulo M.
"Non omne quod licet honestum est.
Nem tudo que é lícito é honesto.
Nem tudo que é legal é moral."
Ética e Moral.
Compreendi o contexto.
Abraços Fraternos!
À Glória do Grande Arquiteto.
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