03 março 2008

Reintegração do Companheiro (I)

A Passagem a Companheiro é um anti-clímax. Depois de uma cerimónia de Iniciação que o marcou, depois de um período de Aprendizagem em que foi confrontado com uma luxuriante quantidade de símbolos, em que focou a sua atenção nos aspectos da espiritualidade, o novo Companheiro ascende a esse grau através de uma cerimónia simples e singela e inicia um período de trabalho em que depara com muitos poucos símbolos novos e lhe é pedido que foque a sua atenção em algo que, provavelmente, foi objecto dela na maior parte da sua vida: o Homem, as Ciências e as Artes.

De repente, a novidade desaparece, o que se vislumbra nesta parte do caminho do maçon é o mesmo que qualquer profano medianamente culto vê no seu dia a dia. Naturalmente que o panorama se mostra menos interessante, que é admissível e até natural o pensamento de que não se vislumbra grande diferença entre a Maçonaria e o Mundo Profano. Naturalmente que o novo Companheiro descobre em si um misto de sentimentos que lhe desagradam: desilusão, estranheza, indiferença. Para quê voltar a estudar o que já se estudou? Ou que real vantagem se tira de iniciar um estudo, autodidacta e limitado, de uma qualquer outra disciplina científica ou artística diferente daquela a que profissionalmente nos consagrámos? Não será o grau de Companheiro o mais gritante dos anacronismos da Maçonaria? Talvez porventura no século XVIII se justificasse. Então imperava o analfabetismo, muitas das ciências davam os primeiros passos, o Iluminismo era ainda recente... Mas, nos dias de hoje, que interesse e justificação tem pedir-se a homens cultos, muitos licenciados e doutorados que... estudem o Homem e as ciências e as artes? Tudo isto são interrogações legítimas, preocupações compreensíveis, hesitações evidentes. Mas por tudo isto é necessário passar, para se concluir a formação maçónica!

Em primeiro lugar, este quadro cinzento permite que se tire uma lição: a Maçonaria não é um glorioso caminho de excelsas novidades, que o maçon percorre pisando a passadeira vermelha da exaltação espiritual. Ou, pelo menos, não é só isso. A Maçonaria, como tudo na vida, tem coisas agradáveis e coisa menos agradáveis. Tem o que nos dá prazer e conforto e motivação. Mas também tem o que nos é mais penoso, menos atractivo, mais aborrecido. A Maçonaria é, no fundo, um método de aprendizagem da Vida. E a Vida é assim mesmo: tem o agradável e o menos agradável, o exaltante e o aborrecido, o saboroso e o insosso. Isto para além de que o que é saboroso para uns é insosso para outros, o que agrada a una quantos, é indiferente a tantos outros, o que exalta estes aborrece aqueles. A diversidade de opções, de vias, a integração e valorização da individualidade através do grupo implicam que todos, de quando em vez e mesmo frequentes vezes, suportem algo que lhes é menos agradável em prol dos demais. A diversidade é uma riqueza, mas também um fardo!

Em segundo lugar, há que aprender ou relembrar que o Homem é tão mais interiormente rico quanto mais diversificados forem os seus interesses. Vivemos em tempos de especialização. Em contraponto, a Maçonaria lembra-nos as vantagens (mas também os inconvenientes...), a riqueza (e o esforço...), a essencialidade (e a penosidade...) de se ser um Homem integral, harmoniosamente desenvolvido científica, cultural e espiritualmente.

Mas a aquisição destas noções, o relembrar destes princípios constitui, inicialmente, um choque. O novo Companheiro tem a sensação de que, em vez de progredir, está a regredir. E, mesmo que o não verbalize, não se pode impedir de sentir um certo desapontamento. É por isso que é essencial um trabalho de reintegração do Companheiro. Não uma simples integração no grupo, que já está feita, mas de reintegração no espírito de crescimento, de aperfeiçoamento, através das diferentes ferramentas que agora se lhe pede que utilize.

