04 agosto 2010

A nota de um dólar dos Estados Unidos e as teorias da conspiração (IV - conclusão)

Nos três textos anteriores, expliquei detalhadamente como a pirâmide de 13 degraus e o Olho da Providência foram incluídos no Grande Selo dos EUA e, ulteriormente, na nota de um dólar americano, demonstrando que essa inclusão nada tem a ver com Maçonaria e que a simbologia ali utilizada nada teve a ver com a mesma.

Mas afinal os ditos símbolos são maçónicos ou não?

O Olho da Providência é uma ancestral representação da Divindade. Na mitologia egípcia, encontramos o "Olho de Ra", também chamado de "Olho de Hórus".

No Budismo, Buda é frequentemente referido como o "olho do Mundo".

Na iconografia cristã medieval e da Renascença, o símbolo é representado através de um olho inscrito no interior de um triângulo e é utilizado como representação da Santíssima Trindade.

Na iconografia maçónica original, este símbolo não existia. A mesma resumia-se ao compasso, ao esquadro, a outras ferramentas da Arte da Construção e a pouco mais.

Mas não olvidemos que a Maçonaria nasce cristã. Só mais tarde, em resultado de todo um percurso de prática da Tolerância evolui para a presente configuração aberta que admite todos os crentes, qualquer que seja a sua religião ou crença particular, num sincretismo que balança entre o teísmo e o deísmo (no meu entender, sendo originariamente teísta e assim se mantendo, mas evoluindo para incluir também as conceções deístas).

Originariamente os maçons eram todos cristãos. Católicos, da Igreja de Inglaterra, luteranos, ou calvinistas, mas todos cristãos. Não admira, assim, que, seja por influência cultural, seja pela crença religiosa, todos os maçons conhecessem e interiorizassem os símbolos cristãos, incluindo o Olho da Providência, símbolo da Santíssima Trindade.

A primeira aparição do Olho da Providência na iconografia maçónica surge apenas em 1797 (já depois da criação do Grande Selo dos Estados Unidos), com a publicação do Freemasons Monitor por Thomas Smith Webb. Ali foi incluída a representação do Olho Que Tudo Vê ou Olho da Providência, como forma de recordar a todos os maçons que os seus pensamentos e atos são observados por Deus, o Grande Arquiteto do Universo. E, a partir daí, foi-se expandindo, também nos meios maçónicos, a utilização do Olho da Providência, como representação e símbolo da Divindade.

Resumindo: o Olho da Providência é ancestralmente um símbolo da Divindade. Desde a Idade Média e Renascença que foi utilizado como símbolo cristão da Santíssima Trindade e nessa aceção foi incluído no Grande Selo dos Estados Unidos e, por essa via, mais tarde, na nota de um dólar americano. Só posteriormente a essa inclusão no Grande Selo é que, pela primeira vez, foi utilizado em ambiente maçónico. Hoje, é correntemente utilizado como símbolo maçónico. Mas essa utilização atual corresponde a uma apropriação pela Maçonaria do símbolo cristão pré-existente.

Quanto à pirâmide de 13 degraus, não tem qualquer significado ou simbologia maçónicos. A iconografia maçónica baseia-se nas ferramentas do ofício da construção e no Antigo Testamento. Particularmente importante nessa iconografia é o Templo de Salomão e a Lenda associada à sua construção. Nada na Maçonaria remete para a Tradição egípcia ou suméria, nem para as pirâmides egípcias (bem vistas as coisas, meros jazigos de gente rica e poderosa...) ou sumérias (tidos como artefatos destinados a favorecer a observação astronómica).

Referências a pirâmides maçónicas? Só no romance de Dan Brown, O Símbolo Perdido! Mas essa não é, de modo algum, uma referência relevante! Por três razões: 1. Trata-se, assumidamente, de uma obra de ficção; 2. Trata-se de uma obra, assumidamente, escrita por alguém que não é maçom; 3. Trata-se de um romance escrito já no século XXI, insuscetível de criar qualquer tradição, e, obviamente, impossível de ter servido de fonte a um qualquer eventual símbolo maçónico existente no século XVIII nos Estados Unidos da América!

