01 fevereiro 2008

A janela


Hoje, e antes de uma pausa, motivada por ausência minha até quarta-feira, publico mais uma história, de autor desconhecido, que me chegou por correio electrónico, por mim editada e adaptada

Dois homens, ambos gravemente doentes, estavam no mesmo quarto de hospital. Um deles podia sentar-se na sua cama durante uma hora, todas as tardes, para que os fluidos circulassem nos seus pulmões. A sua cama estava junto da única janela do quarto. O outro homem tinha de ficar sempre deitado de costas.

Os homens conversavam horas a fio. Falavam das suas mulheres, das famílias, das suas casas, dos seus empregos, onde tinham passado as férias. E todas as tardes, quando o homem da cama perto da janela se sentava, passava o tempo a descrever ao seu companheiro de quarto todas as coisas que conseguia ver do lado de fora da janela.

O homem da cama do lado começou a viver à espera desses períodos de uma hora, em que o seu mundo era alargado e animado por toda a actividade e cor do mundo do lado de fora da janela.

O homem da cama perto da janela descrevia que esta dava para um parque com um lindo lago. Patos e cisnes chapinhavam na água enquanto as crianças brincavam com os seus barquinhos. Jovens namorados caminhavam de braço dado por entre as flores de todas as cores do arco-íris. Árvores velhas e enormes acariciavam a paisagem e uma ténue vista da silhueta da cidade podia ser vislumbrada no horizonte. Enquanto o homem da cama perto da janela descrevia isto tudo com
extraordinário pormenor, o homem no outro lado do quarto fechava os seus olhos e imaginava as pitorescas cenas.

Um dia, o homem perto da janela descreveu um desfile que ia a passar. Embora o outro homem não conseguisse ouvir a banda, conseguia vê-la e ouvi-la na sua mente, enquanto o outro senhor a retratava através de palavras bastante descritivas.

Dias e semanas passaram. Uma manhã , quando a enfermeira chegou ao quarto, encontrou o corpo sem vida do homem perto da janela, que tinha falecido calmamente enquanto dormia.

Logo que lhe pareceu apropriado, o outro homem perguntou se podia ser colocado na cama perto da janela. A enfermeira disse logo que sim e fez a troca. Lentamente, e cheio de dores, o homem ergueu-se, apoiado no cotovelo, para contemplar o mundo lá fora. Fez um grande esforço e lentamente olhou para o lado de fora da janela que dava, afinal, para uma parede de tijolo!

O homem perguntou à enfermeira o que teria feito com que o seu falecido companheiro de quarto lhe tivesse descrito coisas tão maravilhosas do lado de fora da janela. A enfermeira respondeu que o homem era cego e nem sequer conseguia ver a parede. Talvez quisesse apenas dar-lhe coragem...

Moral da história: há uma felicidade tremenda em fazer os outros felizes, apesar dos nossos próprios problemas. A dor partilhada é metade da tristeza, mas a felicidade, quando partilhada, é dobrada.

Façam o favor de ser felizes... e ajudem à felicidade de quem os rodeia!

Rui Bandeira

31 janeiro 2008

O Lançamento de "As Pedras do Vau"


Ocorreu ontem a sessão de lançamento do livro de poesia As Pedras do Vau, da autoria de Martin Guia, o actual Grão-Mestre da GLLP/GLRP.

A Sala de Ambito Cultural do El Corte Inglés foi demasiado pequena para acomodar as centenas de interessados que compareceram. No decorrer da sessão, vários dos poemas do livro foram ditos por Carmen Filomena, daniel Ribeiro, Ellys Almeida, Eunice Santos, Francisco Queiroz, Hermínia Tojal, José Fanha e Mário Máximo, as vozes que declamam todos os poemas do livro, disponíveis em 2 CD's que acompanham o volume. As Pedras do Vau podem, ser lidas ou ouvidas, ou ainda simultaneamente lidas e ouvidas. A qualidade das declamações muito valoriza os textos.

Como eu previa, Martin Guia deve hoje estar em trabalhos de recuperação dos músculos do braço e mão direitos, tantos foram os autógrafos que teve ontem de conceder.

Os poemas do livro espelham a sensibilidade e afectuosidade do poeta, mas também o seu sentido de humor e a sua ironia e ainda a força da sua indignação. Vale bem a pena ler - e ouvir - este livro!

