14 fevereiro 2008

Discutir e conversar


A frase final do comentário de JPM/David que ontem reproduzi produziu-me alguma perplexidade. Relembro-a:

Que tal uma secção do tipo "Discutindo com o profano" (discutindo, não conversando).

A perplexidade adveio-me da dicotomia discutir-conversar e da preferência pela discussão sobre a conversa.

Normalmente (e sem grandes preocupações de precisão linguística) atribui-se ao verbo discutir um de dois significados: manifestar acaloradamente divergências de opinião; ou analisar em conjunto um assunto ou tema.

Por outro lado, o significado usual de conversar remete para uma troca descontraída de opiniões, num registo mais intimista e prazenteiro; mas também se pode utilizar o conversar como uma forma de confronto ("temos de conversar sobre o que fizeste ontem"; "recebi um telefonema sobre a tropelia que fizeste na escola e logo vamos ter uma conversa sobre isso...").

Mas, genericamente, tenho a noção de que preferencialmente se utiliza o verbo discutir para o confronto acalorado e o verbo conversar para o diálogo descontraído. Daí que tivesse estranhado a preferência por discutir relativamente a conversar...

Depois lembrei-me que, quando li o comentário de JPM/David, fiquei com a impressão que o seu autor usava o português do Brasil. É certo que, consultando o perfil de JPM/David, verifiquei que o mesmo está em Portugal. Mas isso não impede que seja oriundo do Brasil ou que esteja mais familiarizado com o português do Brasil...

Admiti portanto a hipótese de o significado preciso de discutir e de conversar ter diferentes conotações em ambos os lados do Atlântico. Não conheço suficientemente as subtilezas do português tal como é utilizado no Brasil, mas porventura ali discutir seja preferencialmente utilizado no dignificado de análise conjunta de um assunto ou um tema e conversar tenha mais ali a conotação agressiva, que só secundariamente é utilizada neste lado do Atlântico.

Ou talvez, pura e simplesmente, JPM/David quisesse enfatizar que pretende analisar com profundidade os assuntos (discutir) em vez de os abordar pela rama (conversar)...

Pela minha parte, em relação a todos os assuntos, gosto de os abordar tão seriamente quanto possível, tão aprofundadamente quanto consiga e sempre de forma pacífica, coloquial e descontraída. Ou seja, gosto de discutir os assuntos conversando, em ambos os casos utilizando as palavras nos seus significados mais benignos...

E porque trago eu aqui esta questão? Para frisar os cuidados que devemos sempre ter, quer nos mais descontraídos diálogos, quer nos mais tensos confrontos, em procurar determinar se o nosso interlocutor utiliza as palavras com o mesmo significado que nós o fazemos, sob pena de se criarem mal-entendidos que, de forma mais ou menos grave, inquinarão a troca de opiniões. Quantas e quantas vezes tenho eu assistido a acesas disputas verbais em que ambos os contendores estão afinal a dizer a mesma coisa, apenas de forma diferente...

Em qualquer troca de opiniões, devemos ter sempre um especial cuidado em determinar se o que o outro disse é efectivamente aquilo que, à primeira vista, nos pareceu que disse, ou se uma melhor e mais lúcida análise não nos fará perceber que afinal o que o outro queria dizer é bem mais cordato e bem mais concordante com a nossa própria opinião do que a aparência nos fazia crer.

Tenho para mim que o esforço persistente de, em qualquer diálogo, procurar realçar os pontos de entendimento e tentar descortinar a real existência e os reais fundamentos das discordâncias permite uma muito mais acurada consciência do que o nosso interlocutor realmente pensa e limita muitos focos de tensão. Muitas e muitas vezes é o deficiente entendimento do que é dito que nos arrasta para estéreis conflitos, em que se deixa de discutir assuntos para se passar a discutir com alguém, em que se deixa de conversar e se passa a disputar uma acalorada conversa com outrem...

