28 novembro 2012

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XXX


Após esta conversa, os Mestres, Vigilantes e todos os Irmãos podem conversar livremente, ou entreterem-se juntos, até que o jantar seja servido, devendo cada Irmão tomar o seu lugar à mesa. 

Esta singela Regra aparenta ser desnecessária, ou mesmo sem dignidade suficiente para ser incluída no conjunto das Regras Gerais da Fraternidade. Com efeito, nada de especial, aparentemente, consigna.

Mas se a considerarmos com um pouco mais de atenção, não é tão  inútil ou fútil como aparenta, porquanto, ao inocentemente referir que, entre a reunião preparatória da Assembleia anual e a deliberação sobre a continuidade, ou não, do Grão-Mestre em funções e o Jantar Festivo, a que se seguirá a reunião pública da Grande Loja,  haverá um período de descontração, de convívio livre entre Irmãos, está também a referir o que não se pode fazer! E o que não se pode fazer é prosseguir na discussão ou comentário dos assuntos tratados na reunião preparatória ou relativos à deliberação de recondução, ou não, do Grão-Mestre em exercício.

A Maçonaria, desde a sua transformação na atual vertente especulativa que se assume como um espaço e método de aperfeiçoamento pessoal dos seus membros, incluindo-se neste conceito também a noção de escola e prática de Valores morais e correspondentes e adequados comportamentos sociais.

No seu processo de autoaperfeiçoamento, o maçom necessariamente que tem de olhar para o interior de si mesmo, de se conhecer a si próprio, mas, em simultâneo deve manter presente que o Homem é um animal social, que cada um verdadeiramente é o que é, não apenas em si e por si, mas também enquanto elemento enquadrado socialmente e socialmente interagindo. Por isso o maçom, em bom rigor, não declara ser maçom, afirma que os seus Irmãos como tal o reconhecem. O Homem não é uma ilha, não basta Ser perante si próprio apenas; o seu Ser só adquire pleno significado enquanto ator social.

Esta noção implica que o maçom permanentemente deve agir sobre si perante si, mas também perante todos aqueles com quem se relaciona. Pouco importará se alguém cultiva um coração de ouro, uma exemplar tolerância, se, por outro lado, permanece um intratável bicho-do-mato, incapaz de agir de forma a que os demais possam entrever o seu dourado coração e beneficiar da sua estimável tolerância...

A aquisição destes conceitos e, sobretudo, o adequado trabalho, em equilíbrio, nestas duas vertentes diversas, o Eu perante mim e o Eu perante os outros, não é fácil, não é algo intuitivo, inevitavelmente gera erros, recuos, hesitações, sobretudo na fase inicial de aprendizagem desse trabalho que perpetuamente se deve efetuar. Daí a absoluta necessidade do período de silêncio a que os Aprendizes e Companheiros são sujeitos - e cuja utilidade, por vezes, demora a ser entendida...

Esta singela e aparentemente inútil Regra é um afloramento de princípios de conduta social que são de evidente utilidade, não só para os maçons, como para todos os que se inserem civilizadamente na sociedade: há tempo e lugar adequados para tudo; não se deve misturar o que não deve ser misturado; os assuntos tratam-se nos lugares e momentos próprios para serem tratados.

A preparação das deliberações a assumir na Assembleia Anual tem lugar na reunião prévia. É aí que se tem de discutir o que se tiver de discutir, esclarecer o que houver para esclarecer, opinar o que cada um entenda por bem opinar. Uma vez saídos dessa reunião, não é útil, não é produtivo, não é acertado, não é socialmente adequado, continuar a discutir ou comentar, fora de local, fora de tempo, porventura na presença de quem não teve assento na reunião, os assuntos que a esta dizem respeito.

Esta atenção que os maçons cultivam, no sentido de não tratar os seus assuntos fora do local onde devem ser tratados, do tempo adequado para o fazer e apenas com a presença dos que os devem tratar, é, pelos detratores da Maçonaria, considerada como ultrajante e perigoso sigilo conspirativo. Coitados! Perdoai-lhes, senhores leitores, pois não sabem do que falam, nem sequer se apercebem de que se trata de um puro princípio de boa educação e de prática de conduta social que todos deveriam aprender e praticar desde criancinhas: que há tempos e locais próprios e adequados para tratar de tudo e que falar fora de tempo e do lugar adequado e perante quem não tem nada que ver com o assunto é, além do mais, demonstrativo de falta de educação e de desconhecimento de como as pessoas se devem comportar em Sociedade! Nem sequer se trata de sigilo versus coscuvilhice: é simplesmente boa-educação versus rudeza...

Ora vejam lá onde nos levou uma mais atenta reflexão sobre uma aparentemente insignificante Regra...

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 143. 

Rui Bandeira

21 novembro 2012

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XXIX


Depois de todos esses assuntos discutidos, o Grão-Mestre e seu Vice Grão-Mestre, os Grandes-Vigilantes, ou seus representantes, o Secretário, o Tesoureiro, os Funcionários, e todas as pessoas, devem retirar-se e deixar só os Mestres e Vigilantes das Lojas para que possam discutir amigavelmente sobre a eleição do novo Grão-Mestre ou a continuidade do atual se não o tiverem feito no dia anterior. Se forem unânimes sobre a continuidade do atual Grão-Mestre, este deverá ser chamado e humildemente convidado a que honre a Fraternidade, dirigindo-a no ano seguinte. Mas só após o jantar será conhecida a decisão, pois tal só pode ser revelado como resultado do ato eleitoral. 