Os Mestres, e em particular o Primeiro Vigilante da Loja (o oficial que tem a seu cargo o acompanhamento da coluna dos Companheiros), devem, nesta fase, colocar-se á inteira disposição do Companheiro. Procurar esclarecer-lhe as dúvidas. Apontar-lhe o caminho. Traçar-lhe objectivos. Permitir-lhe que venha a perceber, à luz dos conhecimentos simbólicos que, enquanto Aprendiz, adquiriu, a necessidade deste período especificamente destinado ao estudo do que é terreno, do que é material, do que é humano.

É a hora de relembrar ao Companheiro todos os símbolos de dualidade com que se confrontou e esperar que ele tire as suas conclusões. É o momento de lhe relembrara a frase, que lhe soou talvez tão enigmática, de que o que está em cima é como o que está em baixo. É afinal a ocasião para que o Companheiro ganhe a noção de que, mesmo quando lida com coisas muito práticas, ainda então e assim isso tem um significado simbólico. E aí o Companheiro regressa a águas conhecidas...

É altura de realçar que novos conhecimentos, ricos cambiantes, diferentes tonalidades se surpreendem ao revisitar, à luz dos conhecimentos que adquirimos em Maçonaria e da melhoria espiritual que progressivamente buscamos alcançar, as ciências e as artes que tão bem julgamos conhecer.

E então estará aberta a via para que a desilusão desapareça, o aborrecimento esmoreça, a estranheza se dissipe. O Companheiro, devidamente apoiado, por ele mesmo compreenderá a razão de ser deste regresso às coisas terrenas e do Homem, a necessidade de o empreender, o trampolim que constitui para o avanço seguinte.

No fim, o Companheiro compreenderá algo que aprendeu na sua Passagem: que, por vezes, é necessário um desvio e um regresso ao rumo, para poder prosseguir caminho...

Rui Bandeira

29 fevereiro 2008

Quanto ganhas por hora?

Mais uma pequena história que recebi por correio electrónico. Mais uma vez, quando procurava uma imagem para ilustrar o texto, verifiquei que já foi publicada em vários blogues. Não é razão para não a publicar aqui. Não precisa de comentários. É tão certeira que até dói...!

Um dia, quando um homem chegou tarde a casa, cansado e irritado após um dia de trabalho, encontrou, esperando por si à porta, o seu filho de 5 anos.

- Papá, posso fazer-te uma pergunta?

- Claro que sim. O que é?

- Quanto ganhas numa hora?

- Isso não é da tua conta. Porque me perguntas isso?! - respondeu o homem, zangado.

- Só para saber. Por favor... diz lá... quanto ganhas numa hora? - perguntou novamente o miúdo.

- Bom... já que queres tanto saber, ganho 10 euros por hora.

- Oh! - suspirou o rapazinho, baixando a cabeça.

Passado um pouco, olhando para cima, perguntou:

- Papá, emprestas-me 5 euros?

O pai, furioso, respondeu:

- Se a razão de tu me teres perguntado isso, foi para me pedires dinheiro para brinquedos caros ou outro disparate qualquer, a resposta é não! E, de castigo, vais já para a cama. Vai pensando no menino egoísta que estás a ser. A minha vida de trabalho é dura demais para eu perder tempo com os teus caprichos!

O rapazinho, cabisbaixo, dirigiu-se silenciosamente para o seu quarto e fechou a porta. Sentado na sala, o homem ficou a meditar sobre o comportamento do filho e ainda se irritou mais. Como se atrevia ele a fazer-lhe perguntas daquelas? Como é que, ainda tão novo, já se preocupava em arranjar dinheiro?

Passada mais ou menos uma hora, já mais calmo, o homem começou a ficar com remorsos da sua reacção. Talvez o filho precisasse mesmo de comprar qualquer coisa com os 5 euros. Afinal, nem era costume o miúdo pedir-lhe dinheiro. Dirigiu-se ao quarto do filho e abriu devagarinho a porta.

