14 novembro 2012

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XXVIII


Todos os Membros da Grande Loja devem apresentar-se bastante antes do Jantar, incluindo o Grão-Mestre, ou o seu Vice Grão-Mestre, para reunirem, dirigidos por este, a fim de: 
1 - Receber qualquer Apelo devidamente apresentado, como atrás regulamentado, para que o queixoso seja ouvido, e para que o assunto seja amigavelmente decidido antes do jantar, se possível; mas se assim não for possível, deve ser adiado até que o novo Grão-Mestre seja eleito; e se não puder ser decidido após o jantar, a decisão deve ser adiada e o caso entregue a um comité especial, que deve resolver o mesmo em harmonia, relatando o resultado na Reunião Trimestral seguinte; para que o amor fraternal seja preservado. 
2 - Prevenir que qualquer querela ou diferença ocorra nesse Dia; para que nada perturbe a harmonia e o prazer dessa Grande Festa. 
3 - Analisar tudo o que diga respeito à decência e decoro dessa Grande Assembleia, para evitar qualquer indecência, mau comportamento ou promiscuidade. 
4 - Receber e considerar qualquer moção, ou matéria importante e oportuna, trazida pelos representantes das Lojas, ou seja, Mestres e Vigilantes.

No século XVIII, o que ocorria pelo S. João era a Festa Anual dos maçons de Londres e Westminster. O ponto alto, o essencial da mesma, era o Jantar de Confraternização. Antes dele, havia a reunião preparatória do mesmo. Depois dele ocorria então a Grande Assembleia formal.

A reunião preparatória do jantar anual destinava-se, como claramente resulta do texto da regra, a prevenir, tratar e resolver quaisquer pontos de conflito que tivessem surgido ou se previsse que podiam surgir, de forma a que nada ensombrasse a festividade e a preparação da mesma. Só residualmente se previa o tratamento de qualquer questão que fosse colocada pelo representante de qualquer Loja. 

Com efeito, a Festa Anual era isso mesmo, uma festividade. Os assuntos substantivos que devessem ser decididos pela Grande Loja deviam ser, preferentemente, tratados nas assembleias trimestrais.

Presentemente, as formais Assembleias de Grande Loja são essencialmente cerimoniais e festivas, reduzindo-se a atividade administrativa ao mínimo, seja a breve apresentação dos relatórios de atividade, seja a ratificação de deliberações tomadas na sessão administrativa. Para tanto, em regra as Sessões de Assembleia de Grande Loja formais são precedidas de assembleias administrativas, onde têm assento os representantes das Lojas, que, sem formalismos rituais, analisam os assuntos pendentes e tomam as deliberações pertinentes. 

Na GLLP/GLRP é também habitual fazer-se preceder as assembleias administrativas de uma sessão do Conselho dos Veneráveis, onde têm assento os Veneráveis Mestres de todas as Lojas e que, como o próprio nome indica, tem competências consultivas do Grão-Mestre. Dessa forma, o Grão-Mestre pode auscultar o sentimento dos Veneráveis Mestres das Lojas e assim preparar a assembleia administrativa tendo em conta esse sentimento, de forma a permitir uma mais rápida e eficaz deliberação dos assuntos da agenda.

Após a sessão formal de Grande Loja, por regra segue-se um ágape, sempre branco e em honra das Senhoras.

Não sendo uma regra, há a tendência de as Assembleias de Grande Loja dos solstícios terem um pendor mais cerimonial e festivo e as dos equinócios serem mais dedicadas á resolução das questões administrativas.
 
As sessões formais de Grande Loja efetuam-se em ritual de Grande Loja, sendo admitidos a participar nelas todos os maçons da Obediência, incluindo os Aprendizes e Companheiros, além dos Visitantes de outras Grandes Lojas e Grandes Orientes e representantes dos Corpos de Altos Graus. No entanto, essa participação tem essencialmente um caráter de assistência. O uso da palavra é reservado aos representantes das Lojas, aos Grandes Oficiais e aos Visitantes. O direito de voto incumbe exclusivamente aos representantes das lojas.

Mas deve ter-se presente que, se há aspeto em que a diversidade das práticas entre Obediências é mais patente, é precisamente este, da preparação e realização de Assembleias de Grande Loja. Cada Obediência, como entidade maçónica soberana que é, tem as suas regras e práticas, por vezes decorrentes de longa Tradição, que, como é evidente, são totalmente respeitadas pelas demais. Assim, os Visitantes das Grandes Lojas com quem a Obediência mantém relações fraternais, comportam-se segundo as indicações que resultam da prática da Obediência visitada.

Num aspeto, porém, verifica-se uma tendência para a homogeneidade: a entrada ritual dos Visitantes, quando ela se processe. Por regra, os Grandes Oficiais das Obediências com quem se mantém relações fraternais dão entrada na sala da sessão por ordem inversa da antiguidade da Obediência, sendo, portanto, sempre o representante da Grande Loja Unida de Inglaterra, quando presente, o último a entrar.

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 143. 