Esta regra regulava a tomada de decisão sobre a continuidade ou substituição do Grão-Mestre em funções. O mandato do Grão-Mestre era anual, podendo haver, sem limite, recondução do titular em exercício.

A regra da duração anual do mandato do Grão-Mestre permanece na maioria, se não na totalidade, das Grandes Lojas dos Estados Unidos da América. Na Europa e na América do Sul, os mandatos têm normalmente uma maior duração, podendo ou não haver recondução do titular e, quando a mesma é possível, podendo ou não haver limite ao número de reconduções possíveis. 

Aquando da fundação da GLLP/GLRP (então apenas GLRP), a duração do mandato  do Grão-Mestre era de cinco anos, sem possibilidade de recondução. Foi essa a duração dos mandatos do Grão-Mestre Fundador, Fernando Teixeira, e do seu sucessor, Luís Nandin de Carvalho. A partir do terceiro Grão-Mestre, a duração do mandato passou para três anos, também sem possibilidade de recondução. Assim se processaram os mandatos dos terceiro e quarto Grão-Mestres, José Manuel Anes e Alberto Trovão do Rosário. À beira do início do mandato do quinto Grão-Mestre, Mário Martin Guia, e muito por persuasão deste, foi alterada de novo a duração do mandato do Grão-Mestre, passando este a ser de dois anos, mas sendo permitida uma recondução. Sempre prudente e cauteloso, entendia Martin Guia - e obteve vencimento nesse seu entendimento - que assim se possibilitava a avaliação do desempenho do Grão-Mestre ao fim de dois anos. Se esse desempenho fosse bom, o mais natural e provável é que fosse reconduzido. Se fosse insatisfatório, seria eleito um outro Grão-Mestre e o abreviado período de exercício de funções com menos felicidade ou acerto não causaria grande mossa ou, pelo menos, causaria menor dano do que se um mandato menos bem conseguido perdurasse por quatro anos. Mário Martin Guia cumpriu assim  um primeiro mandato de dois anos, findos os quais foi reconduzido para um segundo mandato, que abreviaria em alguns meses, por vontade própria. O atual, e sexto, Grão-Mestre, José Moreno, cumpre agora o seu segundo mandato bianual.

Voltando à regra XXIX, é interessante notar como a mesma traduz bem o equilíbrio entre o poder (originário) das Lojas e o poder do Grão-Mestre. Finda a reunião preparatória sob a direção do Grão-Mestre, ele e todos os Grandes Oficiais e, mesmo, os funcionários da Obediência, retiravam-se, ficando a reunião restrita aos representantes das Lojas (Mestres - hoje, Veneráveis Mestres - e Vigilantes). Era nessa configuração restrita, e obviamente livre de pressões e constrangimentos, que era tomada a deliberação de reconduzir, ou não, o Grão-Mestre em exercício. A deliberação de recondução tinha de ser unânime. Era a manifestação do poder originário das Lojas em todo o seu esplendor! Mas, havendo deliberação unânime de recondução do Grão-Mestre em funções, este era chamado e humildemente convidado a que honrasse a Fraternidade, acedendo a dirigi-la por mais um ano. O poder originário das Lojas, uma vez escolhido por estas o dirigente máximo da Obediência, era-lhe de imediato transmitido, ao ponto de a própria solicitação de permanência em funções ser humildemente apresentada e de ser considerada uma honra para a Fraternidade que o Grão-Mestre acedesse a continuar em exercício...

Este extraordinário equilíbrio entre o Poder originário e o Poder delegado ou conferido é uma marca da Maçonaria Especulativa desde o seu início. As Lojas são, e assumem-se como tal, a fonte do Poder na Obediência. Mas, uma vez escolhido um dirigente para a Obediência, e enquanto durar o seu mandato, esse Poder é-lhe transmitido sem reservas, sendo tal evidente no próprio comportamento de absoluto respeito assumido perante o escolhido.

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 143. 

Rui Bandeira

14 novembro 2012

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XXVIII


Todos os Membros da Grande Loja devem apresentar-se bastante antes do Jantar, incluindo o Grão-Mestre, ou o seu Vice Grão-Mestre, para reunirem, dirigidos por este, a fim de: 
1 - Receber qualquer Apelo devidamente apresentado, como atrás regulamentado, para que o queixoso seja ouvido, e para que o assunto seja amigavelmente decidido antes do jantar, se possível; mas se assim não for possível, deve ser adiado até que o novo Grão-Mestre seja eleito; e se não puder ser decidido após o jantar, a decisão deve ser adiada e o caso entregue a um comité especial, que deve resolver o mesmo em harmonia, relatando o resultado na Reunião Trimestral seguinte; para que o amor fraternal seja preservado. 
2 - Prevenir que qualquer querela ou diferença ocorra nesse Dia; para que nada perturbe a harmonia e o prazer dessa Grande Festa. 
3 - Analisar tudo o que diga respeito à decência e decoro dessa Grande Assembleia, para evitar qualquer indecência, mau comportamento ou promiscuidade. 
4 - Receber e considerar qualquer moção, ou matéria importante e oportuna, trazida pelos representantes das Lojas, ou seja, Mestres e Vigilantes.

