06 março 2011

O conceito maçónico de "Grande Arquiteto Do Universo" - Epílogo


Depois de tudo o que foi dito, e de se entender como o conceito de Grande Arquiteto do Universo se foi progressivamente alargando, resta a questão final: porque é que a Maçonaria Regular insiste em exigir dos seus membros esta crença, quando não a define cabalmente? Porque é que não deixa, de uma vez por todas, de estabelecer essa restrição? Qual a razão, enfim, por detrás da obrigatoriedade da crença no Grande Arquiteto do Universo?

Revisitemos rapidamente a evolução do conceito: do Deus de várias denominações cristãs, passou a significar o Deus das religiões "do Livro" (cristianismo, islão e judaísmo); daí alargou-se a qualquer conceito equivalente, fosse de que religião fosse - ou mesmo de uma crença sem religião nenhuma. Continua, todavia, a insistir-se que o maçon tem que ter fé - seja lá no que for. Porquê?

Por mais diferentes que sejam as suas religiões, duas pessoas que creiam que a existência não é "só isto", só este deambular por um mundo condenado a esvair-se de novo no pó das estrelas, conseguirão encontrar pontos comuns que não terão nunca com um ateu. Sob formas distintas, partilharão do conceito de que a existência tem algum propósito, que não é indiferente a forma como levamos a nossa vida, e que o Bem é um valor e o Mal deve ser evitado.

Não é o ser ou não ateu que determina se uma pessoa é "boa" ou "má". Muitos ateus são excelentes pessoas, e muitos crentes são execráveis simulacros de ser humano. Contudo, há uma certa visão do mundo, a valorização - ou não - de certos pormenores, a prevalência ou prioridade que se dá a certos princípios sobre outros, que separa incomensuravelmente um crente de um ateu, de uma forma que não separa um judeu de um muçulmano, um evangélico de um animista, ou um budista de um sikh. De uma forma ou de outra, todos - com exceção do ateu - crêem na continuidade da vida depois da morte, e que o Bem que se faça será recompensado.

As prioridades são, por isso, forçosamente diferentes, bem como os princípios prevalecentes. Alguém que não acredite num futuro para além desta existência dificilmente se poderá conformar com a privação, o sofrimento ou o despojamento - mesmo que voluntários - em nome de que se estará a "fazer o Bem", e que este será, mais tarde, adequadamente recompensado. "E de que te serve isso?" - perguntarão. De facto, a partir de certo ponto, o fosso é inultrapassável - as diferenças são profundas demais. Ciente desse fosso, a Maçonaria Regular mantém como Landmark a crença no Grande Arquiteto de Universo, e fá-lo a meu ver por três razões distintas. 

Em primeiro lugar, por uma questão formal: os Landmarks são considerados algo de inamovível que ninguém tem a legitimidade de alterar. Alterar a interpretação de um Landmark - como foi feito ao alargar-se o conceito de Grande Arquiteto de Universo de modo a torná-lo mais inclusivo - é uma coisa; outra completamente distinta seria eliminar de todo o Landmark. Os Landmarks são, literalmente, o que marca as extremas dos terrenos; por analogia, são o que marca os limites da Maçonaria Regular. Fora destes, ou não é regular, ou não é, de todo, Maçonaria.

Em segundo lugar, porque não há necessidade: esse foi, precisamente, o caminho tomado pela Maçonaria Liberal. Esta constitui em si mesma um diferente entendimento do que é a Maçonaria - com claras diferenças face à Maçonaria Regular - como inevitável reflexo de princípios distintos, prioridades distintas e, como consequência, um ethos e uma praxis algo diferentes. A existência destas várias correntes na Maçonaria tem a virtude de permitir que uma maior diversidade de pessoas possa encontrar o seu lugar na Maçonaria se assim o desejar.

Em terceiro e último lugar, aprende-se na Maçonaria que a vida é um caminho solitário que se faz acompanhado. Solitário porque estabelecido por cada um no exercício da sua liberdade, e forçosamente diferente dos demais porque todos somos diferentes; mas acompanhado porque os Irmãos estão sempre a curta distância, disponíveis para dividir connosco as alegrias e as tristezas que o caminho nos traz, e para partilhar os ensinamentos advindos de tais situações. É, por isso, mais proveitoso, mais frutuoso, que cada um, ao aconselhar-se junto dos seus Irmãos, receba os seus conselhos na certeza de que os princípios que lhes estão subjacentes são tão próximos quanto possível daqueles que regem a sua própria existência.

