Maçonaria e Poder (VIII)
Nunca a Maçonaria americana, até hoje, teve uma organização central nacional. Em cada Estado existe uma Grande Loja, soberana maçonicamente nesse Estado, independente e igual das restantes Grandes Lojas. É um reflexo e consequência da grande autonomia de cada Loja, conforme hábito adquirido desde os tempos da colonização do território norte-americano.
Não existe, assim, um Poder maçónico federal, correspondente ao Poder federal americano. Cada Grande Loja atua ao nível do seu Estado - e é tudo. E cada Grande Loja não interfere nas competências e atribuições das outras Grandes Lojas. Para o bem e para o mal!
A independência recíproca das Grandes Lojas e das Lojas americanas quase sempre impediu posições consensuais em relação às grandes questões políticas americanas. Aquando da Guerra Civil americana, as Grandes Lojas estaduais alinhavam-se pelos respetivos Estados. Houve combatentes em ambos os lados da barricada. Albert Pike, um proeminente maçom, autor de uma obra de referência sobre o Rito Escocês Antigo e Aceite, foi um general confederado. No Norte, Abraham Lincoln e Ulysses S. Grant, foram também maçons.
Também na questão racial, a Maçonaria americana institucionalmente não teve - e ainda não tem - uma posição comum. Nos Estados Unidos, a maçonaria foi fundada e implantada por colonos brancos. Durante muito tempo, negros (não apenas os escravos que, logo, não eram homens livres nas suas pessoas) não eram admitidos nas Lojas.
No entanto, já em 6 de março de 1775, antes da Independência americana, Prince Hall, um negro livre, abolicionista e ativista dos direitos civis, e outros 14 homens também negros tinham sido iniciados na britânica Military Lodge, n.º 441. Após a saída do exército britânico de Boston, em 1776, aos maçons negros foi concedida uma dispensa maçónica para operações limitadas como a Loja Africana, n.º 1. Tinham o direito de reunir-se como uma Loja, para participar na procissão maçónica no dia de S. João, e para enterrar os seus mortos com os ritos maçónicos, mas não para conferir graus ou executar outras funções maçónicas. A Grande Loja de Massachussets nunca reconheceu esta Loja, a qual, porém, veio a receber uma carta-patente da Grande Loja Unida de Inglaterra, como sua Loja Africana, n.º 459, emitida em 1784, mas só recebida em 1787.
As Lojas e Grandes Lojas americanas continuavam a não admitir negros nas suas fileiras. Com efeito, devido à vigente regra da unanimidade para novas admissões, bastava um voto contra para impedir a admissão de um candidato. Bastava um elemento racista (que, ainda por cima, não era possível identificar, pois as votações processam-se por voto secreto) para impedir a admissão de um negro, por muito valoroso ou, mesmo, proeminente que ele fosse.
A Loja Africana passou a receber insistentes pedidos de negros para estabelecer lojas filiadas nas respetivas cidades e, conforme os usos da época, serviu de Loja-mãe a novas Lojas de negros em Filadélfia, Providence e Nova Iorque.
Com o tempo, estabeleceram-se lojas Prince Hall qiase em todos os Estados Unidos e constituíram-se Grandes Lojas Prince Hall em 41 Estados (mais Washington DC) daquele país. Não é conhecida a existência de qualquer Loja Prince Hall no Estado de Vermont e, nos oito Estados restantes (Idaho, Maine, Montana, New Hampshire, North Dakota, South Dakota, Utah e Wyoming), as Lojas Prince Hall aí existentes dependem de Grandes Lojas Prince Hall de outros Estados. Porém, até à última década do século passado, as Grandes Lojas mainstream, isto é, as Grandes Lojas tradicionais, constituídas quase exclusivamente por brancos, não reconheciam as suas congéneres Prince Hall, as Grandes Lojas constituídas quase (mas não exclusivamente) por homens negros (ou, como o "politicamente correto" de hoje manda que se diga nos Estados Unidos, por afro-americanos). Desde então, finalmente, pelo menos 41 das 51 Grandes Lojas mainstream reconheceram as suas congéneres Prince Hall nos respetivos Estados (e também algumas ou todas dos outros Estados), tendo também havido entretanto um adicional conjunto de reconhecimentos blanket, isto é, Grandes Lojas reconhecendo todas as Grandes Lojas Prince Hall que tenham sido reconhecidas por outra Grande Loja mainstream. Apenas algumas (10) Grandes Lojas de Estados do Sul resistem ao reconhecimento das suas congéneres Prince Hall.