Resumindo e concluindo: os badalados símbolos maçónicos do Grande Selo dos Estados Unidos da América e da nota de um dólar americano nem sequer são... símbolos maçónicos! O mais perto que lá se chega é da verificação que, depois da inclusão do Olho da Providência no Grande Selo dos Estados Unidos da América, a Maçonaria apropriou-se e passou a usar também o símbolo, até aí essencialmente cristão do Olho da Providência.

Factos são factos!

Não que eu acredite que os teóricos da conspiração deixem os factos abalar os seus (pobres) argumentos...

Fontes das informações contidas neste texto:

http://pt.wikipedia.org/wiki/Olho_da_Provid%C3%AAncia
http://en.wikipedia.org/wiki/Eye_of_Providence
http://www.masonicinfo.com/eye.htm

Rui Bandeira

02 agosto 2010

A Maçonaria: tecnologia avançada (I)


Arthur C. Clarke, escritor, inventor e futurista, autor de "2001, odisseia no espaço", afirmou um dia que "qualquer tecnologia suficientemente avançada é indistinguível da magia ("any sufficiently advanced technology is indistinguishable from magic"). De facto, se considerarmos que a "magia" consiste no uso de métodos sobrenaturais para manipular forças naturais, pode dizer-se que a tecnologia, por ultrapassar de longe o que podemos encontrar na natureza, pode, num certo sentido, ser considerada "sobrenatural". A tecnologia não deixa, contudo, de se basear solidamente - e unicamente, diria eu - no estudo das leis naturais.

Explicar o funcionamento de muitos dos artefactos que nos rodeiam está bem para além do conhecimento do cidadão comum. Já não falo de saber explicar como funciona, por exemplo, um telemóvel ou um televisor; mas quantos saberiam explicar como funciona um simples relógio mecânico - como um despertador de corda - ou uns binóculos? Para os explicar são necessários alguns rudimentos de ótica num caso, e de mecânica no outro. No entanto, uma vez transmitidos e apreendidos os conceitos, poder-se-ia avançar para o entendimento de engenhos mais avançados - como um motor a vapor, por exemplo. Por outro lado, se tentarmos explicar como funciona um despertador sem nos assegurarmos de que o nosso interlocutor sabe o que é uma alavanca e quais os seus princípios subjacentes, o que é por sua vez essencial ao entendimento de como funciona uma roda dentada, então estamos condenados ao fracasso. O conhecimento desta natureza deve ser tansmitido de forma sequencial, começando-se pelo simples e criando-se progressivamente alguma complexidade com base no conhecimento adquirido, de modo a garantir-se a sua interiorização.

Há casos conhecidos de exposição de alguns povos a tecnologias para as quais estes não dispunham de bases de entendimento, e do subsequente aparecimento de cultos de caráter religioso em torno das mesmas. Um dos exemplos famosos é o culto à carga, um tipo de prática religiosa que apareceu em muitas sociedades tribais tradicionais aquando do contacto e interação com culturas tecnologicamente mais avançadas. Esses cultos focam-se na obtenção de riqueza material (a "carga") da cultura avançada através de práticas e rituais mágicos e religiosos, crendo que a riqueza lhes fora facultada e destinada pelas suas divindades e antepassados. É assim que, enquanto que é para nós evidente que o lançamento de mantimentos por avião durante uma fome é um ato de solidariedade, para alguns dos que recebem essa ajuda é de magia que se trata.

O modo racional e científico de olhar o mundo está de tal modo imbuído da nossa forma de pensar eurocêntrica e ocidental que nos custa a ponderar as alternativas. Muitos dos povos do mundo ainda estão arredados dos fundamentos da forma de pensar que levou ao surgimento do pensamento e do método científicos: a experimentação e repetição, o isolamento das causas dos fenómenos, o raciocínio e a matemática enquanto ferramentas de trabalho. Em seu lugar encontramos uma profusão de conhecimentos passados de geração em geração em que se mistura informação útil sobre plantas, animais e metodologias validáveis com superstições, demonologias e pura feitiçaria. De facto, a própria matriz cultural subjacente à interiorização enquanto "fenómenos mágicos" de meros acontecimentos naturais dificulta tremendamente a tentativa de explicação da sua verdadeira natureza. Não é, assim, senão natural que manifestações de tecnologias estranhas sejam interpretadas como poderosas magias aos olhos de quem apenas encontra magia no mundo que o rodeia.

Paulo M.

