29 janeiro 2008

O que se faz em Loja

Talvez a pergunta que mais vezes não maçons fazem a maçons seja: "afinal o que é que os maçons fazem nas reuniões?". Subjacente a esta pergunta está, muitas vezes, o pressuposto de que os maçons certamente levam a cabo secretas, mirabolantes e tortuosas actividades. Como todos os pressupostos infundamentados, que assim mais não são do que preconceitos, este não se aproxima, sequer minimamente, da realidade, que é muito mais simples e prosaica.

Há duas partes das reuniões de uma Loja Maçónica que são sempre fixas e iguais: a abertura e o encerramento, que se processam executando os respectivos rituais. São sempre as mesmas palavras, gestos e actos, que se repetem, reunião a reunião.

Com o ritual de abertura, efectua-se a transição entre a vida exterior, os afazeres pessoais e profissionais de cada um, e o labor de um grupo restrito, focado e fraternal. Assim se processa a concentração de todos e de cada um no trabalho que se vai realizar. Assim se cria a atmosfera de concentração, confiança e harmonia que deve envolver os trabalhos que se vão efectuar na reunião.

Com o ritual de encerramento, efectua-se a transição entre os trabalhos realizados e o prosseguimento da vida em sociedade. Assim se efectua o processo de retorno à vida do dia a dia. Assim se relembra que se vai sair de um círculo restrito, onde impera a confiança e a harmonia, rumo ao cadinho social onde todos nos inserimos, com todos os seus desafios, conflitos e necessidade de se estar com as defesas em guarda.

Entre os dois rituais, de abertura e encerramento, processa-se a verdadeira reunião, que pode, basicamente, ter como objecto trabalho ritual (iniciação de profano, passagem ou elevação de maçons a graus mais adiantados), trabalho de formação (apresentação e discussão de pranchas), trabalho administrativo (organização interna da Loja, arquivos, quotas, etc.) ou trabalho organizativo (de projectos ou actividades em curso ou a levar a cabo).

O trabalho ritual efectua-se executando, em palavras, gestos e actos, o ritual da cerimónia que se realiza. Cada um dos Oficiais de Loja tem uma função determinada, que executa. Quem não tem intervenção na execução do ritual, seja em que qualidade for, assiste.

O trabalho de formação consiste na apresentação e discussão dos variados trabalhos que os maçons efectuam. Em regra, textos, mas podendo ser trabalhos de outra natureza: música, pintura ou escultura, construção de artefactos, trabalhos fotográficos ou audiovisuais, enfim, tudo o que um maçon se tenha sentido com capacidade para criar e que possa contribuir para o seu aperfeiçoamento e o de seus Irmãos. Com este tipo de trabalho, busca-se atingir o objectivo primeiro dos maçons: melhorar, aperfeiçoar-se, crescer intelectual, moral e espiritualmente.

O trabalho administrativo é o mal necessário, a execução das tarefas que bem gostaríamos de não precisar fazer, mas que têm que ser feitas: determinar e debater todos os aspectos organizativos da Loja; tomar conhecimento da correspondência e providenciar quanto a ela; tomar conhecimento de comunicações de outras Lojas e da Grande Loja e determinar as providências a tomar; providenciar quanto ao arquivo, ao quadro de obreiros, à vida financeira e económica da Loja. Embora haja Oficiais cuja função é assegurar a execução diária das tarefas desta natureza (o Secretário, o Tesoureiro, o Arquivista), vai havendo necessidade de algumas decisões serem tomadas pela Loja ou de a Loja ser informada das decisões tomadas pelos Oficiais e dos procedimentos e escolhas por estes efectuados.

Finalmente, o trabalho organizativo é aquele cujos resultados podem ser apreendidos exteriormente à Loja. Por vezes, apenas nas famílias e amigos dos obreiros da loja, por vezes em círculos mais amplos ou na sociedade em geral. Ao longo do ano, as Lojas organizam diversos eventos, desde reuniões, passeios ou visitas, a organização de colóquios, conferências ou debates, desde efectivação de campanhas de recolha de fundos para solidariedade a campanhas de efectivação directa de actos de solidariedade. No caso da Loja Mestre Affonso Domingues, esta tem efectuado, com regularidade, acções de doação de sangue, por vezes isoladamente, por vezes em colaboração com um grupo de escoteiros, organiza anualmente um leilão para recolha de fundos, procede à entrega de bens, adquiridos com os fundos obtidos, que a associação ou associações de solidariedade em cada momento apoiadas(s) indiquem como sendo os que maior utilidade no momento lhe(s) trazem, efectua contactos e visitas a outras Lojas e organiza a recepção a outras Lojas (particularmente em relação às duas Lojas com que está geminada, a Fraternidade Atlântica, da GLNF, e a Rigor, da GLLP/GLRP, organiza e efectua viagens e visitas a monumentos, museus e outros locais de interesse histórico, monumental, artístico ou cultural (nos últimos anos, e a título de exemplo, o Mosteiro da Batalha, o Convento de Cristo, a Zona Histórica de Santarém, Castelo Rodrigo, a Sinagoga de Lisboa), entre outras actividades e iniciativas, muitas vezes com início no voluntarismo de algum Irmão, que os demais acompanham, auxiliam ou em que colaboram.