Paulo M.

02 março 2011

Origem e primórdios do Rito Escocês Antigo e Aceite - Conclusão


Dedicar sete textos (com este, oito) à origem e primórdios do Rito Escocês Antigo e Aceite para quê?

Em primeiro lugar, para se saber. Conhecer o passado, visitar a História, habilita-nos a compreender o presente, a enquadrar o que vemos, o que vivemos, o que fazemos. Saber como base para refletir, para perceber, para analisar, para inferir. Não podemos planear o futuro, não conseguimos atuar eficazmente no presente, se o nosso planeamento, a nossa atuação forem deixadas ao mero acaso e sabor da inspiração, do desejo, da impressão. Conhecer o passado, saber a origem das coisas, é um lastro indispensável para nos equilibrar nas nossas ações e um auxiliar precioso para a nossa preparação do futuro. O passado é o chão onde nos equilibramos hoje e que nos proporciona a base para o impulso para o amanhã.

Em segundo lugar, para compreender. Compreender que o Rito Escocês Antigo e Aceite não resulta de nenhuma revelação divina, que foi criado, que, mais do que isso, foi fabricado, trabalhado, aperfeiçoado, fixado, por homens. Homens como nós, de carne e osso e sangue e pele e cérebro e emoções. Compreender que o Rito Escocês Antigo e Aceite, tal como hoje o conhecemos resulta de uma evolução. Compreender que essa evolução inclui uma mescla de acasos, momentos-chave, resultados inesperados, muito trabalho e idealismo, também algumas querelas. Compreender que resulta, afinal, daquilo que existe de mais precioso: a Vida! A Vida, com as suas voltas, reviravoltas, momentos fortuitos, trabalhos preparados, acertos e desacertos. Compreender que o Rito Escocês Antigo e Aceite que hoje praticamos, sendo uma obra humana e o resultado de uma longa e por vezes tumultuosa evolução, não é nada de sagrado nem de intocável, mas é algo cuja essência e forma e lição devemos respeitar. Que é o produto de muito trabalho, de muitos saberes, de muita motivação. Que, não sendo intocável nem imutável, não é para ser mudado de ânimo leve, ao sabor de uma qualquer inspiração (por muito brilhante que ela pareça), pelo acaso do acumular de más execuções, pela prosápia e negligência primas da ignorância e parentes do desleixo. Compreender que o rito que hoje e aqui praticamos é o resultado de intenso trabalho, de longa, lenta e sólida evolução, de subtil acomodação às idiossincracias de cada povo, de cada região. Compreender que há diferenças entre o que fazemos hoje e o que se fazia há cem anos, que há dissemelhanças entre o que se faz aqui e o que se pratica acolá, mas que essencialmente se faz hoje a mesma coisa que se fazia ontem e que se pratica nesta banda o mesmo que na banda de lá se faz. Compreender que as próprias pequenas diferenças fazem parte do todo. Compreender que o rito é um instrumento, uma das ferramentas que os maçons usam para o seu aperfeiçoamento e como tal deve ser entendido e usado e praticado e que as evoluções havidas, as diferenças geográficas notadas, derivam desse mesmo uso como ferramenta.

Finalmente, apreciar. Apreciar como uma obra humana resultado de mil acasos pode ser tão eficazmente bela, tão diretamente impressiva. Apreciar como muitos ontem trabalharam para nos proporcionar hoje um conjunto de mensagens que apelam ao mais fundo do que de bom há em nós e ajudam a fortalecer o nosso lado positivo e a dominar o negativo. Apreciar a execução hoje essencialmente do mesmo que se executa há mais de duzentos anos, aqui e um pouco por todo o mundo, o mesmo apesar das pequenas diferenças, o mesmo porque existem pequenas diferenças.

O Rito Escocês Antigo e Aceite é apenas um dos ritos da Maçonaria. Como os outros, é, repito, essencialmente uma ferramenta que os maçons usam no seu aperfeiçoamento. Vale a pena, acho eu, saber, compreender e apreciar o processo como nasceu e se implantou e se desenvolveu até ao que encontramos aqui e agora.

Rui Bandeira

28 fevereiro 2011

O conceito maçónico de "Grande Arquiteto Do Universo" - III



São conhecidas as raízes cristãs da Maçonaria, e como a partir destas a Maçonaria foi, progressivamente, acomodando outras crenças, até se chegar à situação atual, em que a Maçonaria se manifesta e se vive, neste aspeto, de formas muito diversas. Podemos encontrar, assim, desde Obediências estritamente cristãs - como é o caso da Maçonaria Regular na Suécia - até Obediências que prescindem de todo do conceito de "Grande Arquiteto do Universo" - como acontece com a Maçonaria Liberal.

