Tolerância: o início enquanto conceito filosófico
Duas pessoas que se julguem minimamente inteligentes não debatem um tema com o propósito de convencer o opositor. Tal seria, na quase totalidade dos casos, pura perda de tempo e energia. Duas pessoas minimamente inteligentes debatem um tema de forma a, sob a forma de rebaterem os argumentos do opositor e apresentarem os seus, atingirem dois objectivos: um (a que o JoséSR já aludiu no seu texto Tolerância - parte 5 1/2) é o de aprofundarem o seu conhecimento sobre o tema; o outro é o de verificarem, maxime construírem, atenta a discordância original, os pontos de convergência possíveis.
É por isso que dou particular importância ao acordo relativamente à evolução do conceito de Tolerância: é um ponto de convergência com possibilidades de servir de base a um mais alargado campo de acordo!
Do comentário do JoséSR, ficou-me apenas uma perplexidade: que quer ele exactamente dizer quando escreve (e cito) "O conceito de tolerância é mal utilizado actualmente, foi corrompido e essa corrupção é a noção que as pessoas têm da tolerancia."? Ou seja, presumindo eu que o conceito original de Tolerância é o que ele apresentou, qual é a noção do conceito (pouco importa se ele a classifica de "corrompido" e "mal utilizado") que as pessoas utilizam actualmente? Aguardo com curiosidade o esclarecimento, para verificar se podemos daqui estabelecer outra ponte comum...
Entretanto, e como prometido, passo ao aparecimento do conceito Tolerância, com relevância filosófica. É um pouco mais moderno do que o cálculo que o JoséSR apresentou: não 500 anos, mas antes do século XVII, mais precisamente de 1689, ano em que John Locke (imagem que ilustra este texto) publicou a sua A Letter concerning Toleration (Uma carta relativa à Tolerância).
Para que, daqui em diante, não haja dúvidas sobre o conceito originalmente apresentado por Locke, segue-se um pequeno comentário que encontrei aqui, da autoria de alguém que o JoséSR já citou, Carlos Fontes:
Carta Sobre a Tolerância, de John Locke ( Em construção !) |
1.Pressuposto: A tolerância é a essência do cristianismo O cristianismo na sua essência, segundo Locke, é uma religião tolerante, porque despreza tudo aquilo que gera a própria intolerância religiosa: a) Heresias (diversidade de opinião sobre a matéria de fé). Todos se julgam na posse da verdadeira interpretação da palavra de Deus (ortodoxia), o que os levam a acusarem os outros de hereges. Contudo, ninguém está na sua posse dado que só Deus a conhece. b) Teocracia. No Evangelho, não se defende nenhum tipo de regime político. O cristianismo, no inicio como refere Locke, difundiu-se entre regimes políticos com naturezas muito distintas. A própria questão da ligação entre o Estado e a Religião é indiferente para a salvação das almas. A única coisa que é importa no cristianismo é a salvação das almas, a qual dependente unicamente da conduta que os indivíduos levarem. Deus irá julgá-los não pelas ideias que manifestaram sobre a interpretação da doutrina, mas sobre a sua conduta, isto é, se foram ou não virtuosos.
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2. Pressuposto: A falsa religião preocupa-se com o supérfluo e ignora o essencial A falsa religião confunde o Estado com a Igreja, privilegia as manifestações externas do culto, proclamando a uniformidade da doutrina (ortodoxia), desprezando o essencial: a conduta virtuosa dos homens. A religião torna-se num meio usado por magistrados e pelos membros destas igrejas para esconder o roubo e a violência que exercem sobre os cidadãos.
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3. Princípio: Nenhuma crença pode ser imposta pela força. Toda a tentativa de impor qualquer religião pela força está votada ao fracasso. O homem é livre de acreditar ou não. Neste domínio não há meios de provar se alguém acredita ou não. "Se a verdade não arrebata o entendimento pela luz, de nada lhe serve uma força exterior" (pág.93)
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4.Princípio: A Liberdade de consciência é um direito natural de todos os homens (pág.101)
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5.Princípio: Todos os homens são iguais e nenhum tem mais direitos que outro. Ninguém se pode arvorar com mais autoridade que o seu semelhante em matéria de religião. Os sacerdotes, como os magistrados são homens, neste sentido estão face a Deus em igualdade de circunstâncias como quaisquer outros.