Solicitei, e obtive, de Martin Guia autorização para aqui publicar um dos poemas. Pedi-lhe que escolhesse qual. Escolheu um forte poema com palavras de amarga e desiludida indignação. Hesitou. Temeu que seja demasiado forte. Deu-me a liberdade de escolher eu. Abuso! Vou publicar aqui, não um, mas dois poemas. Primeiro, um escolhido por mim, ilustrativo da ironia do poeta. Depois, o forte poema que ele escolheu.

Apreciem:

Ajoelham, rezam

Ajoelham, rezam
e dizem que tudo dão
para irem parar ao Céu...

mas se lhes dissermos
que quase já lá estão,

gritam Ai Jesus

e fogem dele

como o Diabo da Cruz!

E agora este:

Atocha

El Pozo, Santa Eugenia, ATOCHA, Téllez
Madrid dois mil e quatro, Março onze,
a las siete y media de la mañana...,

Tantos, tantos mortos!

Paseo de Gracias,
Barcelona, dois mil e quatro, Março doze,
a las siete de la tarde

concentração..., comigo somos
quinhentos mil mais um milhão...

... ouvindo:

silencio por favor...
esta es una manifestación unitaria
por favor, silencio... silencio por favor!

Quanto mais silêncio se rogava
mais o Povo gritava:

asesinos, asesinos, asesinos,
asesinos, asesinos, asesinos...

e porque de assassinos se tratava
nesse estrondoso silêncio
mais o Povo gritava:

hijos de puta, hijos de puta,
hijos de puta, hijos de puta...

porque de filhos de puta se tratava!

Também alguns tímidos (para alguns ex-temidos):

el povo unido jamas sera vencido,
el povo unido jamas sera vencido.

A eterna pretensão do eterno vencido!

No al terrorismo, no al terrorismo,
paz si, guerra no, paz si, guerra no,
No al terrorismo, no al terrorismo,
paz si, guerra no, paz si, guerra no,

como se
no abismo deste mundo de massa divisível
a paz total fosse possível...

Novos, velhos, ricos, pobres,
políticos, padres, freiras,
guardas civis, estadistas,
paralíticos, juristas, rameiras,
licenciados, jubilados,
bem fadados, mal fadados...

... todos...

mãos abertas a acenar, braços levantados,
... tais pombas de paz...

num estertor de revolta
a chorar um isto não se faz,

seus filhos da puta... isto não se faz!

Todos unidos, mas já todos desunidos,

na triste graça
de só na desgraça nos aliarmos...
...enquanto dela nos lembrarmos!

E é por estas e por outras que temos na Terra

a merda da guerra,

a puta da luta

e os filhos da puta dos filhos da puta!

Lido, este poema impressiona. Soberbamente dito por José Fanha, num dos CD's, ressuma de força!

O livro e os dois CD's foram editados pela editora Diário de Bordo. Pode ser adquirido na secção de livraria do El Corte Inglés e nas boas livrarias. Vale a pena! Esta amostra é elucidativa!

Rui Bandeira

30 janeiro 2008

Como se faz em Loja

Na minha opinião, o traço distintivo da Maçonaria, o que lhe confere uma identidade única enquanto fraternidade, é a forma como se processa a interacção entre os seus membros e como decorrem as reuniões de Loja.

Já no texto O que se faz em Loja dei conta que todas as reuniões se iniciam com a execução de um ritual de abertura. Tal marca a fronteira, a passagem do bulício da vida quotidiana para a concentração dos trabalhos em Loja. Todos e cada um dos obreiros, com a sua participação no ritual, interiorizam que se vai passar a estar num ambiente diferente, que, por um lado, impõe o cumprimento de regras específicas e, por outro, permite uma postura menos defensiva por todos.

Concentração, colaboração, tolerância, respeito pelo outro e opiniões alheias, ordem, são posturas tão indispensáveis, tão presentes, que rapidamente por todos são interiorizadas e praticadas. Esta postura não prejudica a afirmação das opiniões de cada um nem a expressão de eventuais discordâncias. Nem sequer anula a possível existência de conflitos. Mas permite que cada um expresse em paz e sossego as suas opiniões, dê o seu contributo, concorde ou discorde. Permite que os conflitos se resolvam ou sejam tratados com elevação. Permite e propicia que se discutam ideias, opiniões, não pessoas e características pessoais. Permite que o que cada um afirma seja analisado, discutido, julgado, pelo seu valor, pela sua pertinência, não por ter sido dito por quem o disse, por se gostar ou não gostar de quem o disse. E permite discordar, veementemente se necessário, do que outrem afirmou, sem que tal discordância, veemente embora, seja tomada como ataque pessoal.

