03 dezembro 2008

Direitos humanos para todos

Com a ilustração de um texto de origem brasileira, o JPSetúbal lançou o repto para algum debate sobre os Direitos Humanos, seu significado, seus eventuais limites. Claro que, mal vejo um desafio interessante, me lanço de cabeça e peito feito! O JPSetúbal tem inteira razão quando escreve que, se há algo sagrado em Maçonaria, é a intocabilidade dos Direitos Humanos. Mas uma coisa é serem intocáveis, outra, bem diferente, é serem indiscutíveis. Pelo contrário, discutir a origem, o significado, o alcance, os limites,a justificação, a indispensabilidade dos Direitos Humanos é imprescindível para que estes sejam respeitados. Porque a sua violação, pelos poderosos ou por simples criminosos de direito comum geram revolta, sentimentos de vingança, que facilmente ultrapassam o alvo da violação concreta ocorrida, do criminoso que a perpetrou, para se rebelarem contra os Direitos Humanos, ao menos aqueles que são reconhecidos ao malfeitor. Isto é natural, decorre de tragédias pessoais ou a que se assistiu. É humano.

Mas é também primário. Porém, de nada vale dizer ao revoltado que o seu sentimento é primário. Existe, sente-se e pronto! O que há a fazer é lembrar que as pessoas de bem não são como os crápulas criminosos e não devem, por consequência, ceder ao primarismo da dor ou da revolta. Reconhecer ao criminoso os seus direitos humanos, quando ele não os reconheceu em relação às suas vítimas não é certamente fácil. Mas é a maneira de se demonstrar que se não é como ele!

O texto de partida para este debate é, claramente, um texto demagógico, no sentido em que parte de uma situação existente (exigência de reconhecimento de direitos a quem violou direitos de outrem), amplia a aparente contradição (situação do infrator versus irremediabilidade da situação decorrente da violação de direitos por si perpretada) e tece uma conclusão inaceitável.

Claro que o criminoso tem de expiar o seu crime. Claro que as vítimas e as famílias das vítimas têm de ser apoiadas, devem sentir a solidariedade que tantas vezes insensivelmente lhes é subtraída. Claro que quase todo o texto de partida tem razão de ser, quando compara o relativamente pequeno incómodo da família do criminoso que é transferido para uma prisão mais longínqua, em relação à irreparável perda da mãe da vítima mortal. Mas a razão para aí. Não chega à inaceitável frase final: Direitos humanos só deveriam ser para "humanos direitos". Não, não, mil vezes não, por muitas mais razões do que as que sou capaz de expor!

Desde logo, reconhecer direitos humanos a quem não é "humano direito" é uma indispensável forma de higiene mental, de mostrarmos A NÓS PRÓPRIOS que não somos "como eles".

Também porque é muito perigoso o caminho de só reconhecer direitos a quem for "direito", pela simples razão de que, logo a seguir se põe a questão de quem define quem é "direito" e quem não é "direito" e, um passinho à frente, deparamos com o escolho de garantir que não haja abusos nessa definição e não se esteja, afinal, a pôr a raposa a guardar o galinheiro...

Ainda porque é uma questão civilizacional. Para que não se regrida à barbárie, há que reconhecer, respeitar, praticar - mesmo quando não apetece; sobretudo quando não apetece! - os direitos humanos em relação a todos. Mesmo em relação ao mais empedernido e revoltante criminoso. O fundamento básico do direito criminal é a assunção pela Sociedade toda, através do Estado, da tarefa de punir o criminoso, de retribuir o mal que ele fez, SUBTRAINDO ESSE "DIREITO" À VÍTIMA OU SUA FAMÍLIA. Trata-se de impedir a vingança privada - que, se admitida, tornaria qualquer sociedade ingovernável e impediria se garantisse um mínimo de segurança para os seus membros.

Mas trata-se também de ir mais longe do que a punição, a retribuição do mal. Se assim fosse, estar-se-ia ainda no estádio civilizacional do "olho por olho, dente por dente". E, por muito que por vezes nos apeteça o contrário, já há muito deixámos esse estádio para trás! Para além da vingança, do castigo, da retribuição do mal, o direito de punir assegura dois outros essenciais princípios e valores: o da prevenção e o da ressocialização.

