15 janeiro 2011

Os que ficam pelo caminho


"Nem todos os Aprendizes chegam a Companheiros. Nem todos os Companheiros ascendem a Mestres. E seguramente que nem todos os Mestres virão a exercer o ofício de Venerável Mestre. É assim a realidade!" Assim escreveu o Rui Bandeira num texto publicado em 2008, ainda não tinha eu recebido o meu avental branco. Na altura, quando o li, achei estranho o tom, a naturalidade, e o que tomei por critérios de seleção apertadíssimos. Recordo-me de ter pensado algo como "Estes tipos não brincam em serviço... Devem ser bestialmente exigentes, e só escolhem os melhores para progredir... Isto devem ser chumbos de três em pipa..."

Estava tão enganado!

Com o tempo vim a perceber que dificilmente a Loja "chumbava" fosse quem fosse, a não ser nas circunstâncias mais excecionais, mas que, não obstante, o Rui tinha razão: havia muitos que ficavam pelo caminho. Mas se a Loja não chumbava ou impedia a progressão, quem o fazia então? Ora... o próprio, quem mais?! Comecei a perceber que por detrás de cada nome que era chamado no início da sessão pelo Secretário e a que se seguia um silêncio em vez de ser anunciada a presença se encontrava um Irmão que não viera. E que os nomes que eu ouvia repetidamente e a que não associava uma cara eram de Irmãos que, de todo, não apareciam.

Uns - já Mestres - haviam-se desencantado, suponho, com a rotina da vida da Loja, e tinham agora outros entreténs - razão por que não punham os pés numa Sessão fazia tempo. Outros tinham, simplesmente, prioridades - frequentemente profissionais ou familiares - que se impunham sobre a presença em Loja, ou não tinham de todo disponibilidade para integrar a Linha de Sucessão assumindo um Ofício. Uns e outros lá iam aparecendo, uns mais e outros menos frequentemente, mas alguns desapareciam completamente de circulação.

A outros - ainda Companheiros - sucedia perderem o estímulo, ou não aguentarem tanto tempo sem poder falar e sem ser exaltados a Mestre. Ao fim de um tempo, também alguns destes começavam a faltar, a envolver-se pouco, e a certa altura eram, também eles, um desses nomes que se ouve e se associa a uma cara, mas que se tem uma certa nostalgia de não ver há meses...

Por fim, alguns Aprendizes eram iniciados, achavam graça à coisa, mas não tinham vida nem disponibilidade para pertencer a uma Loja que se reúne duas vezes por mês em dias e horas certos. Outros, quiçá mal conduzidos ou defeituosamente escrutinados, acabavam por se aperceber que a Maçonaria não lhes fazia vibrar corda nenhuma, e desapareciam.

Alguns interiorizavam que não queriam mais pertencer à Maçonaria, e pediam para sair. Outros, divididos entre o querer e o não poder, não assumiam a impossibilidade de permanecer, e iam ficando sem ficar. A certa altura, já nem as quotas pagavam, nem asseguravam os "mínimos olímpicos" da assiduidade - nós nem somos esquisitos: uma presença por ano basta-nos - e tinha que se lhes chamar a atenção para que cumprissem com os seus deveres.

E de facto confirmei ser precisamente assim, como o Rui tinha dito: há os que ficam pelo caminho, e os que vão progredindo de degrau em degrau, uns mais depressa e outros mais lentamente. Por vezes, alguns metem-se por becos sem saída e, ou adormecem, ou corrigem o percurso. Mas se é sempre triste vermos um irmão sentar-se na beira do caminho, descalçar as botas e adormecer encostado a uma árvore - pois sabemos que a maioria ficará ali para sempre - já nos enche de orgulho ver um irmão subir mais um degrau, assumir mais uma responsabilidade, receber mais um reconhecimento.

Os caminhos são muitos, e o destino é cada um que o escolhe. Não é, portanto, a Loja que é exigente e o "chumba" - pois para isso teria que ser a Loja a determinar os objetivos, e estes pertencem a cada um. É antes o Maçon que é muito ocupado, desiludido, ou simplesmente complacente, e se retira pelo seu pé. E assim deve ser. É que a Maçonaria não é para todos: é só para aqueles que de facto queiram - e façam por isso.

Paulo M.

17 comentários:

Vendado disse...

Caro Paulo M.,
Mais uma vez adorei o post. Sempre descortinou um pouco mais da vivência Maçónica e sossegou-me a respeito da mesma.Era partidário da sua primeira opinião! No entanto, para passar de Aprendiz para Companheiro e posteriormente para Mestre, não é necessário ser-se aprovado através de uma tese sobre a matéria aprendida? Ou basta a assiduidade e a integração dos valores Maçónicos na nossa vida? Obrigado.