Rui Bandeira

07 novembro 2012

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XXVII

Os Grandes Vigilantes, ou os seus Ajudantes, deverão nomear, antecipadamente, um certo número de Irmãos para servir à mesa, de acordo com que achem necessário para a execução de tal tarefa; se desejarem poderão aconselhar-se com os Mestres e Vigilantes das Lojas, sobre quais as pessoas mais capazes para tal função, e seguir as suas recomendações, mas só podem ser maçons livres e aceites, para que nesse dia a reunião seja livre e harmoniosa.

A regra XXVII insere-se num conjunto de regras que regulavam a Festa Anual dos maçons de Londres e Westminster que tinha lugar pelo S. João. No ágape integrado nessa festa apenas podiam participar maçons. Daí a necessidade de providenciar quem efetuasse o serviço de mesa, já que as vitualhas e bebidas não se movimentam sozinhas e, na época, ainda não  se praticava o conceito de repasto em self service...

Ainda hoje, nos ágapes formais, onde apenas estão presentes maçons, se procede de forma semelhante, sendo a tarefa de transportar e servir os alimentos e bebidas efetuada pelos Aprendizes da Loja, incluindo para eles próprios. Os demais comensais, Companheiros e Mestres, aguardam que os aprendizes, terminada a sua tarefa e também eles próprios já servidos, tomem o seu lugar na mesa para, então e só então, começarem a consumir os alimentos.

Desde o início da maçonaria Especulativa que é dada grande importância ao ágape anexo ás sessões, porquanto é um momento privilegiado para convívio e estabelecimento de laços fraternais. Os Aprendizes e Companheiros, que em sessão de Loja têm que respeitar a regra do silêncio, podem e devem no ágape esclarecer as suas dúvidas e emitir as suas opiniões. 

Os ágapes podem ser formais, com execução de um ritual de ágape que é tão exigente e demorado como o ritual de Loja (hoje em dia, apenas em ocasiões especiais assim se procede), normal, com um formalismo aligeirado, ou branco, aberto à participação das senhoras, familiares e amigos, sem qualquer formalismo, a não ser, quando assim se entender, a execução dos brindes rituais.

Os brindes, nos ritos ingleses, são livres (e, por vezes, muitos...). No Rito Escocês Antigo e Aceite, executam-se sete brindes rituais, podendo, após os mesmos, serem propostos brindes livres.

Os sete brindes rituais, em ágapes em que estejam presentes Grandes Oficiais em funções (não quando obreiros da Loja que sejam Grandes Oficiais estejam presentes , mas não nessa qualidade, apenas como normais da Loja, nem quando visitantes efetuem a visita a título pessoal e não como Grandes Oficiais) são os seguintes, em Portugal:

1. A Sua Excelência o Presidente da República (referindo-se o nome de quem, no momento, exerce a função).
2. A todos os Soberanos e Chefes de Estado que protegem a Maçonaria (isto é, de todos os países em que é legal e licita a prática da Maçonaria, pois a única proteção que a Maçonaria reclama dos poderes públicos é a da Lei).
3. Ao Muito Respeitável Gão-Mestre.
4. Aos Grandes Oficiais.
5. Ao Venerável Mestre.
6. Às Senhoras.
7. A todos os maçons.

Quando não estiverem presentes Grandes Oficiais em funções, mas participarem visitantes no ágape, o quarto brinde é dedicado ao Venerável Mestre da Loja e o quinto aos visitantes. Quando nem Grande Oficiais em funções nem visitantes participem no ágape, o quarto brinde é dedicado ao Venerável Mestre e o quinto aos Oficiais da Loja.

Com exceção dos dois últimos brindes, a resposta ao brinde é dada pelos maçons presentes, de pé, empunhando as suas taças e proferindo, antes de beberem um pouco: Fogo!

O brinde dedicado às senhoras é também respondido por todos de pé, mas com as palavras: Às senhoras!  

Especial significado e beleza tem o último brinde, dedicado a todos os maçons, cujo texto (podendo haver variantes, mas sempre com o mesmo objeto essencial) é: A todos os maçons que se encontrem longe de suas casas, ou afastados dos seus, em sofrimento, ou em viagem, na terra, no ar, ou no mar, desejamos-lhes um pronto restabelecimento, e o seu regresso a casa, se assim o desejarem.

A resposta ao brinde é efetuada, por todos os maçons presentes, sempre de pé e empunham as suas taças, proferindo em uníssono: A todos os maçons!.

Este brinde é realizado pelo Aprendiz mais recente que estiver presente, que se coloca de pé imediatamente por detrás do Venerável Mestre (ou do Grão-Mestre, se for este a presidir ao ágape), coloca a sua mão esquerda no ombro direito daquele, ergue a sua taça e profere então as palavras acima transcritas, ou similares.

O Venerável Mestre, ou o Grão-Mestre, pode retribuir este brinde. Levanta-se, vira-se de frente para o Aprendiz, estando este com a taça erguida, toca-a com a sua, e diz: Meu irmão, eu não sou mais que tu; de seguida tocam-se outra vez as taças, e declara: Meu irmão, tu não és menos do que eu; depois, pela terceira vez, tocam-se as taças, e profere: Meu irmão, tu e eu somos iguais: bebamos juntos. De seguida, entrelaçam os braços e bebem simultaneamente. Os maçons presentes saúdam este final com uma salva de palmas.