Em Loja, a comunicação entre obreiros segue regras simples, rígidas, claras e precisas. Rapidamente aquele que acabou de chegar ao grupo as identifica. E o estrito cumprimento dessas regras conduz à redução de atritos, à boa ordem dos trabalhos, à eficácia, à colaboração. Permite que das ideias de cada um se aproveite o melhor e que a deliberação global seja, portanto, melhor, mais esclarecida, mais aceite, do que as ideias individualmente expressas. Propicia consensos. E, quando estes não são possíveis, permite que todos entendam porque se optou pela solução escolhida, em função de que argumentos se decide o que se decide.

Essas regras não são muitas, são até talvez intuitivas, mas a sua prossecução facilita em muito o processo de discussão e de tomada de decisão, gera a confiança mútua e, por via desta, cria laços de cumplicidade e solidariedade incomuns. Seguir estas regras não deveria ser exclusivo da Maçonaria, porventura não o será. Mas não as vejo comummente seguidas em mais nenhum lado. E eu gostaria, todos os maçons gostariam, que fossem naturalmente prosseguidas em tantos lados, em tantas organizações, quanto possível. Seguramente que a nossa Sociedade melhoraria um pouco...

A primeira das regras é que, salvo movimentações especificamente determinadas pelo ritual, uma vez que cada um tomou o seu lugar, ninguém se movimenta pela sala sem para tal estar autorizado pelo Venerável Mestre e sem ser acompanhado, melhor dito, conduzido por um Oficial da Loja que assume essa como uma das suas missões específicas - o Mestre de Cerimónias. Assim, não há ajuntamentos, não se criam grupos em função de posições em discussão. Cada um tem o seu lugar e permanece no seu lugar. Por si só, esta simples regra induz uma noção de ordem, de sossego, de calma, que obviamente muito ajuda à eficácia dos trabalhos e à prevenção de conflitos.

A segunda das regras é que cada um só intervém apenas e só quando a palavra lhe é concedida. Não se interrompe ninguém! O único elemento que pode interromper qualquer obreiro que esteja no uso da palavra (até o Venerável Mestre!) é o Orador, oficial da Loja cuja função é zelar pela regularidade dos trabalhos, pela preservação do ritual, pelo cumprimento das regras. Só ele pode interromper, assinalando uma falha, uma falta ou um desvio. E a sua intervenção não tem discussão. É acatada e nada mais! Se o não for, ao faltoso é, pura e simplesmente, retirada a palavra! Quando um obreiro pretende usar da palavra, assinala essa intenção com um específico gesto do braço. O Vigilante da coluna respectiva, quando o obreiro que estiver no uso da palavra tiver terminado, informará que existem na sua coluna obreiros que pretendem usar da palavra e esta ser-lhes-á concedida, por ordem de solicitação, sempre mediante prévia anuência do Venerável Mestre. Com o cumprimento desta regra, não há atropelos, não há interrupções, cada um pode, livre e calmamente, exprimir o seu pensamento. Poderá a outro obreiro parecer que quem usa a palavra está a dizer o maior disparate do Mundo. Mas tal não legitima que ele seja interrompido, que não possa expor até ao fim a sua ideia. Depois, poderá quem discorda manifestar-se e justificar porque considera a ideia exposta o maior disparate do Mundo...

A terceira regra é que cada obreiro se dirige ao Venerável Mestre e, através deste, à assembleia, nunca a um outro obreiro em particular. Não há discussões privadas, não há duelos individuais. Há apenas e tão só a exposição e defesa de ideias perante todos. É impressionante como o cumprimento desta regra agiliza a discussão séria de qualquer assunto!