As linguagens da lógica e da matemática permitem-nos estabelecer conceitos inequívocos com fronteiras precisas, de que decorrem conclusões claras e incontroversas; contudo, o conceito de "Grande Arquiteto do Universo" não é um desses conceitos passíveis de ser espartilhado dessa forma. É, antes, com contínuo difuso e vápido como o nevoeiro, que de longe parece sólido e opaco mas se nos vai furtando por detrás de uma progressiva transparência e incorporeidade à medida que dele nos tentamos abeirar.

Não creio que possamos, por isso, dizer sem medo de errar que o conceito de GADU vá daqui até ali, e que esta interpretação do mesmo esteja "de dentro" e aquela "de fora". Onde houver a afirmação de que "sim, creio", mesmo quando se siga de um "mas", devemos admitir que o conceito se alargue um pouco, mesmo correndo-se o risco de que, qual diluição homeopática, pouco ou nada reste no fim daquilo que se pretendia garantir. Afinal, quem somos nós para dizer "a fronteira é aqui"?

E para terminar este tema, trago-vos as palavras de Christopher Haffner, no seu livro "Workman Unashamed: The Testimony of a Christian Freemason":

"Agora imagina-me em Loja com a minha cabeça curvada em oração entre o Irmão Mohammed Bokhary e o Irmão Arjun Melwani. Nenhum deles entende o Grande Arquiteto do Universo como sendo a Santíssima Trindade. Para o Irmão Bokhary Ele revelou-se como Allah; para o Irmão Melwani Ele é provavelmente entendido como Vishnu. Uma vez que eu creio que há apenas um Deus, vejo-me confrontado com três possibilidades:
- Eles estão a rezar ao demónio enquanto eu estou a rezar a Deus.
- Eles estão a rezar a nada, pois os seus deuses não existem.
- Eles estão a rezar ao mesmo Deus que eu; todavia, o seu entendimento da Sua natureza é parcialmente incompleto (como de resto é o meu: 1 Cor. 13:12)
É sem hesitação que aceito a terceira possibilidade."

Atrevo-me a ir mais longe: mesmo se, chegado o fim do caminho, nada haja afinal no alto da Montanha, não poderia ter feito melhor viagem do que a que tenho feito na companhia dos Meus Queridos Irmãos.

Paulo M.

23 fevereiro 2011

Origem e primórdios do Rito Escocês Antigo e Aceite - de 1805 em diante

Digo frequentemente que os maçons não são perfeitos e sabem-no: por isso buscam aperfeiçoar-se. A querela que levou à rutura do acordo entre o Supremo Conselho do Rito Escocês Antigo e Aceite e o Grande Oriente de França, referido no texto anterior, é mais uma ilustração deste meu entendimento. A rutura teve uma razão tão mal amanhada que, ou foi resultado de uma muito pouco inteligente falta de tolerância e de paciência, ou foi mero pretexto para encobrir as verdadeiras razões desta - talvez mesquinhas lutas de ilusório poder.

Recorde-se que, até à celebração do acordo com o Supremo Conselho do Rito Escocês Antigo e Aceite, o Grande Oriente de França apenas praticava o Rito Francês, semelhante ao rito praticado pela Grande Loja dos Modernos. Com o acordo, o GOF passava a praticar também o Rito Escocês Antigo e Aceite, inspirado no rito praticado pela Grande Loja dos Antigos.

Mas as instalações onde o GOF reunia estavam preparadas para o Rito Francês. Era normal. Seria também natural que demorasse algum tempo até estarem disponíveis templos especificamente preparados para o Rito Escocês Antigo e Aceite. E seria logicamente admissível que, até lá, o trabalho no REAA se fizesse nas instalações disponíveis. E era razoável que, assim sendo, houvesse as necessárias adaptações na prática do rito em função das instalações disponíveis.

Porém, logo em 1805 o Supremo Conselho declarou que o GOF tinha violado o acordado pela prática do REAA nessas circunstâncias e os seus membros retiraram-se do GOF, passaram a trabalhar o rito sozinhos e reativaram a Grande Loja Geral Escocesa, para trabalhar os três primeiros graus do rito. Depararam-se, porém, com um problema: a falta de quadros suficientes para manter o rito em funcionamento, atento o interesse que despertara. Tentaram, sem grande êxito, aliciar Oficiais do GOF para dirigirem os Altos Graus do rito.

