Porquê "meu irmão", e não "meu amigo"?
Os maçons tratam-se, entre si, por "irmão", tratamento que é explicitamente indicado a cada novo maçon após a sua iniciação. Imediatamente após terminada a sessão de Iniciação é normal que todos os presentes cumprimentem o novo Aprendiz com efusivos abraços, rasgados sorrisos e, entre repetidos "meu irmão", "meu querido irmão" e "bem vindo, meu irmão", recebe-se, frequentemente, mais afeto do que aquele que se recebeu na semana anterior.
O que seria um primeiro momento de descontração torna-se, frequentemente, num verdadeiro "tratamento de choque", num momento de alguma estranheza e, quiçá, algum desconforto para o novo Aprendiz. Afinal, não é comum receber-se uns calorosos e sinceros abraços de uns quantos desconhecidos, para mais quando estes nos tratam - e esperam que os tratemos - por irmão... e por tu! Sim, que outro tratamento não há entre maçons, pelo menos em privado - que as conveniências sociais podem ditar, em público, distinto tratamento.
O primeiro momento de estranheza depressa se esvai - e os encontros seguintes encarregam-se de tornar naturalíssimo tal tratamento, a ponto de se estranhar qualquer "escorregadela" que possa suceder, como tratar-se um Irmão na terceira pessoa... Aí, logo o Aprendiz é pronta e fraternalmente corrigido, e logo passa a achar naturalíssimo tratar por tu um médico octogenário, um político no ativo, ou um professor universitário. E de facto assim é: entre irmãos não há distinção de trato.
Não se pense, todavia, que todos se relacionam do mesmo modo. Afinal, não somos abelhas obreiras, e mesmo entre essas há as que alimentam a rainha ou as larvas, as que limpam a colmeia, e as que recolhem o néctar. Do mesmo modo, todos os maçons são diferentes, têm distintos interesses, e não há dois que vivam a maçonaria de forma igual. É natural que um se aproxime mais de outro, mas tenha com um terceiro um relacionamento menos intenso. Não é senão normal que, para determinados assuntos, recorra mais a um irmão, e para outros a outro - e podemos estar a falar de algo tão simples quanto pedir um esclarecimento sobre um ponto mais obscuro da simbologia, ou querer companhia ao almoço num dia em que se precise, apenas, de quem se sente ali à nossa frente, sem que se fale sequer da dor que nos moi a alma.
Mas não serão isto "amigos"? Porquê "irmãos"? Durante bastante tempo essa questão colocou-se-me sem que a soubesse responder. Sim, havia as razões históricas, das irmandades do passado, mas mesmo nessas teria que haver uma razão para tal tratamento. O que leva um punhado de homens a tratarem-se por "irmão" em vez de se assumirem como amigos? Como em tanta outra coisa, só o tempo me permitiu encontrar uma resposta que me satisfizesse. Não é, certamente, a única possível - mas é a que consegui encontrar.
Quando nascemos, fazêmo-lo no seio de uma família que não temos a prerrogativa de escolher. Ninguém escolhe os seus pais ou irmãos de sangue; ficamos com aqueles que nos calham. O mais natural é que, em cada núcleo familiar, haja regras conducentes à sua própria preservação e à de todos os seus elementos, regras que passam, forçosamente, pela cooperação entre estes. É, igualmente, natural que esse fim utilitário, de pura sobrevivência, seja reforçado por laços afetivos que o suplantam a ponto de que o propósito inicial seja relegado para um plano inferior. É, assim, frequente que, especialmente depois de atingida a idade adulta, criemos laços de verdadeira e genuína amizade com os nossos irmãos de sangue, que complementa e de certo modo ultrapassa, em certa medida, os meros laços de parentesco.
