07 dezembro 2011

Um sonho meu



Eles não sabem, nem sonham,que o sonho comanda a vida,
que sempre que um homem sonha

o mundo pula e avança
como bola colorida

entre as mãos de uma criança.


(estrofe final de
Pedra Filosofal, de António Gedeão)

Eu acho que sei e, por isso, sonho. A dormir e, muito, acordado. A Pedra Filosofal é um dos meus poemas preferidos, onde sempre renovo o meu, espero que incurável, otimismo. Estando acordado, ter sonhos de progresso, de esperança, de fraternidade, não é ingenuidade nem perda de tempo. É, sobretudo, confiança - confiança em nós, na nossa comunidade, na Humanidade. Transmitir os sonhos que acordados temos aos outros é dar-lhes a possibilidade de serem partilhados, adotados, fortalecidos, poderem porventura ganhar massa crítica que os materialize em realidades. Se de mil sonhos dos que sonhamos acordados apenas um deixar o mundo etéreo das aspirações e, pedra a pedra, se for construindo, já se tem ganho, já existe pulo, já há avanço. Por isso, eu, impenitente otimista, decidi hoje partilhar um sonho meu.

Sonho que se construa um espaço de culto que não seja igreja, não seja mesquita, não seja sinagoga, não seja salão, não seja terreiro - mas seja tudo isso e mais!

Sonho que esse espaço seja sóbrio, seja moderno, seja agradável, mas nele não se veja obrigatoriamente nenhum símbolo de nenhuma religião em particular - mas se possam ver, quando necessário, os símbolos de todas as religiões.

Sonho que o Templo - chamemos-lhe simplesmente assim - se destine a todos os cultos, seja utilizável por todas as religiões, seja utilizado pelos sacerdotes ou ministros de todos os cultos e pelos crentes de todas as religiões.

Sonho que ali existam, movíveis, facilmente colocáveis onde devem ser colocados, guardados quando devam estar guardados, expostos quando devam estar expostos, os símbolos e artefatos inerentes aos cultos de todas as religiões. Que quando ali se se celebre uma missa católica, esteja à vista, no local próprio, a cruz cristã, o sacrário, o altar. Quando ali tenha lugar a oração dos muçulmanos, não haja representações figurativas, nem do divino, nem do humano, facilmente os crentes saibam para que lado e direção está Meca e que tudo o que é necessário ou conveniente ao culto islâmico esteja onde deve estar. Que, quando ali tiver lugar culto judaico, no sítio próprio estejam os rolos da Lei e mais tudo o que a Tradição judaica mande que esteja. E que similarmente assim seja quando ali houver cultos de quaisquer outras religiões ou crenças.

Sonho que naquele edifício haja, não um, mas vários espaços, separáveis e independentes, que permitam que, com a necessária privacidade, possa ao mesmo tempo prestar-se culto ao Criador de várias formas e segundo diferentes tradições. Que tudo isso seja administrado de forma isenta, cooperante, organizada, de forma a que todos e cada um sintam aquele espaço comum como seu e podendo utilizá-lo segundo as suas necessidades e conveniências. Que haja o bom senso, a tolerância, a abertura e o espírito de cooperação para, por exemplo, se entender, sem conflitos, que o mais "nobre" ou espaçoso dos espaços de culto deve preferencialmente ser reservado à sexta-feira para os muçulmanos, ao sábado para os judeus, ao domingo para os cristãos.

Sonho que nos espaços de apoio aos locais de culto convivam harmoniosamente os ministros de todas as religiões, partilhando os espaços comuns que podem e, portanto, devem, ser por todos partilhados e dispondo dos espaços privados às necessidades de cada um e do seu ministério.

Sonho que o sistema informático desse espaço tenha um bom servidor para uso comum, dividido ou partilhado em diversas máquinas virtuais, cada uma utilizada por cada culto, de forma a que todos beneficiem da mesma infraestrutura, mas cada um só acedendo ao que a si diz respeito. Afinal, o hardware, o Universo, que a todos nós abriga, é único - e cada religião nele implanta o seu software próprio... E - não o duvido - o "Administrador do Sistema" é único e garante que as várias variantes existam e funcionem, cada uma com o "sistema operativo" que prefere...

