15 julho 2009

G de... Maçonaria

Embora a Maçonaria Continental use o símbolo do esquadro e compasso apenas com estes dois elementos, a Maçonaria anglo-saxónica, de tradição e língua inglesa, usa como símbolo notoriamente reconhecido como o da Maçonaria uma imagem similar à que encima este texto, com o esquadro, o compasso e a letra "G".

É inevitável! O neófito, o recém-iniciado, uma das primeiras perguntas que coloca é qual o significado desta letra.

Também eu, naquele tempo em que era Aprendiz, fiz essa pergunta. Mas como eu sempre gostei de "beber do fino", não fui de modas e, quando se apresentou a oportunidade, fiz a pergunta ao Grão-Mestre! Era então Grão-Mestre, Fundador, o já falecido e, independentemente de infelizes sucessos posteriores, por mim muito admirado, Fernando Teixeira. Já noutro escrito o classifiquei como um vero príncipe da Renascença. Governava a Obediência com mão ferro envolta em luva de veludo. Experiente, sabedor - muito sabedor! -, inteligente e matreiro, bonacheirão na hora do descanso e ferreamente sério na altura do trabalho, era um líder carismático. Carisma que cultivava. E parte do cultivo desse carisma fazia-o com a disponibilidade que manifestava para ensinar, esclarecer, iluminar os Aprendizes com quem gostava de confraternizar.

Portanto, para mim não foi nada de mais fazer a pergunta que - imagino-o hoje - antes de mim dezenas ou centenas de outros lhe tinham feito: o que significa o "G"?.

O Fernando sorriu, recostou-se na cadeira e, mais uma vez, deu a resposta que já dezenas ou centenas de vezes dera: havia vários significados possíveis; uns defendiam que o "G" significava Gnose; outros que aludia a Geometria ou Geómetra, e por aí fora. Matreiro que era, nunca dizia o que se esperava que também dissesse e aguardava que a "brilhante sugestão" viesse do Aprendiz: e não significaria simplesmente "God" (Deus em inglês)? Mais um sorriso confirmava que a pergunta era aguardada e lá esclarecia que a Maçonaria era Universal, inerente a todas as línguas, que não parecia muito curial que um símbolo tão universal respeitasse a uma língua, e lá repisava as teses da Gnose (que lhe era cara, estudioso como era dos Mistérios Mitraicos) e da Geometria ou Geómetra.

Pese embora a minha admiração por ele, na altura pensei cá para os meus botões, aproveitando na íntegra o silêncio do Aprendiz, que "tá bem, abelha, a Maçonaria teve origem em Inglaterra, os ingleses são aqueles tipos que têm a mentalidade de pensar que, quando existe uma tempestade no Canal ds Mancha e a navegação tem de ser ali suspensa, é o Continente Europeu que fica isolado deles, queriam lá saber da língua dos outros; o "G" era de God e não se falava mais nisso!" A solução mais simples costuma ser a correta, para quê complicar?

Os anos passaram, a Mestre cheguei e Mestre sou e, cá para mim, embora, quando perguntado, exponha a tese da Geometria ou Geómetra (a da Gnose nunca foi do meu agrado, demasiado rebuscada que a acho), sempre que do meu interlocutor lá vinha a referência ao "God" eu lá admitia como possível, se calhar provável. Não podia eu desmerecer do que intimamente eu próprio pensava...

Pois bem! Aprender até morrer! Só os burros não mudam de opinião!

Estou finalmente convencido que o "G" significa Geometria.

No texto da semana passada referi como aprendi que, nos antigos manuscritos da Maçonaria Operativa, a palavra Maçonaria era comummmente usada como sinónimo de Geometria e da Geometria aplicada à construção, a Arquitetura. Pois bem, se "Maçonaria" era sinónimo de "Geometria", a inversa também era verdadeira. Na Maçonaria Operativa, falar-se de maçonaria era falar-se de geometria, falar-se de geometria era falar-se de maçonaria. Então, nada mais simples do que criar o símbolo da Ordem com os artefatos da profissão e a letra inicial da ciência em que se baseava: o esquadro, o compasso e o "G".

Portanto, afirmo e proclamo, abjurando das minhas antigas dúvidas e reservas: o "G" do símbolo da Fraternidade simboliza a Geometria. O que é o mesmo que dizer que... simboliza a Maçonaria!

Está assim explicado o título: "G" de... Maçonaria!

