21 outubro 2012

O saber calar-se



A sessão fora produtiva e algo longa, e todos ansiavam já pelo momento de confraternização que se lhe seguiria. Como é regra, todos os aprendizes e companheiros haviam observado absoluto silêncio durante a sessão, não podendo pedir a palavra nem manifestar-se. Agora que a sessão tinha terminado, falavam aberta e incessantemente de tudo e de nada, uns aqui sobre um pormenor da sessão que não tinham percebido ou sobre o qual queriam saber mais, outros de assuntos mais mundanos, outros ainda auxiliando-se mutuamente na arrumação do templo - que é, precisamente, uma das incumbências dos aprendizes. Seguiu-se o ágape - uma refeição em conjunto - em que todos podem falar. E todos o fazem, e é precisamente o que se pretende.

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Em sessão de loja não se pode falar sem primeiro pedir a palavra, mas não basta pedir, não basta um "com licença" para legitimar que se tome a palavra de imediato; é necessário esperar que quem tenha a palavra termine o que tem a dizer, pedir-se de seguida a palavra com um gesto, e esperar que esta seja concedida por quem dirige a sessão - o Venerável Mestre. E enquando se discute um certo assunto, cada um tem apenas direito a uma única intervenção; não há direito de resposta, não há "esqueci-me disto ou daquilo", e muito menos comentários ao que outro acabou de dizer.

Com estas regras aprende-se a ser objetivo, sucinto e claro no que se pretende dizer; não há oportunidade de se fazer um discurso por sucessivas aproximações, nem "navegação à vista". Cada um diz o que tem a dizer, e escuta serenamente o que os demais tenham para partilhar. No fim, o Venerável Mestre fará uma súmula do que foi dito e, com base na posição de cada um, estabelece a posição da loja. Os aprendizes e os companheiros mantêm-se em silêncio, para aprenderem pelo exemplo como se faz, o que se faz, e o que não deve fazer-se. Uma vez elevados a Mestres, poderão pedir a palavra e manifestar-se, mas nesse momento terão já tido a oportunidade de ver e aprender, durante um par de anos, como é que devem exercer esse direito.

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Um dos mestres presentes estava a contar histórias antigas, e curiosamente um dos aprendizes presentes - homem já maduro - tinha algo a acrescentar a essas histórias. Com naturalidade, interrompeu a palavra a quem falava - "dá-me só um segundo..." - e acrescentou um pormenor, deu uma informação adicional e, rapidamente, devolveu a palavra. O mestre prosseguiu durante alguns minutos, até que foi de novo interrompido pelo mesmo aprendiz - "se me permites, meu irmão..." - e contou mais um pouco daquilo de que se falava, deixando todos interessados com o que contou, logo se desculpando de novo e devolvendo a palavra. Discretamente, alguns dos mestres presentes trocaram olhares e sorriram com bonomia. "Tem tempo, ele há de lá chegar", pareciam dizer entre si.

É bom que um aprendiz ou um companheiro tenham algo a dizer - e que o façam no momento e lugar próprios, como o é um ágape após uma sessão de loja. É precisamente essa a circunstância ideal para que vão aprendendo a fazê-lo da forma que se espera que venham a configurar futuramente em loja, quando já mestres; nesse momento, poderão intervir em sessão com fluidez e harmonia, já cientes da forma como deverão agir.

Estive mesmo para dar uma palavra, no final, ao aprendiz em causa - mas contive-me. Afinal, quando se diz que "em maçonaria tudo se aprende e nada se ensina" pretende-se realçar, precisamente, o respeito pelo tempo e pelo ritmo de cada um, e pela descoberta por cada um do seu caminho e das suas verdades. O aprendiz haveria de ter mais oportunidades para descobrir por si mesmo; afinal, o mesmo tinha sucedido também comigo. De facto, não sem algum pudor, recordei as minhas primeiras intervenções junto dos meus Irmãos - intempestivas, acutilantes, desarmoniosas - e pensei que, se eu fora capaz de (começar a) aprender a calar-me (coisa que continuo a aprender todos os dias), certamente aquele aprendiz teria o direito de o descobrir também por si mesmo.

Paulo M.

4 comentários:

Joaquim Almeida Santos disse...

Caro Senhor,
Os M. Cumprimentos.
Grato pela forma lípida, simples e didática na abordagem deste tema. Não é fácil, o exercício de "Saber calar"! Contudo, no meu quotidiano, tenho vindo a testemunhar o quão necessário é para a Aprendizagem da Vida. Sê-lo-á, certamente, também em Loja.
Em minha humilde opinião, "Saber Calar" permite-nos educar o "Saber Escutar" e esta assunção levar-nos-á ao "Conhece-te a ti mesmo" pela observação - pelo testemunhar - da acção e pelo perscrutar do nosso interior. De acordo? Permita-me que lhe peça o seu parecer.
Saúdo-o,
Almeida Santos

Paulo M. disse...

Caro Almeida Santos,

Vou dar-lhe, a este respeito, uma resposta que ouvi várias vezes, e que muito me custou a compreender: não interessa se estamos de acordo. Aliás: melhor será quando não o estejamos, e que saibamos encará-lo com naturalidade!

Não se aprende senão com o que é diferente de nós. Só o confronto das ideias dentro de cada um (por oposição ao confronto entre os os detentores das ideias contraditórias...) permite verdadeiramente crescer, melhorar, aperfeiçoar-se.

Dito isto, e a este respeito... até concordo consigo.

Diogo disse...

Esse «aprender a calar-se», não me soa bem.

Lembra-me a Omertà – a lei do silêncio – da máfia siciliana.

Sei que há lojas e lojas. E sei que há maçons e maçons.

E sei que há lojas maçónicas e maçons que estão profundamente metidos nos negócios mais obscuros do país.


Paulo M., não tenho dúvida nenhuma da sua honestidade, nem do Rui Bandeira, nem de muitos outros que aqui escrevem.

Eu sei que pode ser muito controverso aquilo que vou dizer, mas não será essa qualidade de guardar silêncio somada a outras «qualidades menos nobres», que qualificam certos maçons para actividades menos claras? Aquelas que surgem nos media?

Abraço

Paulo M. disse...

Diogo,

Suponha, Diogo que, visito a casa de alguém, a quem digo: "Eh, pá, a sua mulher, com esse buço todo, fica mesmo feia!!!" Mesmo que seja verdade (e especialmente se o for), concordará que não há necessidade de o dizer; aliás: há, mesmo, a necessidade de não o dizer...

É este silêncio - o que evita o conflito gratuito, e promove a harmonia - que os maçons procuram exercer.

Curioso, por outro lado, ter falado da omertà; ainda há dias estive a ler precisamente sobre a máfia. A omertà é punida com a morte se não cumprida; os maçons apenas são punidos - e isto se a matéria for suficientemente grave - com o desdém e repúdio dos demais. As semelhanças entre ambos ficam-se por aí.

Quanto ao que diz no fim, nada tem de controverso. Deixe-me escrevê-lo de outro modo: "Mas não será essa qualidade de manusear armas de fogo somada a outras «qualidades menos nobres», que qualificam certos polícias para actividades menos claras?"

Ou então: "Mas não será essa qualidade de pensar pela sua própria cabeça somada a outras «qualidades menos nobres», que qualificam certas pessoas para actividades menos claras?"

O perigo não são as armas de fogo, nem o pensar pela sua própria cabeça - nem o silêncio. O problema são mesmo as «qualidades menos nobres». Não condenemos todo o resto por causa delas.

Abraço.