30 julho 2010

Por que são secretos os rituais maçónicos



Como se disse já, a Maçonaria tem apenas três tipos de segredos: os rituais, os meios de reconhecimento e a identidade dos seus membros. Debrucemo-nos hoje sobre os rituais.

Recordo claramente o "ritual" de início de cada dia de escola: entrávamos todos em fila, ordeiramente e em silêncio, colocávamo-nos em locais pré-determinados, respondíamos à chamada, preparávamos os instrumentos de trabalho (a caneta e o caderno diário) e escrevíamos o local e a data do dia, seguidos do sumário; depois disso, cada um tinha procedimentos a seguir - se, por exemplo, pretendia falar, tinha que levantar o braço - bem como tinha variadas limitações à sua ação - não podíamos levantar-nos sem autorização, por exemplo.

Identicamente, os rituais maçónicos determinam e regulam uma série de acontecimentos que sucedem durante uma reunião (a que os maçons chamam "sessão"), no sentido de conferir alguma ordem aos trabalhos - precisamente do mesmo modo que numa sala de aula. Assim, fazem parte dos rituais procedimentos meramente administrativos como o são a chamada ou a leitura da ata da sessão anterior. Estes procedimentos nada têm de secreto, e poderia dizer-se que só não se referem por não o merecerem, de tão enfadonhos que são...

Por outro lado, os rituais também são uma espécie de "peças de teatro", no sentido em que há vários "atores" com "falas" e ações bem definidas e pré-determinadas. Estas ações são um pouco mais elaboradas do que é costume noutras circunstâncias do nosso dia-a-dia, e muito do que se diz e faz é simbólico. O simbolismo, em si, não é oculto; já o significado que lhe é atribuído em determinado contexto pode sê-lo. Há coisas que estão à vista desde o primeiro dia em que se entra num templo maçónico e que nunca são explicadas, antes sendo deixadas - como tantas outras - à interpretação e interiorização de cada um. De outras é dada uma explicação em determinado contexto, como na cerimónia de Iniciação - em que se passa de Profano a Aprendiz - na passagem de Aprendiz a Companheiro, ou na de Companheiro a Mestre. Esses "rituais secretos" nada têm de interessante para quem esteja fora do contexto. Imaginem um músico a assistir a uma secretíssima reunião de alta finança num banco; ou uma pessoa como eu, avessa a futebol, a assistir às secretíssimas reuniões do Mourinho com a sua equipa em vésperas de um grande jogo... Para essas pessoas, pouca ou nenhuma valia teria esse conhecimento.

Então porquê o secretismo? Por uma razão: porque, para aqueles a quem interessa, há um momento certo para se saber. E porque é que há esse "momento certo", e não se pode saber logo? Procurei um bom paralelismo que o explicasse, e creio que o encontrei: imaginem-se a ler um bom livro policial, daqueles bem elaborados; ou a ver um bom filme de suspense. Agora imaginem que alguém chega, e vos diz: "Ah, conheço, já vi, foi o mordomo na biblioteca com o candelabro." Pior: imaginem que vo-lo dizem mesmo antes de iniciarem o livro ou o filme. Acham que irão retirar o mesmo prazer, ler com o mesmo empenho, analisar com o mesmo estímulo? Claro que não. A experiência ficou arruinada pelo conhecimento prévio. O mesmo se passa com os rituais maçónicos. Por isso se recomenda a quem pretenda ingressar a Maçonaria que não leia, não procure, não se informe. Mas, se o fizer, apenas a si mesmo se prejudica - na mesma medida de alguém que, sorrateiramente, ludibriando-se a si mesmo, ardendo de curiosidade, fosse ler as últimas páginas do tal romance policial.

Por isso, e se não pretendem alguma vez ser admitidos na Maçonaria - ou se pretendem mas querem garantir que a experiência fique irremediavelmente arruinada - então basta procurarem que, com o auxílio do nosso "amigo" Google, terão, com alguma diligência e arte, acesso a dezenas de versões de rituais maçónicos de diversas épocas, locais e obediências.