No caso concreto, certamente que JPM/David não pretende discutir comigo, mas discutir assuntos ou temas comigo. E seguramente que não é seu objectivo,nem ter uma conversa agressiva comigo, nem simplesmente conversar futilmente. Mas obviamente que não desdenhará ter uma conversa descontraída e agradável, através da qual possamos confrontar opiniões e aprofundar temas, cada um se enriquecendo com os contributos do outro...

A falar nos entendemos. Mas, se não tivermos cuidado, também é a falar que nos desentendemos...

Rui Bandeira

13 fevereiro 2008

Discutindo com o profano


Em comentário ao texto A Prancha de Aprendiz, JPM/David escreveu:

Incrível como você consegue tanto escrever em trabalhos e pranchas, sem nunca nos revelar no que é que consiste no sentido prático a realização desse material. Nem uma mínima vez.

Não leve a mal estas palavras mas isto sendo um blog publico, se bem que de preferência para iniciados, esperava obter mais "luz" por assim dizer sobre o trabalho que se efectua enquanto maçon.

Confesso que isto é um nevoeiro total para mim, até porque o estado das coisas é propositadamente deixado oculto, claro.

Só um ignorante de primeira classe é que se pode indignar com o carácter discreto da maçonaria.

Mas para um profano como eu que tenta conceptualizar ou pelos menos reconhecer materialmente um mínimo o papel desempenhado pela maçonaria, e que ouve constantemente falar em ritos, iniciações, graus, trabalhos e progresso social ou intelectual com as suas prováveis influencias, vindo de gente como vocês maçons, é difícil, muito difícil, não concluir que maçonaria pode ser tudo e nada ao mesmo tempo.

Espero não me tornar em ridículo ou ter ofendido o senhor mas cada vez mais sinto uma curiosidade não pelo lado místico da maçonaria mas sim pelo lado puramente Pragmático da vossa ordem (desculpem o termo possivelmente errado).

PS: Que tal uma secção do tipo "Discutindo com o profano" (discutindo, não conversando).

Prometi-lhe uma resposta em cinco textos. Com este e mais outro, acabam por ser seis, dos quais já publiquei anteriormente quatro: Os meus Irmãos reconhecem-me como tal, O que se faz em Loja, Como se faz em Loja e Porque se vai à Loja.

Com o primeiro, penso ter esclarecido a dúvida de JPM/David sobre o que é uma prancha maçónica. Aquele texto foi uma prancha apresentada por mim em Loja. Com a exemplificação, certamente a dúvida ficou esclarecida.

Com os outros três, procurei esclarecer sobre o trabalho que se efectua enquanto maçon, o quê, como e porquê, ou seja, e utilizando a expressão de JPM/David, o lado "pragmático" da Maçonaria.

Neste texto, proponho-me responder directamente ao comentário de JPM/David, designadamente sobre o seu lamento, melhor dizendo, a sua constatação, de que um profano, apesar do (muito) que neste blogue se divulga, explica, mostra, acerca da Maçonaria, permanece dentro de um "nevoeiro" (expressão de JPM/David) em relação ao que realmente fazem os maçons, considerando mesmo que "o estado das coisas é propositadamente deixado oculto".

Já várias vezes deixei bem explícito que aquilo que a Maçonaria reserva exclusivamente para os seus membros é muito pouco, muito menos do que por aí se pensa: a identidade dos maçons que não divulgaram publicamente a sua condição, as formas de reconhecimento, as cerimónias de iniciação, passagem e elevação (e, a outro nível, as cerimónias de concessão dos Altos Graus) e o teor concreto de uma determinada reunião. E, se pensarmos bem, esta (pouca) matéria reservada justifica-se que assim seja.

A reserva de identidade de maços que não divulgaram publicamente essa condição justifica-se em face dos preconceitos que ainda impendem sobre a Maçonaria.