A quarta regra é que se discutem ideias, não pessoas. O obreiro com que eu mais antipatizo pode ter a mais brilhante das ideias. O obreiro que me é mais próximo pode ter uma ideia péssima. Concordar com a primeira não me obriga, por si só, a passar a simpatizar com o seu autor. E discordar de uma ideia só porque não gosto do seu autor, é pura e simplesmente estúpido! E uma relação de especial amizade com alguém não me obriga a concordar com uma sua ideia que seja errada e não me desobriga de assinalar o erro. Pensar, debater e agir racionalmente, esse o objectivo.

A quinta regra é que, em relação a cada assunto, cada obreiro intervém apenas uma vez. Excepcionalmente, se a complexidade do assunto ou o rumo do debate o aconselhar, o Venerável Mestre pode autorizar uma segunda ronda de intervenções. Mas chega e é só. Consegue-se assim debater um tema e chegar a uma conclusão num tempo razoável. Cada um expõe as suas ideias, estão expostas. Só raramente surgirá a necessidade de quem já falou clarificar, aprofundar, o seu pensamento (ou,em função do debate, expressar a modificação da sua posição). Não é útil o repisar de posições, a insistência no que já se disse. Todos ouviram à primeira...

A sexta regra é conhecida: não se discute em Loja política ou religião. Mesmo com toda a tolerância, com todos os cuidados, é melhor prevenir que remediar... E, afinal, a religião de cada um é com cada qual e cada um tem direito a ter as suas opções políticas sem que ninguém tenha nada com isso...

O simples cumprimento destas intuitivas regras (porque será que é tão raro que assim se veja?) permite chegar, em prazos razoáveis, às melhores soluções ou conclusões possíveis, sem ferir pessoas ou os seus sentimentos, propiciando consensos.

E destas discussões efectivamente nasce a luz! E assim, com os sérios contributos de todos, se reforçam os laços de amizade e de fraternidade. E assim cada vez é mais fácil discutir, sem traumas, sem desconfianças, temas cada vez mais sensíveis ou complexos. E assim obtemos os nossos consensos com alegria e assentamos nas nossas discordâncias sem azedume. Porque, sempre!, cada um de nós, acima de tudo, respeita as opiniões alheias e vê as próprias respeitadas, tolera os erros ou as diferenças alheias, como vê os seus próprios erros e idiossincrasias tolerados.

Como se faz em Loja? Com ordem, com regras, com respeito, com tolerância. Em suma, com Harmonia!

Rui Bandeira

29 janeiro 2008

O que se faz em Loja

Talvez a pergunta que mais vezes não maçons fazem a maçons seja: "afinal o que é que os maçons fazem nas reuniões?". Subjacente a esta pergunta está, muitas vezes, o pressuposto de que os maçons certamente levam a cabo secretas, mirabolantes e tortuosas actividades. Como todos os pressupostos infundamentados, que assim mais não são do que preconceitos, este não se aproxima, sequer minimamente, da realidade, que é muito mais simples e prosaica.

Há duas partes das reuniões de uma Loja Maçónica que são sempre fixas e iguais: a abertura e o encerramento, que se processam executando os respectivos rituais. São sempre as mesmas palavras, gestos e actos, que se repetem, reunião a reunião.

Com o ritual de abertura, efectua-se a transição entre a vida exterior, os afazeres pessoais e profissionais de cada um, e o labor de um grupo restrito, focado e fraternal. Assim se processa a concentração de todos e de cada um no trabalho que se vai realizar. Assim se cria a atmosfera de concentração, confiança e harmonia que deve envolver os trabalhos que se vão efectuar na reunião.

Com o ritual de encerramento, efectua-se a transição entre os trabalhos realizados e o prosseguimento da vida em sociedade. Assim se efectua o processo de retorno à vida do dia a dia. Assim se relembra que se vai sair de um círculo restrito, onde impera a confiança e a harmonia, rumo ao cadinho social onde todos nos inserimos, com todos os seus desafios, conflitos e necessidade de se estar com as defesas em guarda.

Entre os dois rituais, de abertura e encerramento, processa-se a verdadeira reunião, que pode, basicamente, ter como objecto trabalho ritual (iniciação de profano, passagem ou elevação de maçons a graus mais adiantados), trabalho de formação (apresentação e discussão de pranchas), trabalho administrativo (organização interna da Loja, arquivos, quotas, etc.) ou trabalho organizativo (de projectos ou actividades em curso ou a levar a cabo).