No século XVIII, o que ocorria pelo S. João era a Festa Anual dos maçons de Londres e Westminster. O ponto alto, o essencial da mesma, era o Jantar de Confraternização. Antes dele, havia a reunião preparatória do mesmo. Depois dele ocorria então a Grande Assembleia formal.

A reunião preparatória do jantar anual destinava-se, como claramente resulta do texto da regra, a prevenir, tratar e resolver quaisquer pontos de conflito que tivessem surgido ou se previsse que podiam surgir, de forma a que nada ensombrasse a festividade e a preparação da mesma. Só residualmente se previa o tratamento de qualquer questão que fosse colocada pelo representante de qualquer Loja. 

Com efeito, a Festa Anual era isso mesmo, uma festividade. Os assuntos substantivos que devessem ser decididos pela Grande Loja deviam ser, preferentemente, tratados nas assembleias trimestrais.

Presentemente, as formais Assembleias de Grande Loja são essencialmente cerimoniais e festivas, reduzindo-se a atividade administrativa ao mínimo, seja a breve apresentação dos relatórios de atividade, seja a ratificação de deliberações tomadas na sessão administrativa. Para tanto, em regra as Sessões de Assembleia de Grande Loja formais são precedidas de assembleias administrativas, onde têm assento os representantes das Lojas, que, sem formalismos rituais, analisam os assuntos pendentes e tomam as deliberações pertinentes. 

Na GLLP/GLRP é também habitual fazer-se preceder as assembleias administrativas de uma sessão do Conselho dos Veneráveis, onde têm assento os Veneráveis Mestres de todas as Lojas e que, como o próprio nome indica, tem competências consultivas do Grão-Mestre. Dessa forma, o Grão-Mestre pode auscultar o sentimento dos Veneráveis Mestres das Lojas e assim preparar a assembleia administrativa tendo em conta esse sentimento, de forma a permitir uma mais rápida e eficaz deliberação dos assuntos da agenda.

Após a sessão formal de Grande Loja, por regra segue-se um ágape, sempre branco e em honra das Senhoras.

Não sendo uma regra, há a tendência de as Assembleias de Grande Loja dos solstícios terem um pendor mais cerimonial e festivo e as dos equinócios serem mais dedicadas á resolução das questões administrativas.
 
As sessões formais de Grande Loja efetuam-se em ritual de Grande Loja, sendo admitidos a participar nelas todos os maçons da Obediência, incluindo os Aprendizes e Companheiros, além dos Visitantes de outras Grandes Lojas e Grandes Orientes e representantes dos Corpos de Altos Graus. No entanto, essa participação tem essencialmente um caráter de assistência. O uso da palavra é reservado aos representantes das Lojas, aos Grandes Oficiais e aos Visitantes. O direito de voto incumbe exclusivamente aos representantes das lojas.

Mas deve ter-se presente que, se há aspeto em que a diversidade das práticas entre Obediências é mais patente, é precisamente este, da preparação e realização de Assembleias de Grande Loja. Cada Obediência, como entidade maçónica soberana que é, tem as suas regras e práticas, por vezes decorrentes de longa Tradição, que, como é evidente, são totalmente respeitadas pelas demais. Assim, os Visitantes das Grandes Lojas com quem a Obediência mantém relações fraternais, comportam-se segundo as indicações que resultam da prática da Obediência visitada.

Num aspeto, porém, verifica-se uma tendência para a homogeneidade: a entrada ritual dos Visitantes, quando ela se processe. Por regra, os Grandes Oficiais das Obediências com quem se mantém relações fraternais dão entrada na sala da sessão por ordem inversa da antiguidade da Obediência, sendo, portanto, sempre o representante da Grande Loja Unida de Inglaterra, quando presente, o último a entrar.

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 143. 


Rui Bandeira

07 novembro 2012

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XXVII

Os Grandes Vigilantes, ou os seus Ajudantes, deverão nomear, antecipadamente, um certo número de Irmãos para servir à mesa, de acordo com que achem necessário para a execução de tal tarefa; se desejarem poderão aconselhar-se com os Mestres e Vigilantes das Lojas, sobre quais as pessoas mais capazes para tal função, e seguir as suas recomendações, mas só podem ser maçons livres e aceites, para que nesse dia a reunião seja livre e harmoniosa.

A regra XXVII insere-se num conjunto de regras que regulavam a Festa Anual dos maçons de Londres e Westminster que tinha lugar pelo S. João. No ágape integrado nessa festa apenas podiam participar maçons. Daí a necessidade de providenciar quem efetuasse o serviço de mesa, já que as vitualhas e bebidas não se movimentam sozinhas e, na época, ainda não  se praticava o conceito de repasto em self service...

Ainda hoje, nos ágapes formais, onde apenas estão presentes maçons, se procede de forma semelhante, sendo a tarefa de transportar e servir os alimentos e bebidas efetuada pelos Aprendizes da Loja, incluindo para eles próprios. Os demais comensais, Companheiros e Mestres, aguardam que os aprendizes, terminada a sua tarefa e também eles próprios já servidos, tomem o seu lugar na mesa para, então e só então, começarem a consumir os alimentos.