- Já estas a dormir? - perguntou.

- Não, papá, ainda estou acordado. - respondeu o miúdo.

- Estive a pensar... Talvez tenha sido severo demais contigo. - disse o pai. - Tive um longo e exaustivo dia e acabei por desabafar contigo. Toma lá os 5 euros que me pediste.

O rapazinho endireitou-se imediatamente na cama, sorrindo:

- Oh, papá! Obrigado!

E levantando a almofada, pegou num frasco cheio de moedas. O pai, vendo que o rapaz afinal tinha dinheiro, começou novamente a ficar zangado.O filho começou lentamente a contar o dinheiro, até que olhou para o pai.

- Para que queres mais dinheiro se já tens aí esse? - resmungou o pai.

- Porque não tinha o suficiente. Agora já tenho! - respondeu o miúdo. - Papá, agora já tenho 10 euros! Já posso comprar uma hora do teu tempo, não posso? Por favor, vem uma hora mais cedo amanhã. Gostava tanto de jantar contigo...

Gosto muito que leia este blogue. Mas NUNCA - nunca mesmo! - gaste com ele um minuto que seja do tempo que deve dedicar aos seus filhos!

Um bom fim de semana!

Rui Bandeira

28 fevereiro 2008

Ars Macionica


A Loja de Investigação da Grande Loja Regular da Bélgica tem o nome de Ars Macionica. Reclama-se de estar sob a égide do número três: Trabalha nos três graus simbólicos, tem três reuniões por ano e comunica em três línguas, inglês, francês e neerlandês. Foi criada em 1992. A ela podem pertencer todos os Mestres Maçons da Maçonaria Regular que tenham publicado, pelo menos, um trabalho original.São admitidos a participar nos trabalhos da Loja Aprendizes e Companheiros, em função do tema em análise. Reúne no seu seio maçons de diversas nacionalidades: belgas, franceses, suíços, holandeses, ingleses, italianos, gregos.

O símbolo e medalha da Loja representa a coruja de Atena, a ave que vê à noite. Símbolo da sabedoria, evoca o espírito crítico dos filósofos gregos.

Como outras Lojas de Investigação, a Ars Macionica agrega um Círculo de Correspondentes. Mediante o pagamento anual de 25,00 euros, cada correspondente tem direito a receber um volume anual das Acta Macionica, de receber convites para todos eventos organizados pela Loja ou pelo Circulo de Correspondentes, de estar presente em todas as sessões da Loja (em função do seu grau), de ver publicados no volume correspondente das Acta Macionica, sob o seu nome, os textos das perguntas ou intervenções que formule a propósito das conferências e a ver publicadas, no número seguinte, as respostas às perguntas que tenha formulado ou a reacção do conferencista aos comentários que tenha apresentado.

As Acta Macionica são a publicação anual da Loja. Até 2007, foram publicados dezassete números. Dezassete, porque o primeiro volume foi publicado ainda em 1991, antes da criação formal da Loja.

A sua última reunião teve lugar no passado sábado, dia 23 de Fevereiro. Nesta reunião, foi proferida por Paul Rousseau a conferência intitulada A Maçonaria no Luxemburgo.

Rui Bandeira

27 fevereiro 2008

"Fiz das tripas coração"

É doente?
Ou convalescente?
Vai ser operado?
E está assustado?
Então porque espera?
Quem espera desespera!
Aprenda a sorrir!
Meia cura é o rir!
Aprenda com o autor
Que é médico e doutor!
E que ensina com humor
A ultrapassar a dor!

Este texto bem-disposto chama a atenção no convite que recebi para o lançamento do novo livro de MIGUEL ROZA, com o sugestivo título Fiz das tripas coração, publicado pelas edições São Rozas.