O trabalho ritual efectua-se executando, em palavras, gestos e actos, o ritual da cerimónia que se realiza. Cada um dos Oficiais de Loja tem uma função determinada, que executa. Quem não tem intervenção na execução do ritual, seja em que qualidade for, assiste.

O trabalho de formação consiste na apresentação e discussão dos variados trabalhos que os maçons efectuam. Em regra, textos, mas podendo ser trabalhos de outra natureza: música, pintura ou escultura, construção de artefactos, trabalhos fotográficos ou audiovisuais, enfim, tudo o que um maçon se tenha sentido com capacidade para criar e que possa contribuir para o seu aperfeiçoamento e o de seus Irmãos. Com este tipo de trabalho, busca-se atingir o objectivo primeiro dos maçons: melhorar, aperfeiçoar-se, crescer intelectual, moral e espiritualmente.

O trabalho administrativo é o mal necessário, a execução das tarefas que bem gostaríamos de não precisar fazer, mas que têm que ser feitas: determinar e debater todos os aspectos organizativos da Loja; tomar conhecimento da correspondência e providenciar quanto a ela; tomar conhecimento de comunicações de outras Lojas e da Grande Loja e determinar as providências a tomar; providenciar quanto ao arquivo, ao quadro de obreiros, à vida financeira e económica da Loja. Embora haja Oficiais cuja função é assegurar a execução diária das tarefas desta natureza (o Secretário, o Tesoureiro, o Arquivista), vai havendo necessidade de algumas decisões serem tomadas pela Loja ou de a Loja ser informada das decisões tomadas pelos Oficiais e dos procedimentos e escolhas por estes efectuados.

Finalmente, o trabalho organizativo é aquele cujos resultados podem ser apreendidos exteriormente à Loja. Por vezes, apenas nas famílias e amigos dos obreiros da loja, por vezes em círculos mais amplos ou na sociedade em geral. Ao longo do ano, as Lojas organizam diversos eventos, desde reuniões, passeios ou visitas, a organização de colóquios, conferências ou debates, desde efectivação de campanhas de recolha de fundos para solidariedade a campanhas de efectivação directa de actos de solidariedade. No caso da Loja Mestre Affonso Domingues, esta tem efectuado, com regularidade, acções de doação de sangue, por vezes isoladamente, por vezes em colaboração com um grupo de escoteiros, organiza anualmente um leilão para recolha de fundos, procede à entrega de bens, adquiridos com os fundos obtidos, que a associação ou associações de solidariedade em cada momento apoiadas(s) indiquem como sendo os que maior utilidade no momento lhe(s) trazem, efectua contactos e visitas a outras Lojas e organiza a recepção a outras Lojas (particularmente em relação às duas Lojas com que está geminada, a Fraternidade Atlântica, da GLNF, e a Rigor, da GLLP/GLRP, organiza e efectua viagens e visitas a monumentos, museus e outros locais de interesse histórico, monumental, artístico ou cultural (nos últimos anos, e a título de exemplo, o Mosteiro da Batalha, o Convento de Cristo, a Zona Histórica de Santarém, Castelo Rodrigo, a Sinagoga de Lisboa), entre outras actividades e iniciativas, muitas vezes com início no voluntarismo de algum Irmão, que os demais acompanham, auxiliam ou em que colaboram.

Como se vê, o que se faz em Loja é muito mais prosaico do que concebe a imaginação, por vezes demasiado fértil, de quem está de fora. No fundo, em Loja faz-se o que se faz em qualquer outra agremiação: trata-se da organização interna, da prossecução dos objectivos próprios e cuida-se dos eventos que se leva a cabo.

O principal objectivo da Maçonaria é o aperfeiçoamento individual dos seus membros, fazer de homens bons homens melhores e, pelo reflexo desses aperfeiçoamentos individuais, contribuir para a melhoria da Sociedade. Cada reunião é mais um passo nessa caminhada, uma gota de suor nesse esforço, um tijolo nessa construção.

Desapontadoramente simples e normal, talvez. Talvez dessa simplicidade e normalidade decorra a dúvida de que efectivamente seja SÓ assim. Percebo e compreendo o cepticismo que, afinal, radica num tácito elogio à Maçonaria. Esse cepticismo decorre da perplexidade: "Mas afinal se é só isso que se faz nas reuniões de Loja, o que torna a Maçonaria tão especial, qual o cimento que liga os seus membros, o que os faz retirar tempo às suas famílias, aos seus negócios, aos seus afazeres e ócios, para irem fazer só isso?"