Abraços

JPA disse...

Caro Paulo M.;

Lembro-me perfeitamente desse texto do Rui Bandeira. Pela tua descrição depreendo que eras na altura um leitor assíduo do blogue, ou talvez já Aprendiz.
Lembro-me também de ler "se não me engano" um comentário do J.P.Setubal, onde dizia que a Loja na Sua Coluna Norte tinha uma colheita que lhe parecia vir a dar um vinho de qualidade Vintage.
Parece que não se enganou.
Parabéns Paulo M. Continua.

Aquele abraço
JPA

Paulo M. disse...

@Vendado: A cada passagem de grau se apresenta um trabalho - uma "prancha", como nós dizemos - que demonstre os conhecimentos apreendidos, a evolução verificada, a pedra desbastada das suas asperezas e rugosidades. Mas não é, de modo algum, uma tese no sentido académico do termo; não há como ler umas quantas para perceber o que é uma prancha. Mas o Vendado tocou no ponto: se a Maçonaria não tiver reflexo no dia-a-dia e na vida de quem a vive, então é pura perda de tempo.

Um abraço,
Paulo M.

Paulo M. disse...

@JPA: O texto de que te recordas deve ser este, da autoria do Rui Bandeira. Curioso é ler os comentários, e o zelo do José Ruah a certificar-se de que os piropos do Rui não subiam à cabeça de ninguém... De facto, eu era na altura aprendiz havia pouco tempo, mas havia já muitos meses que era leitor assíduo e participante empenhado no blogue, onde assinava com outro nome.

É com grande satisfação que escrevo agora onde antes só comentava e, ao mesmo tempo que vou escrevendo para quem gosta me de ler, alivio um pouco o "fardo" do Rui Bandeira. Ele, sim, é que é "vintage", do alto dos seus mais de 20 anos de maçonaria... A mim ainda me faltam muitos para lá chegar!!!

Um abraço,
Paulo M.

JPA disse...

Paulo M.
Fico tão satisfeito por ver onde o Simple está a chegar.

Aquele Abraço
JPA

Paulo M. disse...

@JPA: Era assim tão evidente? :)
O Simple cumpriu o seu propósito.
Parabéns, Sherlock!

Um abraço,
Paulo M.

Jocelino Neto disse...

É de certo que o espírito humano, em determinada fase de seu caminhar, possua limitações. Como a loja auxilia os reticentes? Os que perdem (momentaneamente) os referenciais pessoais a ponto de duvidar de suas próprias capacidades, e por tal danosa atitude esmoreçam diante dos desafios? Relega-se ao alumnus a própria (in) suficiência para que este, mesmo perdendo calhaus, compreenda por si as oportunidades, mesmo que este sinta-se em profundo desamparo? Auxilia-o com conselhos? Diretrizes?

ps. Emociona-me ver o resultado da vindima a qual a sensibilidade (razão/emoção) do mestre Rui Bandeira anteveu. É estímulo para os que, como eu, almejam similar possibilidade. A de pertencer a plena Construção. Parabéns Paulo M. Força, Sabedoria e Beleza. Liberdade, Igualdade e Fraternidade. A Glória do Grande Arquiteto!

Abraços Fraternos!

Nuno Raimundo disse...

BoAS Paulo...

Era para dizer que muita falta fazia o @simple a este blog.
Mas em boa verdade não o posso fazer.
Tú, Paulo M. fazes mais falta.
Se já o fazias antes de boa vontade, partilhando dúvidas, agora partilhas conhecimento. :)

abr...prof...

Jose Ruah disse...

Nao quero retirar meritos ao Rui Bandeira mas a autoria dessa frase salvo melhor opiniao é minha em prancha apresentada em 2006 em Loja.

Jose Ruah disse...

Prancha essa que pode ser lida em
http://www.rlmad.net/rlmad-main/mmenu-pranchas/73-carg-oficiais.html

Rui Bandeira disse...

@ José Ruah:

Efetivamente, a frase, tal como está citada no início do texto, foi escrita por mim, no 12.º parágrafo do texto "A Passagem" (http://a-partir-pedra.blogspot.com/2008/02/passagem.html).

É também certo que tu tinhas dito algo de parecido (mais concretamente: "Nem todos os Aprendizes chegam a Companheiro, destes nem todos chegarão a Mestre Maçon. Seguramente que apenas alguns dos Mestres chegarão a Venerável Mestre.") na prancha que referes.