Como se vê, o que se faz em Loja é muito mais prosaico do que concebe a imaginação, por vezes demasiado fértil, de quem está de fora. No fundo, em Loja faz-se o que se faz em qualquer outra agremiação: trata-se da organização interna, da prossecução dos objectivos próprios e cuida-se dos eventos que se leva a cabo.

O principal objectivo da Maçonaria é o aperfeiçoamento individual dos seus membros, fazer de homens bons homens melhores e, pelo reflexo desses aperfeiçoamentos individuais, contribuir para a melhoria da Sociedade. Cada reunião é mais um passo nessa caminhada, uma gota de suor nesse esforço, um tijolo nessa construção.

Desapontadoramente simples e normal, talvez. Talvez dessa simplicidade e normalidade decorra a dúvida de que efectivamente seja SÓ assim. Percebo e compreendo o cepticismo que, afinal, radica num tácito elogio à Maçonaria. Esse cepticismo decorre da perplexidade: "Mas afinal se é só isso que se faz nas reuniões de Loja, o que torna a Maçonaria tão especial, qual o cimento que liga os seus membros, o que os faz retirar tempo às suas famílias, aos seus negócios, aos seus afazeres e ócios, para irem fazer só isso?"

A resposta não está tanto no que se faz , mas em COMO se faz e PORQUE se faz. Mas essas são já matérias para os próximos dois textos...

Rui Bandeira

6 comentários:

Perdigoto disse...

A pesquisa incesssante de textos para ler sobre o tema, trouxe-me um dia a este blogue, e em boa hora, pois cada vez mais gosto de o visitar, ler e tentar perceber.

Sinto, ainda que profano seja, que estou realmente a melhorar, a aperfeiçoar-me, a crescer intelectual, moral e espiritualmente.

É impossível não querer saber mais, não ter vontade de descobrir mais, não ter curiosidade por tudo isto.

Existe algum momento em que a Maçonaria abre as portas de uma Loja, não em trabalhos, aos profanos?

Cumprimentos

Paulo M. disse...

@ lm: Este blogue é um verdadeiro "ano zero" maçónico. E os "blogueiros" têm (pelo menos por enquanto...) uma paciência infinita para responder às nossas perguntas - eu que o diga. Pergunte, pergunte, que aprendemos uns com as respostas às perguntas dos outros!

@ Rui: Por curiosidade, quanto tempo demoram, mais coisa menos coisa, o ritual de abertura e o ritual de encerramento? Pelo que tenho percebido, depois do ritual de encerramento é costume haver um ágape; é sempre assim? É esse o momento de convívio por excelência?

Um agraço,
Simple Aureole

Nuno Raimundo disse...

Boas...

Como o ºsimple bem o disse, os bloggers do painel deste blog têm uma paciência infindavel perantes as questões que habitualmente são feitas.
O que é sempre bom para profanos como nós que temos curiosidade sobre o que se passa do lado interno do Templo :)

E já que estamos em maré de perguntas, aproveito e deito "mais lenha para a fogueira"...:

Quando as instalações onde decorre a reunião ( vulgo, a Loja) não tem condições para se fazer o agápe, é habitual depois da reunião se seguir para um restaurante ou somente fazem os habituais brindes maçónicos na Loja em si?

A GLRP/GLLP tem em similitude com o G.O.L, algum Museu Macónico para se poder visitar?
é que eu não tenho conhecimento no caso de ele existir; e se houver tal museu,ele pode ser visitado por profanos?


abr...prof...

Rui Bandeira disse...

@ lm:

Em ocasiões especiais pode haver. Quando isso sucede, é divulgado.

@ simple:

O tempo de execução dos rituais de abertura e encerramento depende (já M. de la Palisse o diria...) da velocidade de execução que for imporimida pelo VM e pelo MC. Se se quiser executar o ritual de uma forma mais solene e pausada, demora-se obviamente mais tempo.
Mas qualquer deles se executa normalmente em cerca de 10 minutos.
Depois da reunião há quase sempre um ágape (só não há quando de todo em todo é impossível. É considerado essencial para o estreitar dos laços de fraternidade e é o momento de convívio por excelência.

@nuno_r:

Quando as instalações não permitem que nelas se faça o ágape, vai-se para um restaurante. Nesse caso, omitem-se os brindes rituais, a não ser que se esteja em sala exclusiva e com privacidade.
Por enquanto, a GLLP/GLRP não tem instalações que permitam um condigno museu. É intenção da GLLP/GLRP, quando conseguir obter instalações que o permitam, nelas incluir um espaço museoçógico que, naturalmente, será anerto a quem o quiser visitar.

Paulo M. disse...

"Brindes rituais"? Ó Nuno, onde é que foste buscar essa? Deves andar a ler umas coisas que me devem ter escapado...

Um abraço,
Simple Aureole

Nuno Raimundo disse...

Boas caro simple...


Como ultimamente a Maçonaria está a desvendarum pouco os seus "segredos", conseguimos através de alguma "pesquisa" e muito "estudo" saber coisas que nem sempre estão à nossa vista ;)

E penso que esse tema tb já fora aqui abordado ou citado.
Podia dizer o que sei a esse respeito, mas penso que estaria a "desrespeitar" os nossos Amigos do Blog, e penso que cabe a eles tais "ensinamentos"... :)
Não vá eu fazer alguma "inconfidência " sobre o assunto :)

abr...prof...