(E quanto a ti, meu caro Fernando Teixeira, meu sempre lembrado Grão-Mestre Fundador, que só por isso e pelo teu carisma obnubilas divergências posteriores, bem o sinto: se lá do assento etéreo em que subiste, memória deste mundo se consente... estou a ver o teu sorriso bonacheirão, contente e vitorioso! O "rapaz" foi teimoso, demorou vinte anos a lá chegar, mas finalmente acabou de te reconhecer a razão... - Não, meu caro, quanto à Gnose, não insistas... Já era um exagero... Concordemos em discordar... - Fica prometido: no próximo ágape ritual em que eu estiver, depois dos sete brindes rituais, chegada a hora dos brindes livres, eu proporei um brinde à tua memória. Porque de ti guardo e guardarei sempre enquanto por aqui andar a memória do teu carisma, da tua inteligência, da tua sabedoria, do muito de bom que fizeste e deixaste. Do resto, da divergência final, não cura a minha memória: já não eras tu, já era a doença final que te levou daqui. É assim que se constroem e se lustram as memórias daqueles que prezamos e admiramos!)

Rui Bandeira

13 comentários:

Diogo disse...

E portanto, Rui Bandeira, andamos vinte anos às voltas com o significado que uma confraria decidiu atribuir a uma determinada letra. Valeu a pena a espera e o esforço?

Continue a aparecer.

Abraço
Diogo

jpa disse...

Sr. Rui Bandeira;

A simplicidade desta explicação convenceu-me.

Um Abraço
JPA

José Restolho disse...

Caro Rui Bandeira:
Como sempre é uma "delícia" ler os seus textos. Este último achei-o fantástico pois descreve como a maneira de uma pessoa ver as coisas vai mudando com o tempo. Concordo quando diz que a solução mais simples costuma ser a mais correcta. O problema é que nós, seres complicados, escolhemos as opções mais complicadas convencidos que de facto são as mais simples. Mas enfim, nada que a maturidade e a experiência não resolva...
Um grande abraço
José Restolho

Rui Bandeira disse...

@ Diogo:

Pensar, refletir, aprender, melhorar, vale sempre a pena, quando a alma não é pequena!

@ jpa:

Fico contente!

@ José Restolho:

Ser pessoa é isso mesmo: rever os seus conceitos à luz do que vai aprendendo, do que vai evoluindo.

Sir Reis disse...

O ser humano e suas evoluções. Belo texto Tio Rui :)

Luís Filipe Rodrigues disse...

Independentemente dos infelizes sucessos posteriores do fundador, tenho a impressão que ele, fundador, não gostaria de ser associado à infeliz filha que ele próprio renegou, se calhar da única forma que encontrou.
A apregoada fraternidade maçónica quanto à GL sua irmã, na GLLP, parece-se com a igualdade maçónica anglo-saxónica: somos todos iguais desde que sejamos wasp (white anglo-saxon protestant)
A sobrevalorizada regularidade maçónica anglo-saxónica começou com uma fraude: o chico espertismo anglo-saxónico queimou em fogueiras de vaidade racial territorial primata a verdade das nossas origens.
O que se pode esperar duma etnia que classifica o humano com uma característica que lhe é rara? Homo Sapiens Sapiens?
Pan Narrans talvez...
Recebe um sincero TFA

Rui Bandeira disse...

@ Sir Thiago:

Fico contente por ter gostado. Vá aparecendo... e comentando!

@ Filipe:

Um dia, uma raposa, faminta, passou por uma latada e reparou nos apetitosos cachos de uvas que dela pendiam.
Tentando matar sua fome, pulou, pulou, pulou... mas não conseguiu chegar aos cachos, demasiado altos que estavam.
Afastou-se resmungando: "Estão verdes, não prestam..."

Luís Filipe Rodrigues disse...

Caro Rui, parabéns pela humildade e pela clareza da resposta. Eu não sou Homo Sapiens Sapiens mas sei que pertenço à única sociedade iniciática portuguesa no Séc. XXI.

Anónimo disse...

Meu caro Dr. Rui Bandeira,
Depois de ter lido a sua mini prancha acerca do significado da letra "G", desculpe-me dizer-lhe mas fiquei um tanto ou quanto decepcionado com a explicação que o Sr. dá.
A Maçonaria especulativa considera que há sete artes e ciências que contribuem, juntas, para a sua perfeição e que são a Gramática, a Retórica, a Lógica, a Aritmética, a Geometria, a Música e a Astronomia.
Assim sendo, e apesar de na Maçonaria operativa, a palavra Maçonaria ser comummente usada como sinónimo de Geometria e da Geometria ser aplicada à construção do Templo, o que é facto, é que não há nada que relacione a letra com a palavra, a não ser pura especulação.
Porque não associá-la também à palavra “Gramática” (Grammar) tão necessária aos dotes da boa oratória?
Quando em 24 de Junho de 1717 John Theophilus Desaguliers se reuniu com a associação de arquitectos e construtores em Londres e resolveram que a Organização anterior se passaria a chamar Freemasonry e que os Templos se passariam a chamar Lojas, a tal letra G já há muito tempo que existia na anterior Organização que deixo ao critério do Sr., se quiser, a investigação do seu nome.
Não há mesmo dúvida nenhuma que a letra “G” encerra o mais profundo segredo que a Maçonaria tem.
Cumprimentos,
John

Rui Bandeira disse...

