17 outubro 2012

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XXIV

Os Vigilantes e os Ajudantes devem, atempadamente, ouvir as orientações do Grão-Mestre, ou seu Vice Grão-Mestre, acerca do local. Mas se o Sapientíssimo e seu Vice Grão-Mestre estiverem doentes, ou ausentes, devem reunir-se com os Mestres e Vigilantes das Lojas para aconselhamento e ordens; ou então podem tomar o assunto totalmente em suas mãos e fazerem o melhor que puderem. 
Os Grandes Vigilantes e os representantes devem dar conta de todo o dinheiro que recebem e gastam, à Grande Loja, depois do jantar, ou quando a Grande Loja achar ser o melhor momento para tal. 
Se o Grão-Mestre assim desejar, pode, no tempo devido, reunir todos os Mestres e Vigilantes de Loja para consultá-los a respeito da grande festa, e acerca de qualquer emergência ou acidente relativo a esta, que requeira aconselhamento; ou então tomar para si a responsabilidade.


Esta é a segunda de um conjunto de nove regras dedicadas especificamente à organização da Festa Anual. Das trinta e nova Regras Gerais registadas na Constituição de Anderson de 1723, nada mais, nada menos do que nove, mais de um quarto, são dedicadas à determinação dos vários aspetos organizativos da Festa Anual, com um detalhe que surpreende um pouco, mas que demonstra a importância que era atribuída à referida Festa Anual.

No caso desta regra, a mesma acentua que, embora a regra anterior tivesse cometido a responsabilidade da organização da celebração aos Grandes Vigilantes, essa organização deveria respeitar a orientação dada pelo Grão-Mestre ou, por delegação ou impossibilidade deste, pelo Vice Grão-Mestre, designadamente quanto à escolha do local onde a mesma deveria ocorrer.

Chama a atenção o texto desta regra por, creio que pela única vez em toda a Constituição de Anderson de 1723, ser utilizada uma fórmula protocolar para designar o Grão-Mestre: "Sapientíssimo".

Algo que a Maçonaria herdou do século XVIII e que, um pouco por todo o mundo, mesmo nos países onde o trato é mais descontraído, permanece, é a utilização de uma linguagem e forma de trato cerimoniosos - por vezes soando mesmo a arcaísmo...

Repare-se que o obreiro que dirige a Loja não é o Presidente, nem o Diretor, nem sequer o Mestre: é o Venerável Mestre, isto é, aquele que dirige a Loja e é, por isso, merecedor de especial consideração.

Na GLLP/GLRP, os Grandes Oficiais são "Respeitáveis" Irmãos e o Grão-Mestre, naturalmente, é "Muito Respeitável" Grão-Mestre. No Brasil, é costumeiro designar-se um Irmão, protocolarmente, por "Poderoso Irmão", "Valoroso Irmão" ou mesmo "Portentoso Irmão". O Grão-Mestre Geral do Grande Oriente do Brasil é designado por "Soberano Irmão" e o seu Grão-Mestre Geral Adjunto por "Sapientíssimo Irmão" (precisamente a referência honorífica utilizada na Regra XXIV). Em algumas - quiçá em todas - Grandes Lojas Estaduais, o respetivo Grão-Mestre é designado por "Sereníssimo" Grão-Mestre.

Permanece assim bem ancorada nos costumes maçónicos a utilização de uma grandiloquência de linguagem e de tratamento que, se por um lado, soa a quem está de fora algo estranha, arcaica, mesmo desajustada, por outro constitui a marca de uma diferenciação entre duas vertentes da vida, que os maçons reconhecem serem (ainda) distintas: a vida maçónica e a vida no mundo profano. Naquela, marca-se bem o esforço de aperfeiçoamento, de busca de melhoria, de tolerância, de respeito mútuo, de convergência entre a admiração e a amizade. O uso de vocativos cerimoniosos é uma forma de pontuar esse esforço, essa diferença, afinal - não há que temer as palavras - esse elitismo de que os maçons se reclamam. Mas os maçons sabem bem que esses arcaísmos são utilizados entre si, dentro da estrutura maçónica, sendo socialmente tidos por exagerados, desajustados, no mundo profano. 

O tratamento cerimonioso entre os maçons é herdeiro direto das fórmulas usuais de tratamento que vigoravam no século XVIII. Ao preservarem e continuarem a utilizar essas fórmulas, os maçons prestam homenagem aos seus antepassados, guardam e preservam o que era corrente três séculos atrás, sem olvidarem que a vida e a sociedade evoluíram.

O balanço entre a Tradição e a Modernidade é uma das caraterísticas dos maçons. Na linguagem utilizada, no tratamento cerimonioso de que se não prescinde, preservam a Tradição minuciosamente, ao ponto de poderem ser considerados como utilizadores de linguagem e tratamento arcaicos, grandiloquentes, desajustados aos dias de hoje. Porventura levarão a sua preservação a um nível mal-entendido pelos seus contemporâneos. Mas seguramente que essa caraterística os protege de caírem no vício da linguagem vulgar, do "calão", que vai campeando nos dias de hoje um pouco por todo o lado. Ente um e outro dos polos, diz o Povo que no meio está a virtude...

Não se pense, porém, que as designações cerimoniosas que os maçons efetuam entre si são manifestações de vaidade. Nada tem a ver com isso, apenas com a preservação da Tradição e com permanente manifestação de respeito e apreço pelos demais. E, se dúvidas sobre isso existirem, a imagem que escolhi para encimar este texto esclarece o que os maçons pensam da Vaidade... Se há algo de que todos os maçons são bem conscientes é o da essencial Igualdade entre todos, no momento de deixar este mundo. Aí, então, toda a Vaidade termina da mesma forma...


Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 142.

Rui Bandeira

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