Encontrarão também, se as procurarem, partituras de obras musicais famosas, e mesmo vídeos das mesmas. Mas - ah! - só quem já cantou num coro ou tocou numa orquestra sabe o quão diferente é estar de fora a ver, ou participar de dentro. Tentem que vos expliquem a diferença, e serão unânimes: "não dá para explicar, tens que viver a experiência para a compreenderes". Com um ritual maçónico - já o adivinharam - passa-se o mesmo. Não se explica, não se revela, não se estuda - vive-se, ou não se entende.

Paulo M.

28 julho 2010

A nota de um dólar dos Estados Unidos e as teorias da conspiração (III)


Nos textos anteriores, mostrei que as imagens do verso da nota de um dólar americano são, afinal, o verso e reverso do Grande Selo dos Estados Unidos e que os símbolos ali insertos nada têm a ver com a Maçonaria e tudo têm a ver com a independência daquele país. Nada que abale as "certezas" dos teóricos da conspiração, sei-o bem. Mas o meu propósito é esclarecer as dúvidas de quem as tem, não abalar "certezas" de iluminados por "verdades ocultas"... Os teóricos da conspiração, em síntese, clamam que, na nota de dólar, e no Grande Selo dos EUA, os maléficos maçons introduziram símbolos seus (não esclarecem para quê, mas isso são detalhes...). Não se comovem com as explicações demonstrativas de que os símbolos em causa não são maçónicos, sobretudo quando formuladas por um maçom - que, obviamente, faz parte da Grande Conspiração Maçónica e está a querer ocultar, disfarçar, esta ponta levantada do véu da Grande Conspiração Maçónica...

Não basta, portanto, a demonstração que já fiz. É preciso ir mais além. E ir mais além é divulgar o processo de criação do Grande Selo dos EUA - e deixar que cada um ajuíze, em função dessa informação e dos demais elementos fornecidos, a validade da teoria da conspiração!

Logo em 4 de julho de 1776, dia da Declaração de Independência, o então designado Congresso Continental nomeou a primeira comissão para desenhar o Grande Selo ou emblema da nova nação. Acabaram por ser necessários seis anos, três comissões e os contributos de catorze homens para que o Congresso finalmente viesse a aprovar tal símbolo dos Estados Unidos. O desenho aprovado incluía elementos das propostas de cada uma das três comissões sucessivamente designadas.

Compunham a primeira comissão Benjamin Franklin, Thomas Jefferson e John Adams. Dos três, só o primeiro foi maçom. E a sua proposta não foi aceite!

Franklin escolheu uma cena alegórica do Êxodo, que descreveu como "Moisés de pé à beira-mar, estendendo a sua mão sobre este e causando o afogamento do exército do Faraó". A divisa que propôs foi: "A Rebelião Contra Os Tiranos É Obediência A Deus". Jefferson sugeriu uma representação dos Filhos de Israel perdidos, guiados de dia por uma nuvem e de noite por uma coluna de fogo, para o verso do Selo; para o reverso, propôs a efígie de Hengest e Horsa, os dois irmãos que foram os lendários líderes dos primeiros colonos anglossaxões na Bretanha. Adams escolheu uma pintura chamada " Julgamento de Hércules", na qual este tem de escolher entre o florido caminho da Facilidade ou o rude carreiro do Dever e da Honra. Não sendo versados em heráldica, pediram a ajuda de um artista plástico de Filadélfia, Pierre Eugene du Simitiere (não foi maçom), que veio a elaborar uma proposta com um brasão com seis secções, simbolizando os seis países de onde eram originários os habitantes das colónias independentistas (Inglaterra, Escócia, Irlanda, França, Alemanha e Holanda), rodeado pelas iniciais dos treze estados. Suportavam o brasão uma figura feminina, a Liberdade, e um soldado americano. Sobre o brasão, o "Olho da Providência" inscrito num Triângulo Radiante e a divisa E plurubus unum.

A Comissão apresentou o seu relatório com as quatro propostas ao Congresso. Este escolheu a proposta de Pierre du Simitiere, mas pretendendo alterações. Insatisfeito, não deu a sua aprovação final, vindo a ser nomeada uma segunda comissão. Do conjunto de propostas desta primeira comissão, foram incluídos no desenho final do Grande Selo a divisa, o "Olho da Providência" e a inclusão da data 1776.

