Do Quotidiano da nossa Mundialização
O JoséSR exibiu-nos um exemplo do seu humor levemente sarcástico com o post anterior. Mas, humor à parte, a frase inicial ("Pois é, Mundial de futebol à porta e não se fala em mais coisa alguma") espelha uma realidade que se vem mostrando praticamente incontornável e que até num blogue com as características deste se impõe.
Mas se o tema do momento é o Mundial de futebol, nada nos obriga a ficarmo-nos pelos comentários sobre jogadores ou seleccionadores, pela bola que entra ou bate no poste, pela vitória destes, a derrota daqueles ou o empate de aqueloutros.
Por exemplo, a propósito da participação da Selecção Nacional Portuguesa na competição, assistimos a um renascer de manifestações (bandeiras nas janelas, as autênticas romarias junto da Selecção, quer quando a mesma estagiou em Évora, quer no Luxemburgo e agora na Alemanha) que os intelectuais do costume se apressam a apelidar de patriotismo bacoco.
Este (recorrente - recordemos 2004) fenómeno de massas será tão primário assim? Será, como os tais intelectuais do costume afirmam ou deixam entrever, tão indesejavelmente negativo e simplista assim? Porque (res)surge este fenómeno associado ao futebol e não a outras manifestações da vida em sociedade?
Não alinho com os que diabolizam ou menorizam estas ditas manifestações de patriotismo. Pelo contrário, entendo-as, aceito-as e acho-as saudáveis.
É inerente à condição humana o gregarismo, a integração em grupo e a socialização em círculos sucessivamente alargados. Cada um de nós define a sua individualidade também em função da sua família, da sua terra, da sua profissão ou empresa, da sua nacionalidade. Esta intrínseca necessidade de integração em grupos, mais ou menos vastos (mas que implica sempre a divisão entre nós e os outros) não se lamenta nem aplaude - reconhece-se. Essa necessidade de integração existe por evidente imperativo da Natureza: garantir segurança! Integramo-nos porque com essa integração nos sentimos mais seguros.
Só que, no caso do nosso grupo nacional, os Portugueses, essa necessidade de segurança é mais problemática, atendendo à nossa dimensão enquanto Povo (apenas dez milhóes no nosso território e mais uns quantos por esse Mundo fora) e, nos tempos que vão correndo, às nossas evidentes dificuldades de acertar o passo neste Mundo em que impera o Mercado Global e em que o Lucro é Rei e a Produtividade a sua Dama.
Estamos ficando cientes de que o guarda-chuva da União Europeia, embora ajude, não nos livra de nos molharmos quando sujeitos às tempestades da globalização. E, pese embora a nossa tendência para nos desvalorizarmos, que nos empurra para irmos rosnando "que o que devíamos era ser espanhóis" (mas sempre com a reserva mental de que se trata de frase mandada da boca para fora, sem consonância com o que verdadeiramente sentimos e queremos), enquanto Povo, enquanto grupo, fazemos aquilo que qualquer grupo faz quando se sente ameaçado e inseguro: cerrar fileiras!
Entendo, pois, que o ressurgir do patriotismo e das suas manifestações simbólicas resulta essencialmente deste verdadeiro REFLEXO DE DEFESA de um Povo que, de modo mais ou menos difuso, se sente ameaçado e inseguro. E, assim sendo, entendo que não é um mal em si, antes pelo contrário, é um bem e uma necessidade, um instrumento destinado a ajudar-nos a ultrapassar as nossas actuais dificuldades e reganharmos a confiança em nós próprios (altura em que poderemos recomeçar prazenteiramente a digladiarmo-nos uns com os outros e a afirmar a individualidade de cada qual...).
Mas, se esta necessidade de cerrar fileiras e de nos afirmarmos enquanto Povo usando os nossos símbolos nacionais existe e tem explicação racional, porquê a sua expressão precisamente através do futebol?
A meu ver, por duas razões: a mais simples é porque é o que está mais à mão de semear, está aí e agora; a mais complexa é porque podemos sentir-nos inseguros, mas temos a nossa memória colectiva intacta e, lá no fundo, sabemos bem que o nacionalismo em excesso pode causar grandes males; no fundo, o nosso instinto recomenda-nos que o usemos como se usa um medicamento: com conta, peso e medida, que o excesso em vez de curar, mata! E, assim sendo, darmos largas ao nosso patriotismo através do futebol, é o ideal: afaga-nos o ego, mas porque o futebol tem a importância que tem e não mais do que essa, não há perigo de abusarmos!
Continuo a entender que, enquanto Povo, podemos não ser os melhores, os mais produtivos, os mais fortes ou os mais poderosos. Mas, com o nosso lastro de mais de oitocentos anos, em Sabedoria Colectiva e, em especial, em Manha, ninguém nos bate!
