27 maio 2009

Maçonaria Entreaberta - II

Maçonaria Entreaberta - 2ª parte

Cabe recordar o conceito de seita como foi definido recentemente pelo Parlamento francês , e que identifica "grupos que visam, mediante manobras de desestabilização psicológica, obter a adesão incondicional dos adeptos, a diminuição do seu espírito crítico, a ruptura com as referências comummente aceites (éticas, cientificas, cívicas, educacionais)...estes grupos utilizam coberturas filosóficas, religiosas ou terapêuticas para dissimular os objectivos de poder, submissão e exploração dos adeptos".

Neste conceito de seitas, aparecem como elementos caracterizadores e indiciadores da existência da marginalidade do grupo, os atentados ou ameaças à integridade física... o discurso com características anti-sociais... perturbações da ordem pública... tentativas de infiltração dos poderes públicos... etc.
Nada disto tem a ver com maçonaria, nem com religião. Exemplos de seita antimaçónica temos historicamente em Itália a loja P2 (propaganda due). Desde logo antimaçónica, porque secreta, porque não realizando iniciações, por ausência completa de observância dos landmarks, por não reunir regularmente, não cumprir com constituições ou regulamentos maçónicos, por ter objectivos materialistas e ilegais.
Os maçons regulares devem reunir-se em lojas regulares, exclusivamente masculinas, que estão congregadas institucionalmente em Grandes Lojas, ou mesmo Grandes Orientes que globalmente trabalham à glória do Grande Arquitecto do Universo. Não é possível entender-se na Maçonaria Universal a existência de Lojas regulares que o não sejam pela legitimação da transmissão da regularidade, e acrescente-se, pela manutenção, dos "standards" dessa regularidade, fixados nos "landmarks".
Para os regulares também não é pois possível a existência de lojas regulares autónomas - estas serão lojas selvagens, não reconhecidas pela comunidade maçónica universal. Mas também não é possível, existirem dentro da mesma Grande Loja ou Grande Oriente, se pretender obter o reconhecimento internacional, lojas a funcionarem regularmente de acordo com a Tradição, e lojas irregulares a funcionarem liberalmente, isto é sem aceitação unânime do landmark da crença no Grande Arquitecto do Universo.
Neste quadro o que é possível então?
Os maçons regulares consideram que a Maçonaria, como substantivo, só pode ter uma acepção que é a do sentido de uma organização masculina, iniciática deísta e simbólica. Não se reclamam do exclusivismo esotérico nem do exclusivismo iniciático que reconhecem poder existir em outras organizações. De facto, o termo maçonaria como adjectivo, tem sido usado para qualificar outras organizações de base humanista e que pretendem por uma via iniciática substituída (não a sagrada), desenvolver igualmente a filosofia de fraternidade, igualdade e liberdade, valores cívicos essenciais ao pleno desenvolvimento dos valores espirituais da Maçonaria, como é o caso, entre outros dos Rosa Cruzes.
Deste modo, não é possível a cooperação ritual, em loja, ou mesmo em Grande Loja, entre maçons regulares e irregulares, ou entre maçons regulares e quaisquer outro grupo de iniciados, não maçons, ou mesmo mulheres que se reclamem da Maçonaria.
Mas não deixa de ser possível a colaboração em iniciativas de carácter profano em que maçons regulares, e outros homens e mulheres de bem, pretendam desenvolver iniciativas que visem proporcionar à sociedade uma divulgação de valores que sejam universais, como a Paz, a Harmonia, a Solidariedade, a Fraternidade e a Tolerância. De facto algo de essencial aproxima todos os que se reclamam da Maçonaria: as preocupações humanistas, e o envolvimento em acções humanitárias. Uns os regulares, porque crentes em Deus, Grande Arquitecto do Universo são espiritualmente humanistas, outros porque irregulares, e laicos, cientes na natureza do Homem, são igualmente humanistas. Por via espiritual ou existencialista, aceitam todos o Humanismo.