Prevenção, na medida em que a pena aplicada deve servir para desmotivar o próprio de cometer novas infrações (prevenção especial) e deve também servir para desmotivar outros de cometer infrações (prevenção geral).

Ressocialização, na medida em que o objetivo último e essencial da punição não é só retribuir, não é só também adicionalmente prevenir, é isso e ainda procurar conseguir que, no futuro, não só quem cometeu crime não volte a cometer, mas seja um elemento útil à sociedade, interiorizando o mal que fez, vendo o que deve fazer para não reincidir e atuando como um elemento válido da sociedade que, pelo seu contributo positivo futuro, de alguma forma compense os prejuízos que causou no passado.

Portanto, a minha proclamação é, pelo contrário, que os direito humanos são para serem respeitados e assegurados também aos que não são "humanos direitos". Não particularmente por eles. Sobretudo por nós. Todos!

Rui Bandeira

02 dezembro 2008

Direitos humanos X Humanos direitos

"Mãe com seus Filhos" de Adolphe Bouguereau

De mãe para mãe...
'Vi o seu enérgico protesto diante das câmaras de televisão contra a transferência do seu filho, menor, infractor, das dependências da prisão em São Paulo para outra dependência prisional no interior do Estado de São Paulo. Vi você se queixando da distância que agora a separa do seu filho, das dificuldades e das despesas que passou a ter, para visitá-lo, bem como de outros inconvenientes decorrentes daquela mesma transferência.Vi também toda a cobertura que os média deram a este facto, assim como vi que não só você, mas igualmente outras mães na mesma situação que você, contam com o apoio de Comissões Pastorais, Órgãos e Entidades de Defesa de Direitos Humanos, ONG's, etc...
Eu também sou mãe e, assim, bem posso compreender o seu protesto. Quero, com ele, fazer coro. No entanto, como verá, também é enorme a distância que me separa do meu filho.
Trabalhando e ganhando pouco, idênticas são as dificuldades e as despesas que tenho para visitá-lo. Com muito sacrifício, só posso fazê-lo aos domingos porque labuto, inclusive aos sábados, para auxiliar no sustento e educação do resto da família. Felizmente conto com o meu inseparável companheiro, que desempenha, para mim, importante papel de amigo e conselheiro espiritual. Se você ainda não sabe, sou a mãe daquele jovem que o seu filho matou cruelmente num assalto a um vídeo-clube, onde ele, meu filho, trabalhava durante o dia para pagar os estudos à noite. No próximo domingo, quando você estiver abraçando, beijando e fazendo carícias ao seu filho, eu estarei visitando o meu e depositando flores na sua humilde campa rasa, num cemitério da periferia... Ah! Já me ia esquecendo: e também ganhando pouco e sustentando a casa, pode ficar tranquila, pois eu estarei pagando de novo, o colchão que seu querido filho queimou lá, na última rebelião de presidiários, onde ele se encontrava cumprindo pena por ser um criminoso. No cemitério, ou na minha casa, nunca apareceu nenhum representante dessas 'Entidades' que tanto a confortam, para me dar uma só palavra de conforto, e talvez indicar quais "Os meus direitos". Para terminar, ainda como mãe, peço "por favor": Faça circular este manifesto! Talvez se consiga acabar com esta (falta de vergonha) inversão de valores que assola o Brasil e não só... Direitos humanos só deveriam ser para "humanos direitos" !!!
Este texto chegou-me via e-mail (como de costume...) e apenas lhe ajustei os parágrafos.
A história é contada como sendo passada no Brasil, mas é uma realidade em todos os países do mundo, e naqueles em que não é, é porque é pior !
Trata-se aqui de uma ideia que provavelmente anda pelo subconsciente de todos nós, responsável por sentimentos de revolta que de vez em quando explodem sem pré-aviso.
O conceito de "Direito humano", como coisa a ser usada tem muito que se lhe diga, com conteudo tão complexo que é causa para guerras, zangas, crimes dos mais trágicos, mas também para grandes uniões, "eternas" amizades.
Até onde vai o direito a recorrer aos "direitos humanos" ?
Todos os humanos têm direitos ?
Com que direito ?
Este não é um jogo de palavras, antes um pontapé de saída para discorrermos sobre "O que são os direitos humanos" ? Como se utilizam e quem os utiliza ? Qual a razoabilidade dos "direitos adquiridos" ? E esses são humanos também ?
Em Maçonaria se há algo de sagrada é claramente a intocabilidade dos "Direitos Humanos" (direito à vida, direito à Família, direito a condições de vida dignas, direito à honra,...).
Como se classifica um "direito" que colide, ou prejudica, claramente com direitos de outros ?
Vá, boa semana de trabalho. Para a semana há mais feriado !
JPSetúbal