Que melhor encerramento dos brindes rituais podia haver?

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, páginas 142-143.

Rui Bandeira

31 outubro 2012

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XXVI

O Grão-Mestre deve escolher dois ou mais Irmãos de confiança para Porteiros, ou guardadores das portas, os quais devem também apresentar-se cedo no local, por óbvias e evidentes razões, e estarão às ordens do Comité.

Esta Regra - que, recorde-se, figura entre o conjunto de regras relativas à organização da reunião festiva anual da Grande Loja de Londres e Westminster, no primeiro quartel do século XVIII - contém referência a ofício que permanece em todas as Lojas maçónicas, de vários ritos: Guarda Interno  ou a dicotomia Guarda Interno e Guarda Externo.

O Guarda Interno é o ofício mais "modesto" da Loja. Tem uma muito breve intervenção no ritual de abertura dos trabalhos e, para além dela, apenas intervém sempre que se torna necessário que alguém entre ou saia da sala onde decorrer a reunião, abrindo e fechando a porta. Não admira que, familiarmente, seja, por vezes referido como o "Oficial Porteiro"...  Porventura quando, descontraída e jocosamente, se faz esta referência, não se tem a noção de que... essa mesma foi a designação escolhida pelas Regras Gerais dos Maçons consignadas na Constituição de Anderson de 1723!

O facto de este ofício ser o mais "modesto", o último na hierarquia de ofícios da Loja, não é, porém, sinónimo de menor importância ou de que seja menosprezado pelos maçons. Pelo contrário, como em quase tudo o que é feito em Loja, os maçons frequentemente aproveitam para conferir uma carga simbólica a esse ofício. Assim, é corrente que o exercício desse ofício seja assegurado durante um ano maçónico por aquele que, no ano anterior, foi o Ex-Venerável da Loja e, dois anos antes, dirigira a mesma, sentado na Cadeira de Salomão. Aquele que dirigiu a Loja, findo esse seu trabalho, coloca a sua experiência à disposição do seu sucessor, sentando-se, como Ex-Venerável, ao lado deste, disponível para lhe prestar o seu conselho, sempre que necessário. Quando, por sua vez, o seu sucessor termina o seu período de exercício do ofício de Venerável Mestre e é ele que assume as funções de Ex-Venerável, aquele que dirigiu a Loja e que depois aconselhou o seu sucessor... vai exercer o ofício mais modesto, menos exigente, menos "importante", da Loja. 

Com este hábito, procuram os maçons simbolizar várias coisas: (1) que todos os ofícios em Loja são importantes e que o funcionamento harmonioso da Loja depende da conjugação de todos eles, pelo que se reserva o exercício do ofício menos exigente para aquele que, durante dois anos, exerceu sucessivamente, os dois mais "nobres" ofícios da Loja; (2) que o trabalho bem feito é importante e compensador, independentemente da sua "nobreza" ou da sua hierarquia, podendo e devendo aqueles que exerceram as mais exigentes funções assegurar, com o mesmo interesse, pundonor e dedicação, funções tidas como mais humildes ou menos importantes, sem que isso diminua - pelo contrário! - a importância que os seus pares lhe reconhecem. Para todos os efeitos, o Guarda Interno é um ofício singelo, exercido por um... Antigo Venerável; (3) sic transit gloria mundi (assim passa a glória do mundo): o maçom sabe que a liderança, o "poder", a "importância" são passageiros, que o exercício de ofício em que se dirige é apenas temporário e que, terminado esse ciclo, outras tarefas o aguardam.

Numa Loja bem organizada, esta evolução do ofício mais exigente para o mais modesto revela-se também uma saudável forma de lidar com a evolução da vida maçónica. O maçom é iniciado, faz o seu percurso de Aprendiz e Companheiro, chega a jovem Mestre, progressivamente vê serem-lhe confiadas responsabilidades, primeiro transitoriamente, em substituição de oficiais impedidos, depois pontualmente, em tarefas determinadas e organizações específicas da Loja, em seguida mais permanentemente, com o exercício, como titular, de sucessivos ofícios, em preparação para o culminar da sua tarefa em Loja: dirigi-la como Venerável Mestre. Atingido o cume da colina, há que saber descê-la. Sai-se da liderança para o aconselhamento do sucessor. Depois de vários anos de dedicação e esforço, exerce-se seguidamente, como Guarda Interno, um ofício menos exigente, quase que como um descanso ativo, em transição para a dissolução no conjunto das colunas. A sua tarefa na administração da Loja ficou completa, agora há que apenas manter disponível a sua experiência para auxílio e benefício dos mais novos, tal como anteriormente se beneficiou do apoio dos mais antigos. A Loja, na sua perpétua evolução, é dirigida já pela geração seguinte de iniciados, que prepara a que lhe sucederá, e assim sucessivamente. Os mais antigos asseguram a sua tarefa de depositários da Tradição e da História da Loja, contribuindo para a manutenção da sua identidade, sem prejudicar a sua renovação. E só intervêm quando solicitados ou em episódica dificuldade, para ajudar a que a Loja prossiga, sem sobressaltos de maior, o seu percurso. O ofício de charneira entre os períodos de formação e de direção, por um lado, e o período de disponibilidade e aconselhamento dos mais novos é, precisamente o tal ofício menos "importante", menos exigente, de Guarda Interno. Quem porventura considere de menor valia e interesse este ofício, é melhor pensar de novo e pensar melhor!