O lançamento do livro ocorrerá na próxima sexta-feira, dia 29 de Fevereiro (um dia especial: o autor garante, com certeza absoluta, que não ocorrerá outro lançamento de qualquer outro livro, por ele ou por qualquer outro autor, no dia 29 de Fevereiro, nos próximos três anos...), pelas 18 h 30m, no Grémio Literário, sito na Rua Ivens, n.º 37, ao Chiado, em Lisboa.

O Grémio Literário não dispõe de estacionamento privativo, mas o convite assegura que existem vários parques de estacionamento próximos. Ironia em todos os pormenores...

O livro será apresentado pelo Dr. Luís Lourenço, presidente da SOPEAM (Sociedade Portuguesa de Escritores e Artistas Médicos).

Este livro, a exemplo do anterior volume de narrativas do autor, De médico e de louco tomos temos um pouco, constitui mais uma pérola demonstrativa da arte de bem escrever e do bom humor, ironia e bonomia de MIGUEL ROZA.

Reservar o fim de tarde de sexta-feira para dar um saltinho até ao Grémio Literário e obter um exemplar do livro é uma óptima maneira de garantir um fim de semana bem disposto, com uma leitura agradável!

Rui Bandeira

26 fevereiro 2008

O trabalho do Companheiro


O trabalho do Companheiro é, simultaneamente, a continuação do trabalho do Aprendiz e a realização de uma tarefa diferente.

O Aprendiz trabalha no seu aperfeiçoamento e simultaneamente procura conhecer e reconhecer uma significativa quantidade de símbolos e descortinar o seu significado. O Aprendiz trabalha e aperfeiçoa o espírito. Ao Aprendiz pede-se que abstraia das lhanezas do mundo e da vida e que procure subir aos altos planos do Espiritual, do Ético. O Aprendiz recorda que o Homem não é só carne, não é simples animal sobrevivendo no terceiro planeta à roda de uma obscura estrela na ponta de uma das milhares de galáxias existentes no imenso Universo. O Aprendiz relembra, interioriza, que o Homem é também espírito e que esse é o lado nobre da sua natureza. E cultiva esse lado.

O Companheiro, sem esquecer tudo isso, continuando a trabalhar nesse sentido, deve voltar de novo a sua atenção para a sua Humanidade, para a sua natureza de Homem.

Depois de ter trabalhado exclusivamente concentrado na elevação e aperfeiçoamento espiritual, enquanto Aprendiz, ao Companheiro pede-se que, sem abandonar esse trabalho que aprendeu a fazer, regresse a este mundo, que reassente os pés na Terra, que volte a dirigir o seu interesse, a sua curiosidade, a sua vontade de aprender e de evoluir também para os aspectos do Homem e das Ciências e das Artes.

Um Homem completo não desenvolve apenas as suas aptidões espirituais. Porventura isso fará de quem opte por esse caminho um místico de excelência. Mas o objectivo do caminho e do método maçónicos não é o misticismo, não é a obtenção de epifanias. O objectivo do caminho e do método maçónicos é o desenvolvimento integral e harmonioso do Homem. O seu aperfeiçoamento não deve, pois, ser exclusivamente espiritual, antes este deve ser integrado no conjunto das capacidades humanas. Espírito e Razão, duas faces da moeda que é o Homem. Ambas devem ser integral e harmoniosamente desenvolvidas.

Nos dias de hoje, em que o Materialismo impera, o desenvolvimento do lado espiritual do Homem impõe-se. Mas também se impõe que se não abandone o lado material, científico, terra a terra, que constitui, continua a constituir e sempre constituirá parte da natureza humana.

O trabalho do Companheiro é, pois, depois do trabalho focado no espiritual, e sem o abandonar, regressar e focar-se de novo também nos aspectos "comezinhos" do Homem e do Conhecimento.

O Aprendiz trabalha na descoberta do Grande Arquitecto, do seu lugar na Vida e no Mundo, no vislumbrar do Plano da Criação e em tudo o que o faça subir acima das comezinhas coisas terrenas. O trabalho do Companheiro é regressar a essas coisas terrenas. Porque só assim o maçon será um Homem completo.

