27 setembro 2006

Carta aberta às cunhadas

(Os maçons tratam-se entre si por Irmãos; assim sendo, as mulheres dos maçons são por estes coloquialmente referidas por "cunhadas")

Queridas e nunca suficientemente exaltadas companheiras de nossas vidas:

Bem sabemos nós que vós, luzes de nossos olhos, apreciais a nossa companhia - quase tanto como nós apreciamos a vossa.

Bem sabemos nós que vós, calores de nossos corações, desejaríeis que nós não nos apartássemos de vosso regaço para participar nas nossas reuniões, para assegurar o cumprimento das tarefas que a Loja nos confia.

Asseguramo-vos que muitas vezes a nossa alma nos pesa pela necessidade daquele nosso apartamento de vós para o cumprimento de nossas obrigações maçónicas.

Perguntais então, certamente, vós, regaço de nosso contentamento: se assim é, porque vos apartais de nossa companhia?

A resposta, para além de nosso zelo no cumprimento de nossas obrigações, como Homens de Honra que nos prezamos de ser - uma das razões, aliás, porque merecemos a ventura do vosso afecto... -, é porque também vós, centro de nossas vidas, beneficiareis de nossos trabalhos maçónicos!

O propósito da Maçonaria é possibilitar, auxiliar, potenciar o aperfeiçoamento de seus cultores. Aperfeiçoamento espiritual, mas também social, pessoal e profissional.

Com a ajuda de seus Irmãos e com a prática de seus trabalhos, o Maçon busca ficar melhor marido, melhor pai, melhor filho, melhor profissional, enfim, melhor pessoa.

Dedicamo-nos com zelo a nossos trabalhos maçónicos, mesmo com sacrifício de algumas horas na vossa desejada companhia, porque desejamos, buscamos, atingir essa melhoria.

E dela também vós, criaturas de nossos sonhos realizados, consequentemente beneficiareis.

Ou seja, se, para realizar nossos trabalhos, nos apartamos de vós, enlevos de nossas almas, também é por vós e por Amor de vós, deleites de nossas existências, que o fazemos. Doce sacrifício que gostosamente vos dedicamos!

Porém, dirá talvez vosso espírito crítico, sempre tão acerado em relação a nós: se assim é, porque não sois então melhores, que os não vemos ser?

Se isto assim o disser, ó musas inspiradoras de nossa existência, vosso espírito demasiado crítico ferir-nos-á dolorosamente com a injustiça de tal afirmação! E o amargo fel de tal injustiça só é atenuado por nossa certeza de que tal aleivosia tem origem no Amor que vós, consolo de nossos trabalhos, nos dedicais, que vos fez idealizar nossa imagem ao ponto de crerem ser impossível que nós sejamos algum dia melhores do que vós, mel de nossa existência, nos julgásteis ser!

Porém, asseguramo-vos que é verdade que procuramos nosso aperfeiçoamento e que aspiramos a que, focada vossa atenção para este nosso propósito, vós, luar que ilumina nossas noites, consigais ver os porventura pequeninos, quiçá ínfimos, progressos que vamos conseguindo e que connosco compartilheis nossa esperança em, talvez após longo tempo - mais do que nosso voluntarismo gostaria, mas na medida que nossas fraquezas nos impõem -, seja visível e gratificante nossa melhoria.

Uma última objecção vosso amoroso espírito porventura fará: se é tão demorado o caminho, se tantos sacrifícios e durante tanto tempo o mesmo implica, para quê percorrê-lo, se vós, flores de nossa Primavera, nos amais com nossos defeitos?

A resposta a esta legítima pergunta é que o Homem, se não busca aperfeiçoar-se, se não luta para se sublimar a caminho do mais perto da Perfeição que suas capacidades lhe permitirem, infelizmente vê sua fraca natureza arrastá-lo em suave, mas sempre descendente, declínio. E, se as duras realidades da Vida nos mostram que o declínio físico é inevitável, o declínio moral e espiritual, esse, pode e deve e é evitado com nosso trabalho.

Tal como a criança que se diverte andando em sua bicicleta, se parar, cai, também nós, se cessássemos nossa jornada para melhorarmos, pioraríamos.

E, se tal ocorresse, desgraçadamente poderíamos sofrer a mais dura das punições: a perda de vosso Amor!

Portanto, ó Sóis de nossas vidas, ficai cientes que, se nos apartamos de vós para nossos trabalhos maçónicos, o fazemos também, mesmo principalmente, para continuar a merecer vossas graças e vosso Amor por nós!

E portanto, perdoai-nos estes momentos de necessário afastamento, apoiai-nos no cumprimento de nossos deveres e, muito justamente, beneficiai, ao longo do tempo, dos nossos esforços para sermos melhores, esforços que a vós, faróis de nossa jornada, dedicamos.

É isto que, em nome de todos os seus Irmãos da Loja Mestre Affonso Dominguas apeteceu escrever a

Rui Bandeira

1 comentário:

Nuno Santos Silva disse...

Com a tua autorização, remeterei esta carta à minha esposa, que de vez em quando deixo só, para me dedicar à contrução de templos à virtude e de masmorras impenetráveis ao vício.
TAF
Nuno Santos Silva,
RL Fernando Pessoa, n.º 1