Há ritos maçónicos que têm apenas o ofício de Guarda Interno (Rito Escocês Antigo e Aceite, por exemplo) e ritos que dispõem de Guarda Interno e Guarda Externo (Rito de Emulação, por exemplo; e, de forma geral, os ritos de origem britânica). O ritual original da Grande Loja de Londres e Westminster previa dois Guardas (ou mais, nomeadamente dependendo do número de portas de acesso à sala de reunião).

Esta diferença tem a ver com duas simbolicamente diferentes conceções de um valor que é caro à Maçonaria: a Paz!

Não nos esqueçamos que a Maçonaria Especulativa evolui da sua antecessora Maçonaria Operativa numa época marcada por sucessivas guerras civis em Inglaterra (Lealistas contra Parlamentaristas, Católicos contra Anglicanos, Stuarts contra Hannovers) enfim um período turbulento - e violento - na sociedade britânica. As Lojas maçónicas eram oásis de paz, de concórdia, nesses tempos difíceis, em que adversários políticos, por vezes adversários nos campos de batalha, ali punham de lado as suas divergências e confraternizavam como Irmãos que eram. Porventura desavindos, mas irmãos... Os rituais ingleses dispunham assim que o Templo, a sala de reuniões, sendo um lugar de paz e de concórdia, devia estar livre de armas. O Guarda Interno, o Guarda que estava do lado interior da porta de acesso, estava, assim, desarmado. Mas era necessário garantir a segurança dos que se reuniam e vedar o acesso a quem não tinha lugar nessas reuniões (não nos esqueçamos que, em tempos de conflito, confraternizar com opositores ou inimigos, não era propriamente bem visto...). Portanto, do lado exterior da sala tinha que existir pelo menos um homem armado, para o que desse e viesse, o Guarda Externo, esse, sim, então armado da sua espada - e que nunca entraria na sala de reunião com ela.

Já o Rito Escocês Antigo e Aceite e os ritos dele derivados ou por ele influenciados partem do princípio de que não são as armas que atentam contra a paz e a concórdia: é o uso que delas se faz que pode atentar contra as mesmas. As armas podem ser necessárias e úteis para prevenir ataques e conflitos, para defender valores. Assim, a presença de armas - espadas - no interior do Templo, da sala de reunião, não é interdita. Mais: vários oficiais usam-nas nos seu ofícios: o Venerável Mestre tem uma espada que é um dos símbolos do poder de que está investido e empunha-a em vários significativos momentos rituais. O Experto e o Guarda Interno usam espadas. Momentos rituais existem em que todos os elementos da Loja devem empunhar espadas, não em homenagem ao belicismo mas, pelo contrário, em defesa da Paz e dos valores humanistas. 

Ainda hoje, nas Lojas que, como a Loja Mestre Affonso Domingues, trabalham no Rito Escocês Antigo e Aceite, regular e rotineiramente se usam espadas. Mas, para que não haja equívocos, as espadas que hoje se usam são meramente cerimoniais, isto é, de lâminas rombas, que nada cortam, a não ser, porventura, manteiga desde que esteja temperatura de verão... É que o tempo dos espadachins já passou, o Diabo tece-as, prevenir é melhor que remediar e não queremos que ninguém se aleije... 


Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 142.

Rui Bandeira

24 outubro 2012

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XXV

Os Mestres das Lojas devem, cada um, nomear um Companheiro de sua Loja, discreto e experiente, para formar um Comité, constituído por um Companheiro de cada Loja, com a incumbência de receber, em lugar conveniente, qualquer pessoa convidada para admissão, o qual tem poder para o informar, se o acharem merecedor para ser admitido, ou barrarem-lhe a entrada se tiver razões para isso; mas não excluirão ninguém antes de explicarem, a todos os Irmãos, em Loja, quais essas razões, para que se evitem erros. E que nenhum verdadeiro Irmão seja excluído, nem um falso Irmão, ou embusteiro, seja admitido. Este Comité deve reunir-se no local da Festa de São João, antes do seu início e antes que qualquer pessoa chegue com o convite (para ser admitido).

 Esta regra postula o que podemos considerar a origem do telhamento, ou seja, o exame das credenciais de quem, sendo desconhecido da Loja (visitante), pretende participar de uma reunião maçónica.

As sessões das Lojas maçónicas são reservadas aos maçons. Por outro lado, a Maçonaria organiza-se em graus (Aprendiz, Companheiro e Mestre), sendo que os maçons de grau inferior não podem participar de reuniões destinadas aos de grau superior. Apresentando-se um desconhecido para participar de uma reunião de Loja, é necessário que esta se assegure, em primeiro lugar, se quem se apresenta para tal é maçom e, em segundo lugar, se é maçom do grau em que a Loja vai trabalhar, ou superior.