29 novembro 2008

Para um fim de semana prolongado



Nem uma palavra a mais, alem do texto que mail Amigo me mandou.

Um jovem recém casado estava sentado num sofá num dia quente e húmido, beberricando chá gelado durante uma visita ao seu pai. Ao conversarem sobre a vida, o casamento, as responsabilidades da vida, as obrigações da pessoa adulta, o pai remexia pensativamente os cubos de gelo no seu copo e lançou um olhar claro e sóbrio para o filho.

- Nunca te esqueças dos teus amigos, aconselhou! Serão mais importantes na medida em que envelheceres. Independentemente, do quanto ames a tua família, os filhos que porventura venham a ter, sempre precisarás de amigos. Lembra-te de ocasionalmente ir a lugares com eles; faz coisas com eles; telefona para eles ...

- Que estranho conselho! Pensou o jovem. Acabo de ingressar no mundo dos casados. Sou adulto. Com certeza que minha esposa e a família que iniciaremos serão tudo o que necessito para dar sentido à minha vida!

Contudo, ele obedeceu ao pai. Manteve contacto com os seus amigos e anualmente aumentava o número deles. Na medida em que os anos se passavam, ele foi compreendendo que o seu pai sabia do que falava. Conforme o tempo e a natureza realizam as suas mudanças e mistérios sobre um homem, amigos são baluartes da sua vida. Passados mais de 40 anos, eis o que ele aprendeu:

O Tempo passa. A vida acontece. A distância separa. As crianças crescem. Os empregos vão e vêem. O amor fica mais frouxo. As pessoas não fazem o que deveriam fazer. O coração rompe-se. Os pais morrem. Os colegas esquecem os favores. As carreiras terminam. MAS... os verdadeiros amigos estão lá, não importa quanto tempo e quantos quilómetros estão entre nós. Um amigo nunca está mais distante do que o alcance de uma necessidade, torcendo por nós, intervindo em nosso favor e esperando de braços abertos, abençoando a nossa vida! Quando iniciamos esta aventura chamada vida, não sabíamos das incríveis alegrias ou tristezas que estavam adiante.

Nem sabíamos o quanto precisaríamos uns dos outros.
UM ABRAÇO.

JPSetúbal

28 novembro 2008

Ser professor

A profissão de professor anda na ribalta nos últimos tempos. Por boas e más razões. Ele é a desconsideração progressiva do papel e da importância do professor, ele é o confronto sobre a avaliação dos professores, razões de uns e de outros, ora se reconhece a importância dos professores, ora se acusa os professores de não cumprirem devidamente com o seu múnus, em generalizações de sinal contrário que, por serem generalizações, são inevitavelmente erradas, já que,como em todas as profissões, há professores excelentes, bons, medianos, fracos e péssimos.

A história de hoje que,como habitualmente, recebi por correio eletrónico, cuja autoria desconheço e que editei ao meu jeito,procura mostrar como deve ser um bom professor.Não o que nunca erra.mas o que é interessado e dedicado e procura fazer o melhor possível. Quantas vezes,fazendo a diferença!

Aquela professora, apesar de sempre ter proclamado que gostava de todos os alunos por igual, olhava para Ricardo com não muito bons olhos. Notava que ele não rendia, não se dava bem com os colegas de turma e muitas vezes as suas roupas estavam sujas e cheiravam mal. Houve até momentos em que ela sentia um certo prazer em dar-lhe notas baixas, ao corrigir as suas provas e trabalhos.