A segunda comissão nomeada foi constituída por James Lovell, John Morin Scott e William Churchill Houston. Tal como os anteriores nomeados, procuraram a ajuda de alguém mais versado em heráldica, Francis Hopkinson, que foi quem fez a maior parte do trabalho. Nenhum dos quatro foi maçom. Embora tal tenha sido alegado quanto a Hopkinson, não existe qualquer prova ou registo disso. Hopkinson, um dos signatários da Declaração de Independência, ajudara a desenhar a bandeira americana e foi autor dos Selos de vários Estados. Apresentou duas propostas, com temas de guerra e paz. A primeira continha um escudo com treze barras diagonais, alternadamente vermelhas e brancas, suportado num dos lados pela Paz, uma figura feminina com um ramo de oliveira, e no outro por um guerreiro índio, com arco e flechas. Por cima, uma constelação radiante de treze estrelas. A divisa era "Preparado Para A Guerra E Para A Paz". No verso, a Liberdade, sentada numa cadeira, segurando um ramo de oliveira, com a divisa "Perene pela virtude" e a data 1776. Na segunda proposta, o guerreiro índio foi substituído por um soldado segurando uma espada e a divisa foi encurtada para "Para A Guerra Ou Para A Paz". A Comissão escolheu a segunda proposta e apresentou-a ao Congresso. Mais uma vez, o Congresso não deu a sua aprovação, vindo a nomear uma terceira comissão. Da proposta desta segunda comissão, transitaram para o desenho final as treze listas no escudo e respetivas cores, a constelação de estrelas rodeada por nuvens, o ramo de oliveira e as flechas (da primeira proposta de Hopkinson).

A terceira Comissão nomeada foi constituída por John Rutledge, Arthur Middleton e Elias Boudinot. Rutledge veio a ser substituído por Arthur Lee, mas a nomeação deste nunca foi oficialmente formalizada. Tal como sucedera com as duas comissões anteriores, o grosso do trabalho foi delegado num especialista em heráldica, Willam Barton. Nenhum destes homens foi maçom. A proposta de Barton, que a Comissão veio a submeter ao Congresso, continha um escudo ladeado por uma jovem, representando o Génio Da República Americana Confederada" e por um soldado americano. Ao alto, uma águia. No escudo, um pilar com uma Fénix Em Chamas. As divisas eram "Em Defesa Da Liberdade" e "Só Virtude Invicta". No reverso, uma pirâmide de treze degraus encimada por um "Olho da Providência" radiante (da primeira comissão) e as divisas "Com O Favor De Deus" e "Perene". Ainda uma terceira vez, a proposta não mereceu a aprovação do Congresso. Da proposta da terceira comissão, transitou para o desenho final a pirâmide de treze degraus.

Em 13 de junho de 1782, o Congresso entregou ao seu Secretário, Charles Thomson (não foi maçom) os projetos das três comissões e encarregou-o de elaborar um novo desenho. Thomson, utilizando elementos das propostas das três comissões, elaborou o que veio a ser o projeto finalmente aprovado. De seu, as divisas Annuit Coeptis (Ele aprova o nosso empreendimento) e Novus ordo seclorum (Nova Ordem Dos Séculos). Antes da submissão final ao Congresso, solicitou a Barton que efetuasse uma revisão final, tendo este alterado o sentido das listas para vertical e a posição das asas da águia. O projeto final assim resultante foi submetido ao Congresso em 20 de junho de 1782 e nesse dia finalmente aprovado!

Como se vê, uma conceção detalhadamente analisada, feita, refeita e feita de novo, com a participação de catorze homens, dos quais apenas um maçom - e cuja proposta em nada contribuiu para o resultado final!

E é perante estes factos - comprovados, registados! - que os teóricos das conspirações brandem as suas "certezas"! Mais palavras para quê?

Fontes das informações contidas neste texto:

http://en.wikipedia.org/wiki/Great_Seal_of_the_United_States#History
http://en.wikipedia.org/wiki/Great_Seal_of_the_United_States#Speculation_and_conspiracy_theory

Rui Bandeira

26 julho 2010

Tudo se aprende, nada se ensina


O mundo só se nos mostra pelos nossos sentido, e a complexidade e a variabilidade da realidade ultrapassam a nossa capacidade de absorver a individualidade de cada ocorrência. Para lidar com essa complexidade generalizamos, sintetizamos e normalizamos, considerando, de acordo com a nossa vivência, serem idênticas coisas que, na verdade, são ligeiramente diferentes. Este mecanismo faculta-nos mais informação, que por sua vez nos permite entender, antecipar e reagir melhor àquilo que sucede em nosso redor. No entanto, não há duas vidas iguais; não há duas experiências do mundo iguais; não há duas realidades iguais. Por isso é que o mundo, tal como o apercebemos, é, mesmo que impercetivelmente, distinto do mundo tal como é apercebido por qualquer outra pessoa. Assim, porque cada um é fruto da visão que tem do mundo, é natural que seja única e irrepetível a matriz que estabelece a própria conceção identitária de cada um de nós.