Desde o início da maçonaria Especulativa que é dada grande importância ao ágape anexo ás sessões, porquanto é um momento privilegiado para convívio e estabelecimento de laços fraternais. Os Aprendizes e Companheiros, que em sessão de Loja têm que respeitar a regra do silêncio, podem e devem no ágape esclarecer as suas dúvidas e emitir as suas opiniões. 

Os ágapes podem ser formais, com execução de um ritual de ágape que é tão exigente e demorado como o ritual de Loja (hoje em dia, apenas em ocasiões especiais assim se procede), normal, com um formalismo aligeirado, ou branco, aberto à participação das senhoras, familiares e amigos, sem qualquer formalismo, a não ser, quando assim se entender, a execução dos brindes rituais.

Os brindes, nos ritos ingleses, são livres (e, por vezes, muitos...). No Rito Escocês Antigo e Aceite, executam-se sete brindes rituais, podendo, após os mesmos, serem propostos brindes livres.

Os sete brindes rituais, em ágapes em que estejam presentes Grandes Oficiais em funções (não quando obreiros da Loja que sejam Grandes Oficiais estejam presentes , mas não nessa qualidade, apenas como normais da Loja, nem quando visitantes efetuem a visita a título pessoal e não como Grandes Oficiais) são os seguintes, em Portugal:

1. A Sua Excelência o Presidente da República (referindo-se o nome de quem, no momento, exerce a função).
2. A todos os Soberanos e Chefes de Estado que protegem a Maçonaria (isto é, de todos os países em que é legal e licita a prática da Maçonaria, pois a única proteção que a Maçonaria reclama dos poderes públicos é a da Lei).
3. Ao Muito Respeitável Gão-Mestre.
4. Aos Grandes Oficiais.
5. Ao Venerável Mestre.
6. Às Senhoras.
7. A todos os maçons.

Quando não estiverem presentes Grandes Oficiais em funções, mas participarem visitantes no ágape, o quarto brinde é dedicado ao Venerável Mestre da Loja e o quinto aos visitantes. Quando nem Grande Oficiais em funções nem visitantes participem no ágape, o quarto brinde é dedicado ao Venerável Mestre e o quinto aos Oficiais da Loja.

Com exceção dos dois últimos brindes, a resposta ao brinde é dada pelos maçons presentes, de pé, empunhando as suas taças e proferindo, antes de beberem um pouco: Fogo!

O brinde dedicado às senhoras é também respondido por todos de pé, mas com as palavras: Às senhoras!  

Especial significado e beleza tem o último brinde, dedicado a todos os maçons, cujo texto (podendo haver variantes, mas sempre com o mesmo objeto essencial) é: A todos os maçons que se encontrem longe de suas casas, ou afastados dos seus, em sofrimento, ou em viagem, na terra, no ar, ou no mar, desejamos-lhes um pronto restabelecimento, e o seu regresso a casa, se assim o desejarem.

A resposta ao brinde é efetuada, por todos os maçons presentes, sempre de pé e empunham as suas taças, proferindo em uníssono: A todos os maçons!.

Este brinde é realizado pelo Aprendiz mais recente que estiver presente, que se coloca de pé imediatamente por detrás do Venerável Mestre (ou do Grão-Mestre, se for este a presidir ao ágape), coloca a sua mão esquerda no ombro direito daquele, ergue a sua taça e profere então as palavras acima transcritas, ou similares.

O Venerável Mestre, ou o Grão-Mestre, pode retribuir este brinde. Levanta-se, vira-se de frente para o Aprendiz, estando este com a taça erguida, toca-a com a sua, e diz: Meu irmão, eu não sou mais que tu; de seguida tocam-se outra vez as taças, e declara: Meu irmão, tu não és menos do que eu; depois, pela terceira vez, tocam-se as taças, e profere: Meu irmão, tu e eu somos iguais: bebamos juntos. De seguida, entrelaçam os braços e bebem simultaneamente. Os maçons presentes saúdam este final com uma salva de palmas.

Que melhor encerramento dos brindes rituais podia haver?

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, páginas 142-143.

Rui Bandeira

31 outubro 2012

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XXVI

O Grão-Mestre deve escolher dois ou mais Irmãos de confiança para Porteiros, ou guardadores das portas, os quais devem também apresentar-se cedo no local, por óbvias e evidentes razões, e estarão às ordens do Comité.

Esta Regra - que, recorde-se, figura entre o conjunto de regras relativas à organização da reunião festiva anual da Grande Loja de Londres e Westminster, no primeiro quartel do século XVIII - contém referência a ofício que permanece em todas as Lojas maçónicas, de vários ritos: Guarda Interno  ou a dicotomia Guarda Interno e Guarda Externo.

O Guarda Interno é o ofício mais "modesto" da Loja. Tem uma muito breve intervenção no ritual de abertura dos trabalhos e, para além dela, apenas intervém sempre que se torna necessário que alguém entre ou saia da sala onde decorrer a reunião, abrindo e fechando a porta. Não admira que, familiarmente, seja, por vezes referido como o "Oficial Porteiro"...  Porventura quando, descontraída e jocosamente, se faz esta referência, não se tem a noção de que... essa mesma foi a designação escolhida pelas Regras Gerais dos Maçons consignadas na Constituição de Anderson de 1723!