O conjunto de operações e verificações destinado a que essa certeza seja adquirida designa-se por "telhamento", o ato de "telhar". A expressão é simbólica. As Lojas maçónicas reúnem "a coberto", isto é, em privado, sem a presença de quem não é maçom. A simbologia utilizada pela Maçonaria é extraída da construção. Um edifício normalmente é coberto com telha. Um edfício com telhado está a coberto. Logo, uma Loja "a coberto" é uma Loja dotada de telhado, uma Loja "telhada". O ato de verificar que quem acede a uma reunião de uma Loja tem o direito de o fazer é o ato de garantir que a Loja reúna efetivamente "a coberto", é o ato de "cobrir" a Loja. Fazendo-se o paraleo com a cobertura de um edifício, cobrir um edifício é dotá-lo de telha, telhá-lo. Logo, o ato de garantir que a Loja reúna a coberto, mediante a verificação de que quem se apresenta é maçom, e maçom do grau em que a Loja vai reunir, é o ato de telhamento da Loja e essa atividade de verificação é chamada de "telhar" aquele que pretende visitar a Loja.

Esta designação é pacífica e comum na Maçonaria Portuguesa.

Já no Brasil, existem duas variantes para a designação. Uma parte das Lojas, em regra as subordinadas ao Grande Oriente do Brasil, utiliza "telhar" e "telhamento". Outra parte, em regra Lojas jurisdicionadas às Grandes Lojas dos vários Estados brasileiros, utiliza os termos "trolhar" e "trolhamento". Tenho este últimos termos por corruptelas dos termos originais, decorrentes de particular entendimento da fonética das palavras originais, tais como são pronunciadas no "português europeu". Com efeito, a forma de pronúncia utilizada no português europeu é consideravelmente mais fechada, mais "muda" na pronúncia das vogais não tónicas. Enquanto que no português do Brasil a vogal "e" de telhar é claramente pronunciada, no português europeu é completamente muda. Não admira, assim, que um ouvido brasileiro confundisse a sílaba "te" de telhar e telhamento, em que a vogal, pura e simplesmente é abafada, é completamente átona, com a a sílaba "tro" de "trolhar", ato de passar a trolha (que até é um instrumento de pedreiro...), daí derivando "trolhamento".

Um ilustre Irmão brasileiro, Kennio Ismail, defende, no blogue "No esquadro" (em http://www.noesquadro.com.br/2011/02/telhamento-ou-trolhamento.html) que o correto é utilizar "trolhar" e "trolhamento", argumentando, designadamente:

Consultando o Dicionário Priberiam da Língua Portuguesa (dicionário do chamado “português europeu”, visto que o REAA praticado no Brasil tem suas raízes na França e em Portugal, com muitos maçons brasileiros do século XIX tendo iniciado na Maçonaria quando dos estudos em Lisboa), encontramos, entre alguns poucos, o seguinte significado para a palavra “trolha”: “operário que assenta e conserta telhados”. Sendo assim, no bom e velho português, “trolhamento” é assentar e consertar telhados. Já o termo “telhador” significa no mesmo dicionário “aquele que telha”, e o verbo “telhar” significa “cobrir com telha”.
Sim, é exatamente isso que você pensou: se você mora em Lisboa e está com uma goteira em casa, você chama “o trolha” pra consertar seu telhado. Ele faz um “trolhamento”, ou seja, um exame para verificar onde está o problema, e então realiza o conserto.
Dessa forma, pode-se entender que “telhamento” é fazer um telhado, enquanto que “trolhamento” é consertar um telhado. Ora, o templo já está concluído. O examinador apenas verificará se não há uma “telha” fora do lugar ou defeituosa, de forma a evitar uma “goteira”. Então, qual é o termo que melhor se encaixa à ação do examinador? Trolhamento. O examinador está sendo um “trolha”, assentando, ou seja, avaliando se os visitantes têm o nível (grau) necessário para participarem dos trabalhos, e impedindo assim a entrada de “uma goteira” em nosso lar maçônico.

O argumento é interessante, mas, a meu ver, não colhe, por várias razões:

1) O Dicionário Priberam da Língua Portuguesa é um recente dicionário eletrónico, criado por uma empresa comercial que, embora meritório, não tem a autoridade bastante para, por si só, definir o que é certo ou errado na língua portuguesa;

2) Em mais nenhum outro dicionário que consultei, inclusive do século XIX, encontrei o entendimento de "trolha" como operário que assenta e conserta telhados;

3) Em português europeu "trolha" é pedreiro ou servente de pedreiro (e também a designação de uma ferramenta do pedreiro, a colher de pedreiro), e ponto final;  nem no século XIX, quando "muitos maçons brasileiros" estudaram e foram iniciados em Lisboa trolha era designação específica de quem consertava telhados;

4) É certo que o pedreiro trabalha em todas as fases da construção, desde executar os caboucos a levantar paredes, fazer lajes e, sim, também assentar o telhado - mas tudo isso são partes da função do pedreiro, do mister do trolha: não é correto individualizar uma particular tarefa (se o fosse, então ao trolha também cabe abrir janelas, por onde estranhos podem espreitar para o interior das Lojas...);

5) Finalmente, nunca, em português arcaico ou nos rituais e catecismos em uso em Portugal nos séculos XIX e XX foi utilizado "trolhar" e "trolhamento", antes e apenas "telhar" e "telhamento".