As formas de reconhecimento, por razões evidentes. Se fossem divulgadas eram inúteis como meio de verificação se um determinado elemento, que pessoalmente nos é desconhecido, é ou não maçon. São, no fundo, a forma, arcaica mas que o tempo provou ser eficaz, de "bilhete de identidade" do maçon. Claro que, tal como os bilhetes de identidade são falsificáveis, também há profanos que conhecem algumas das formas de identificação dos maçons. Tal como uma boa falsificação de um bilhete de identidade pode enganar alguns durante algum tempo, também o profano que conheça algumas das formas de identificação dos maçons se pode fazer passar por maçon, enganando alguns durante algum tempo. Mas, mais tarde ou mais cedo, a falsidade da sua condição acabará por ser revelada, seja porque muito dificilmente conhece todas as formas de reconhecimento que deve utilizar em todas as ocasiões e em diversas circunstâncias, seja sobretudo porque, tendo obtido ilegitimamente algumas formas de reconhecimento, com toda a probabilidade também obteve - e usará... - formas de reconhecimento que são erradas, realmente inexistentes, que nada significam e que permitem verificar que quem as usa não sabe o que está a usar... Este método funciona um pouco como o método que as empresas que elaboram e publicam mapas utilizam para defender os seus direitos de autor e poderem provar a apropriação abusiva do seu trabalho por outros: no meio dos mapas, colocam propositadamente meia dúzia de insignificantes, quase imperceptíveis e irrelevantes erros. Se alguém copiar esses mapas, copiará também esses erros e... está apanhado!

A razão da reserva sobre as cerimónias prende-se com a eficácia dos efeitos que se pretende tenham sobre aqueles que por essas cerimónias passam. Já tive oportunidade de desenvolver este assunto no texto A Iniciação (I).

Quanto o teor concreto das reuniões, a razão da sua reserva é puramente pragmática e equivalente às razões porque as empresas não divulgam o teor concreto das reuniões dos seus quadros, as associações não publicam o teor concreto das reuniões dos seus corpos directivos, os partidos políticos reservam para os seus militantes as suas reuniões deliberativas e de preparação e acerto de estratégias, a Cúria Roma não divulga o teor concreto das reuniões entre o Papa e os Cardeais e todos nós reservamos para a intimidade da nossa casa e não divulgamos a terceiros muito do que falamos entre a nossa família. Em todos os casos, não por razões condenáveis, mas porque corresponde à reserva da vida privada de pessoas e instituições. Se é assim em relação à generalidade das pessoas e instituições, não há razão para assim também não ser em relação à Maçonaria...

Fora deste limitado quadro, tudo é divulgável, publicável, explicável. E nós, aqui no blogue A Partir Pedra, consideramos que é bom, é saudável, é vantajoso para a Maçonaria e para a sociedade, que, fora do apontado e limitado quadro, se divulgue, publique e explique a Maçonaria, seus princípios, suas formas, seus objectivos, seus anseios, seus projectos, suas realizações, grandes ou pequenas, importantes ou modestas.

Como se explica, então, que como JPM/David referiu, persista o "nevoeiro" atrapalhando a visão do profano?

A resposta é simples, se JPM/Davis e restantes profanos que nos lêem e sentem a mesma frustração puserem a si próprios a seguinte pergunta: Como se descreve a um cego de nascença a cor verde?

Há coisas que só são plenamente compreendidas por quem as vive! Não é por acaso que é frequente, quando descrevemos a alguém algo que reputamos de extraordinário, de incomum, de anormal, utilizarmos a expressão Isto só visto!...

Por mais que se procure ser esclarecedor, a complexidade e a riqueza da vivência maçónica é tal que só pode ser plenamente apreendida por quem... a vive! E nem valeria a pena, sequer, por exemplo, descrever pormenorizadamente todos os gestos, actos, palavras, de, por exemplo, uma Cerimónia de Iniciação, qual guião. Seria um texto loooongo, maçador e que apenas serviria para retirar alguma surpresa e inviabilizar algum do significado da cerimónia, sem com isso permitir a apreensão da atmosfera, do ambiente, das emoções, dos efeitos que essa cerimónia, bem executada, provoca naquele que por ela passa.