No início do ano letivo, a cada professor era solicitado que lesse com atenção a ficha escolar dos alunos, para tomar conhecimento das anotações. Ela tinha deixado a ficha do Ricardo para o fim. Mas, quando finalmente a leu foi grande a sua surpresa...

Ficha do 1º ano:

“Ricardo é um menino brilhante e simpático. Os seus trabalhos estão sempre em ordem e são muito nítidos. Tem bons modos e é muito agradável estar perto dele.”

Ficha do 2º ano:

“Ricardo é um aluno excelente e muito querido dos seus colegas, mas tem estado preocupado com a mãe, que está com uma doença grave e desenganada pelos médicos. A vida no seu lar deve estar a ser muito difícil.”

Ficha do 3º ano:

“A morte da sua mãe foi um golpe muito duro para o Ricardo. Ele procura fazer o melhor, mas o seu pai não tem nenhum interesse e depressa a sua vida será prejudicada, se ninguém tomar providências para o ajudar.”

Ficha do 4º ano:

“O Ricardo anda muito distraído e não mostra interesse nenhum pelos estudos. Tem poucos amigos e muitas vezes adormece na sala de aula.”

A professora deu-se conta do problema e ficou terrivelmente envergonhada... E lembrou-se dos lindos presentes de Natal que recebera dos alunos, com papéis coloridos, excepto o do Ricardo, que estava enrolado num papel pardo. Lembrou-se que abriu o pacote com tristeza, enquanto as outras crianças se riam ao ver que era uma pulseira à qual faltavam algumas pedras e um frasco de perfume apenas meio cheio. Apesar das piadas, ela tinha tido a presença de espírito para dizer que o presente era precioso e pôs a pulseira no braço e um pouco de perfume sobre a mão. No fim do dia, Ricardo ficou um pouco mais de tempo na sala de aula do que o costume. E, já depois de todos os seus colegas terem saído, quando ele próprio se dirigia para a porta, dissera-lhe, timidamente:

- A senhora está perfumada como a minha mãe!

Passou a dar mais atenção aos seus alunos, especialmente ao Ricardo. Com o passar do tempo, notou que o rapaz melhorava. E quanto mais ela lhe dava carinho e atenção, mais ele se animava. No fim do ano letivo, o Ricardo foi o melhor da turma.

Seis anos depois, recebeu uma carta do Ricardo contando que havia concluído o secundário e que ela continuava a ser a melhor professora que tivera.

As notícias repetiram-se até que um dia ela recebeu uma carta assinada pelo Dr. Ricardo, o seu antigo aluno.

Mas a história não termina aqui...

Tempos depois, recebeu convite para o casamento de Ricardo. Aceitou o convite e, no dia do casamento, usou a pulseira que recebera do Ricardo anos antes - e também o perfume.

Quando os dois se encontraram, abraçaram-se longamente e Ricardo disse-lhe ao ouvido:

- Obrigado por ter acreditado em mim e me fazer sentir importante, demonstrando-me que posso fazer a diferença.

Ser professor não é só debitar matéria, avaliar e ser (ou não...) avaliado. Ser (bom) professor é fazer realmente a diferença, quando é preciso que ela seja feita.

Bom fim de semana e bom feriado!

Rui Bandeira

27 novembro 2008

A Maçonaria e a Revolução Farroupilha

A Maçonaria Regular não tem intervenção política e funciona dentro da legalidade vigente. Estes são dois princípios básicos e essenciais do comportamento da Maçonaria Regular em Democracia.

Mas, historicamente, nem sempre a Maçonaria assumiu esse comportamento. Umas vezes por opção própria, nomeadamente na variante dita Irregular ou Liberal, sempre mais interventiva politicamente. Outras vezes, porque a Democracia não estava presente, a tirania campeava e ser maçon, prosseguir o ideário de Liberdade que é apanágio da Maçonaria, implicou lutar pela Liberdade em falta, intervir mesmo em Revoluções.

A Itália fez-se enquanto país unificado muito graças à atuação de Garibaldi e outros maçons. A América Latina ganhou a sua liberdade e a independência de vários dos seus países graças aos esforços de Simón Bolívar e seus companheiros, muitos deles também maçons. Maçons também deram os seus esforços para a instauração da República em Portugal.