Tenho assim que, com toda a amizade, discordar do entendimento do Irmão Kennio Ismail.

Mas, por outro lado, algo há ainda a frisar.

Os defensores do uso de "telhar" e "telhamento" acusam quem usa "trolhar" e "trolhamento" de incorreção, frisando que "trolhar", passar a trolha, o ato de alisar uma superfície é bem mais adequado para designar, não a verificação de quem é maçom, mas sim a atividade de conciliar irmãos desavindos, de limar as asperezas entre eles surgidas, aplainar, alisar, os desentendimentos, enfim, obter a concórdia na Loja através do diálogo que esclareça posições, atenue divergências e garanta a tolerância de diferentes posições e entendimentos.

Embora pessoalmente eu adira a esta interpretação simbólica, não quero deixar de expressar que não concordo com a acusação de "incorreção": a língua é uma coisa viva, evolui, por vezes por variantes cultas, talvez a maioria das vezes por variantes populares, por norma precisamente corruptelas de expressões cultas. Se a língua não evoluísse, se não se alterasse, ainda todos falávamos latim... Uma vez que uma expressão ganhe um uso continuado e significativo na língua, passa a integrá-la, quer a sua origem seja "culta" e tida por gramaticalmente correta, quer a sua origem seja "popular" e decorra de corruptela. Penso que é essa precisamente a situação, neste caso concreto: uma evolução da língua portuguesa, no espaço brasileiro, que acabou por consagrar o uso como sinónimos de "telhar" e "trolhar" e "telhamento" e "trolhamento", desde há dezenas de anos. Precisamente porque a língua é viva e extravasa as pretensões de lhe impormos espartilhos, regras e normas, considero que nenhuma das expressões é, hoje, correta ou incorreta: ambas as variantes estão consagradas pelo uso, ambas ganharam a sua alforria na língua portuguesa, ambas podem ser utilizadas no português utilizado no Brasil.

Uma última nota: não se estranhe que o texto da regra refira que o telhamento era feito por Companheiros: em 1723, ainda a Loja tinha apenas Aprendizes e Companheiros (estes os "oficiais", os que já sabiam executar os trabalhos, equivalentes hoje aos Mestres Maçons), sendo a designação de Mestre reservada ao que hoje designamos por Venerável Mestre. Só mais tarde é instituído o sistema de três graus. O que nos recorda que preservação da Tradição não é sinónimo de imobilismo... nem na língua!

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 142.

Rui Bandeira

21 outubro 2012

O saber calar-se



A sessão fora produtiva e algo longa, e todos ansiavam já pelo momento de confraternização que se lhe seguiria. Como é regra, todos os aprendizes e companheiros haviam observado absoluto silêncio durante a sessão, não podendo pedir a palavra nem manifestar-se. Agora que a sessão tinha terminado, falavam aberta e incessantemente de tudo e de nada, uns aqui sobre um pormenor da sessão que não tinham percebido ou sobre o qual queriam saber mais, outros de assuntos mais mundanos, outros ainda auxiliando-se mutuamente na arrumação do templo - que é, precisamente, uma das incumbências dos aprendizes. Seguiu-se o ágape - uma refeição em conjunto - em que todos podem falar. E todos o fazem, e é precisamente o que se pretende.

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Em sessão de loja não se pode falar sem primeiro pedir a palavra, mas não basta pedir, não basta um "com licença" para legitimar que se tome a palavra de imediato; é necessário esperar que quem tenha a palavra termine o que tem a dizer, pedir-se de seguida a palavra com um gesto, e esperar que esta seja concedida por quem dirige a sessão - o Venerável Mestre. E enquando se discute um certo assunto, cada um tem apenas direito a uma única intervenção; não há direito de resposta, não há "esqueci-me disto ou daquilo", e muito menos comentários ao que outro acabou de dizer.

Com estas regras aprende-se a ser objetivo, sucinto e claro no que se pretende dizer; não há oportunidade de se fazer um discurso por sucessivas aproximações, nem "navegação à vista". Cada um diz o que tem a dizer, e escuta serenamente o que os demais tenham para partilhar. No fim, o Venerável Mestre fará uma súmula do que foi dito e, com base na posição de cada um, estabelece a posição da loja. Os aprendizes e os companheiros mantêm-se em silêncio, para aprenderem pelo exemplo como se faz, o que se faz, e o que não deve fazer-se. Uma vez elevados a Mestres, poderão pedir a palavra e manifestar-se, mas nesse momento terão já tido a oportunidade de ver e aprender, durante um par de anos, como é que devem exercer esse direito.

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Um dos mestres presentes estava a contar histórias antigas, e curiosamente um dos aprendizes presentes - homem já maduro - tinha algo a acrescentar a essas histórias. Com naturalidade, interrompeu a palavra a quem falava - "dá-me só um segundo..." - e acrescentou um pormenor, deu uma informação adicional e, rapidamente, devolveu a palavra. O mestre prosseguiu durante alguns minutos, até que foi de novo interrompido pelo mesmo aprendiz - "se me permites, meu irmão..." - e contou mais um pouco daquilo de que se falava, deixando todos interessados com o que contou, logo se desculpando de novo e devolvendo a palavra. Discretamente, alguns dos mestres presentes trocaram olhares e sorriram com bonomia. "Tem tempo, ele há de lá chegar", pareciam dizer entre si.