No entanto, procurei, no texto A Iniciação (II) enquadrar conceptualmente esta cerimónia e assim dar a quem está de fora a possibilidade de ter alguma noção do que se faz e porque se faz. Fi-lo o melhor que pude e soube. Mas nunca conseguiria, por tal ser inexequível, transmitir para quem não passou por essa cerimónia, o acervo de emoções, sensações, sentimentos, que ela provoca e se destina a provocar. Porque... só visto!, ou melhor, só vivido, porque não é possível descrever uma cor a quem nunca viu e não tem pontos de referência que lhe permitam apreender o conceito de cor, muito menos a sua aplicação a uma cor determinada.

Isto faz com que muitos dos textos que aqui publico acabem por ter uma característica curiosa: são textos com dois níveis de entendimento. Um por quem está de fora, o outro por quem está dentro. Não imaginam a quantidade de vezes que um Irmão meu me comentou: tu, no texto tal, divulgaste tudo, ficou tudo dito... E, normalmente eu peço ao Irmão que faz esse comentário para reler o texto que apontou, não à luz do que sabe, do que viveu, do que apreendeu, mas como se ainda fosse o profano que um dia foi e verifique se com esse texto consegue chegar ao que sabe, viveu e apreendeu. E invariavelmente a resposta é que, afinal, quem não estiver por dentro do assunto, não consegue ter do texto o mesmo entendimento que aquele que o conhece.

Mas isto não é propositado. É simplesmente um facto da vida!

Para terminar, fique JPM/David descansado: não foi ridículo, não ofendeu - foi oportuno e deu pretexto para uma série de textos que espero tenham sido esclarecedores, tanto quanto possível.

E não é precisa uma secção Discutindo com o profano. Todo este blogue se destina a essa interactividade. Por isso todos os comentários são apreciados e procuramos responder. Às vezes também em comentário. Às vezes em textos suscitados por comentários havidos.

Rui Bandeira

12 fevereiro 2008

Do UM


Há dias, numa troca de correspondência electrónica, o meu interlocutor interrogava-se e interrogava-me sobre os eventuais limites ou requisitos mínimos que a Maçonaria Regular colocasse na, para ela indispensável, crença num Ser Supremo. E, indo mais longe, interrogava-se e interrogava-me sobre diversas características ou concepções da Divindade que vira na Wikipédia e se seria admitida uma concepção fluida que considerasse o Universo, ou a Energia, como Deus. No fundo, fazia, de forma mais rebuscada a pergunta que toda a Humanidade faz ao longo dos tempos: Quem ou o que é Deus, qualquer que seja o nome que se lhe dá, Ser Supremo, Criador, Grande Arquitecto do Universo, etc.?

Enviei-lhe a minha resposta. Relendo-a, achei que valeria talvez a pena deixá-la também aqui.

Não há autoridade que fixe "requisitos mínimos" para o Ser Supremo, obviamente. Até porque, a haver, teria que ser mais "suprema" que o "Supremo"... As características do Criador são as que Ele tem e que nós não sabemos quais são. Esse é parte do Mistério da Vida e da Criação...

Todas as características que viu na Wikipédia são elocubrações humanas, cada uma tão válida ou tão errada quanto a anterior.

A concepção do Criador que cada um tem é tão válida como a do parceiro do lado.
Em termos de Maçonaria, no meu entender, o que divide a corrente Regular da Liberal é a aceitação desta de ateus.

E essa diferença torna-se crucial na medida em que dela depende a razão por que se trabalha e se busca o aperfeiçoamento.

Se se é crente, então procura-se seguir o Caminho Ético determinado ou que decorre do Plano e do Objectivo da Criação. Porventura como condição necessária para uma repurificação que permita a reunificação estrutural com o Princípio Criador - o que equivalerá à Vida Eterna, ao Paraíso, enfim, às várias formas de "recompensa" que as várias religiões apresentam.