O trabalho do Companheiro vem assim reequilibrar o maçon.

Num texto da Cristandade, conta-se como Cristo certa vez acentuou, a propósito da moeda romana e do que se lhe perguntava sobre ela, que se devia dar a Deus o que é de Deus e a César o que é de César. Acentuou e chamou a atenção para a dicotomia entre o material e o espiritual.

Pois bem, o Maçon deve ter presente que é simultaneamente de Deus e de César. Não lhe cabe desenvolver e aperfeiçoar apenas o seu lado espiritual. Também a sua natureza racional, material, o seu espírito científico e ou artístico devem, por igual, merecer a sua atenção.

A Maçonaria não visa tornar homens bons em místicos. Visa tornar homens bons em homens melhores. Deve, portanto, atender à integralidade do Homem, dos seus conhecimentos e realizações.

O trabalho do Companheiro é essencialmente um regresso. Um regresso ao Homem, às Ciências e às Artes. Mas um regresso que não prescinde, que não abandona, que traz na bagagem, tudo o que obteve e aprendeu e viu e intuiu no seu percurso de Aprendiz. Não substitui aquele por um novo. Acrescenta àquele percurso mais uma nova exigência.

Em termos simples, o Aprendiz estuda o Grande Arquitecto, o Companheiro prossegue os estudos, voltando a sua atenção para o Homem. Aquele concentrou-se no Criador. Este recentra-se na Criatura, suas características e realizações.

Espiritual e material. Criador e criatura. Deus e o Homem. O Desconhecido e o comezinho. As etéreas alturas e o terra a terra. Dualidade que é essencial para o maçon. Porque só assim é verdadeiramente completo! Porque mesmo a mais livre ave não pode sempre voar. Também tem que regressar à Terra e nela pousar. E, para isso, tem de conhecê-la, saber onde pode estar segura, onde estão os perigos, como faz , onde se abriga, onde cria os seus filhotes. Céu e Terra.

O trabalho do Companheiro é regressar ao estudo do Homem, das suas Ciências e das suas Artes. Sem deixar de continuar a aperfeiçoar o seu lado espiritual. Assim se completa! Assim se faz!

Rui Bandeira

25 fevereiro 2008

A Passagem


Chama-se Passagem à Cerimónia pela qual o Aprendiz adquire o estatuto de Companheiro, conferindo-se-lhe o segundo grau da Arte Real.

Tal como a Iniciação, a Passagem é um rito... disso mesmo: de passagem. Tal como aquela, tem os três tempos de um rito de passagem: de onde vens, o que és, para onde vais.

Mas, ao contrário da Iniciação, a cerimónia de Passagem deixa quase sempre no nóvel Companheiro um travo de desapontamento, uma sensação de que o que ocorreu foi menos do que o que o esperava.

Efectivamente, a Cerimónia de Passagem é muito mais simples e sóbria do que a Iniciação. Se pensarmos bem, deve sê-lo! A Iniciação marca a entrada num novo mundo, marca a transição da vida profana para a vivência maçónica. A Passagem assinala apenas o dobrar de uma etapa. Uma marca que, tendo o valor de assinalar um progresso, uma melhoria, um crescimento, no entanto o maçon que dela beneficia já deverá começar a perceber que é só uma pequena parte do muito caminho que ainda tem para percorrer, se quiser efectivamente atingir a plenitude das suas capacidades.

E, para que o maçon que passa de Aprendiz a Companheiro não tenha dúvidas nem ilusões sobre o pouco que andou e o muito que lhe falta percorrer... vai começar por se desiludir com a espartana Cerimónia de Passagem!

Não é só por esta razão que a Cerimónia de passagem é tão simples. Porque ela é propositadamente simples, curta e sem enfeites!

A Cerimónia de Passagem não marca apenas uma mudança de estatuto, de grau, de Aprendiz para Companheiro.