Alguns dos episódios que ajudaram a forjar a identidade brasileira também têm a intervenção decisiva de maçons. É o caso da Revolução Farroupilha, que foi desencadeada pelos membros da loja maçónica Philantropia e Liberdade, sob a direção do seu Venerável Mestre Bento Gonçalves da Silva.

Pelo seu interesse histórico, eis um extrato da sua Prancha (ou Balaústre) n.º 67, relativa aos trabalhos da sessão da Loja de 18 de setembro de 1835, que transcrevo sem qualquer edição, tal qual a descobri num artigo do Coronel de Engenharia Hiram Reis e Silva, professor do Colégio Militar de Porto Alegre, publicado em 7 de novembro de 2008, no jornal eletrónico Última Hora News:

Aos 18 dias do mês de setembro do ano de 1835 da E:.V:. e 5835 da V:.L:. reunidos em sua sede, sito a Rua da Igreja, Nº 67, em um lugar Claríssimo, Forte e Terrível aos tiranos, situado debaixo da abóbada Celeste do Zenith aos 30º e 5´ de Latitude da América Brasileira, ao Vale de Porto Alegre, Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, nas dependências do Gabinete de Leitura onde funciona a Loj:. Maç:. Philantropia e Liberdade, com o fim de especificadamente traçarem as metas finais para o início do movimento revolucionário com que seus integrantes pretendem resgatar os brios, os direitos e a dignidade do povo Riograndense.

A sessão foi aberta pelo Ven:. Mestre Ir:. Bento Gonçalves da Silva. Registre-se a bem da verdade, ainda as presenças dos IIr:. José Mariano de Mattos, Ex Ven:. José Gomes de Vasconcelos Jardim, Pedro Boticário, Vicente da Fontoura, Paulino da Fontoura, Antonio de Souza Neto e Domingos José de Almeida, o qual serviu como Secretário e lavrou a presente ata. Logo de início o Ven:. Mestre depois de tecer breves considerações sobre os motivos da presente reunião de caráter extraordinário, informou a seus pares que o movimento estava prestes a ser desencadeado. A data escolhida é o dia 20 do corrente, isto é, depois de amanhã. Nesta data, todos nós, em nome do Rio Grande do Sul, nos levantaremos em luta contra o imperialismo que reina no País.

Na ocasião, ficou acertada a tomada da Capital da Província pelas tropas dos IIr:. Vasconcellos Jardim e Onofre Pires, que deverão permanecer com seus homens nas imediações da Ponte da Azenha, aguardando o contingente que deverá se deslocar desde a localidade de Pedras Brancas, quando avisados. Tanto Vasconcellos Jardim como Onofre, ao serem informados responderam que estavam a postos aguardando o momento para agirem. Também fez ouvir o nobre Vicente da Fontoura que sugeriu o máximo de cuidado, pois certamente, o Presidente Braga seria avisado do movimento.

O tronco de Beneficência fez a sua circulação e rendeu a moeda cunhada de 421$000 contados pelo Ir:. Tes:. Pedro Boticário.

Por proposição do Ir:. José Mariano de Mattos, o tronco de Beneficência foi destinado à compra de uma Carta de Alforria, de um escravo de meia idade, no valor de 350$000, proposta aceita por unanimidade.

Foi realizada uma poderosa Cadeia de União, que pela justiça e grandeza da causa, pois em nome do povo Riograndense lutariam pela Liberdade, Igualdade e Humanidade, pediam a força e a proteção do G:.A:.D:.U:. para todos os Ir:. e seus companheiros que iriam participar das contendas.

Já eram altas horas da madrugada quando os trabalhos foram encerrados, afirmando o Ven:. Mestre que todos deveriam confiar nas LL:.do G:.A:.D:.U:. e como ninguém mais quisesse fazer uso da palavra, foram encerrados os trabalhos, do que, eu Domingos José de Almeida, Secretário, tracei o presente Balaústre, a fim de que, a história através dos tempos, possa registrar que um grupo de Maçons Homens Livres e de Bons Costumes, empenhou-se com o risco da própria vida, em restabelecer o reconhecimento dos direitos desta abençoada terra, berço de grandes homens, localizada no extremo sul de nossa querida Pátria.

