A liberdade absoluta
Paulo - «A Maçonaria proíbe no seu seio toda a discussão ou controvérsia, política ou religiosa… É por isso que, em Maçonaria, se respeita em absoluto a liberdade de expressão de cada um.»
Diogo – Esta frase contém ideias incompatíveis. Não pode existir liberdade de expressão se todo o debate é proibido.
Um dos problemas das palavras é terem tantos significados - e tão diferentes. No site da Infopedia, por exemplo, podemos encontrar vários significados de "discussão", que vão de "análise e troca de ideias sobre um assunto entre duas ou mais pessoas com o objectivo de chegar a um consenso" a "troca de palavras ásperas e por vezes injuriosas, geralmente em voz alta e de modo agressivo; altercação; briga". Parece-me evidente - e de bom senso - que a proibição seja atinente ao segundo significado, e não ao primeiro. Vejamos agora "controvérsia": "discussão sobre um tema ou uma opinião, em que são debatidos argumentos opostos e geralmente acalorados; debate; polémica"; "contestação". Uma vez mais, a questão aqui é o "calor" e os seus efeitos, e não a natureza do que se diz.
É claro que nem todo o debate é proibido; desde que dentro das regras de urbanidade, com respeito pela posição do outro, e com toda a delicadeza, pode discutir-se quase tudo. A proibição - mais do que tricentenária - de debate de assuntos políticos e/ou religiosos decorre da experiência de onde tais debates costumam levar quando os envolvidos residam em campos antagónicos: a palavras acaloradas, menosprezo e desrespeito pela posição do outro (o que pode ser feito de forma muito fria e educada mas não menos ofensiva) e defesas e ataques de parte a parte. No final, o confronto de pontos de vista, longe de permitir o enriquecimento de cada um ou de possibilitar uma posição de consenso, apenas redunda em desconforto, mágoa ou - no pior cenário - mesmo de ideias ainda mais extremadas e repisadas pelo confronto.
Espero que esta rápida análise semântica tenha contribuído para esclarecer o que se pretende, de facto, evitar com esta proibição. Contudo, sei bem que o Diogo não se fica com uma resposta tão superficial. De facto, relegarmos a questão para um mero disagreement linguístico sería risível. O que está em causa é o meu emprego da palavra "absoluto". Poderia eu, para simplificar a coisa, limitar-me a escusar-me, e a retirá-la, dizendo então apenas que "em Maçonaria, se respeita a liberdade de expressão de cada um" em vez de se dizer que se respeita "em absoluto". Todavia, a questão - filosófica - é importante demais para ser deixada cair tão displicentemente - especialmente quando creio que, esta sim, traduz as ideias tão argutamente apontadas como incompatíveis .
A "liberdade absoluta" é um conceito curioso. Para ser absoluta tem que ser universal; não podemos defini-la de acordo com as nossas circunstâncias particulares, mas antes devemos considerá-la enquanto o que desejaríamos que outros (quaisquer outros) fizessem nas nossas circunstâncias. Por outro lado, as nossas decisões devem ser a síntese unificadora das diversas influências e constrangimentos; as nossas ações, se bem que livres, devem refletir os condicionamentos que decorrem da nossa vivência em comunidade. Deste modo, a ética da liberdade absoluta não é absolutamente livre. Para ser livres temos que assumir a responsabilidade de escolher no lugar de Todos, de trabalhar para a liberdade de Todos, e agir no contexto que temos com Todos os demais.
Ou seja: mesmo a liberdade absoluta tem muito pouco do "absoluto" que anteciparíamos. Mais do que um "absoluto", a vida é um permanente compromisso - e aí, na busca de posições relativamente concordantes mais do que absolutamente finais, a Maçonaria tem muito para ensinar.
Paulo M.