Entretanto, o GOF reagiu lutando contra as tentativas de afirmação e implantação do REAA sob os auspícios do Supremo Conselho e da Grande Loja Geral Escocesa.

Em menos de um ano estragou-se tudo o que se conseguira em 1804. Em menos de dez anos, o REAA praticamente desapareceu de França, a Grande Loja Geral Escocesa desvaneceu-se na irrelevância e o Supremo Conselho Francês, continuando a dar mostras de pouca razoabilidade, não só não conseguia impedir o naufrágio como ainda se esgotava em querelas com o primeiro Supremo Conselho instituído, o americano. O resultado desse acumular de erros, más decisões, querelas, irrelevâncias, dificilmente poderia ser diferente do que foi: em 1814, por decisão unilateral, o Grande Oriente de França, invocando o acordo de 1804, assumia diretamente o controlo sobre o Rito Escocês Antigo e Aceite, em conjunto com o Rito Francês, nos três primeiros graus, e, em 1816, assumiu a jurisdição do rito até ao grau 18 (Cavaleiro Rosa-Cruz), criando Lojas Capitulares, presididas por Cavaleiros Rosa-Cruz, que trabalhavam os graus desde o 1.º ao 18.º. Do 19.º em diante, o rito continuava sob a alçada do Supremo Conselho.

No entanto, o Supremo Conselho americano permaneceu com a sua estrutura inicial: os três primeiros graus sob a alçada das grandes Lojas e os restantes sob administração do Supremo Conselho.

Com o decorrer do tempo, a fórmula original, americana, cresceu, implantou-se um pouco por todo o lado e veio a lograr retomar o controlo para o Supremo Conselho dos graus 4.º ao 18.º, também em França. Demorou anos e muitos esforços para reparar o erro de 1805! Uma vez atingida a unificação da prática do rito a nível global, este desenvolveu-se na sua forma atual, por todo o Mundo. Até hoje.

Fonte:
http://www.oficina-reaa.org.br/v1/index.php?option=com_content&view=article&id=53:detalhes-dos-rituais-azuis-do-reaa&catid=38:trabalhos0&Itemid=2

Rui Bandeira

20 fevereiro 2011

O conceito maçónico de "Grande Arquiteto Do Universo" - II



Todo-poderoso, Senhor, Altíssimo, Santo de Israel, Criador, Eterno; Deus sempre foi referido por muitos nomes, não só nas tradição judaico-cristã como noutras. "Grande Arquiteto do Universo" é só mais um nome, para além dos muitos que já existiam, dirigido à mesma Entidade. A designação escolhida liga o Divino ao simbolismo adotado pela Maçonaria, tornando-O mais próximo ao atribuir-lhe um nome partilhado por poucos - assim como aqueles nomes por que somos conhecidos apenas no mais restrito círculo familiar, mas não mais além.

Não creio - mas é questão de mera convicção pessoal, que vale o que vale e só até que encontre verdade mais sustentada - que estivesse na génese da criação desta expressão a preocupação em encontrar-se uma designação que fosse neutra de modo que nenhuma religião ou fé pudesse reclamá-la para si, e que igualmente nenhuma pudesse ver como absolutamente estranha. Todavia, à medida que a Maçonaria foi abarcando no seu seio mais do que apenas cristãos - como sucedia de início - e alargou o seu âmbito às outras religiões "do Livro", e depois a muitas outras, a neutralidade dessa designação acabou por revelar essa enorme utilidade.

No entanto, só depois de ser iniciado e de assistir a várias sessões é que me apercebi do quanto ainda existe na maçonaria que trai as suas origens judaico-cristãs: a expressão "Deus" ainda é referida, bem como algumas passagens da Bíblia / Torah. Nada surge que seja inequivocamente do acervo de outras religiões. No entanto, a designação "Grande Arquiteto Do Universo" é recorrente, especialmente numa circunstância: na expressão "À Glória Do Grande Arquiteto Do Universo". Esta expressão, no meu entender, é que é a chave para a exigência da fé no "Grande Arquiteto do Universo".

