Do Encerramento das Urgencias
Antes de vir aqui escrever fui ler o tal relatório que tanto se fala e que poderá ser lido Aqui
Encontrei um relatório que me pareceu correcto e lógico, assentando sobre factos concretos e mensuráveis. Com objectivos a atingir que me parecem lógicos e coerentes com a política de racionalização de serviços que o Ministério da Saúde está a seguir.
O chavão “Encerramento” transmite a ideia imediata que depois da medida tomada o país ficará com menos serviços de urgência. Depois de lido o relatório podemos perceber que na verdade de 73 pontos de rede de urgência e depois de encerrados 15 ficamos com 83 pontos de rede. Que aritmética a minha! Pois toda a gente sabe que 73 menos 15 dá 58.
O que ninguém fala é que este relatório prevê a abertura de 25 pontos de rede. Ou seja temos assim o tal saldo de 10 pontos.
Fecham uns abrem outros. E porque razão é preciso fechar uns a abrir outros, se para ficarmos com mais 10 seria mais lógico abrir só esses.
Na verdade não é preciso pensar muito para perceber que foram aplicados critérios demográficos e de distância ao ponto de rede. A ideia geral é diminuir o tempo médio de chegada à urgência para 45 minutos para 90 % da população. Sendo que o que entendi é que actualmente este tempo está em 60 minutos para menos de 90 % da população. Ora nestas coisas dos valores médios há algumas cautelas a ter. De facto para algumas populações o tempo de chegada ao ponto de rede será aumentado, mas para outras será diminuído. O resultado final é mais positivo para mais gente, ou seja há mais gente melhor, sendo que alguns ficaram um pouco pior.
Quando se falam de serviços de Urgência, temos que separar 3 tipos de instituições. Os hospitais com Serviço de Urgência Polivalente (SUP), os com Serviço de Urgência Médico-cirúrgica (SUMC) e os com Serviço de Urgência Básica (SUB).
Os SUP estão associados a Hospitais Centrais ou agrupamento de Hospitais Centrais, onde são disponibilizados meios técnicos e humanos altamente diferenciados onde existem por exemplo aquilo que se chama hoje de “trauma room” ou uma Unidade de Queimados, os SUMC são serviços com alguma diferenciação, onde é possível atender casos com gravidade mas todavia com meios muito inferiores aos SUP. Quanto aos demais são serviços que atendem casos muito menos graves e que em muitos casos não servem sequer para estabilizar o paciente antes deste ser transferido para outro sitio, pois essa triagem é feita a montante pelo próprio INEM que encaminha logo o paciente para o serviço apropriado, e bem, em vez de perder tempo num ponto de rede que não tem os meios necessários.
Ora os centros que fecham são essencialmente os SUB sendo substituídos por outros SUB e por alguns SUMC.
Não nos esqueçamos também que os centros de Saúde existentes não fecham, apenas o serviço de Urgência o que quer dizer que na realidade só durante um horário especifico é que a cobertura normal de cada zona que deixa de ter um ponto de rede fica inferior à actual.
Fecham as Urgencias porque como disse há que conseguir o tal número médio. Mas podemos perguntar porquê fechar, se abrindo os tais mais 25 ficaríamos com mais 25 e com uma cobertura melhor (talvez passasse para 45 minutos para 95% da população). Aritmeticamente até talvez fosse verdade, mas economicamente seria catastrófico. Basta ver que no relatório um dos pressupostos é que nos SUMC para serem considerados como tal é necessário um mínimo de 3 cirurgias oriundas das urgências por dia.
Entendamos que não é possível equipar pequenos hospitais com tecnologias de ponta, para depois serem usadas uma vez por cada 2 anos, sempre assumindo que haveria os técnicos qualificados para o fazer.
Apenas por curiosidade, para poder garantir cirurgias de urgência na especialidade de Cirurgia Geral num período de 24H e considerando apenas a equipa de Bloco Operatório ( sem mais) são precisos em números absolutamente mínimos, 2 Cirurgiões com qualificação mínima de Especialista, 4 Cirurgiões no Internato de Cirurgia sendo que um poderá ser de primeiro ano, 2 Médicos Anestesistas, 2 Médicos Internistas, 3 enfermeiros de anestesia (1 por turno), 3 enfermeiros instrumentistas (1 por turno), 3 enfermeiros circulantes (1 por turno), 3 enfermeiros Chefe/Responsavel (1 por turno), 3 enfermeiros de assistência no Recobro Pos Operatório ( 1 por turno), 4 auxiliares de acção médica por cada turno.
Somando temos 10 Médicos, 15 Enfermeiros e 12 Auxiliares, ou seja 37 pessoas sem contar os administrativos e todo o restante pessoal necessário para manter uma Unidade Cuidados Intensivos, assistência medica e de Enfermagem no internamento etc.
E isto para um dia, é preciso contar que o ano tem 365, e que dado que estas pessoas também têm férias, folgas por trabalho nocturno etc.
Os custos de uma estrutura destas são imensos e só fazem sentido se forem rentabilizados, entendendo-se por rentabilização casos cirúrgicos urgentes para resolver.
A propósito relembro aqui o caso da Maternidade de Elvas. Para haver Maternidade e este serviço tem que estar aberto sempre 365x24, é necessário pelo menos 2 obstetras, 2 pediatras, 2 anestesistas, enfermeiros, parteiras, auxiliares, etc. Ora em Elvas nasciam no Hospital por ano 250 crianças. Assumindo por absurdo que só nascia um por dia isto quereria dizer que em 115 dias do ano esta equipa de profissionais ficava apenas a cumprir horário.
Que empresa (e o Estado é uma empresa) pode aguentar ter profissionais altamente qualificados parados durante 4 meses por ano.
Ora nos serviços de urgência o princípio é o mesmo. Há que racionalizar.
Desta forma inclusivamente recolocando os médicos e os outros profissionais nos novos serviços, (porque evidentemente não se vão descartar estes profissionais) os tempos de atendimento poderão ser reduzidos e as valências aumentadas, melhorando substancialmente a qualidade do atendimento.
À guisa de conclusão, tendo em conta o meu conhecimento do sector da saúde, parece-me que esta medida poderá ser benéfica para as populações e para os cofres do Estado. Todavia este é um relatório inicial, pelo que agora há que estudar a operacionalidade da solução, tanto no factor humano, quanto logístico e financeiro.