A resposta não está tanto no que se faz , mas em COMO se faz e PORQUE se faz. Mas essas são já matérias para os próximos dois textos...

Rui Bandeira

28 janeiro 2008

As pedras do vau


O Muito Respeitável e Respeitado Grão-Mestre da GLLP/GLRP, o nosso querido Irmão Mário Martin Guia, vai publicar mais um livro de poesia.

O seu título, já o leram acima, é As pedras do vau e o seu lançamento vai ocorrer na próxima quarta-feira, dia 30 de Janeiro, pelas 18 horas e 30 minutos, na Sala de Âmbito Cultural, situada no piso 7 do espaço comercial El Corte Inglés, em Lisboa.

O Muito Respeitável Grão-Mestre da GLLP/GLRP é um poeta, um maçon e, em ambas as qualidades, um homem do século XXI. O seu livro, para além dos habituais textos impressos, contém também dois CD's com todos os poemas.

Uma boa decisão: a poesia de Mário Martin Guia pode assim ser apreciada, quer calmamente sentados no sofá e folheando o livro, quer em frente ao monitor do computador, clicando com o "rato". O Mário realmente não quer que nos falte nada!

Se nenhum impedimento de última hora não sobrevier, quarta-feira lá estarei e, como eu, certamente muitos outros. O Mário vai ficar com a mão cansada de tantos autógrafos que vai ter de dar...

Apareçam. Estão todos convidados!

Rui Bandeira

25 janeiro 2008

Arroz e flores


Mais uma história para reflectir. Mais uma pequena história que recebi por correio electrónico. O texto é pequeno. Mas os textos são como os homens: não se medem aos palmos! Não é preciso mais para nos dar que meditar.


Um homem estava a colocar flores na campa de um parente quando, ao seu lado, na campa vizinha, um chinês colocou um prato de arroz.


Voltando-se para ele o homem perguntou:


- Você acredita que o defunto comerá o arroz?


- Sim! – respondeu o chinês…- Quando o seu familiar defunto vier cheirar as suas flores...


Moral da História:


Respeitar as opções do outro, é uma das maiores virtudes que um ser humano pode ter. As pessoas são diferentes, actuam e pensam de modo diverso.


Não julgue! ............ Simplesmente COMPREENDA.


Rui Bandeira

24 janeiro 2008

Eduardo Gonçalves, maçon exemplar


Foi um Mestre discreto. Ocupava sossegadamente o seu lugar numa das colunas. Raramente intervinha. Quando o fazia, as suas palavras eram parcas, as suas ideias ponderadas, o seu tom tranquilo. Que me lembre, nunca foi designado Oficial da Loja. Mas algumas vezes exerceu ofícios, em substituição de titular impedido de comparecer. Sempre com naturalidade e acerto. Sem nunca se procurar evidenciar, mas sem nunca deixar de dar a sua colaboração, de forma correcta e eficiente.

Foi dos Maçons que mais me marcou. Pela dedicação. Pela postura. Pela serenidade.

Eduardo Gonçalves era médico. Em Moura. Aí chegara a exercer as funções de Delegado de Saúde. Raramente deixava de comparecer a uma sessão. De Moura a Lisboa eram e são mais de 200 Km. De Lisboa a Moura a distância não diminuía e não diminui. Mas o Eduardo raramente deixava de fazer esses mais de 400 Km, ida e volta, para vir participar nas reuniões da Loja Mestre Affonso Domingues. Aos sábados ainda era como o outro, a reunião era ao fim da tarde, depois havia e há o ágape e, findo este, lá o Eduardo regressava a Moura, já noite dentro. Às quartas-feiras era certamente pior. A reunião era e é à noite, depois ainda havia e há o ágape e era já madrugada quando o Eduardo iniciava o regresso à sua Moura encantada. Mas raramente faltava! Vinha e estava connosco, arrostando incómodos bem mais duros, efectuando viagens bem mais longas do que muitos outros, que justificavam ausências com bem mais reduzidas distâncias. Incluindo eu próprio...