Do mesmo modo, quando se é iniciado numa Loja - e a Iniciação é um "renascimento" simbólico - ganha-se de imediato uma série de Irmãos, como se se tivesse nascido numa família numerosa. Neste registo, os maçons têm, uns para com os outros, deveres de respeito, solidariedade e lealdade, que podem ser equiparados aos deveres que unem os membros de uma célula famíliar. Porém, do mesmo modo que nem todos os irmãos de sangue são os melhores amigos, também na Maçonaria o mesmo sucede. Não é nenhum drama; o contrário é que seria de estranhar. Diria, mesmo, que é desejável e sadio que assim suceda, pois a amizade quer-se espontânea, livre e recíproca. E, tal como sucede entre alguns irmãos de sangue, respeitam-se e cumprem com os deveres que decorrem dos laços que os unem, mas não estabelecem outros laços para além destes. Pode acontecer - e acontece. Mas a verdade é que o mais frequente é que, especialmente dentro de cada Loja, cada maçon encontre, de entre os seus irmãos, grandes amigos - e como são sólidos os laços de amizade que se estabelecem entre irmãos maçons!
Paulo M.
8 comentários:
Caro Paulo M.
Primeiramente, obrigado por comartilhar tantos conhecimentos conosco.
Sobre o texto, não entendi o que você pretendeu dizer com "qualquer "escorregadela" que possa suceder, como tratar-se um Irmão na terceira pessoa... Aí, logo o Aprendiz é pronta e fraternalmente corrigido, e logo passa a achar naturalíssimo tratar por tu um médico octogenário, um político no ativo, ou um professor universitário."
Qual foi a "eascorregadela"?
Abs prof. do Brasil
Acho que um irmão é sempre um amigo, no entanto um amigo pode nunca ser um irmão.
Cumprimentos
JPA
Que delicia que deve ser isso. Todos são irmãos nesse renascimento. Fraternidade de verdade.
Um abraço para voces irmãos.
Cam
Ps: gostei dos 3 dedidnhos. E ainda, aqui voces fazem parte da comunidade de blogueiros. Esta longe de ser uma fraternidade. Mas se visitarem os blogs, verão que trata-se de uma comunidade bacana. Abçs
Olá a todos,
Adorei o artigo, assim como muitos outros. Dá claramente para um profano compreender a cumplicidade e amizade entre Maçons. Obrigado pela informação!
Caro Danilo: Em relação à sua pergunta acho que o aprendiz é rectificado e consciencializado perante o facto de não ser necessário dirigir-se aos irmãos como "você", "o Sr.", "o Dr.", "o Prof.". A escorregadela figura esses descuidos. Quando o aprendiz ainda acha um pouco estranho o tratamento tão próximo que é utilizado pelos Maçons (quando tratam-se e esperam ser tratados por “tu” e por "irmão").
Abraços
@Danilo: No Brasil o mais comum é as pessoas tratarem-se por "você"; tratar por "tu", mesmo os mais chegados, é uma exceção. Em Portugal o tratamento na terceira pessoa (por "você" ou, mesmo, por "o senhor" ou equivalente) é sinal de um certo distanciamento respeitoso que normalmente não tem lugar antre amigos - e muito menos entre irmãos. Estes tratam-se, quase sempre, por "tu". Por outras palavras: o Vendado respondeu e explicou muito bem.
@JPA: Possam os seus irmãos ser sempre seus amigos! Infelizmente não faltam casos de irmãos desavindos e de lutas fratricidas - casos em que irmãos deixam de ser amigos. Um grande amigo, especialmente se frequentemente íntimo do lar, pode, pelo seu lado, tornar-se num verdadeiro "irmão adotivo", acabando por levar tratamento idêntico aos irmãos de sangue. Quase tudo é possível no mundo dos afetos...
@Camille: É um prazer tê-la connosco. Fico contente que tenha gostado dos "dedinhos" (que não são de minha autoria) que achei assentarem que nem uma luva neste tema...
Um abraço,
Paulo M.
Magnífica prancha!
Parabéns pela prancha
Muitos fazem o voto mas poucos estão maçom,na verdade muitos não chegam a ser amigo ou primo quanto mais irmão, como sabemos em uma justa causa sempre preferir o irmão , mas o que vemos na verdade é maçom que só tem interesse próprio. Tá difícil achar um irmão que realmente está maçom.
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