Assim, podemos dizer que a nossa identidade passa pelas convicções que decorrem da nossa experiência ao longo da nossa passagem pelo mundo. Ora, essas nossas convicções - especialmente a política e a religiosa - são um pouco como a nudez física. Assim, há quem, (à semelhança dos nudistas - e, até, dos exibicionistas) esteja disposto a desnudar a sua intimidade do ser, do crer e do pensar, expô-la e questioná-la; e, no outro extremo, quem (à semelhança de quem nem ao médico revela a nudez) sinta como agressão o mero questionamento das suas convicções, sentindo que tal abalaria a delicada construção interna da sua relação consigo mesmo, com o mundo e com os outros.

Uma Loja Maçónica pode ser vista como um ecossistema de poucas dezenas de pessoas que se reencontram vezes e vezes a fio e que sabem que podem "baixar as defesas" e, sem receio, expor o seu ser, o seu saber e a sua experiência para benefício dos demais. Cada um apresenta, na medida que entende fazê-lo, e mediante o seu grau de conforto em revelar-se, a sua visão do mundo e a súmula que dela fez - a sua pessoal e única experiência - com o intuito de que cada um dos demais possa ver o mundo por outros olhos e retire daí os ensinamentos que entenda.

Atacar essa matriz assim exposta seria atacar a pessoa no que tem de mais íntimo, de mais pessoal, de mais sagrado. Por isto, uma das primeiras coisas que se aprende na Maçonaria é a respeitar a diferença e a diversidade, sejam estas de pontos de vista, de crenças ou de convicções. Cada um dá um pouco de si; quem quer, colhe daí o que lhe aprouver. Ninguém é obrigado a aderir a conclusões conjuntas, a versões definitivas, a consensos alargados; estes procuram-se apenas até onde é possível fazê-lo sem atropelar a convicção e a vontade de cada um.

É esta uma das formas através das quais a Maçonaria toma homens bons e os torna melhores. É assim que, em Maçonaria, tudo se aprende e nada se ensina. E é assim, e por isso, que, em Maçonaria, se aprende a calar tudo quanto possa perturbar este equilíbrio.

Paulo M.

23 julho 2010

A Guerra Civil Inglesa (ou porque não se discute política ou religião em Loja)




Entre 1500 e 1800 diferentes reis e rainhas de Inglaterra perseguiram, prenderam, mataram ou simplesmente incomodaram católicos, anglicanos, metodistas, puritanos, luteranos, presbiterianos, calvinistas, quakers, e virtualmente qualquer outra variação da Cristandade. A convicção pessoal e a fé de cada monarca tinha graves consequências, muitas vezes fatais, nos seus desafortunados súbditos que não oravam perante o mesmo altar.

A Guerra Civil Inglesa, iniciada em 1642 entre Monárquicos, partidários do rei Carlos I de Inglaterra e Parlamentaristas, liderados por Oliver Cromwell foi, na sua essência, uma luta entre a Igreja estabelecida, apoiada pela nobreza (que pretendia ver o seu poder perpetuado) e protestantes puritanos radicais, oriundos de uma classe média emergente, desejosos de se governar a si mesmos. A guerra só terminaria sete anos depois, com a condenação de Carlos I à morte e a tomada do poder por Cromwell e pelos puritanos. Não obstante Carlos I ter sido mal amado pelo seu povo e não ter propriamente deixado saudades, bastou menos de uma década de um estilo tirânico e sangrento de governação com Cromwell à cabeça para que os ingleses quisessem a sua monarquia de volta. Carlos II foi coroado em 1661 e, ao contrário do seu pai, era um homem bem mais interessado na ciência e na razão do que na perseguição religiosa. Abriu, assim, as portas para uma nova era, uma era que iria acolher favoravelmente os novos princípios da Maçonaria Especulativa.

