20 fevereiro 2011

O conceito maçónico de "Grande Arquiteto Do Universo" - II



Todo-poderoso, Senhor, Altíssimo, Santo de Israel, Criador, Eterno; Deus sempre foi referido por muitos nomes, não só nas tradição judaico-cristã como noutras. "Grande Arquiteto do Universo" é só mais um nome, para além dos muitos que já existiam, dirigido à mesma Entidade. A designação escolhida liga o Divino ao simbolismo adotado pela Maçonaria, tornando-O mais próximo ao atribuir-lhe um nome partilhado por poucos - assim como aqueles nomes por que somos conhecidos apenas no mais restrito círculo familiar, mas não mais além.

Não creio - mas é questão de mera convicção pessoal, que vale o que vale e só até que encontre verdade mais sustentada - que estivesse na génese da criação desta expressão a preocupação em encontrar-se uma designação que fosse neutra de modo que nenhuma religião ou fé pudesse reclamá-la para si, e que igualmente nenhuma pudesse ver como absolutamente estranha. Todavia, à medida que a Maçonaria foi abarcando no seu seio mais do que apenas cristãos - como sucedia de início - e alargou o seu âmbito às outras religiões "do Livro", e depois a muitas outras, a neutralidade dessa designação acabou por revelar essa enorme utilidade.

No entanto, só depois de ser iniciado e de assistir a várias sessões é que me apercebi do quanto ainda existe na maçonaria que trai as suas origens judaico-cristãs: a expressão "Deus" ainda é referida, bem como algumas passagens da Bíblia / Torah. Nada surge que seja inequivocamente do acervo de outras religiões. No entanto, a designação "Grande Arquiteto Do Universo" é recorrente, especialmente numa circunstância: na expressão "À Glória Do Grande Arquiteto Do Universo". Esta expressão, no meu entender, é que é a chave para a exigência da fé no "Grande Arquiteto do Universo".

De facto, o facto de a Maçonaria Regular trabalhar "À Glória Do Grande Arquiteto Do Universo" constitui uma afirmação mais estrita do que a mera manifestação de fé no "Grande Arquiteto Do Universo". Não basta então crer em Deus; é preciso estar disposto a trabalhar à Sua glória, e isso limita, de imediato, as diversas conceções possíveis de Divindade. Uma divindade apenas criadora - qual pai ausente tendo abandonado o lar, apenas gerador mas não educador - não cairá, possivelmente, dentro deste conceito. Uma difusa "força impulsionadora para o bem", como é entendida por alguns budistas, não o será também.

A crença em que dos nossos bons atos decorre a Glória daquele a quem chamamos "Grande Arquiteto Do Universo" constitui um poderoso elemento de coesão e de identificação - e, na perspetiva oposta, pode constituir forte fator de desconforto e alienação para quem não partilhe dessa convicção. E a exigência desta crença serve, precisamente, para manter os maçons regulares coesos pela partilha dessa identidade.

Por esta razão, e no meu entender, a pergunta feita a um neófito não deveria ser apenas "Acredita no Grande Arquiteto do Universo?", mas mais na linha de "Identifica-se com a ideia de que o Homem deve trabalhar À Glória do Grande Arquiteto do Universo?"  Mais do que estéreis (porque inconclusivas) discussões filosóficas entre teísmos e deísmos, parece-me ser esta convicção de que não só há um Deus, mas de que Ele é glorificado pelos que fazemos de bom, o que estabelece a resposta a que crenças cabem - ou não cabem - no seio da Maçonaria Regular tal como esta é entendida nos dias de hoje.

Paulo M.

7 comentários:

Candido disse...

Meu caro Paulo.
Não contesto o que escreve, mas gostava de meter mais uns ovos no
"ninho".
Ser Deísta não é também condição única para ser Maçom.A Maçonaria é vivenciada e por isso pressupõe uma filosofia de vida! Quem interpretar simbolos como sinalética,embora crente e religioso,não vai a lado nenhum, e a Maçonaria para essa gente é um clube de gente boa e nada mais.
Palavra de Mestre não deve ser contestada, no entanto....
Abraço

Rui Bandeira disse...

A minha conceção é mais aberta e mais abrangente do que a do Paulo M.

Pelo que deduzo do comentário anterior, a conceção do candido será, simultaneamente, mais abrangente, num aspeto, e mais focada, noutro, do que a minha.

Esta é a riqueza da Maçonaria:a livre e proveitosa coexistência de ideias, cada um podendo expor, livremente e sem receio de ser por isso atacado ou menosprezado, as suas e todos podendo beneficiar dos diversos pontos de vista.

E tudo isto se fazendo à Glória do grande Arquiteto do Universo, deixando que cada um entenda o GADU como entenda, mas também entenda o que é a Sua Glória como entenda...

Diogo disse...

Caro Paulo M.

E que dizer dos outros? Por exemplo dos ateus que se consideram boas pessoas, como é o meu caso? Eu não trabalho À Glória de nenhum Grande Arquitecto. Limito-me a levar uma vida onde tento fazer o melhor possível.

Abraço

Paulo M. disse...

@candido: Nunca disse que ser Deísta era condição - e ainda menos única - para se ser maçom. E não esqueçamos que a(s) Maçonaria(s) cultiva(m) a diversidade... Quanto à "Palavra de Mestre" não dever ser contestada, direi que dependerá do momento e das circunstâncias, mas sobretudo da Palavra e do Mestre! Neste texto fui - espero - suficientemente explícito ao referir que a maior parte não passa da minha humilde e frágil posição pessoal, que também espero ter deixado claro estar, a este respeito, apenas rabiscada na areia, e não talhada em pedra...

@Rui Bandeira: sem diversidade de pensamento a nossa vida seria mortalmente aborrecida. Quanto à natureza da Glória, por mim até pode ser a filha da vizinha do 4º Esq... desde que quem assim pense se sinta bem entre nós.

@Diogo: Seja muito bem (re) aparecido. Nunca me ouviu dizer - nem ouvirá, e se ouvir dê o desconto, que é o Alzheimer a falar por mim - que um ateu, por sê-lo, fosse má pessoa. Creia que o entendo muito bem, pois na minha incerteza já balancei entre os dois extremos. Note, porém, que tudo o que disse se refere à Maçonaria Regular. Por esta altura já saberá o que esta é, e que existe outra corrente - a Maçonaria Liberal - que se distingue da Maçonaria Regular, essencialmente, por aceitar ateus e/ou mulheres, e por permitir a discussão de política e religião em Sessão de Loja. Se o seu problema é sentir-se "deixado de fora" da Maçonaria Regular por estas diferenças, mas se identifica com o resto do "ideário" - chamemos-lhe assim - da Maçonaria, estou certo de que o Grande Oriente Lusitano, por exemplo, saberá orientá-lo melhor do que nós.

Um abraço,
Paulo M.

Jocelino Neto disse...

"Não é possível convencer um crente de coisa alguma, pois suas crenças não se baseiam em evidências; baseiam-se numa profunda necessidade de acreditar"

Carl Sagan

"Estou convicto. Não creio"

Autor anônimo.

Unknown disse...

independente de ser ateu ou cristão segue o mesmo conceito ?
osvaldo

Rui Bandeira disse...

Na Maçonaria Regular só se aceitam crentes. Na Maçonaria Liberal, aceitam-se ateus. Por definição o ateu não crê no GADU, pelo que, para este, o conceito é vazio. A Maçonaria Regular trabalha à Glória do Grande Arquiteto do Universo. A Maçonaria Liberal a bem da Humanidade.