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6.Princípio: O Estado e a Igreja estão imutavelmente separados quanto à sua natureza e finalidade A separação entre a Religião e o Estado é algo que reside na sua natureza e finalidade. Apesar disso, aquelas que advogam a falsa religião têm sustentado a sua unidade para melhor prosseguirem os seus interesses particulares. O resultado é a intolerância religiosa. A única forma de acabar com a mesma é separar aquilo que por natureza é distinto. a) Estado.O domínio o Estado é o da ordem pública, garantindo, defendendo e promovendo o desenvolvimento dos interesses particulares. O Estado foi constituido por mútuo acordo entre homens livres para resolverem os seus conflitos e protegerem os seus direitos. Está ao serviço dos cidadãos e sob forma alguma pode atentar contra o seus direitos naturais (liberdade, vida, propriedade, etc). b)Igreja. O domínio da Igreja é o culto público a Deus e a exortação dos homens para que levem uma vida virtuosa e piedosa a fim de salvarem as suas almas. As Igrejas são assembleias livremente constituídas e qualquer um as pode criar. Nenhuma tem mais autoridade ou se pode arrogar se ser mais verdadeira que outra. Apenas Deus sabe qual é a verdadeira, e só a Ele compete julgar a conduta dos seus membros. A organização e a hierarquia nas Igrejas resultam da vontade dos homens e não de Deus.
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7.Princípio: Ninguém deve ser perseguido por motivos religiosos, dado que isso é contrário aos direitos fundamentais dos seres humanos.
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8.Princípio: Nenhuma Igreja tem qualquer jurisdição sobre assuntos terrenos. O único instrumento que uma igreja dispõe para convencer alguém a prosseguir o caminho da salvação é a palavra.
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9. Princípio: O bem público é a norma e a medida de toda a feitura de leis. Se uma coisa não é útil ao Estado, mesmo se é indiferente em si mesma, não pode ser sancionada por lei. Os magistrados estão limitados na sua acção á esfera do bem comum, sendo incompetentes em matéria de Fé. Apenas podem intervir nas igrejas quando o bem comum estiver em causa, e sempre no estrito respeito pelos direitos naturais. "O que cabe ao magistrado é zelar para que não haja prejuízo para o bem comum e que não se faça mal à vida ou ao património de ninguém." "Objecto das leis não é garantir a verdade das opiniões mas a salvaguarda e a segurança dos cidadãos e de cada propriedade e pessoa em particular" (pág.93) "O cuidado com a alma de cada um e das coisas do céu, nenhuma delas pertence ou é sujeitável ao Estado, é inteiramente entregue a cada um" (pág.97).
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10. Princípio: O que é legal para o Estado não pode ser proibido pelo magistrado em relação à igreja. A acção do magistrado assenta no escrupuloso respeito dos princípios de universalidade, equidade e imparcialidade.
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11. Princípio: Todo o individuo tem o direito de desobedecer às leis se os direitos fundamentais foram postos em causa pelo magistrado. Ninguém pode ser violentado na sua consciência. É à consciência que se deve primeiro obedecer e só depois às leis. "Em primeiro lugar há que prestar obediência a Deus e, depois, às leis" (pág.97) A fonte de todos os conflitos entre os homens é a opressão e não a diversidade das suas opiniões. Quando existe tolerância o povo torna-se o guardião da paz social, pois nessa altura estão finalmente satisfeitos os seus direitos.
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2. Limites da tolerância A tolerância, segundo Locke, tem três limites fundamentais: Não se deve tolerar todos aqueles que atentem contra a própria sociedade e os direitos naturais dos indivíduos, pondo assim em causa o bem comum. Não de deve tolerar aqueles que a coberto da religião são súbditos de outros Estados. Por último, não se devem tolerar os ateus porque os mesmos não respeitam as promessas feitas, os contratos e os juramentos que são os laços que unem as sociedades humanas (pág.100). |
Carlos Fontes
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Tradução de referência do texto: Lisboa Editora.Lisboa.1º.Edição.1999
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Pesquisa
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Biografia .Filosofia . Bibliografia .Tolerância- Em Torno de um Conceito .
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Carlos Fontes
Rui Bandeira
2 comentários:
Carissimo,
Acaso devo relembrar-te que polir significa evoluir ?
Experimentado como és sabes bem que na nossa linguagem polir signifa evoluir.
Mas entendo que a tua veia causidica te tenha toldado o linguajar simbolico.
Abraço
Meu caro, aqui chove. A utilização das palavras é feita com o seu significado comum.
Quando escreves que o conceito vem sendo polido pelo "politicamente correcto", não esperas que quem te lê entenda que achas que o "politicamente correcto" está a fazer evoluir (no sentido de que a evolução é para melhor) o conceito...
Andas armado em advogado ou quê?
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