28 março 2016

Luís Manuel Douwens Prats, maçom esotérico


Há dois sábados atrás, ao fim da tarde, recebi uma mensagem SMS do José Ruah: Fui informado do falecimento do Luís Prats. O laconismo da mensagem não me impressionou: o José e eu estamos habituados a comunicar da forma mais simples e com o mínimo de palavras. Conhecemo-nos há muito e muito bem, não é preciso muito para cada um de nós entender o que o outro lhe quer transmitir - se for preciso entendemo-nos até por sinais de fumo... 

Aquela curta mensagem, para além da informação objetiva e factual, indicava-me mais coisas: que o texto seguinte que eu escreveria para o blogue seria a evocação do Luís, que tinha partido um amigo e um Irmão que, presentemente, na Loja só nós dois e muito poucos mais recordávamos em pleno o Luís - e que não seria fácil escrever sobre ele!

A dificuldade em escrever sobre o Luís Prats resulta de uma ambivalência que nós (eu e, estou certo, também o José) temos em relação a ele: por um lado, recordamo-lo como um amigo, um amigo com quem tertuliámos agradavelmente durante alguns anos, um amigo que nos ajudou, ao José e a mim, a integrarmo-nos na Loja Mestre Affonso Domingues e a crescermos nela e com ela; por outro, o Luís foi certamente dos Irmãos com uma conceção da Maçonaria mais diferente e mais afastada da nossa. Assim, escrever sobre o Luís é recordar simultaneamente momentos de conversa e cumplicidade e ocasiões em que tivemos que saber gerir os desacordos.

Não é fácil escrever sobre o Luís Prats e a nossa relação com ele! Mas. pensando bem - e a ideia assola-me a mente deixando um rasto de um leve sorriso no meu rosto... -, acho que com o Luís Prats não houve nada de simples e fácil. Afinal, o homem foi psiquiatra!

O Luís foi um médico psiquiatra com uma longa e profícua carreira profissional. Reformou-se como Chefe do Serviço de Psiquiatria do Hospital de Júlio de Matos. Era um melómano conhecedor. Era um conversador cativante. Mais do que isso, era um conversador hipnotizante: sem nunca elevar a voz e sempre mantendo um laivo de sorriso na expressão, com um tom pausado expunha, argumentava, insistia, explicava, repetia, e não demorava muito para que o seu ouvinte se sentisse como uma serpente a ser embalada pela música do seu encantador, tentado a seguir a argumentação, o caminho, a tese que laboriosa, calma e pausadamente o Luís expunha.

Esta capacidade do Luís tornava difícil, mas desafiante, a expressão da discordância. Sempre que alguém o fazia, retorquia com argumentação que, mais do que afrontar ou discordar diretamente, rodeava a posição exposta, enredava-a numa complexa teia de argumentos. Quando isso sucedia comigo, eu divertia-me a responder aos seus argumentos um a um, para receber nova remessa e dar novas respostas, em tertuliano bate-papo que não raro se prolongava madrugada fora.

O Luís Prats foi o nono Venerável Mestre da Loja Mestre Affonso Domingues. No texto que dediquei ao seu veneralato, escrevi, a dado passo, que tinha uma conceção rigidamente esotérica, quase crística, senão mesmo crística da Maçonaria. Para ele, a Maçonaria é essencialmente um método de desencadeamento e evolução de um processo iniciático, tendente à aproximação do Homem ao Divino - um processo paralelo, por exemplo, ao misticismo monástico cristão. isto é, e se bem interpreto o seu pensamento, o método iniciático maçónico é um dos métodos de aproximação do Homem ao Divino, como o são o dito misticismo monástico ou o budismo. Luís P. privilegiava, assim, o estudo, a teoria, a análise simbólica, tendo porém o cuidado de alertar para os perigos do que costuma designar de "devaneios esotérico-birutas" muito presentes em muita "literatura", principalmente do século XIX.

 O Luís aplicou rígida e convictamente esta sua conceção no governo que fez da Loja, quando a tal tarefa foi chamado. Foi o último Venerável Mestre da Loja Mestre Affonso Domingues a quem a Loja permitiu que a gerisse de forma autocrática, Nesse sentido, pode-se dizer que foi o último de uma era, de uma dinastia, na história da Loja Mestre Affonso Domingues.

Em termos de conceção da Maçonaria, o José e eu dificilmente poderíamos estar mais longe das ideias do Luís. Em termos pessoais, de convívio, de amizade, de consideração, estivemos sempre muito próximos. Se discordámos da orientação do Luís quanto à gestão da Loja, não temos dúvida de que Como pessoa Luís estava sempre pronto a ajudar (assim, e bem, o definiu o José. num texto deste blogue).

Após o seu mandato, a Loja seguiu orientação diferente da preconizada pelo Luís e, discordante, ele veio a afastar-se. Isso não fez, porém, que diminuísse a nossa amizade e consideração por ele. A diferença de conceções existia. A generosidade e disponibilidade do homem sempre continuou a existir. A amizade e a consideração permaneceram.

Não me é fácil escrever sobre o Luís Prats, porque ele foi, indubitavelmente, um homem complexo: generoso e rígido, autoritário, mas paciente, No fundo, relacionarmo-nos com ele ensinou-nos que a amizade implica aceitar o amigo com tudo o que achamos que tem de bom e tudo o que nele encontramos de mau. Implica concordar e discordar. Implica, afinal o conceito que tão prezado é dos maçons: TOLERÂNCIA.

Recordo o Luís como um Mestre que me amparou, me guiou e ensinou - apesar de eu discordar de muito do que ele transmitiu...

A notícia da sua Passagem ao Oriente Eterno faz-me recordar o amigo e relembrar que, com concordâncias ou discordâncias, junto de nós ou afastado, o Luís Prats foi um dos nossos e como um dos nossos passou adiante.  

Até sempre, Luís! Se no Oriente Eterno existe um espaço para tertuliar, guarda-me lá um assento, que, quando a hora chegar, saberei onde te encontrar!

Rui Bandeira

1 comentário:

Anónimo disse...

O Luís foi um dos nossos maiores Maçons, nos conceitos, no respeito por tudo e por todos, no cumprimento rigorosíssimo dos rituais, área em que não concebia quaisquer variantes ou alterações. Recordo as noites passadas em sua casa na recolha de informação histórica da Loja, informação histórica em que o Luís era uma enciclopédia que muito nos ensinou e muito nos transmitiu para arquivo e ensinamento comum. Como diz o Rui, lá nos encontraremos. JPSetubal