É bom que um aprendiz ou um companheiro tenham algo a dizer - e que o façam no momento e lugar próprios, como o é um ágape após uma sessão de loja. É precisamente essa a circunstância ideal para que vão aprendendo a fazê-lo da forma que se espera que venham a configurar futuramente em loja, quando já mestres; nesse momento, poderão intervir em sessão com fluidez e harmonia, já cientes da forma como deverão agir.

Estive mesmo para dar uma palavra, no final, ao aprendiz em causa - mas contive-me. Afinal, quando se diz que "em maçonaria tudo se aprende e nada se ensina" pretende-se realçar, precisamente, o respeito pelo tempo e pelo ritmo de cada um, e pela descoberta por cada um do seu caminho e das suas verdades. O aprendiz haveria de ter mais oportunidades para descobrir por si mesmo; afinal, o mesmo tinha sucedido também comigo. De facto, não sem algum pudor, recordei as minhas primeiras intervenções junto dos meus Irmãos - intempestivas, acutilantes, desarmoniosas - e pensei que, se eu fora capaz de (começar a) aprender a calar-me (coisa que continuo a aprender todos os dias), certamente aquele aprendiz teria o direito de o descobrir também por si mesmo.

Paulo M.

17 outubro 2012

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XXIV

Os Vigilantes e os Ajudantes devem, atempadamente, ouvir as orientações do Grão-Mestre, ou seu Vice Grão-Mestre, acerca do local. Mas se o Sapientíssimo e seu Vice Grão-Mestre estiverem doentes, ou ausentes, devem reunir-se com os Mestres e Vigilantes das Lojas para aconselhamento e ordens; ou então podem tomar o assunto totalmente em suas mãos e fazerem o melhor que puderem. 
Os Grandes Vigilantes e os representantes devem dar conta de todo o dinheiro que recebem e gastam, à Grande Loja, depois do jantar, ou quando a Grande Loja achar ser o melhor momento para tal. 
Se o Grão-Mestre assim desejar, pode, no tempo devido, reunir todos os Mestres e Vigilantes de Loja para consultá-los a respeito da grande festa, e acerca de qualquer emergência ou acidente relativo a esta, que requeira aconselhamento; ou então tomar para si a responsabilidade.


Esta é a segunda de um conjunto de nove regras dedicadas especificamente à organização da Festa Anual. Das trinta e nova Regras Gerais registadas na Constituição de Anderson de 1723, nada mais, nada menos do que nove, mais de um quarto, são dedicadas à determinação dos vários aspetos organizativos da Festa Anual, com um detalhe que surpreende um pouco, mas que demonstra a importância que era atribuída à referida Festa Anual.

No caso desta regra, a mesma acentua que, embora a regra anterior tivesse cometido a responsabilidade da organização da celebração aos Grandes Vigilantes, essa organização deveria respeitar a orientação dada pelo Grão-Mestre ou, por delegação ou impossibilidade deste, pelo Vice Grão-Mestre, designadamente quanto à escolha do local onde a mesma deveria ocorrer.

Chama a atenção o texto desta regra por, creio que pela única vez em toda a Constituição de Anderson de 1723, ser utilizada uma fórmula protocolar para designar o Grão-Mestre: "Sapientíssimo".

Algo que a Maçonaria herdou do século XVIII e que, um pouco por todo o mundo, mesmo nos países onde o trato é mais descontraído, permanece, é a utilização de uma linguagem e forma de trato cerimoniosos - por vezes soando mesmo a arcaísmo...

Repare-se que o obreiro que dirige a Loja não é o Presidente, nem o Diretor, nem sequer o Mestre: é o Venerável Mestre, isto é, aquele que dirige a Loja e é, por isso, merecedor de especial consideração.

Na GLLP/GLRP, os Grandes Oficiais são "Respeitáveis" Irmãos e o Grão-Mestre, naturalmente, é "Muito Respeitável" Grão-Mestre. No Brasil, é costumeiro designar-se um Irmão, protocolarmente, por "Poderoso Irmão", "Valoroso Irmão" ou mesmo "Portentoso Irmão". O Grão-Mestre Geral do Grande Oriente do Brasil é designado por "Soberano Irmão" e o seu Grão-Mestre Geral Adjunto por "Sapientíssimo Irmão" (precisamente a referência honorífica utilizada na Regra XXIV). Em algumas - quiçá em todas - Grandes Lojas Estaduais, o respetivo Grão-Mestre é designado por "Sereníssimo" Grão-Mestre.

Permanece assim bem ancorada nos costumes maçónicos a utilização de uma grandiloquência de linguagem e de tratamento que, se por um lado, soa a quem está de fora algo estranha, arcaica, mesmo desajustada, por outro constitui a marca de uma diferenciação entre duas vertentes da vida, que os maçons reconhecem serem (ainda) distintas: a vida maçónica e a vida no mundo profano. Naquela, marca-se bem o esforço de aperfeiçoamento, de busca de melhoria, de tolerância, de respeito mútuo, de convergência entre a admiração e a amizade. O uso de vocativos cerimoniosos é uma forma de pontuar esse esforço, essa diferença, afinal - não há que temer as palavras - esse elitismo de que os maçons se reclamam. Mas os maçons sabem bem que esses arcaísmos são utilizados entre si, dentro da estrutura maçónica, sendo socialmente tidos por exagerados, desajustados, no mundo profano. 