@ John:

A interpretação dos símbolos é sempre pessoal e não há interpretações "certas" para os símbolos - pelo menos para quem, como eu, considera a maçonaria um percurso e um meio para cada um trilhar o seu individual caminho de aperfeiçoamento e descoberta.

Em relação a esta questão, pois, concordemos em discordar...

Mas sempre acrescento que a minha posição, que o dececionou, não deriva apenas de pura especulação pessoal. Poderá o John - com toda a legitimidade - considerar que estou errado. Mas sempre lhe digo que, ao menos, estou bem acompanhado: nada mais, nada menos do que por Albert G. Mackey!

Se lhe interessar aprofundar a origem da minha tese, convido-o a consultar os seguintes textos do blogue, que certamente lhe serão esclarecedores:

1) http://a-partir-pedra.blogspot.com/2009/07/maconaria-geometria-arquitetura.html

2) A série de 14 textos que dediquei à Lenda do Ofício. Para a localizar, consulte, na banda direita do blogue, o marcador Lenda do Ofício.

Verá assim que, expondo uma interpretação do símbolo diferente da sua (que presumo decorrente da interpretação dos ensinamentos do Rito de Emulação, ou do Rito de York), não estou a expor uma mera especulação pessoal.

É também por permitir estas fraternas diversidades que a Maçonaria é tão interessante...

Um abraço.

GMPEDRAS disse...

Sr. Rui Bandeira
Percebi que suas considerações (e também do sr. Teixeira) são tentativas de explicações, vejo que após tanto tempo as respostas ainda são especulações (no bom sentido, não pejorativo) do tipo factíveis.
Meu nome começa com G e certa vez ganhei um chaveiro com a dita letra inicial. Muitos acharam que eu era maçônico só pelo simples uso deste chaveiro.
De certa forma, concordo com o comentário do sr. John quando compara a letra com qualquer outra palavra cuja inicial seja G.
Aprecio imensamente seus textos (sr. Rui), mas citar fontes do próprio blog não me parece muito confiável.
Talvez o mistério da letra G. seja algo para levarmos à meditação e lapidarmos a rusticidade do nosso ser, o qual assim como o desvendar do mistério não seja tão fácil assim.
Sou seu fã e o sigo constantemente em seus textos.
G de... GMPEDRAS

Unknown disse...

Sr. Bandeira,
Com esclarecimento e solidez foram suas palavras referenciadas a conclusão do significado da letra “G”.
Não citado pelo Sr., algumas citações e de relevante contexto, e que me deixam com interrogações ao qual julgo que a sua carga de conhecimento possam sanar.
Dado 1: “G” é uma modificação do ideograma representado por uma serpente que morde a própria cauda, sugerindo o eterno movimento, característica de Deus.
Dado 2: Na Maçonaria, a letra “G”, uma modificação do círculo (ZERO) e representa o Grande Arquiteto do Universo, representa o “ciclo do Tempo, perpetuamente emanado e, devorado pela Eternidade, imagem da Força Criadora que se manifesta do estado potencial latente”.

Fonte: O Simbolismo dos Números na Maçonaria
De Boanerges B. Castro
Benemérito da Aug.•. e Resp.•. Loj.•. Simb.•. “Benso di Cavour”
Or.•. de Juiz de Fora - Minas Gerais

De ante mão lhe agradeço ao espaço e anseio pelo sanar do questionamento.

At.te

Alex – Bombeiro Militar de Sapiranga-RS
alexmaragato@gmail.com

Rui Bandeira disse...

@ GMPEDRAS e ALEXMARAGATOBOMBEIRO:

Meus caros, a melhor resposta que lhes posso dar é repetir a minha primeira frase da resposta ao John:

A interpretação dos símbolos é sempre pessoal e não há interpretações "certas" para os símbolos - pelo menos para quem, como eu, considera a maçonaria um percurso e um meio para cada um trilhar o seu individual caminho de aperfeiçoamento e descoberta.

Abraço a ambos!