26 fevereiro 2009

Ritos e rituais

José Restolho, um profano atento a este blogue e que tomou a iniciativa de se corresponder comigo, interessa-se, manifestamente, pelo tema do ritual. Já anteriormente me questionara a propósito deste tema, dando origem ao texto Pergunta de profano. Agora, enviou-me um novo e curto texto, no qual regista a sua visão de profano sobre ritos e rituais, algo que os maçons assumidamente praticam. Ao enviar-me este texto, o meu correspondente pretendia um comentário meu sobre o seu teor. Mais do que me limitar a corresponder a esse pedido, entendi por bem fazê-lo aqui no blogue, para tanto tendo solicitado e obtido autorização para publicar o pequeno texto que segue.

Bom mais uma vez, aproveito para deixar aqui o meu profano testemunho, desta vez sobre os ritos maçónicos.


Um dos aspectos da maçonaria que mais confusão provoca aos profanos é sem sombra de dúvida a existência de ritos “esotéricos”. Muito se tem especulado sobre a sua natureza, desde conspirações políticas, ritos de carácter satânico, etc. Gostaria então de começar com uma pergunta simples:


-O que é afinal um ritual?


Fazendo uma busca simples na auto-estrada da informação, conclui que um ritual é nada mais, nada menos do que “um conjunto de gestos, palavras e formalidades, várias vezes atribuídas de um valor simbólico, cuja performance das quais é usualmente prescrita por uma religião ou pelas tradições da comunidade.” Proponho agora ao leitor que pare para reflectir sobre aquilo que o rodeia. Eu propus-me a fazer o mesmo e apercebi-me que no final de contas estamos rodeados por rituais e não me refiro apenas aos ritos religiosos (baptismo, matrimónio, missa, etc). Por exemplo no meio académico, as tão polémicas praxes, que no fundo figuram um rito iniciático da vida académica (muito se pode escrever sobre a praxe, mas prefiro deixar esse tema para outro texto), ou ainda a queima das fitas, um rito de passagem tão carregado de simbolismo (o fim de uma grande caminhada e o início de uma outra ainda maior). Nas artes marciais, todo o cerimonial de entrada no dojo, de início e de fim de aula.


Muitos mais exemplos poderiam aqui ser descritos mas, com o produto desta minha modesta reflexão, pretendo apenas fazer uma ponte entre o profano e o maçónico e de alguma maneira contribuir para o derrubar dos vastos preconceitos existentes em relação à Maçonaria.


O texto de José Restolho explana, com acuidade, um ponto de vista possível de um profano, designadamente de um profano que procura conhecer e analisar, sem preconceitos, o fenómeno da Maçonaria. Muito acertadamente, regista que ritos e rituais não são realidades exclusivas da maçonaria, Existem em muitas atividades sociais, de diferente natureza. Por regra, tudo o que assume alguma importância para um conjunto de pessoas é ritualizado.
A espécie humana sente-se confortável com rituais. Transmitem-lhe segurança, identificação.

Os rituais maçónicos partilham desses desideratos e acrescentam mais outro: forma de preparação para aquisição de conhecimentos, forma de despertar a atenção para aspetos da vida interior, do Homem, da Sociedade e do Universo que, sem eles, seriam mais dificilmente identificáveis.

O ritual influencia o humano através de algo a que só muito recentemente a Ciência começou a dar atenção: a inteligência emocional, aquele espaço que está entre a Razão e a Emoção, ou, se quisermos, o ponto por onde os sentimentos e emoções influenciam a Razão. E, inversamente, o território onde, através da Razão,se influenciam as emoções. Um ritual, bem elaborado, bem executado, bem dirigido, pode, à pessoa certa e apta, preparada, para tal, influenciar, desenvolver, abrir horizontes mais largos do que todo um curso com longas e trabalhosas horas de estudo. Um ritual bem feito, relevante, é normalmente complexo e pormenorizado. E há aspetos que só se revelam após se ter apreendido noções que previamente se impunham fossem apreendidas.

Executo e assisto a rituais maçónicos há cerca de vinte anos. Alguns rituais já foram por mim presenciados dezenas, centenas de vezes. Não me é incomum, subitamente, uma qualquer passagem, um qualquer gesto ou ato, uma qualquer chamada de atenção, despertar em mim o acesso a um novo significado, uma distinta relação, um inesperado caminho de análise ou especulação. Não porque nas dezenas ou centenas de vezes anteriores tenha estado desatento. Mas porque é então, e só então, que estou preparado para descortinar esse aspeto. Razão e emoção. A sua interligação, a sua mútua influência, a forma como cada uma pode potenciar a outra, só muito recentemente começaram a ser estudadas em conjunto. Os maçons, através dos seus rituais, há muito que, empiricamente, exploram essa relação. Todos os rituais com significado para as pessoas existem e afirmaram-se e são praticados, porque correspondem a uma necessidade humana de os praticar. Porventura sem se saber porquê, quiçá quem os pratica inconsciente do plano de relação entre a Razão e a Emoção que os torna importantes.

Rui Bandeira

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