A cooperação dos maçons com outras entidades, parte porém de pressupostos mínimos que são essenciais, e até tão naturais em consciências civicamente bem formadas que quase seria desnecessário referi-lo. De facto, não há nenhum projecto no mundo cívico ou profano, que possa envolver maçons, se não for compaginável com o respeito pela legalidade e liberdade democráticas. Nem se concebe que pudesse ser de outro modo.
Por isso, um dos pontos porventura mais salientes da crise que alguns dos ex-maçons regulares em Portugal ocasionaram publicamente, em finais de 1996, e que se auto excluíram da maçonaria regular, a partir do dia 7 de Dezembro, com a usurpação das instalações de Cascais da obediência iniciática - Grande Loja Regular de Portugal - e depois, pela tentativa de domínio dos altos graus maçónicos, é o da sua ausência de cultura democrática, moral e maçónica.
As autoridades maçónicas internacionais ou estrangeiras depositárias das tradições iniciáticas da maçonaria regular já tomaram aliás, posição iniludível. Seja ao nível das Grandes Lojas, seja ao nível dos sistemas dos Altos Graus, em especial do Arco Real, dos Grandes Priorados, e dos Supremos Conselhos do grau 33º : - Em Portugal, só existe uma Grande Loja Regular legítima, e que se insere na associação sem fins lucrativos denominada Grande Loja Legal de Portugal/GLRP.
A própria opinião pública, que condenou aqueles actos, surpreendeu-se, e com razão, com o facto de tal ter podido ocorrer desencadeado por quem se dizia maçon, e sempre publicamente se tinha apresentado como tal!
Quer com isso dizer-se, que muitos dos que se lançaram na aventura anti-maçónica da "casa do sino", como ficou a ser conhecida a instalação administrativa da Grande Loja Regular de Portugal, em Cascais, se esqueceram, ou nunca tinham interiorizado os ensinamentos que deveriam ter recebido na sua iniciação, e posteriormente com o simbolismo das demais subidas de grau, ou, ainda mais grave, na ascensão nos altos graus, ditos de perfeição. Ou seja, aqueles ex-maçons, ou pior, anti-maçons, que são hoje, violaram a importância dos seus juramentos, e com isso tornaram-se perjuros; renegaram a sua condição de maçons, e auto-excluíram-se da maçonaria regular e universal.
Uns intencionalmente, e perseguindo projectos de poder pessoal só possíveis pela pérfida violação da lei civil, da moral social e da tradição maçónica; outros, que os acompanharam, fizeram-no, uns, por ingenuidade ou falta de preparação maçónica, outros ainda porque não eram livres, e dependentes de salários, de relações familiares, e de empregos, não puderam libertar-se do jugo dos seus amos e senhores, ou, na melhor das hipóteses de relações de amizade possessivas.
Esqueceram-se, que mais valia ter a garganta cortada, no simbolismo expressivo de um dos juramentos maçónicos, do que faltar aos sãos propósitos de escolher os caminhos da virtude, de praticar o bem, assim, resvalaram nos caminhos do vício, ou seja decidiram praticar o mal.
Esqueceram-se, que no próprio catecismo de muitos ritos maçónicos, se exemplifica, para além do simbolismo: - mais grave ainda do que ter a garganta cortada, é ficar a ser considerado como perjuro, e passar a ser conhecido entre os maçons de todo o mundo, como homem indigno, sem palavra e sem honra...
Mas para tanto é preciso que se tenha honra. Que se seja livre, e de bons costumes...
Ora a questão essencial da cultura maçónica, começa por se colocar desde logo no momento da iniciação: - Só homens livres e de bons costumes podem ser iniciados, e desde que sejam crentes, em Deus, Grande Arquitecto do Universo. Não se trata de frases feitas para recitar como ladainhas, mas antes de conceitos que só fazem verdadeiro sentido se interiorizados, apreendidos, e assim sentidos na profundidade de um compromisso solene e sagrado, porque sob a sua honra, e sobre o livro sagrado.