O facto de este ofício ser o mais "modesto", o último na hierarquia de ofícios da Loja, não é, porém, sinónimo de menor importância ou de que seja menosprezado pelos maçons. Pelo contrário, como em quase tudo o que é feito em Loja, os maçons frequentemente aproveitam para conferir uma carga simbólica a esse ofício. Assim, é corrente que o exercício desse ofício seja assegurado durante um ano maçónico por aquele que, no ano anterior, foi o Ex-Venerável da Loja e, dois anos antes, dirigira a mesma, sentado na Cadeira de Salomão. Aquele que dirigiu a Loja, findo esse seu trabalho, coloca a sua experiência à disposição do seu sucessor, sentando-se, como Ex-Venerável, ao lado deste, disponível para lhe prestar o seu conselho, sempre que necessário. Quando, por sua vez, o seu sucessor termina o seu período de exercício do ofício de Venerável Mestre e é ele que assume as funções de Ex-Venerável, aquele que dirigiu a Loja e que depois aconselhou o seu sucessor... vai exercer o ofício mais modesto, menos exigente, menos "importante", da Loja. 

Com este hábito, procuram os maçons simbolizar várias coisas: (1) que todos os ofícios em Loja são importantes e que o funcionamento harmonioso da Loja depende da conjugação de todos eles, pelo que se reserva o exercício do ofício menos exigente para aquele que, durante dois anos, exerceu sucessivamente, os dois mais "nobres" ofícios da Loja; (2) que o trabalho bem feito é importante e compensador, independentemente da sua "nobreza" ou da sua hierarquia, podendo e devendo aqueles que exerceram as mais exigentes funções assegurar, com o mesmo interesse, pundonor e dedicação, funções tidas como mais humildes ou menos importantes, sem que isso diminua - pelo contrário! - a importância que os seus pares lhe reconhecem. Para todos os efeitos, o Guarda Interno é um ofício singelo, exercido por um... Antigo Venerável; (3) sic transit gloria mundi (assim passa a glória do mundo): o maçom sabe que a liderança, o "poder", a "importância" são passageiros, que o exercício de ofício em que se dirige é apenas temporário e que, terminado esse ciclo, outras tarefas o aguardam.

Numa Loja bem organizada, esta evolução do ofício mais exigente para o mais modesto revela-se também uma saudável forma de lidar com a evolução da vida maçónica. O maçom é iniciado, faz o seu percurso de Aprendiz e Companheiro, chega a jovem Mestre, progressivamente vê serem-lhe confiadas responsabilidades, primeiro transitoriamente, em substituição de oficiais impedidos, depois pontualmente, em tarefas determinadas e organizações específicas da Loja, em seguida mais permanentemente, com o exercício, como titular, de sucessivos ofícios, em preparação para o culminar da sua tarefa em Loja: dirigi-la como Venerável Mestre. Atingido o cume da colina, há que saber descê-la. Sai-se da liderança para o aconselhamento do sucessor. Depois de vários anos de dedicação e esforço, exerce-se seguidamente, como Guarda Interno, um ofício menos exigente, quase que como um descanso ativo, em transição para a dissolução no conjunto das colunas. A sua tarefa na administração da Loja ficou completa, agora há que apenas manter disponível a sua experiência para auxílio e benefício dos mais novos, tal como anteriormente se beneficiou do apoio dos mais antigos. A Loja, na sua perpétua evolução, é dirigida já pela geração seguinte de iniciados, que prepara a que lhe sucederá, e assim sucessivamente. Os mais antigos asseguram a sua tarefa de depositários da Tradição e da História da Loja, contribuindo para a manutenção da sua identidade, sem prejudicar a sua renovação. E só intervêm quando solicitados ou em episódica dificuldade, para ajudar a que a Loja prossiga, sem sobressaltos de maior, o seu percurso. O ofício de charneira entre os períodos de formação e de direção, por um lado, e o período de disponibilidade e aconselhamento dos mais novos é, precisamente o tal ofício menos "importante", menos exigente, de Guarda Interno. Quem porventura considere de menor valia e interesse este ofício, é melhor pensar de novo e pensar melhor!

Há ritos maçónicos que têm apenas o ofício de Guarda Interno (Rito Escocês Antigo e Aceite, por exemplo) e ritos que dispõem de Guarda Interno e Guarda Externo (Rito de Emulação, por exemplo; e, de forma geral, os ritos de origem britânica). O ritual original da Grande Loja de Londres e Westminster previa dois Guardas (ou mais, nomeadamente dependendo do número de portas de acesso à sala de reunião).

Esta diferença tem a ver com duas simbolicamente diferentes conceções de um valor que é caro à Maçonaria: a Paz!