O tratamento cerimonioso entre os maçons é herdeiro direto das fórmulas usuais de tratamento que vigoravam no século XVIII. Ao preservarem e continuarem a utilizar essas fórmulas, os maçons prestam homenagem aos seus antepassados, guardam e preservam o que era corrente três séculos atrás, sem olvidarem que a vida e a sociedade evoluíram.

O balanço entre a Tradição e a Modernidade é uma das caraterísticas dos maçons. Na linguagem utilizada, no tratamento cerimonioso de que se não prescinde, preservam a Tradição minuciosamente, ao ponto de poderem ser considerados como utilizadores de linguagem e tratamento arcaicos, grandiloquentes, desajustados aos dias de hoje. Porventura levarão a sua preservação a um nível mal-entendido pelos seus contemporâneos. Mas seguramente que essa caraterística os protege de caírem no vício da linguagem vulgar, do "calão", que vai campeando nos dias de hoje um pouco por todo o lado. Ente um e outro dos polos, diz o Povo que no meio está a virtude...

Não se pense, porém, que as designações cerimoniosas que os maçons efetuam entre si são manifestações de vaidade. Nada tem a ver com isso, apenas com a preservação da Tradição e com permanente manifestação de respeito e apreço pelos demais. E, se dúvidas sobre isso existirem, a imagem que escolhi para encimar este texto esclarece o que os maçons pensam da Vaidade... Se há algo de que todos os maçons são bem conscientes é o da essencial Igualdade entre todos, no momento de deixar este mundo. Aí, então, toda a Vaidade termina da mesma forma...


Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 142.

Rui Bandeira

10 outubro 2012

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XXIII

Se se achar conveniente, e o Grão-Mestre, juntamente com a maioria dos Mestres e os Vigilantes, concordarem em realizar uma grande festividade de acordo com o antigo e salutar costume da Maçonaria, então os Grandes Vigilantes devem cuidar de preparar os convites, selados com o selo do Grão-Mestre, enviá-los, receber o dinheiro das inscrições, comprar os materiais para a festa, encontrar um local conveniente, e tratar de tudo aquilo que for necessário a tal evento. 
Mas para que este trabalho não seja pesado para os dois Grandes Vigilantes, e de modo a que todos os assuntos sejam cuidados segura e diligentemente, o Grão-Mestre, ou seu Vice Grão-Mestre, podem nomear ou indicar um certo número de ajudantes, tantos quantos achar necessários, para actuar em conjunto com os dois Grandes Vigilantes. Tudo o que tenha a ver com a Festividade será decidido entre estes por maioria de votos, excepto quando o Grão-Mestre, ou seu Vice Grão-Mestre, intervenha dando orientações.

Desde o início da Maçonaria Especulativa que é dada muita importância à festividade anual da Fraternidade, a ter lugar por alturas do solstício de verão, no hemisfério norte (de inverno, no hemisfério sul), no ou perto do dia dedicado a São João Batista (24 de junho), um dos dois S. João que a Maçonaria considera seus patronos (o outro é S. João Evangelista, cuja festa litúrgica, curiosamente - mas talvez, afinal, significativamente... - se comemora em 27 de dezembro, cerca do solstício de inverno, no hemisfério norte, e de verão, no hemisfério sul).

Esta celebração anual coincidindo com a festa litúrgica de uma figura do cristianismo, considerada geralmente o precursor e anunciador de Jesus Cristo, mostra bem que, ao contrário do que muitos pensam, a Maçonaria não só tem uma origem teísta, como essa origem esteve intimamente ligada ao cristianismo.

Sobre a origem teísta da Maçonaria recaiu, e muito, a influência do princípio da Tolerância - desde logo religiosa -, que veio a permitir uma evolução no sentido da inclusividade dos crentes de todas as religiões cristãs, primeiro, logo depois, e muito rapidamente, de todas as religiões do Livro (judaísmo e islamismo), seguidamente de todas as religiões e finalmente dos crentes deístas, isto é, dos crentes num Criador, mas não necessariamente integrados numa religião, não necessariamente professando doutrina de religião organizada.

Independentemente da crença de cada um, todos os maçons reconhecem como patronos da Maçonaria os dois S. João, o Batista e o Evangelista. Muitas Obediências mantêm a época solsticial de junho como referência para a sua principal festividade anual.

No caso da GLLP/GLRP, a sua constituição formal data de 29 de junho de 1991, o primeiro sábado após o dia de S. João naquele ano. Também por esse motivo é a época solsticial de junho objeto da sua maior celebração anual.

A regra que ora se comenta instituía como principais responsáveis pela organização dessa celebração os Grandes Vigilantes. Modernamente, a organização da celebração é assegurada pelas Grandes Secretarias, verdadeiro centro nevrálgico administrativo da generalidade das Obediências maçónicas.

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, páginas 141-142.

Rui Bandeira