O que quer dizer livre? De maior idade? Auto-suficiente economicamente? Não dependente de vícios que condicionem ou até anulem a nossa vontade? E de bons costumes? Que quer dizer? Que não se achem condenados pela sociedade civil, quer dizer apenas uma conformidade formal com a moral social dominante e vigente? Ou, antes terá o significado de bons costumes no sentido do respeito dos elementares deveres contidos na declaração universal dos direitos do homem?
Estas questões cruciais deveriam ser sopesadas aquando cada um que deseje ingressar na Maçonaria, se decide preencher o formulário de pedido de admissão. Por isso mesmo, há que favorecer a uma maior abertura ao mundo profano, e divulgação contida, daquilo que se pode entreabrir da Maçonaria... para que se saiba ao que se vai, pelo menos quanto a requisitos mínimos. E para que a sociedade não tenha, por receio ao secretismo do desconhecido, o impulso de o combater e de condenar.
Aliás, o verdadeiro segredo maçónico consiste na percepção interior da consciência do processo iniciático. É por isso e por natureza intransmissível, por qualquer outro que não seja o próprio, e mesmo assim, se encontrar palavras com que se possa exprimir de forma inteligível para quem não tiver sido, por sua vez, também iniciado.
Não há revelação de segredo maçónico por divulgação de quaisquer fotografias, frases, e até mesmo gestos que carecem de significado para quem não foi iniciado. Se de outro modo houvesse entendimento possível, todos os segredos da maçonaria estariam já revelados nos mais de 90.000 livros recenseados, que foram publicados sobre o tema, dos vários filmes e vídeos editados pelas Grandes Lojas Regulares, incluindo a Grande Loja Unida de Inglaterra, e das milhares de páginas que se encontram na Internet, quer assumidas oficialmente por várias obediências maçónicas, quer pelas páginas pessoais de vários internautas maçons. Não sejamos hipócritas... Hoje, a Maçonaria não se pode contentar em promover a iniciação daqueles que lhe batem à porta fascinados pelo sobrenatural do secretismo do mistério, pela enganosa ambição de negociatas mirabolantes só reservadas aos eleitos das suas imaginações, pelo pseudo poder oculto do domínio de coisas e de outros. Não e não.
A Maçonaria deve sim, ser uma resposta e uma via iniciática e redentora para aqueles que procuram um auxilio solidário no despertar e formar da suas consciências. Dos que pretendem ascender a um saber milenário e iniciático, que acreditam e querem continuar a acreditar no Criador, na Paz, na Harmonia, na Solidariedade, na Fraternidade e na Tolerância de todos os homens.
A Maçonaria deve ser uma escola de escol, de virtudes, uma oportunidade de auto aperfeiçoamento fraterno e universalista, para quem a procura, um caminho consequente de sublimação e de superação de limitações. Para tanto, é preciso maturidade de idade e de consciência, é preciso que se tenha uma percepção espiritualista da condição humana derivada da crença no Grande Arquitecto do Universo, é preciso enfim, ter-se já uma consciência suficientemente evoluída que permita a cada um dos maçons contribuir para que o profano iniciado se integre perfeitamente no caminho maçónico, que consiga sublimar os seus objectivos meramente materialistas, para se colocar numa posição ou patamar de espiritualidade actuante.
Fim da 2ª parte
Editado por
José Ruah

1 comentário:

jpa disse...

Olá;
Só posso dizer que já devia ter lido este texto á 10 anos atrás. Exclarece e confirma o meu pensamento.
No que respeita á cisão, depois de ler este texto, e fazendo uma pequena ideia do início da GLRP, acho que acabou por ser bom para a Maçonaria Regular, pois separou o trigo do joio, continuando a actuar como um filtro para a iniciação.

Cumprimentos
JPA