A Passagem assinala sobretudo um novo estilo e objectivo de trabalho. Não uma mudança, porque o maçon não deve deixar de efectuar o trabalho que aprendeu a fazer enquanto Aprendiz para passar a fazer o tipo de trabalho do Companheiro. Não isso. Um maçon deve ser Aprendiz toda a sua vida maçónica. A Passagem assinala que, para além do trabalho que o maçon faz enquanto Aprendiz, deve, a partir de então, passar a executar também um novo tipo de trabalho.

A Passagem não é uma promoção. É um entregar de novas responsabilidades, a acrescer às que já se cumprem.

A Passagem não se destina, portanto, a impressionar, a marcar. A Passagem, pelo contrário, destina-se a enfatizar que o trabalho do maçon é sóbrio e persistente e cada vez mais profundo e variado. A Passagem não é uma festa. É apenas a entrega de um certificado de aptidão. A Passagem não é uma entrada na Mansão do Conhecimento Maçónico, é apenas a abertura de mais uma porta e o acesso de mais uma sala, para que o maçon, que anteriormente trabalhava apenas na sala dos Aprendizes... passe agora a trabalhar também na oficina dos Companheiros.

A Passagem deixará no maçon um travo levemente amargo da desilusão. Mas é para isso que serve. Para que o maçon perca as últimas ilusões que, sobre a Maçonaria, ainda guarde do seu passado de profano e confirme que o seu caminho é de trabalho. Mais trabalho.

Eu senti essa desilusão na minha Passagem a Companheiro. Eu, que já assisti e participei em dezenas de Cerimónias de Passagem, já vi dezenas de trejeitos de desilusão nas faces e nos olhos dos meus Irmãos. A alguns a desilusão é tanta e tão pesada que, mansamente, discretamente, se vão ausentando e decidem abandonar o caminho que os demais continuam a percorrer. Não é grave! Nem todos os Aprendizes chegam a Companheiros. Nem todos os Companheiros ascendem a Mestres. E seguramente que nem todos os Mestres virão a exercer o ofício de Venerável Mestre. É assim a realidade! Para alguns, o peso do trabalho é superior ao que se sentem com capacidade de suportar e arreiam. Também na Maçonaria a selecção é natural... Cada um percorre o seu caminho ate onde pode. Mesmo os que decidem parar a meio, já percorreram, pelo menos, uma parte do caminho. Esse ganho já é deles e ninguém lhes tira.

Não é por sadismo ou por inconsciência que se sujeita o maçon à desilusão, que se arrisca a sua desistência. É porque é necessário que essa etapa seja vivida. O novo trabalho que se acrescenta parecerá, para muitos, inútil e desnecessário. Mas não é nem uma coisa, nem outra. Porque com ele o maçon vai aprender que, para ser Mestre de si próprio, tem de ser um Homem completo. E que tem de se completar. De crescer e desenvolver-se harmoniosa e equilibradamente em todos os campos. Não apenas num ou em alguns. Sobretudo, não apenas onde e como gosta...

Para começar, tem uma desilusão... Mas, se efectivamente aprendeu bem o que tinha de aprender na coluna dos Aprendizes, cedo, logo, superará essa desilusão; cedo, logo, se lembrará que, em Maçonaria o que parece normalmente é diferente do que é e o que é normalmente é mais do que parece; cedo, logo, esquecerá a desilusão e olhará, atentará, meditará no que, espartana, simplesmente, lhe foi mostrado. E agirá em conformidade. E com isso completar-se-á.

Demorei muitos anos a perceber isto. Andei muito tempo a dizer e a escrever que o grau de Companheiro estava mal acabado, que era desinteressante, que era uma perda de tempo, enfim, uma quantidade de disparates que os mais antigos fizeram o favor de estoicamente suportar, sem me tirarem a possibilidade de descobrir por mim próprio como eram tão desajustados!