De facto, o facto de a Maçonaria Regular trabalhar "À Glória Do Grande Arquiteto Do Universo" constitui uma afirmação mais estrita do que a mera manifestação de fé no "Grande Arquiteto Do Universo". Não basta então crer em Deus; é preciso estar disposto a trabalhar à Sua glória, e isso limita, de imediato, as diversas conceções possíveis de Divindade. Uma divindade apenas criadora - qual pai ausente tendo abandonado o lar, apenas gerador mas não educador - não cairá, possivelmente, dentro deste conceito. Uma difusa "força impulsionadora para o bem", como é entendida por alguns budistas, não o será também.

A crença em que dos nossos bons atos decorre a Glória daquele a quem chamamos "Grande Arquiteto Do Universo" constitui um poderoso elemento de coesão e de identificação - e, na perspetiva oposta, pode constituir forte fator de desconforto e alienação para quem não partilhe dessa convicção. E a exigência desta crença serve, precisamente, para manter os maçons regulares coesos pela partilha dessa identidade.

Por esta razão, e no meu entender, a pergunta feita a um neófito não deveria ser apenas "Acredita no Grande Arquiteto do Universo?", mas mais na linha de "Identifica-se com a ideia de que o Homem deve trabalhar À Glória do Grande Arquiteto do Universo?"  Mais do que estéreis (porque inconclusivas) discussões filosóficas entre teísmos e deísmos, parece-me ser esta convicção de que não só há um Deus, mas de que Ele é glorificado pelos que fazemos de bom, o que estabelece a resposta a que crenças cabem - ou não cabem - no seio da Maçonaria Regular tal como esta é entendida nos dias de hoje.

Paulo M.

16 fevereiro 2011

Origem e primórdios do Rito Escocês Antigo e Aceite - 1804


Em outubro de 1804, foi criado o Segundo Supremo Conselho do Rito Escocês Antigo e Aceite no Mundo. Foi em Paris e destinava-se a difundir o Rito na Europa.

Recorde-se que fora na Europa que fora concebido o rito de Altos Graus em 25 graus denominado Rito de Perfeição. Exportado para a América, nos Estados Unidos veio a evoluir para um rito de 33 graus, incluindo os três graus simbólicos de Aprendiz, Companheiro e Mestre com a denominação de Rito Escocês Antigo e Aceite.

No entanto, na Europa o que existia era, por um lado, a Maçonaria que hoje denominamos de Simbólica, dos três graus de Aprendiz, Companheiro e Mestre, praticada no rito exportado pelos Modernos da Premier Grande Lodge de Londres e, por outro, a profusão de chamados Altos Graus, algo desorganizada.

Ainda em outubro de 1804, uma Assembleia Geral do nóvel Supremo Conselho de França deliberou fundar, também em Paris, uma Grande Loja Geral Escocesa, para organizar o ritual das Lojas Azuis do Rito Escocês Antigo e Aceite. Emulava-se assim a regra da Maçonaria inglesa de colocar sobre a jurisdição de uma grande Loja os três primeiros graus e estabelecia-se concorrência com o rito inglês nas Lojas Azuis. O ritual estabelecido teve como base o Rito Antigo e Aceite praticado pela Grande Loja dos Antigos em Inglaterra.

Cabe aqui chamar a atenção que, na época, estava pujante a rivalidade entre Modernos e Antigos. Só em 1815 a reunificação maçónica ocorreria em Inglaterra, com a fusão das duas Grandes Lojas rivais na Grande Loja Unida de Inglaterra. Tendo isto em perspetiva, impõe-se a consideração de que a implantação em França dos três primeiros graus do Rito Escocês Antigo e Aceite foi feita em claro contraponto aos Modernos e apoio às posições dos Antigos, daí resultando a reivindicação do rito da sua antiga linhagem de direto herdeiro da verdadeira maçonaria, preservada pelos Escoceses (os adeptos dos Stuarts e não os nacionais da Escócia, note-se) e pelos Antigos.

O Grande Oriente de França tinha como rito oficial o chamado Rito Escocês dos Modernos, também chamado Rito Francês ou Moderno, semelhante ao praticado pelas Lojas inglesas dos Modernos, que passou assim a sofrer a concorrência do Rito Escocês Antigo e Aceite, nos três primeiros graus.

Inteligentemente, e a fim de evitar que viesse a crescer e a fazer efetiva concorrência ao Grande Oriente de França a Grande Loja Geral Escocesa, braço do Supremo Conselho de França para os três graus das Lojas Azuis, o Grande Oriente de França logrou celebrar, ainda em 1804, um acordo com o Supremo Conselho através do qual o Rito Escocês Antigo e Aceite nos três primeiros graus seria também praticado dentro do Grande Oriente de França. Foi um acordo inteligente, porque com ele ambas as partes asseguraram os seus principais objetivos: o Grande Oriente absorvia à nascença a possibilidade de concorrência institucional quanto aos três graus das Lojas Azuis; o Supremo Conselho obtinha a caução institucional para o desenvolvimento do Rito Escocês Antigo e Aceite em França e, podia, a partir daí, difundi-lo pela Europa.