Sonho que o Centro Social anexo seja também comum e comummente utilizado por todos, que tenha áreas partilháveis e partilhadas por todos e espaços próprios para cada um. Que harmoniosa e proficuamente aqui haja catequese, ali escola rabínica, acolá estudo do Alcorão, e, se assim for conveniente, tudo isso ao mesmo tempo. Que as crianças da zona vão ali aprender o que em cada tradição lhes seja conveniente aprender, podendo todos brincar e conviver em conjunto, pois, sendo metodistas, evangélicas, católicas, hindus, muçulmanas, judias, xintoístas, etc., são todas, acima de tudo e antes de tudo... crianças.

Sonho que as residências dos ministros das diversas religiões estejam, lado a lado, nas traseiras do edifício, para que todos estejam perto e disponíveis para os seus crentes, mas para que, sobretudo, sejam todos vizinhos uns dos outros e todos em conjunto cuidem do comum interesse de manter aquele pequeno bairro cuidado, ordenado e aprazível.

Sonho que tudo isto permita que cada um viva a sua religião como entender, segundo a sua tradição, mas respeitando as religiões de todos os demais e, sobretudo, aprendendo a cooperar em tudo o que em comum possam cooperar e a aproveitar e maximizar as semelhanças e a tolerar e relativizar as diferenças.

Sonho enfim que este espaço simbolize e materialize que a religião, a crença, não pode, não deve, ser motivo de discórdia, de luta, de emulação, antes seja por todos compreendida como assunto de cada um, que só a cada um diz respeito. Afinal, o Criador é Um e, com toda a probabilidade, deve ser-Lhe mais ou menos indiferente a forma como cada um a Ele se liga, pois o importante é a ligação, não a forma do laçarote...

Sonho isto porque sou maçom. Mas, sobretudo, sou maçom porque sonho isto!

Rui Bandeira

7 comentários:

Nuno Raimundo disse...

Rui, continua a sonhar... Pode ser que um dia se torne realidade.
Que assim seja!!!

TAF

Ferra Mula disse...

Rui, bastante oportuno essa peça de arquitetura, acho que voce foi tomado pelo verdadeiro espirito natalino e talvez nem tenha percebido.

Feliz Natal!

Fique com meu TFA

Airton da Fonseca

Streetwarrior disse...

Caro @rui.
Seria tão bom que 1/10 desse sonho se realizasse mas infelizmente, envolvendo tantas religiões, a discórdia, o Orgulho, a Ganancia e o Fanatismo seria uma vez mais a prevalecer.
...e é tão triste que assim seja.
Uma coisa que eu tenho verificado é que, normalmente quando se troca experiencias de vida, analisando-as no dia a dia uns com os outros, parece que todos nós temos estas mesmas opiniões e sonhos e não somos responsaveis pelo actual estado das coisas.
( não estou a dizer que o Rui assim o faz )
Depois ao analisar-mos as estatisticas, elas mostram o contrário.
Quando se troca ideias pessoalmente acerca da corrupcção, de acidentes por alcool na estrada, excesso de velocidades, votar nos mesmos etc....ninguém é corrupto, ninguém bebe e conduz, ninguém pisa no acelarador mas os numeros e os resultados mostram o contrário.
O que será que leva a esta disparidade entre o que dizemos ser e o que a realidade nos demonstra como factos?

Nuno

Rui Bandeira disse...

@ Sublime União:

Procuro manter o mesmo espírito todo o ano. Se o fizermos, somos mais fáceis de aturar pelos demais e... sentimo-nos melhor!

Rui Bandeira disse...

@ Streetwarrior:

.Cuidado com as generalizações!

Eu cá admito sempre que ando frequentemente em excesso de velocidade...

Mas é verdade que as pessoas tendem a ser mais indulgentes consigo próprias do que deviam e a ver a realidade própria com olhos mais "suaves"...

Junkhead disse...

Perfeito! É sempre muito bom passar por aqui.

Streetwarrior disse...

Sim Rui, não estava a referir-me a si, como parece também ter compreendido.
Mas é uma relação que nunca compreendi bem, o que me leva sempre á pergunta.
Se a culpa não é nossa ( onde estou também incluido ) então de quem será?
É o tradicional sacudir " agua do capote "
Abraços
Nuno