O Maçon Regular procura aperfeiçoar-se para se transcender, para se aproximar do nível superiormente ético da Divindade. Busca a superação do humano na direcção do divino. E "assim se vai da lei da morte libertando", assim não teme a Morte, etapa da Vida como o Nascimento, o Crescimento, a Maturidade. Assim crê que a Morte não é o Fim e que depois algo há. Porventura não sabe o quê, mas sente, intui, acredita que quanto mais eticamente se tiver purificado e aperfeiçoado, mais bem preparado estará, chegada a altura, para cumprir mais essa outra etapa do Ciclo da Vida e da Criação.

O ateu, porque não crê na Divindade, acredita que a Morte é o Fim e que a Vida não tem outro sentido do que passar por aqui enquanto aqui se está. Então o seu sentido ético só existe na medida em que tem utilidade ao passar e estar por aqui. É um sentido ético utilitário.

Daí o eu entender que a Maçonaria Regular e a Liberal seguem o mesmo Caminho, mas a Maçonaria Regular vai mais além do que a Liberal.

Agora, não tenho eu, nem nenhum maçon, o direito de "determinar" como é a Divindade, quais as suas características, etc. Pela simples razão de que não Sei, só Creio. E não há razão para a minha Crença ser melhor do que a de qualquer outro. Daí que o que importa é que haja Crença, que se acredite na Vida para além da Morte e que se busque o significado da Criação e da Vida, procurando transcendermo-nos das nossas humanas limitações. Um pouco que seja.

A Maçonaria Regular é um espaço aberto a todos os crentes, independentemente da sua crença. A Maçonaria Liberal é um espaço apenas ético. A Maçonaria Regular é isso e algo mais.

Se se acredita que o Universo é Deus, então, como fazemos parte do Universo, nós somos parte de Deus. Resta saber que parte... Trabalhemos então para não ser meros detritos orgânicos da Divindade, radicais livres a esmaecerem a Sua pele e procuremos antes ser moléculas úteis...

Rui Bandeira

11 fevereiro 2008

José Manuel Severino, maçon leal


José Manuel Severino era jornalista de um diário matutino. Era um aficionado da Festa Brava, sabedor e entusiasta. Partilhava esse interesse com o Grão-Mestre fundador, Fernando Teixeira e com Manuel A. G., que foi o quinto Venerável Mestre da Loja Mestre Affonso Domingues.

O José Manuel Severino chegou à Loja Mestre Affonso Domingues pela mão do Manuel A. G. e com o beneplácito do Grão-Mestre fundador. Nutria por eles grande amizade. Devotava grande lealdade a Fernando Teixeira. Aquando da crise da secessão, era Companheiro. E acompanhou aquele, juntando-se-lhe e aos demais elementos que cindiram, na Casa do Sino. Essa sua decisão foi por todos respeitada e compreendida. Afinal de contas, a relação de amizade que mantinha com Fernando Teixeira, a devoção que lhe demonstrava, tornavam natural essa opção.

Fernando Teixeira acabou por não sobreviver muito tempo depois da cisão. Com o seu desaparecimento, José Manuel Severino deixou de ter motivação para continuar onde, por simples lealdade ao seu amigo, o acompanhara. E José Manuel Severino entendeu por bem regressar à sua Loja, regressar à Loja Mestre Affonso Domingues. Quando saíra e nas circunstâncias em que saíra, tinha ficado estipulado que a porta estava sempre aberta para quem quisesse regressar, quando o quisesse fazer. José Manuel Severino fez-nos saber que, cessada a razão que o levara a sair, liberto que estava do que a Lealdade lhe ditara, pretendia que o compromisso que a Loja tomara fosse honrado.