Muitas vezes passava as reuniões inteiras sem abrir a boca, apenas ouvindo, por vezes sorrindo levemente, sempre concentrado no que se passava. E eu no segredo dos meus pensamentos admirava aquele maçon discreto que tantas vezes fazia mais de 400 Km de viagens só para estar com seus Irmãos, calado, sossegado, discreto, sereno. E, no meu íntimo, perguntava-me o que levava o Eduardo a assim proceder. Passaram-se anos até que eu entendesse. Aliás, já há algum tempo que o Eduardo deixara de estar entre nós quando o consegui entender. Foi um outro Irmão, o José A. R., um Mestre que as circunstâncias da sua vida só raramente permitem que compareça às reuniões da Loja, que um dia, repentinamente, me fez compreender. Disse-me ele, certa vez, em jeito de desabafo, que era capaz, sem qualquer esforço, de passar as reuniões inteiras da Loja sem nada dizer, sem intervir, apenas ouvindo, apenas gozando a Paz que emanava de uma reunião maçónica, apenas fruindo a ligação com o Transcendente que sentia durante as reuniões, apenas desfrutando da calma e serenidade que uma reunião da Loja lhe transmitia. Mais me disse ainda o José A. R. que, por ele, ficaria muito satisfeito com uma reunião em que apenas se executasse os rituais de abertura e de encerramento e que, entre eles, apenas houvesse um período de calmo silêncio ou, quando muito, um período sem palavras ouvindo-se apenas a música proporcionada pelo Mestre Organista. Foi então, anos depois da sua morte, que verdadeiramente compreendi o Eduardo Gonçalves. Era isto mesmo que ele buscava nas reuniões da Loja: a calma, a serenidade, o carregar da bateria emocional, que lhe proporcionavam as reuniões da Loja.

A partir de certa altura, porém, o Eduardo começou a ser menos assíduo. A sua saúde deteriorava-se. O Eduardo fumava. Muito. Apesar de ser médico. Neste aspecto, era o exemplo do dito Bem prega Frei Tomás, faz o que ele diz, não faças o que ele faz... Este seu vício minou-lhe a saúde e o cancro do pulmão acabou por o afastar de nós. Pergunto-me durante quanto tempo ele, médico, sabendo a doença que o consumia e que o haveria de vitimar, como vitimou, esteve placidamente sentado entre nós, calado, por vezes sorrindo levemente, apenas gozando a serenidade de uma reunião de Irmãos. Só quando a doença o começou a vergar viemos a saber o mal que o apoquentava. Nunca da sua boca saiu uma queixa, dos seus lábios se ouviu um lamento, da sua garganta saiu um som de revolta. O Eduardo viveu a sua doença com a serenidade que o caracterizou.

Nos ágapes, o Eduardo era sempre boa companhia. Não que falasse muito. Mas sabia ouvir e, quando falava, falava sempre acertado. E mostrava um sentido de humor, pontuado por uma discreta ironia, que sempre me fizeram apreciar muito a sua companhia.

Eduardo Gonçalves foi um médico ao jeito de João Semana, que deixou saudades na sua Moura. Foi um maçon discreto e assíduo, que fez aquilo que um maçon deve fazer: aproveitar o grupo para o seu benefício espiritual e dar o seu contributo, discreto mas sempre valioso, a esse mesmo grupo, em benefício dos demais.

Tenho saudades do Eduardo. Ainda hoje, quando me sento no meu lugar numa das colunas da Loja e relanceio o olhar pela sala, imagino ver, placidamente sentado do outro lado, sereno e com um leve sorriso nos lábios, o Eduardo. E, pensando bem, talvez ele continue a lá estar. Eu é que não o vejo... E, do alto das minhas já ultrapassadas cinco décadas de vida, dou por mim, por vezes, a pensar que quando eu for grande, quero ser como o Eduardo...

E hoje aqui lembrar o Eduardo faz-me sentir muito bem. Os que o conheceram, sentem-se mais ricos por o terem conhecido. Essa é uma das características de quem aproveitou bem o seu tempo de passagem por este mundo. E sem dúvida que esse foi o caso do Eduardo Gonçalves, um maçon exemplar que a Loja Mestre Affonso Domingues teve a fortuna de ter tido no seu seio, que eu tive a felicidade de conhecer e que tenho orgulho em aqui evocar.

Rui Bandeira