Um dos piores aspetos desta guerra foi ser um conflito de irmão contra irmão, vizinho contra vizinho, amigo contra amigo. Esta terrível circunstância afetaria o futuro e a filosofia da Maçonaria até aos nossos dias. Foi assim que, em 1717, quando a primeira Grande Loja foi formada em Londres, foram estabelecidas regras pouco usuais. Em primeiro lugar, proibiu-se a discussão de religião: as reuniões não seriam interrompidas por argumentos entre católicos, anglicanos, puritanos e protestantes. Enquanto os membros acreditassem em Deus, a sua fé não seria questionada. Em segundo lugar, as batalhas políticas entre monárquicos e parlamentaristas - que tinham dado origem à guerra civil - não seriam toleradas: os maçons estavam determinados a sobreviver às questões que haviam devassado o seu país, e a impedir que quem quer que fosse os pudesse acusar de heresia ou de traição. Em seu lugar, as Lojas insistiam no estabelecimento de laços fraternais entre os seus membros. Ficava, de igual modo, estabelecido um valor muito querido à Maçonaria: a tolerância.

Eis as razões históricas da proibição da discussão de política ou religião em Loja. A Maçonaria Regular tem - muito tradicional e britanicamente, poderíamos dizer - tendência para ser avessa a grandes "inovações", e para se ater àquilo que o tempo confirmou como sendo adequado. Não houve, até agora, razão bastante para se reverter essas proibições - pelo que estas ainda vigoram.

Em muitas Lojas - como na Loja Mestre Affonso Domingues - essa regra não é interpretada no sentido de ser vedada a referência a qualquer tema político ou religioso, mas antes no sentido de proibir qualquer controvérsia ou discussão sectária ou confessional, ideológica ou partidária, que divida a Loja em "lados", em "partidos" e em "partes" que tenham por denominador comum a convicção, a crença ou a ideologia de cada um. Pode, assim, discutir-se se determinada medida política concreta será melhor ou pior, mas sem que nunca se questione - ou se mencione, sequer - partidos ou correntes ideológicas; assim como se pode apresentar um trabalho sobre uma determinada religião, mas sem que seja admissível que a mesma seja criticada. Outras Lojas entendem diversamente, e aplicam uma interpretação mais estrita, abstendo-se de qualquer referência a um e outro tema. Não posso fechar este assunto sem referir a Maçonaria Liberal - de inspiração francesa - em que estas restrições não existem de todo. Saliento, por fim, que estas proibições se referem apenas aos trabalhos em Loja e que, fora destes, qualquer maçon pode pronunciar-se como entenda sobre o que tenha por conveniente.

Paulo M.

22 julho 2010

A nota de um dólar dos Estados Unidos e as teorias da conspiração (II)

No verso da nota de um dólar dos Estados Unidos figuram duas imagens, uma com uma pirâmide inacabada e o "olho que tudo vê" e a outra com a "águia americana". Particularmente a primeira das duas imagens é apontada pelos teóricos da conspiração como a demonstração da cabala maçónica, que logrou introduzir dois dos seus símbolos na nota de dólar - sem que se perceba bem o que é que se ganharia com isso (mas isso nunca fez hesitar um teórico da conspiração que se preze...).

Pois bem: estas duas imagens foram introduzidas, em 1935, na presidência de Franklin D. Roosevelt, pela simples, evidente e clara razão de que... são o verso e o reverso do Grande Selo dos Estados Unidos!

Ah! - gritam triunfantemente os teóricos da conspiração -, então a conspiração maçónica vem de trás e é muito mais grave. Conseguiram colocar símbolos maçónicos no símbolo por excelência da República americana!

Não é minha preocupação vir agora com os factos perturbar as teorias com que se entretêm aqueles senhores mas... os factos são os que seguidamente apresento.

O Grande Selo dos Estados Unidos é usado para autenticar documentos emitidos pelo Governo Federal dos EUA. Esta designação aplica-se não só ao artefacto físico utilizado para essa autenticação, como para designar as imagens que constam do seu verso e reverso. Foi publicamente usado pela primeira vez em 1782.