E foi-o, sem qualquer problema! Aliás, o único problema que se pôs foi que José Manuel Severino saíra Companheiro e regressava Mestre. Que fazer? Não reconhecer a sua Elevação e tornar a efectuá-la? A decisão tomada foi judiciosa. Não fazia sentido executa de novo a Cerimónia de Elevação a Mestre do Severino. Tal como a Iniciação, o significado da Cerimónia de Elevação para aquele que a ela é submetido depende muito da surpresa. Repetir a cerimónia mais não seria do que um estéril formalismo. Por outro lado, a informação que havia era que a Cerimónia de Elevação do Severino fora executada de forma ritualmente correcta. Portanto, optou-se por efectuar uma breve cerimónia de Regularização do grau conferido ao Severino, com prestação por este de compromisso, perante a Loja, de observância dos deveres inerentes ao grau de Mestre.

E, para satisfação de todos, o José Manuel Severino regressou ao seio da Loja Mestre Affonso Domingues. Com ele, tal como com outros, se concretizava o nosso sentimento de que uma vez um dos nossos, um dos nossos para sempre!

No ano seguinte ao seu regresso, assumiu um ofício. Normalmente, daí por mais um ou dois anos ingressaria na informal “linha de sucessão” que um dia o levaria à assunção do ofício de Venerável Mestre.

Infelizmente as circunstâncias não permitiram tal. José Manuel Severino não era já um jovem. A sua saúde deteriorou-se e deixou de poder comparecer em Loja com assiduidade. Um dia de Setembro – se a memória me não falha -, chegou-nos a notícia da sua passagem ao Oriente Eterno. Nessa ocasião, era eu quem assegurava o ofício de Hospitaleiro da Loja e, portanto, coube-me a mim representá-la nas suas exéquias.

De José Manuel Severino a memória que guardo é da sua Lealdade. Lealdade que o fez sair. Lealdade que, cessada a razão que o fizera sair, o levou a regressar.

José Manuel Severino foi um dos nossos. Recordo-o como um maçon leal. E aqui como tal o evoco.

Rui Bandeira

10 fevereiro 2008

Capturar o Vento

Meus Queridos Irmãos, visitantes, leitores habituais ou ocasionais, estamos no fim, do fim de semana.

É pois um bom momento para prepararmos a semana que está a entrar, para a grande maioria uma semana de trabalho e de preocupação. Este vídeo, certamente, será mais interessante para os que já forem avós, mas a sensibilidade não tem dono, nem idade apropriada, nem sexo, nem época.

É de todos, os que forem humanos. Os outros não, claro !

Aproveitem a dar uma olhada e se sentirem alguma coisa... guardem-no e voltem a ele sempre que as dificuldades parecerem intransponiveis. Pode ser um tubo de escape interessante. A questão é, se podemos "capturar o vento", e está provado que sim, então tudo é possível. É só querermos, imaginarmos, e fazer valer a nossa vontade.

É um anúncio ? E depois ? Vale menos por causa disso ?

Não (!), se calhar até vale mais porque o ambiente e a poupança da energia são uma boa causa.

Um abraço grande. Boa semana.

JPSetúbal

08 fevereiro 2008

O cão e o coelho

O texto que hoje aqui vos deixo é uma adaptação minha de um texto, de origem desconhecida, que circula por aí. Já o recebi várias vezes. Provavelmente alguns de vós também já o receberam mais de uma vez. Mas talvez agora, sem imagens, apenas com o texto, propicie a reflexão que merece. Enquanto procurava uma imagem para ilustrar o tema, verifiquei que já vários blogues publicaram variantes deste texto. É bom sinal: é sinal que vem tocando a muita gente. Também tem lugar aqui!

Era uma vez dois vizinhos. O primeiro vizinho comprou um coelhinho para os seus filhos cuidarem e com ele brincarem. Os filhos do outro vizinho pediram então ao pai que também ele lhes arranjasse um animal para eles cuidarem e com que pudessem brincar. O pai comprou-lhes um cão, um pastor alemão.