Oriente de Porto Alegre, aos dezoito dias do mês de setembro de 1835 (E:.V:.)

18º dia do sexto mês Tirsi da V:.L:. ano de 5835.

Assinado: Ir:. Domingos José de Almeida - Secretário

Uma última nota é de fazer ressaltar: mesmo preparando uma revolução, com todas as incertezas e riscos inerentes, aquela Loja não deixou de destinar uma muito grande parte do produto do Tronco de Beneficência talvez ao mais meritório dos destinos que, na época e no lugar, podia ser destinado: à libertação de um escravo! Não há grande nem pequena liberdade. Há simplesmente Liberdade. Aqueles maçons decidiram lutar contra a tirania e em prol da Liberdade. Mas não olvidaram o dever de zelar pela libertação de quem era ainda menos dotado de liberdade do que eles: um escravo. Enquanto não era possível acabar com a escravatura, os maçons daquela Loja faziam o que era possível: acabar com ela... um a a um. O que nos deixa uma lição: por muito impossível que pareça uma empresa, por muito difícil que seja afrontar o que parece não se conseguir derrotar, é sempre possível algo fazer. Muitos poucos acabam por fazer muito!

Rui Bandeira

26 novembro 2008

O porquê do Acordo Ortográfico no blogue

Termino com este texto, ao menos por ora, uma longa série de textos dedicados ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990. Faço-o em jeito de balanço e de justificação. Sei - nunca disso duvidei! - que alguns (muitos? todos?) dos habituais visitantes deste blogue algumas das vezes, se não em todas, em que depararam com textos sobre o dito Acordo Ortográfico tiveram alguns pensamentos de impaciência: este blogue é essencialmente dedicado a desenvolver o tema da maçonaria, que cabimento tem estar aqui a divulgar e comentar esta coisa do Acordo Ortográfico? Pelo menos um obreiro da Loja Mestre Affonso Domingues manifestou-me essa impaciência, esse desencanto, a sua discordância.

Bem ciente estava do risco que corria. Além do mais, o tema é árido. E dedicar mais de duas dezenas de textos a esse árido tema foi, talvez, abusar da paciência de quem se habituou a visitar este blogue. Foram três meses, de setembro a novembro, em que, em todas as semanas, havia um texto sobre esta "seca", algumas semanas dois. Garanto-vos: também para mim o tema Acordo Ortográfico não é nada apelativo... Se vos serve de consolo, foi tão secante preparar e publicar os textos como lê-los (ou passar por cima deles sem os ler...).

Mas quem pensou que divulgar, comentar, publicar, o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990 não tem nada a ver com Maçonaria, pense outra vez e pense melhor!

Maçonaria não é só tratar de coisas espirituais. Maçonaria não é só lidar obscuramente com uma linguagem simbólica como meio de extrair, absorver, princípios éticos, desenvolvimentos morais, lustre espiritual. Maçonaria é, antes de tudo, acima de tudo, contra tudo, o APERFEIÇOAMENTO DO HOMEM. Em todas as suas vertentes. O Homem inteiro não é só espírito, como não é só matéria. É ambos. A Maçonaria não se destina a anular, destruir, a parte material, animal, comezinha, do Homem. Esta é tão inerente a nós como as mais nobres caraterísticas do nosso espírito. A maçonaria ajuda o Homem a dominar as suas paixões. Não a destruí-las, não a anulá-las. Isso não seria humano, não seria natural. E as regras da Natureza são as que são, assim foram instituídas pelo Criador, grossa prosápia seria presumir que se pode alterá-las!

A Maçonaria, na sua forma e prática atuais, conformou-se no século XVIII, a partir dos princípios do Iluminismo. Não postula que o maçon se esgote em esotéricos pensamentos sobre os mais recônditos resquícios do seu espírito e os mais etéreos níveis a que desejará elevá-los. Isso também - com conta, peso e medida - tem lugar, mas a Maçonaria é essencialmente um método de aperfeiçoamento do Homem Inteiro. E uma das formas por que se manifesta esse propósito é pela aquisição e aprofundamento de conhecimentos. A ideia não é fazer de brutos incultos e ignorantes especialistas em espiritualidades etéreas. A ideia é precisamente mostrar, praticar, que a Ciência e a Espiritualidade não são opostas, mas complementares. O maçon deve trabalhar no seu aperfeiçoamento moral e espiritual, mas simultaneamente deve também melhorar, elevar-se, aprender, na vertente do conhecimento das Artes e das Ciências.