No verso, está o brasão de armas americano (a águia segurando 13 flechas - figurando os 13 Estados originais da União - e um ramo de oliveira com 13 folhas e 13 azeitonas - de novo em representação dos 13 Estados originais -, a divisa E pluribus unum (com 13 letras), que significa "De Muitos, Um" - também utilizada por um popular clube desportivo português, ó teóricos da conspiração! Aproveitai para elaborar mais uma teoriazinha... -, no peito da águia um escudo com 13 - de novo - faixas verticais e sobre a sua cabeça uma glória com 13 - sempre! - estrelas).

O reverso tem a pirâmide (de 13 degraus, de novo simbolizando os 13 Estados originais) inacabada, encimada pelo "olho que tudo vê". tendo inscrita na sua base, em carateres romanos, a data 1776 (data da Independência dos EUA) e as inscrições Annuit Coeptis (13 letras...), que significa "Ele Aprova O Nosso Empreendimento" e Novus ordo seclorum, "Nova Ordem Dos Séculos".

O simbolismo do Grande Selo dos Estados Unidos é, assim, dominado, pelo número 13 (que nenhum significado particular tem em Maçonaria), em referência, repetida, às 13 colónias que declararam a Independência. A própria pirâmide inacabada tem 13 degraus e é inacabada porque os 13 Estados originais estavam abertos a que outros se lhes juntassem.

O "olho que tudo vê", também designado por "Olho da Providência" é uma evidente representação de Deus, como sem dúvida alguma resulta da legenda que o rodeia (Ele - Deus, obviamente - aprova o nosso empreendimento - de declarar a independência).

Note-se que o "olho que tudo vê" está inserido no interior de um triângulo, representação cristã do símbolo, em alusão à Santíssima Trindade. Esta representação cristã simbolizando o Criador está presente, por exemplo, na catedral de Aachen, na Alemanha, a mais antiga catedral do norte da Europa, cuja construção se iniciou por volta de 790, no reinado de Carlos Magno, que nela está sepultado - muito antes de haver Maçonaria...

O simbolismo do verso do selo foi oficialmente apresentado por Charles Thomson perante o Congresso dos Estados Unidos, aquando da apresentação do projeto final do Grande Selo para aprovação por aquele órgão do Poder Legislativo americano (no século XVIII, note-se...), da seguinte forma (tradução livre minha):

A pirâmide significa Força e Perenidade. O Olho sobre ela e a divisa aludem aos muitos sinais da Providência em favor da causa americana. A data na parte de baixo é a da Declaração da Independência e as palavras por baixo significam o princípio da Nova Era Americana, que se iniciou naquela data.

Factos são factos. Calculo que, por muito perturbadores que sejam para as teorias dos teóricos da conspiração, não será por isso que as vão abandonar e vão deixar de insistir que os símbolos da nota de um dólar e do Grande Selo dos Estados Unidos são maçónicos, porque os maçons (melhor dizendo: os maçons de um determinado rito, nem sequer presente nos Estados Unidos), dizem eles - e, se o dizem, passa, segundo eles, a ser verdade... - também usam uma pirâmide como símbolo (e a questão de a pirâmide do selo ter 13 degraus, como os Estados originais e ser inacabada, em alusão à aceitação de mais Estados que se juntassem à União - e agora são cinquenta... - é um mero detalhe que não impede a insistência na tese da cabala maçónica...) e o "olho que tudo vê " é, só pode ser, e "toda a gente" o reconhece como símbolo maçónico, apesar de ser uma secular representação do Criador (desde o tempo dos egípcios, então sob a forma do "olho de Hórus"), especificamente cristã quando inserido num triângulo (simbolizando a Santíssima Trindade) e mostrar-se presente, por exemplo, numa antiquíssima Catedral, construída quando não havia Maçonaria.

Mas factos são factos. E, para que não restem dúvidas (senão as "certezas" dos teóricos da conspiração), ainda dedicarei um terceiro texto ao processo de criação do Grande Selo dos Estados Unidos. Assim se verá se este processo foi público e transparente ou encoberto e conspirativo, como juram os ditos teóricos...

As informações do texto de hoje foram recolhidas nos seguintes artigos da Wikipedia:

Great Seal of the United States
Annuit coeptis
Olho da Providência
Catedral de Aachen

Tudo locais de muito difícil acesso e de evidente controlo maçónico, como se vê...

Rui Bandeira