O primeiro vizinho mostrou-se preocupado que o cão pudesse vir a comer o coelho. O segundo vizinho sossegou-o, dizendo que certamente não iria haver qualquer problema, pois adquirira o cão ainda cachorro e este iria crescer habituado com o coelho e seriam bons amigos e companheiros de brincadeira, como os filhos de ambos os vizinhos eram.

E aparentemente o dono do cão tinha razão: ambos os animais cresceram juntos e tornaram-se amigos e companheiros de brincadeira. Era normal encontrar o coelho no quintal do cão e este no daquele.

Um dia, a família que tinha o coelho foi passar o fim de semana fora e deixou ficar o coelho sozinho.

Na tarde de domingo, a família que tinha o pastor alemão viu-o, horrorizada, entrar na cozinha segurando entre os dentes o cadáver imundo, sujo de terra, do coelho. Desgostados, deram uma tareia monumental ao cão.

Diziam uns para os outros que afinal o vizinho tinha razão nos seus receios e certamente iria culpá-los e responsabilizá-los pela morte do coelho. Decidiram procurar ocultar o acto do seu cão. Lavaram o cadáver do coelho, secaram-lhe o pêlo com o secador, deixaram-no limpinho e bem parecido e assim o puseram na sua casota, no quintal do vizinho. Parecia vivo e apenas dormindo uma soneca. Talvez os vizinhos pensassem que morrera durante o sono...

Entretanto, o cão, abandonado a um canto, desprezado, lambia tristemente as feridas e as pisaduras que sofrera com a grande sova que levara.

Pouco depois, sentiram chegar, regressada da viagem de fim de semana, a família dona do coelho. E alguns minutos após, ouviram as crianças a gritar. Já viram o coelho! - pensaram.

Cinco minutos depois, o vizinho batia-lhes à porta. Estava assustado. Parecia que tinha visto um fantasma. Estava branco como a cal da parede...

- O que foi? Que cara é essa?

- O coelho, o coelho...!

- Que tem o coelho?

- Morreu...!

- Morreu? Ainda hoje de manhã parecia tão bem...

- Morreu na sexta-feira!

- Na sexta???

- As crianças enterraram-no ao fundo do quintal, antes de partirmos de fim de semana. E agora reapareceu na casota, lavado e limpinho...!

A história termina aqui. O que aconteceu depois não importa! Mas a grande personagem da história é o pastor alemão. Imaginem-no, procurando ansiosamente desde sexta-feira o seu amiguinho coelho. Finalmente, na tarde de domingo, graças ao seu faro, encontrou o local onde estava enterrado. Escava-o, retira de lá o corpo do coelho e leva-o aos donos, talvez confiante e esperançado em que estes o conseguissem reanimar e fazer reviver...

Mas estes, que fizeram? Julgaram pelas aparências. Ignoraram todo o tempo de concórdia entre os dois animais. Julgaram! E julgaram mal! Porque não julgaram com todos os factos, antes com os seus preconceitos! Mas não se coibiram de julgar, de condenar e de castigar...

Quantas vezes tiramos conclusões erradas das situações, julgando-nos donos da verdade! E quantas vezes esse nosso injusto julgamento prejudica, fere alguém, assim vítima da nossa injustiça?

Que esta pequena história venha à mente de quem a ler sempre que estiver à beira de fazer um juízo precipitado e, talvez, injusto. E o faça respirar fundo, pensar melhor, informar-se mais, ponderar toda a informação. E continuará a poder então decidir! Porventura um pouco de calma e ponderação evitarão injustiças causadas por precipitação. E, afinal de contas, se houver culpados a punir, não serão mais uns momentos de ponderação, mais umas diligências de confirmação ou obtenção de dados, que impedirão a punição, agora com maior certeza de que não será injusta!