Não nos esqueçamos que a Maçonaria Especulativa evolui da sua antecessora Maçonaria Operativa numa época marcada por sucessivas guerras civis em Inglaterra (Lealistas contra Parlamentaristas, Católicos contra Anglicanos, Stuarts contra Hannovers) enfim um período turbulento - e violento - na sociedade britânica. As Lojas maçónicas eram oásis de paz, de concórdia, nesses tempos difíceis, em que adversários políticos, por vezes adversários nos campos de batalha, ali punham de lado as suas divergências e confraternizavam como Irmãos que eram. Porventura desavindos, mas irmãos... Os rituais ingleses dispunham assim que o Templo, a sala de reuniões, sendo um lugar de paz e de concórdia, devia estar livre de armas. O Guarda Interno, o Guarda que estava do lado interior da porta de acesso, estava, assim, desarmado. Mas era necessário garantir a segurança dos que se reuniam e vedar o acesso a quem não tinha lugar nessas reuniões (não nos esqueçamos que, em tempos de conflito, confraternizar com opositores ou inimigos, não era propriamente bem visto...). Portanto, do lado exterior da sala tinha que existir pelo menos um homem armado, para o que desse e viesse, o Guarda Externo, esse, sim, então armado da sua espada - e que nunca entraria na sala de reunião com ela.

Já o Rito Escocês Antigo e Aceite e os ritos dele derivados ou por ele influenciados partem do princípio de que não são as armas que atentam contra a paz e a concórdia: é o uso que delas se faz que pode atentar contra as mesmas. As armas podem ser necessárias e úteis para prevenir ataques e conflitos, para defender valores. Assim, a presença de armas - espadas - no interior do Templo, da sala de reunião, não é interdita. Mais: vários oficiais usam-nas nos seu ofícios: o Venerável Mestre tem uma espada que é um dos símbolos do poder de que está investido e empunha-a em vários significativos momentos rituais. O Experto e o Guarda Interno usam espadas. Momentos rituais existem em que todos os elementos da Loja devem empunhar espadas, não em homenagem ao belicismo mas, pelo contrário, em defesa da Paz e dos valores humanistas. 

Ainda hoje, nas Lojas que, como a Loja Mestre Affonso Domingues, trabalham no Rito Escocês Antigo e Aceite, regular e rotineiramente se usam espadas. Mas, para que não haja equívocos, as espadas que hoje se usam são meramente cerimoniais, isto é, de lâminas rombas, que nada cortam, a não ser, porventura, manteiga desde que esteja temperatura de verão... É que o tempo dos espadachins já passou, o Diabo tece-as, prevenir é melhor que remediar e não queremos que ninguém se aleije... 


Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 142.

Rui Bandeira

24 outubro 2012

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XXV

Os Mestres das Lojas devem, cada um, nomear um Companheiro de sua Loja, discreto e experiente, para formar um Comité, constituído por um Companheiro de cada Loja, com a incumbência de receber, em lugar conveniente, qualquer pessoa convidada para admissão, o qual tem poder para o informar, se o acharem merecedor para ser admitido, ou barrarem-lhe a entrada se tiver razões para isso; mas não excluirão ninguém antes de explicarem, a todos os Irmãos, em Loja, quais essas razões, para que se evitem erros. E que nenhum verdadeiro Irmão seja excluído, nem um falso Irmão, ou embusteiro, seja admitido. Este Comité deve reunir-se no local da Festa de São João, antes do seu início e antes que qualquer pessoa chegue com o convite (para ser admitido).

 Esta regra postula o que podemos considerar a origem do telhamento, ou seja, o exame das credenciais de quem, sendo desconhecido da Loja (visitante), pretende participar de uma reunião maçónica.

As sessões das Lojas maçónicas são reservadas aos maçons. Por outro lado, a Maçonaria organiza-se em graus (Aprendiz, Companheiro e Mestre), sendo que os maçons de grau inferior não podem participar de reuniões destinadas aos de grau superior. Apresentando-se um desconhecido para participar de uma reunião de Loja, é necessário que esta se assegure, em primeiro lugar, se quem se apresenta para tal é maçom e, em segundo lugar, se é maçom do grau em que a Loja vai trabalhar, ou superior.

O conjunto de operações e verificações destinado a que essa certeza seja adquirida designa-se por "telhamento", o ato de "telhar". A expressão é simbólica. As Lojas maçónicas reúnem "a coberto", isto é, em privado, sem a presença de quem não é maçom. A simbologia utilizada pela Maçonaria é extraída da construção. Um edifício normalmente é coberto com telha. Um edfício com telhado está a coberto. Logo, uma Loja "a coberto" é uma Loja dotada de telhado, uma Loja "telhada". O ato de verificar que quem acede a uma reunião de uma Loja tem o direito de o fazer é o ato de garantir que a Loja reúna efetivamente "a coberto", é o ato de "cobrir" a Loja. Fazendo-se o paraleo com a cobertura de um edifício, cobrir um edifício é dotá-lo de telha, telhá-lo. Logo, o ato de garantir que a Loja reúna a coberto, mediante a verificação de que quem se apresenta é maçom, e maçom do grau em que a Loja vai reunir, é o ato de telhamento da Loja e essa atividade de verificação é chamada de "telhar" aquele que pretende visitar a Loja.

Esta designação é pacífica e comum na Maçonaria Portuguesa.