O ciclo reproduz-se com cada maçon que persiste! Desilude-se, interroga-se, observa, trabalha, evolui e... um dia percebe que era assim mesmo que tinha de ser e de fazer. Quando, finalmente, estiver pronto para perceber.

A cada novo Companheiro eu dedico três desejos: que cumpra o ciclo que eu e muitos outros antes de mim cumpriram e ainda muitos mais cumprirão depois dele; que, um dia, perceba, como eu percebi; que não necessite de tanto tempo como eu necessitei!

Rui Bandeira

22 fevereiro 2008

O doce aroma do café

Mais um texto, da autoria original de R. P. Arturo Vargas, que recebi por correio electrónico e que adaptei para aqui publicar, pois parece-me ser mais uma boa alegoria, demonstrativa de princípios e posturas de vida que devemos ter.

Uma filha queixou-se ao seu pai da sua vida e de como tudo estava difícil para ela. Já não sabia o que fazer. Estava cansada de lutar, sem obter resultados. Apetecia-lhe desistir. Parecia que, mal resolvia um problema, logo outro lhe aparecia, numa sucessão sem fim e sem descanso.

O pai, cozinheiro de alta cozinha em restaurante de luxo, levou-a até à cozinha do restaurante onde trabalhava. Ali, encheu três panelas com água e colocou cada uma delas sobre lume alto. Na primeira, colocou ainda cenouras. Na segunda, deitou ovos. E, na terceira, despejou café em pó. Sem dizer uma palavra, deixou que tudo fervesse.

Cerca de vinte minutos depois, apagou o lume. Retirou as cenouras da primeira panela e colocou-as num prato. Retirou os ovos da segunda panela e colocou-os num recipiente. Finalmente, com uma concha, retirou o café e colocou-o numa tigela.

Virando-se para a filha, perguntou-lhe o que via.

- Cenouras, ovos e café - respondeu ela.

O pai pediu-lhe para se aproximar e experimentar as cenouras. Ela assim fez e reparou que as cenouras, cozidas, estavam macias. O pai disse-lhe então para pegar num ovo e descascá-lo. Ela assim fez e verificou que o ovo endurecera com a fervura. Finalmente, o pai disse-lhe que bebesse um pouco de café. Ela assim fez, sorrindo ao notar o seu aroma delicioso.

Mas a filha estava confusa e perguntou ao pai onde queria ele chegar.

Então o pai explicou-lhe que os três diferentes géneros tinham sido submetidos à mesma adversidade: água a ferver. Mas tinham reagido de maneira diferente.

A cenoura entrara na água, forte, firme e dura. Mas depois de submetida aos efeitos da água fervente, amolecera e tornara-se frágil.

Já os ovos eram frágeis quando entraram na água, com o seu interior líquido apenas protegido por uma fina casca. Mas, depois de terem sido fervidos na água, o seu interior endurecera.

Porém, o pó de café era incomparável: uma vez colocado na água a ferver...
mudara a água!!!

As pessoas, em face da adversidade, podem comportar-se como estes três elementos. Uns, como a cenoura, podem parecer fortes mas, submetidos à adversidade e à dor, murcham, tornam-se frágeis e perdem a sua força. Outros, como o ovo, começam com o coração maleável e o espírito fluido mas, submetidos às adversidades da vida, tornam-se duros e inflexíveis. A sua casca exterior parece a mesma, mas estão mais amargos e obstinados, com o coração e o espírito inflexíveis.

Finalmente, há aqueles que são como o pó de café. Este muda a água fervente, o elemento que lhe causa dor. Quando a água chega ao ponto máximo da sua fervura, o café atinge o máximo do seu aroma e sabor.

Procura, minha filha, ser como o café, que, quando as coisas se tornam difíceis, consigas reagir de forma positiva, tornando-te cada vez melhor, sem te deixares vencer pelas circunstâncias, e fazendo com que tudo à tua volta se torne cada vez melhor!

Uma boa lição de vida, para nós seguirmos e para ensinarmos aos nossos filhos!

Rui Bandeira