Rui Bandeira

07 fevereiro 2008

Porque se vai à Loja


A pergunta sobre as razões porque os maçons vão à Loja, gastando tempo que, não fora essa utilização, dedicariam à sua família, ao lazer ou a outras actividades a que se dediquem, tem tantas respostas quantos os maçons. Em boa verdade, cada um tem as suas razões para ir à Loja.

Uns vão em busca do conhecimento, dos ensinamentos que a Maçonaria proporciona.

Outros buscam o convívio, rever os seus Irmãos, com eles estar e partilhar um ágape, em amena cavaqueira.

Outros ainda procuram na Loja a estrutura que corresponde aos seus anseios de serem úteis à Sociedade e aos seus semelhantes, utilizando a Loja como meio de enquadramento da sua vontade de devolver à Sociedade um pouco do que esta lhes proporciona.

Também há os que vão à Loja simplesmente cumprir o seu dever de maçons, assegurar o cumprimento das obrigações que assumiram, efectuar as tarefas cuja execução assumiram.

Há também aqueles que, na Loja, no seu espaço, nos seus símbolos, no seu ritual, encontram espaços e tempos de comunhão com o Divino, com o Transcendente.

E existem também aqueles que anseiam por uns momentos de simples e pacata Paz, que procuram a companhia de seus Irmãos e a sua estada no espaço do Templo com confiança, encontrando um oásis de segurança e comunhão, que os compensam das agruras, dos desafios, da tensão da sua vida do dia a dia.

E outros buscarão coisas e estados e espaços diferentes.

O que a Loja tem afinal, de extraordinário é uma infinita capacidade de proporcionar a cada um o porto de abrigo, o espaço de segurança, o caminho de busca, o tempo de convívio, a estrutura de actividade ou contemplação ou investigação ou busca que cada um necessita.

O que, no fundo, a Loja é, é um espaço de suprema Liberdade e Tolerância, em que cada um pode realizar-se e deixar os outros realizar-se, cada um à sua maneira e segundo as suas características e necessidades. É um espaço de cooperação, em que cada um contribui para a realização e melhoria dos outros, beneficiando ele próprio do contributo dos demais. É um ponto de encontro, simultaneamente ponto de partida e encruzilhada de variegados interesses individuais, que constituem um rico interesse colectivo. É a bissectriz do individual e do colectivo, de tal forma equilibrada que permite que ambos cresçam e cooperem e mutuamente se alimentem. É, em suma, a Utopia possível, a concretização do inconcretizável, equilíbrio instavelmente estável de múltiplos interesses e egoísmos, numa matriz que a todos enquadra satisfatoriamente. É um delicado bordado de mil linhas e infinitas cores, executado por inúmeras mãos, extraordinariamente resultando numa harmoniosa composição. É tudo isto e ainda mais o que cada um quiser, desde que respeite os interesses e anseios dos demais e do conjunto por todos constituído.

Esta singular plasticidade da Loja faz dela um duradouro cimento que une homens de diferentes temperamentos, de diversas gerações, de divergentes culturas, de separadas religiões, de conflituantes convicções, gerando laços de solidariedade e confiança que imutavelmente duram há centenas de anos.

É por isso que sempre se marca bem, sempre da mesma forma, sempre com o mesmo ritual, a abertura dos trabalhos, delimitando invisível mas sensivelmente o espaço e o tempo e a cumplicidade da Loja e dos seus elementos em relação a tudo e a todos que lhes é exterior. É por isso que, findos os trabalhos, de novo, sempre e da mesma forma, se executa um ritual de encerramento, que marca o fechar e preservar desse espaço e tempo e cumplicidade próprios e exclusivos, preparando cada um para voltar a actuar no mundo exterior, só que mais forte, mais sabedor, mais capaz de ver beleza onde o olhar comum nada de especial vê.

A Loja é um espaço onde cada um dá o que pode e vai buscar o que necessita.

É por isso que cada um sabe porque vai à Loja e, afinal, existem tantas razões para um maçon ir à Loja como maçons existem à face da Terra.

Rui Bandeira