O quarto Venerável Mestre
Foi o homem certo na altura certa. A Loja aprendera a trabalhar em condições mais difíceis do que aquelas em que se formara. A Loja aproveitara para perceber as vantagens de fazer rodar os Mestres - particularmente os mais recentes - nos vários ofícios rituais. É verdade que tal ocorrera por necessidade, devido à diminuição de assiduidade nas reuniões havidas às quartas-feiras. Mas ultrapassara a dificuldade e ainda obtivera um ganho com a forma como a ultrapassara. Mas a Loja necessitava de obter uma maior empatia com o seu líder. E Ilídio P. C. era o homem ideal para isso.
Ilídio P. C. teve a seu favor, desde logo, o factor emocional. A Loja aprendera a trabalhar sob uma liderança menos carismática, mas recordava com alguma saudade a ligação emocional e carismática que tivera com José M. M.. E, na verdade, com Ilídio P. C. teve o mais próximo disso que era possível, até num plano simbólico: Ilídio P. C. e José M.M. tinham sido cunhados (um deles, já não me recordo qual, tinha sido casado com a irmã do outro), a sua ligação pessoal mútua era grande (sobrevivera ao fim do casamento que os tornara cunhados) e Ilídio P. C. era também um emotivo, tal como José M. M.. Eram, obviamente diferentes - José M. M. motivava o grupo pela garra, pela combatividade, pelo carisma; Ilídio P. C. arregimentava afectos mansamente, ouvindo todos pacientemente e, num fio de voz, anunciando a decisão que todos instantaneamente sentiam que tinham contribuído para ser tomada e que reconheciam como a melhor, em face das circunstâncias analisadas. Era um carisma sossegado, mas não deixava de ser carisma.
Tinha uma actividade profissional intensa e competitiva e costumava dizer que a Loja era o seu porto de abrigo, o seu local de descontracção, onde podia estar à vontade e com as defesas em baixo, sem preocupações de ser traído (a palavra que utilizava era mais vernácula...), nem apunhalado pelas costas. Dizia-o, parte por ser verdade, mas também parte como meio de incutir na Loja a coesão entre os seus membros. A sua mensagem era: não importa a luta que travemos na vida profana, a forma como aí tenhamos de estar atentos; aqui é um espaço de camaradagem, de confiança, de amizade. Não é preciso gostar de todos, ser amigo de todos; mas não se trai nenhum e por nenhum se é traído. Aqui cada um pode e deve ser ele próprio, mostrar as suas fraquezas e colaborar com as suas forças; ninguém se aproveita das fraquezas de qualquer dos demais, ninguém abusa das forças dos seus irmãos.
E, dando-se a si como exemplo, agindo em consonância com o que dizia, calmamente fez com que todos o seguissem, e a Loja voltou a levantar voo, com as capacidades que tinha, enriquecida com a coesão que passou a fazer parte das suas características genéticas.
Ilídio P. C., que beneficiou também do paulatino regresso de muitos dos que, esgotados, tinham passado por um "ano sabático" de recuperação, no fim do seu mandato transmitiu ao seu sucessor uma Loja mais forte, mais coesa, mais madura, que entendera que a liderança também se exercia de uma forma calma e, com isso, crescera mais um pouco.
Ilídio P. C., aquando da cisão de 1996, sofreu como poucos o desgosto da separação e a forçada e inesperada quebra da coesão por que tanto se esforçara. Coerente, afastou-se. Mas, algum tempo depois, o apelo da Maçonaria foi mais forte. Uma vez maçon, sempre maçon. Acabou por se integrar numa Loja do GOL e aí certamente que o seu estilo brando e calmo exerce tanta influência como exerceu em nós.
Continuamos a revê-lo e a com ele conviver, sempre que possível, seja numa qualquer organização a que ele nos dá o gosto da sua presença, seja no jantar anual do Solstício de Inverno que a Loja organiza. E é sempre com grande alegria que o revemos e com ele convivemos e, sempre, algo de novo aprendemos. Porque o Ilídio P. C. não foi apenas um dos nossos. O Ilídio P. C. contribuiu, e muito, para a nossa identidade e características, mostrando-nos o imenso valor da coesão. Esteja onde estiver, esteja com quem estiver, é e será sempre um dos nossos!
Rui Bandeira