Mas se o tema do momento é o Mundial de futebol, nada nos obriga a ficarmo-nos pelos comentários sobre jogadores ou seleccionadores, pela bola que entra ou bate no poste, pela vitória destes, a derrota daqueles ou o empate de aqueloutros.
Por exemplo, a propósito da participação da Selecção Nacional Portuguesa na competição, assistimos a um renascer de manifestações (bandeiras nas janelas, as autênticas romarias junto da Selecção, quer quando a mesma estagiou em Évora, quer no Luxemburgo e agora na Alemanha) que os intelectuais do costume se apressam a apelidar de patriotismo bacoco.
Este (recorrente - recordemos 2004) fenómeno de massas será tão primário assim? Será, como os tais intelectuais do costume afirmam ou deixam entrever, tão indesejavelmente negativo e simplista assim? Porque (res)surge este fenómeno associado ao futebol e não a outras manifestações da vida em sociedade?
Não alinho com os que diabolizam ou menorizam estas ditas manifestações de patriotismo. Pelo contrário, entendo-as, aceito-as e acho-as saudáveis.
É inerente à condição humana o gregarismo, a integração em grupo e a socialização em círculos sucessivamente alargados. Cada um de nós define a sua individualidade também em função da sua família, da sua terra, da sua profissão ou empresa, da sua nacionalidade. Esta intrínseca necessidade de integração em grupos, mais ou menos vastos (mas que implica sempre a divisão entre nós e os outros) não se lamenta nem aplaude - reconhece-se. Essa necessidade de integração existe por evidente imperativo da Natureza: garantir segurança! Integramo-nos porque com essa integração nos sentimos mais seguros.
Só que, no caso do nosso grupo nacional, os Portugueses, essa necessidade de segurança é mais problemática, atendendo à nossa dimensão enquanto Povo (apenas dez milhóes no nosso território e mais uns quantos por esse Mundo fora) e, nos tempos que vão correndo, às nossas evidentes dificuldades de acertar o passo neste Mundo em que impera o Mercado Global e em que o Lucro é Rei e a Produtividade a sua Dama.
Estamos ficando cientes de que o guarda-chuva da União Europeia, embora ajude, não nos livra de nos molharmos quando sujeitos às tempestades da globalização. E, pese embora a nossa tendência para nos desvalorizarmos, que nos empurra para irmos rosnando "que o que devíamos era ser espanhóis" (mas sempre com a reserva mental de que se trata de frase mandada da boca para fora, sem consonância com o que verdadeiramente sentimos e queremos), enquanto Povo, enquanto grupo, fazemos aquilo que qualquer grupo faz quando se sente ameaçado e inseguro: cerrar fileiras!
Entendo, pois, que o ressurgir do patriotismo e das suas manifestações simbólicas resulta essencialmente deste verdadeiro REFLEXO DE DEFESA de um Povo que, de modo mais ou menos difuso, se sente ameaçado e inseguro. E, assim sendo, entendo que não é um mal em si, antes pelo contrário, é um bem e uma necessidade, um instrumento destinado a ajudar-nos a ultrapassar as nossas actuais dificuldades e reganharmos a confiança em nós próprios (altura em que poderemos recomeçar prazenteiramente a digladiarmo-nos uns com os outros e a afirmar a individualidade de cada qual...).
Mas, se esta necessidade de cerrar fileiras e de nos afirmarmos enquanto Povo usando os nossos símbolos nacionais existe e tem explicação racional, porquê a sua expressão precisamente através do futebol?
A meu ver, por duas razões: a mais simples é porque é o que está mais à mão de semear, está aí e agora; a mais complexa é porque podemos sentir-nos inseguros, mas temos a nossa memória colectiva intacta e, lá no fundo, sabemos bem que o nacionalismo em excesso pode causar grandes males; no fundo, o nosso instinto recomenda-nos que o usemos como se usa um medicamento: com conta, peso e medida, que o excesso em vez de curar, mata! E, assim sendo, darmos largas ao nosso patriotismo através do futebol, é o ideal: afaga-nos o ego, mas porque o futebol tem a importância que tem e não mais do que essa, não há perigo de abusarmos!
Continuo a entender que, enquanto Povo, podemos não ser os melhores, os mais produtivos, os mais fortes ou os mais poderosos. Mas, com o nosso lastro de mais de oitocentos anos, em Sabedoria Colectiva e, em especial, em Manha, ninguém nos bate!
E agora vejam lá até onde o Mundial de futebol já levou a conversa!
Rui Bandeira
1 comentário:
Estas com a veia toda. Deve ser a Veia Cava, pois com post desta qualidade poes todos a cavar daqui para fora por incapacidade de competir com a verve literaria que te assoma nestes tempos.
JoseSR
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