É normal: pensamos o mesmo e referimo-nos à mesma realidade!
Sem dúvida que outros escreveram ou escreverão frases de semelhante significado, mais ou menos parecidas com esta - estarão a fazer a mesma constatação de facto que nós fizemos!

TAF.

JPA disse...

O que se desvendou aqui é de uma beleza extraordinária.
Demos conta de um leitor curioso, ávido de informação sobre Maçonaria, leitor esse de nome "Simple", que a partir de um certo momento deixou de aparecer.
Confesso que fiquei triste com esse desaparecimento, o "Simple" fazia falta.
O blogue deixou de ter a frequente participação dos mestres A.Jorge, José Ruah, J.P. Setubal,que efectivamente também sinto a falta. E eis que surge o Mestre Paulo M, que tal como os anteriores, deslumbra com os seus textos, onde por mero acaso se note uma pequena falta de experiência, esta é colmatada com a quantidade de textos postados, vindos evidentemente de alguém que está a viver a Maçonaria a 100%.
Esta metamorfose que se deu com o profano "Simple" e o levou ao mestre que é hoje, deve-se muito aos Mestres Maçons e á Loja que o trouxe ao mundo.
Este exemplo do caso que vou chamar "Simple" é o corolário do que é a essência da Maçonaria: Transformar um Homem Bom em um Homem Melhor.
Sem dúvida que a parra era boa, mas a qualidade deste "Vinho" deve-se muito aos Mestres Maçons atráz mencionados.
Para eles o muito obrigado por este blogue e pelo que têm feito pela Maçonaria.
É para eles e para a RLMAD este agradecimento.
Queria também deixar um desafio ao Paulo M. Um texto que descreva a tua metamorfose.

Um grande abraço a todos
JPA

Jocelino Neto disse...

Aguardo ansiosamente o resultado do "Desafio". E, se possível, resposta(s) para os questionamentos que empreendi.

Abraços Fraternos!

Paulo M. disse...

@Jocelino Neto: A Maçonaria Regular entende-se como sendo de ação individual, ou seja, deixa para cada um dos Obreiros o ónus de intervir. Na situação que expõe não entendo que deva ser diferente; perante um Irmão em dificuldades cabe ao Hospitaleiro da loja acompanhá-lo e aferir em que medida pode a loja auxiliá-lo e disso informar o Venerável Mestre que fará saber, caso essim o entenda, ao resto da loja qualquer necessidade que se comprove. Caberá, então, a cada um dos Irmãos a iniciativa de, na medida da sua vontade, competências e possibilidades, auxiliar o Irmão em necessidades, na certeza de que a fraternidade e o auxílio mútuo são princípios transversais e estruturantes da Maçonaria.

Um abraço,
Paulo M.

Paulo M. disse...

@Nuno: O Simple não desapareceu; metamorfoseou-se, como bem disse o JPA. Se bem que saiba, agora, um pouco mais do que há três anos, continuo a partilhar dúvidas. Quantas vezes não tenho que ir ler, investigar, documentar-me antes de escrever um texto? Aprendo mais eu ao escrever do que todos quantos lêem o que escrevo, e por isso vos agradeço.

@José Ruah e Rui Bandeira: A minha transcrição foi do texto do Rui que li no blogue; em 2006 ainda eu não andava por cá, e por isso não tinha lido o texto do Ruah. Atribuída a autoria original da coisa, junto-me aos que subscrevem a ideia. Onde se assina?

@JPA: Obrigado pelas tuas palavras. De facto, devo em grande parte à Loja e a cada um dos Irmãos que me acompanhou nestes anos a ventura de estar aqui hoje. Quanto à "verdura" dos textos, é um defeito de que me irei corrigindo a cada dia que passa... E sim, escreverei um texto sobre o meu percurso. Deixa só que ganhe a inspiração necessária!

Um abraço,
Paulo M.

JPA disse...

Paulo M.

Tens todo o tempo do mundo.

Um grande abraço, bom fim de semana. E não se esqueçam de votar.

JPA

Jocelino Neto disse...

@Paulo M: Tal sutileza de atitude – “entende-se como sendo de ação individual” - não descaracteriza as bases (como bem citas o auxílio mútuo), mas lhe fornece abordagem própria ao exemplo do qual me fiz uso. Afinal, para se operar a pedra necessita-se além de boas ferramentas, um espírito responsável, consciente, de suas limitações e fortalezas. E diante das asperezas (inevitáveis), ver que ao seu lado, há confiança mútua para o progresso.

“Quão bom e quão suave é que os irmãos vivam em união”

Agradeço sinceramente a resposta.
Abraços Fraternos.

À Glória do Grande Arquiteto!