Já no Brasil, existem duas variantes para a designação. Uma parte das Lojas, em regra as subordinadas ao Grande Oriente do Brasil, utiliza "telhar" e "telhamento". Outra parte, em regra Lojas jurisdicionadas às Grandes Lojas dos vários Estados brasileiros, utiliza os termos "trolhar" e "trolhamento". Tenho este últimos termos por corruptelas dos termos originais, decorrentes de particular entendimento da fonética das palavras originais, tais como são pronunciadas no "português europeu". Com efeito, a forma de pronúncia utilizada no português europeu é consideravelmente mais fechada, mais "muda" na pronúncia das vogais não tónicas. Enquanto que no português do Brasil a vogal "e" de telhar é claramente pronunciada, no português europeu é completamente muda. Não admira, assim, que um ouvido brasileiro confundisse a sílaba "te" de telhar e telhamento, em que a vogal, pura e simplesmente é abafada, é completamente átona, com a a sílaba "tro" de "trolhar", ato de passar a trolha (que até é um instrumento de pedreiro...), daí derivando "trolhamento".

Um ilustre Irmão brasileiro, Kennio Ismail, defende, no blogue "No esquadro" (em http://www.noesquadro.com.br/2011/02/telhamento-ou-trolhamento.html) que o correto é utilizar "trolhar" e "trolhamento", argumentando, designadamente:

Consultando o Dicionário Priberiam da Língua Portuguesa (dicionário do chamado “português europeu”, visto que o REAA praticado no Brasil tem suas raízes na França e em Portugal, com muitos maçons brasileiros do século XIX tendo iniciado na Maçonaria quando dos estudos em Lisboa), encontramos, entre alguns poucos, o seguinte significado para a palavra “trolha”: “operário que assenta e conserta telhados”. Sendo assim, no bom e velho português, “trolhamento” é assentar e consertar telhados. Já o termo “telhador” significa no mesmo dicionário “aquele que telha”, e o verbo “telhar” significa “cobrir com telha”.
Sim, é exatamente isso que você pensou: se você mora em Lisboa e está com uma goteira em casa, você chama “o trolha” pra consertar seu telhado. Ele faz um “trolhamento”, ou seja, um exame para verificar onde está o problema, e então realiza o conserto.
Dessa forma, pode-se entender que “telhamento” é fazer um telhado, enquanto que “trolhamento” é consertar um telhado. Ora, o templo já está concluído. O examinador apenas verificará se não há uma “telha” fora do lugar ou defeituosa, de forma a evitar uma “goteira”. Então, qual é o termo que melhor se encaixa à ação do examinador? Trolhamento. O examinador está sendo um “trolha”, assentando, ou seja, avaliando se os visitantes têm o nível (grau) necessário para participarem dos trabalhos, e impedindo assim a entrada de “uma goteira” em nosso lar maçônico.

O argumento é interessante, mas, a meu ver, não colhe, por várias razões:

1) O Dicionário Priberam da Língua Portuguesa é um recente dicionário eletrónico, criado por uma empresa comercial que, embora meritório, não tem a autoridade bastante para, por si só, definir o que é certo ou errado na língua portuguesa;

2) Em mais nenhum outro dicionário que consultei, inclusive do século XIX, encontrei o entendimento de "trolha" como operário que assenta e conserta telhados;

3) Em português europeu "trolha" é pedreiro ou servente de pedreiro (e também a designação de uma ferramenta do pedreiro, a colher de pedreiro), e ponto final;  nem no século XIX, quando "muitos maçons brasileiros" estudaram e foram iniciados em Lisboa trolha era designação específica de quem consertava telhados;

4) É certo que o pedreiro trabalha em todas as fases da construção, desde executar os caboucos a levantar paredes, fazer lajes e, sim, também assentar o telhado - mas tudo isso são partes da função do pedreiro, do mister do trolha: não é correto individualizar uma particular tarefa (se o fosse, então ao trolha também cabe abrir janelas, por onde estranhos podem espreitar para o interior das Lojas...);

5) Finalmente, nunca, em português arcaico ou nos rituais e catecismos em uso em Portugal nos séculos XIX e XX foi utilizado "trolhar" e "trolhamento", antes e apenas "telhar" e "telhamento".

Tenho assim que, com toda a amizade, discordar do entendimento do Irmão Kennio Ismail.

Mas, por outro lado, algo há ainda a frisar.

Os defensores do uso de "telhar" e "telhamento" acusam quem usa "trolhar" e "trolhamento" de incorreção, frisando que "trolhar", passar a trolha, o ato de alisar uma superfície é bem mais adequado para designar, não a verificação de quem é maçom, mas sim a atividade de conciliar irmãos desavindos, de limar as asperezas entre eles surgidas, aplainar, alisar, os desentendimentos, enfim, obter a concórdia na Loja através do diálogo que esclareça posições, atenue divergências e garanta a tolerância de diferentes posições e entendimentos.

Embora pessoalmente eu adira a esta interpretação simbólica, não quero deixar de expressar que não concordo com a acusação de "incorreção": a língua é uma coisa viva, evolui, por vezes por variantes cultas, talvez a maioria das vezes por variantes populares, por norma precisamente corruptelas de expressões cultas. Se a língua não evoluísse, se não se alterasse, ainda todos falávamos latim... Uma vez que uma expressão ganhe um uso continuado e significativo na língua, passa a integrá-la, quer a sua origem seja "culta" e tida por gramaticalmente correta, quer a sua origem seja "popular" e decorra de corruptela. Penso que é essa precisamente a situação, neste caso concreto: uma evolução da língua portuguesa, no espaço brasileiro, que acabou por consagrar o uso como sinónimos de "telhar" e "trolhar" e "telhamento" e "trolhamento", desde há dezenas de anos. Precisamente porque a língua é viva e extravasa as pretensões de lhe impormos espartilhos, regras e normas, considero que nenhuma das expressões é, hoje, correta ou incorreta: ambas as variantes estão consagradas pelo uso, ambas ganharam a sua alforria na língua portuguesa, ambas podem ser utilizadas no português utilizado no Brasil.