Também para o maçon - diria que principalmente para o maçon! - o saber não ocupa lugar. Mais: é pelo hábito de saber, de estudar, de aprender, que o maçon também se aperfeiçoa, cresce, é mais homem e, sendo-o, se aproxima do ideal digno da sua natureza.

Uma das tarefas que se pede aos maçons é que produzam trabalhos e os apresentem aos seus irmãos. Para que aprendam e ensinem. E, todos juntos, um pouco todos melhorem. Esses trabalhos não devem ser apenas sobre simbologia, espiritualidade, etéreos temas. Devem ser também sobre conhecimento, puro e simples, puro e duro. Cultura geral. Divulgação. Estudo. Saber. Porque o maçon cultiva-se, também como forma de se aperfeiçoar. De resto, um período específico da formação do maçon é dedicado ao estudo de si próprio, das Artes e das Ciências.

Imaginemos um homem que se dedicava a exercitar, a muscular, a desenvolver, apenas o braço direito. Possivelmente lograria vir a ter um desenvolvidíssimo bíceps direito, um forte antebraço direito, uma mãozorra direita, tudo amplamente desenvolvido. Mas continuaria a ser um lingrinhas atrofiado no braço esquerdo e no resto do seu corpo... Melhoraria? Estaria mais perfeito? Não! Pelo contrário, estaria desequilibrado e com um aspeto antinatural. Seria pior a emenda que o soneto. Porque não se teria cuidado do desenvolvimento, do exercício, da melhoria HARMONIOSA de todo o corpo e ter-se-ia, ao contrário, criado uma aberração, um lingrinhas sobremusculado num, e só num, braço...

A mesma coisa sucederia se o maçon apenas cuidasse do seu espírito, dos seus princípios morais, das suas crenças religiosas, descurando a manutenção e aperfeiçoamento dos conhecimentos científicos e sociais. Seria melhor? Estaria mais perfeito? Não! Seria apenas um bruto ignorante armado em beato...

A Sociedade moderna, pelas suas exigências, pela sua competitividade, dá muita atenção à aquisição de conhecimentos técnicos e científicos. Daí que seja natural que os maçons alertem para a necessidade de contrabalançar com o cuidado com os valores morais e espirituais, para que o desenvolvimento do homem seja harmonioso, total, equilibrado. Mas, quando o maçon depara com tema ou assunto que desconhece, ou conhece mal, pode e deve buscar melhorar o seu conhecimento sobre ele e partilhá-lo com seus irmãos.

Não se pede que os maçons sejam especialistas de tudo. Aliás, a ideia não é que um maçon, quando elabora e apresenta trabalhos em Loja, debite amplos, extensos, profundos conhecimentos especializados. A loja maçónica não é propriamente o local adequado para se debater as dificuldades técnicas da escolha, combinação e aproveitamento dos combustíveis adequados à propulsão de nave interplanetária, tendo em conta as necessidades de aprovisionamento, velocidade pura prolongada e manobrabilidade da nave propulsada... A ideia é o maçon dedicar-se a estudar algo que não saiba, ou não saiba convenientemente, e com isso aprenda algo e partilhe o que aprendeu com os demais. Também!

E não se estudam só temas agradáveis. Os áridos também estão diante de nós para que também sobe eles aprendamos um pouco.

Por isso entendi que era útil estudar o que era o Acordo Ortográfico, as mudanças que trazia, como se devia passar a escrever. E decidi partilhá-lo com todos os que por este blogue passam. Em conjunto e em simultâneo com as minhas habituais considerações sobre temas mais estritamente (tradicionalmente?) maçónicos. No fundo, como diz o Povo, nem sempre sardinha, nem sempre galinha...