Tudo parecia justo e perfeito. O Rito Escocês Antigo e Aceite chegava (regressava, enquanto sucessor do Rito de Perfeição) à Europa e, em menos de um trimestre, obtinha caução institucional, estabelecia-se nos três primeiros graus e tinha abertas as portas da grande Obediência continental europeia, o Grande Oriente de França. Porém costuma dizer-se que, na cultura cigana, não se gosta de ver bons começos aos filhos, porque serão ilusórios e seguidos de dificuldades sem que estes se tenham preparado para elas. No caso da implantação do Rito Escocês Antigo e Aceite assim veio a suceder: o inteligente acordo durou pouco, muito pouco, torpedeado por querelas de poder e o bom princípio viria a ser apenas um breve introito para um período de turbulência. Veremos isso no próximo texto.

Fonte:

http://www.oficina-reaa.org.br/v1/index.php?option=com_content&view=article&id=53:detalhes-dos-rituais-azuis-do-reaa&catid=38:trabalhos0&Itemid=2

Rui Bandeira

14 fevereiro 2011

O conceito maçónico de "Grande Arquiteto Do Universo" - I



Fui desafiado a escrever sobre a minha metamorfose - o que mudou em mim desde que fui iniciado até agora. Mais do que escrever um texto sobre isso, decidi escrever vários, cada um sobre uma faceta distinta. Tenho relido textos antigos do blogue, emails antigos trocados antes da minha entrada para a Maçonaria, e é curioso constatar que já sei responder a algumas das questões que colocava na altura. Uma delas prende-se com o conceito de "Grande Arquiteto do Universo", que deu direito um texto do José Ruah, seguido de outro texto do Rui Bandeira.

O José Ruah respondeu pela via semântica do conceito: GADU é o nome que a Maçonaria dá ao que normalmente se chama "Deus". Por cada religião, crença ou fé ter, em muitos casos, nomenclaturas diferentes para o mesmo conceito ou para conceitos semelhantes, e pretendendo a Maçonaria ser equidistante de todas as crenças, opta por um termo que não seja próprio de nenhuma religião ou fé, mas que não choque, em princípio, nenhuma delas, podendo ser usado no lugar do nome da Divindade de cada uma.

Já o Rui Bandeira procurou uma resposta focada no significado estrito da expressão: por ser o GADU o Criador do Universo, este mesmo Universo seria a chave do conhecimento do seu Criador. Assim, através da contemplação das estrelas numa noite límpida poder-se-ia ter um vislumbre do Divino, e que era esse mesmo conceito - o de Criador - que a Maçonaria designava por "Grande Arquiteto Do Universo".

Ambos insistiam, porém, que nada disto era importante, pois a única pergunta que a Maçonaria fazia a tal respeito a quem a ela pretendia aderir era simples: "Acredita no Grande Arquiteto do Universo?" e a resposta era igualmente simples: sim, ou não. Mas custava-me entender a utilidade de se aceitar como resposta a confirmação da crença num conceito que não se explicava nem se explicitava.

Durante bastante tempo - e já depois de ter dito "que sim, que acreditava", e de ter sido iniciado - debati-me com esta académica questão: afinal, porque é que a Maçonaria exige que se acredite numa coisa cuja natureza não especifica? E, de tanto pensar, um dia fez-se luz - e os dois Marretas tinham razão, a questão colocada era a chave de tudo. O problema era que eu me tinha debruçado sobre o lado errado da equação.

"Acredita no Grande Arquiteto do Universo?"

E logo fui eu, cientificamente, tentar dissecar, escrutinar, meter sob o microscópio, o tal "GADU". Quando o importante não era o GADU ou a sua natureza. A esse respeito - e quanto ao entendimento que cada um tem de GADU - a Maçonaria Regular não só não exige saber, como quase que exige não saber. O que a Maçonaria Regular quer saber é outra coisa muito mais simples:

"Acredita?"

Pois é; afinal era mesmo simples. "Acredita?", ou seja: "Tem fé?" O acreditar-se é que é o importante, e não aquilo em que se acredita. Mas porquê? Ah, isso fica para o próximo texto...

Paulo M.