Uma última nota: não se estranhe que o texto da regra refira que o telhamento era feito por Companheiros: em 1723, ainda a Loja tinha apenas Aprendizes e Companheiros (estes os "oficiais", os que já sabiam executar os trabalhos, equivalentes hoje aos Mestres Maçons), sendo a designação de Mestre reservada ao que hoje designamos por Venerável Mestre. Só mais tarde é instituído o sistema de três graus. O que nos recorda que preservação da Tradição não é sinónimo de imobilismo... nem na língua!

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 142.

Rui Bandeira

21 outubro 2012

O saber calar-se



A sessão fora produtiva e algo longa, e todos ansiavam já pelo momento de confraternização que se lhe seguiria. Como é regra, todos os aprendizes e companheiros haviam observado absoluto silêncio durante a sessão, não podendo pedir a palavra nem manifestar-se. Agora que a sessão tinha terminado, falavam aberta e incessantemente de tudo e de nada, uns aqui sobre um pormenor da sessão que não tinham percebido ou sobre o qual queriam saber mais, outros de assuntos mais mundanos, outros ainda auxiliando-se mutuamente na arrumação do templo - que é, precisamente, uma das incumbências dos aprendizes. Seguiu-se o ágape - uma refeição em conjunto - em que todos podem falar. E todos o fazem, e é precisamente o que se pretende.

// 

Em sessão de loja não se pode falar sem primeiro pedir a palavra, mas não basta pedir, não basta um "com licença" para legitimar que se tome a palavra de imediato; é necessário esperar que quem tenha a palavra termine o que tem a dizer, pedir-se de seguida a palavra com um gesto, e esperar que esta seja concedida por quem dirige a sessão - o Venerável Mestre. E enquando se discute um certo assunto, cada um tem apenas direito a uma única intervenção; não há direito de resposta, não há "esqueci-me disto ou daquilo", e muito menos comentários ao que outro acabou de dizer.

Com estas regras aprende-se a ser objetivo, sucinto e claro no que se pretende dizer; não há oportunidade de se fazer um discurso por sucessivas aproximações, nem "navegação à vista". Cada um diz o que tem a dizer, e escuta serenamente o que os demais tenham para partilhar. No fim, o Venerável Mestre fará uma súmula do que foi dito e, com base na posição de cada um, estabelece a posição da loja. Os aprendizes e os companheiros mantêm-se em silêncio, para aprenderem pelo exemplo como se faz, o que se faz, e o que não deve fazer-se. Uma vez elevados a Mestres, poderão pedir a palavra e manifestar-se, mas nesse momento terão já tido a oportunidade de ver e aprender, durante um par de anos, como é que devem exercer esse direito.

//

Um dos mestres presentes estava a contar histórias antigas, e curiosamente um dos aprendizes presentes - homem já maduro - tinha algo a acrescentar a essas histórias. Com naturalidade, interrompeu a palavra a quem falava - "dá-me só um segundo..." - e acrescentou um pormenor, deu uma informação adicional e, rapidamente, devolveu a palavra. O mestre prosseguiu durante alguns minutos, até que foi de novo interrompido pelo mesmo aprendiz - "se me permites, meu irmão..." - e contou mais um pouco daquilo de que se falava, deixando todos interessados com o que contou, logo se desculpando de novo e devolvendo a palavra. Discretamente, alguns dos mestres presentes trocaram olhares e sorriram com bonomia. "Tem tempo, ele há de lá chegar", pareciam dizer entre si.

É bom que um aprendiz ou um companheiro tenham algo a dizer - e que o façam no momento e lugar próprios, como o é um ágape após uma sessão de loja. É precisamente essa a circunstância ideal para que vão aprendendo a fazê-lo da forma que se espera que venham a configurar futuramente em loja, quando já mestres; nesse momento, poderão intervir em sessão com fluidez e harmonia, já cientes da forma como deverão agir.

Estive mesmo para dar uma palavra, no final, ao aprendiz em causa - mas contive-me. Afinal, quando se diz que "em maçonaria tudo se aprende e nada se ensina" pretende-se realçar, precisamente, o respeito pelo tempo e pelo ritmo de cada um, e pela descoberta por cada um do seu caminho e das suas verdades. O aprendiz haveria de ter mais oportunidades para descobrir por si mesmo; afinal, o mesmo tinha sucedido também comigo. De facto, não sem algum pudor, recordei as minhas primeiras intervenções junto dos meus Irmãos - intempestivas, acutilantes, desarmoniosas - e pensei que, se eu fora capaz de (começar a) aprender a calar-me (coisa que continuo a aprender todos os dias), certamente aquele aprendiz teria o direito de o descobrir também por si mesmo.

Paulo M.