Ou seja, quero eu dizer cá no meu estilo arrevesado que aprender e divulgar como se deve corretamente escrever é tão maçónico, tão útil, tão indispensável, para a prossecução do objetivo de aperfeiçoamento buscado pelo maçon como perorar, especular, sobre o mais profundo tema esotérico. Por isso decidi assumir o risco de vos enfastiar com a publicação de 21 Bases mediocremente comentadas e mais uma resenha das principais alterações resultantes do Acordo Ortográfico.

O que não quer dizer que não seja com algum alívio que ponha ponto final no assunto...

Rui Bandeira

25 novembro 2008

"Novas do interior da terra"

Saindo do meu buraco, onde de facto ando escondido não por medo do que quer que seja mas por necessidade de isolamento para prosseguir com o meu novo projecto profissional, venho aqui falar de duas ou tres coisas que vos deixarão de agua na boca.

Pois eu sou assim !!

Em 12 de agosto ( com letra minuscula depois de ler os artigos do acordo ortográfico) deste ano anunciei a versão beta do http://www.rlmad.net/ hoje venho cá dar novas dele, mas sobretudo do que nele existe e que só está ao alcance de um punhado de pessoas.

Desde agosto até hoje o site foi sendo desenvolvido pelo A.Jorge de forma fantástica. A Loja como entidade responsável tratou de aprovar uma politica editorial para o mesmo, criando para tal um regulamento de utilização do site e nele definindo a politica de acessos.

Como não sou muito mau, quero chamar a vossa atenção para um documento notável publicado recentemente no http://www.rlmad.net pelo Irmão Alexis Botkine ( e escrevo o seu nome completo porque ele deu autorização para tal afirmando " estou orgulhoso de ser Maçon"). Este documento lido em Loja em 1999 ( fará 10 anos em janeiro) é uma resenha do que foi o trabalho da Maçonaria Internacional para trazer a Regularidade para Portugal e o empenho do Alexis neste movimento.

Digo eu - é com orgulho que afirmo que sou da mesma loja do Alexis. Aprendi com ele, nao por ensinamento directo mas por ouvir ( e manter-me em silencio mesmo depois de ser Mestre, mesmo depois de ter sido Veneravel, mesmo depois de ter sido inumeras vezes Grande Oficial) o mester de Organista.

Ouvi-o durante mais de 10 anos, com atenção.

Por isso quando a Loja decidiu em Setembro deste ano prestar-lhe justa homenagem foi com grande alegria que suportei essa inciativa e que consistiu em torna-lo Antigo Veneravel Mestre de Honra da Loja Mestre Affonso Domingues. Cerimónia feita a dois tempos e à qual o MR Grão-Mestre Mario Martin Guia fez questão de se associar agraciando o Alexis com mais uma distinção honorifica concedida pela Grande Loja e sendo ele Grão Mestre a conduzir os trabalhos para dessa forma prestar ainda maior homenagem a quem de pleno direito a mereceu.

Passando à parte da inveja, a que vos vou causar.

Na zona restrita do site, estão a ser paulatinamente colocadas pranchas apresentadas em Loja ao longo destes 18 anos, sendo recuperadas dos nossos arquivos e disponibilizadas para leitura. Felizes nós os que temos acesso a preciosidades. Textos de qualidade inegável que voltam a ver a luz do dia e a terem o que merecem, serem lidos.

Tenho consciencia que o trabalho é duro e que ainda nao vai sequer a meio, mas o resultado é fantástico e permite (-me) ter o gozo de ler o que havia ouvido, ou mesmo ler pela primeira vez o que nao havia ouvido.

Quando vamos vivendo a Loja, não temos ( eu pelo menos) a noção do acervo que vai sendo criado, da qualidade de trabalho produzido. Com esta publicação é quase surpreendente.

Ler pranchas de aprendiz escritas por Irmãos que hoje já são antigos Veneraveis permite ver que o percurso que seguiram era mesmo esse e não outro e que quando no passado foram aposta para um dia vir a dirigir a Loja, era porque de facto era esse o designio.

Fiquem com a inveja de não poderem partilhar estas pérolas, mas leiam as pranchas publicas que aí encontrarão já muita qualidade. E quem sabe se um dia estes Irmãos que hoje pretendem ficar na reserva de identidade passam a poder /querer aparecer publicamente e aí os seus trabalhos também possam ser do dominio publico.


José Ruah