Esta situação deriva do princípio da independência de cada Grande Loja estadual. Precisamente porque não existe um poder maçónico federal, mas apenas Grandes Lojas Estaduais, independentes entre si, nenhuma Grande Loja se pode imiscuir nos assuntos internos das outras. Daí que o anacronismo de um serôdio racismo ainda imperando em alguns Estados do Sul dos Estados Unidos ainda permaneça. Mas, se a independência de cada Grande Loja possibilita este anacronismo, também a força da censura e do exemplo das restantes vai fazendo o seu caminho: paulatinamente o número das Grandes Lojas que resistem ao reconhecimento das suas congéneres Prince Hall vai diminuindo e espero que não esteja distanmte o dia em que o anacronismo cesse de vez.
Num país ainda não inteiramente liberto do aguilhão do racismo, em que a eleição do seu primeiro Presidente negro (ou afro-americano...) foi um evento para muitos impensável, a Maçonaria comunga das virtudes e dos defeitos das sociedades em que se insere.
Fontes:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Prince_Hall
http://sosml68.weebly.com/prince-hall-recognition.html
http://bessel.org/glspha.htm
http://bessel.org/masrec/phachart.htm
Rui Bandeira
Não existe, assim, um Poder maçónico federal, correspondente ao Poder federal americano. Cada Grande Loja atua ao nível do seu Estado - e é tudo. E cada Grande Loja não interfere nas competências e atribuições das outras Grandes Lojas. Para o bem e para o mal!
A independência recíproca das Grandes Lojas e das Lojas americanas quase sempre impediu posições consensuais em relação às grandes questões políticas americanas. Aquando da Guerra Civil americana, as Grandes Lojas estaduais alinhavam-se pelos respetivos Estados. Houve combatentes em ambos os lados da barricada. Albert Pike, um proeminente maçom, autor de uma obra de referência sobre o Rito Escocês Antigo e Aceite, foi um general confederado. No Norte, Abraham Lincoln e Ulysses S. Grant, foram também maçons.
Também na questão racial, a Maçonaria americana institucionalmente não teve - e ainda não tem - uma posição comum. Nos Estados Unidos, a maçonaria foi fundada e implantada por colonos brancos. Durante muito tempo, negros (não apenas os escravos que, logo, não eram homens livres nas suas pessoas) não eram admitidos nas Lojas.
No entanto, já em 6 de março de 1775, antes da Independência americana, Prince Hall, um negro livre, abolicionista e ativista dos direitos civis, e outros 14 homens também negros tinham sido iniciados na britânica Military Lodge, n.º 441. Após a saída do exército britânico de Boston, em 1776, aos maçons negros foi concedida uma dispensa maçónica para operações limitadas como a Loja Africana, n.º 1. Tinham o direito de reunir-se como uma Loja, para participar na procissão maçónica no dia de S. João, e para enterrar os seus mortos com os ritos maçónicos, mas não para conferir graus ou executar outras funções maçónicas. A Grande Loja de Massachussets nunca reconheceu esta Loja, a qual, porém, veio a receber uma carta-patente da Grande Loja Unida de Inglaterra, como sua Loja Africana, n.º 459, emitida em 1784, mas só recebida em 1787.
As Lojas e Grandes Lojas americanas continuavam a não admitir negros nas suas fileiras. Com efeito, devido à vigente regra da unanimidade para novas admissões, bastava um voto contra para impedir a admissão de um candidato. Bastava um elemento racista (que, ainda por cima, não era possível identificar, pois as votações processam-se por voto secreto) para impedir a admissão de um negro, por muito valoroso ou, mesmo, proeminente que ele fosse.
A Loja Africana passou a receber insistentes pedidos de negros para estabelecer lojas filiadas nas respetivas cidades e, conforme os usos da época, serviu de Loja-mãe a novas Lojas de negros em Filadélfia, Providence e Nova Iorque.
Com o tempo, estabeleceram-se lojas Prince Hall qiase em todos os Estados Unidos e constituíram-se Grandes Lojas Prince Hall em 41 Estados (mais Washington DC) daquele país. Não é conhecida a existência de qualquer Loja Prince Hall no Estado de Vermont e, nos oito Estados restantes (Idaho, Maine, Montana, New Hampshire, North Dakota, South Dakota, Utah e Wyoming), as Lojas Prince Hall aí existentes dependem de Grandes Lojas Prince Hall de outros Estados. Porém, até à última década do século passado, as Grandes Lojas mainstream, isto é, as Grandes Lojas tradicionais, constituídas quase exclusivamente por brancos, não reconheciam as suas congéneres Prince Hall, as Grandes Lojas constituídas quase (mas não exclusivamente) por homens negros (ou, como o "politicamente correto" de hoje manda que se diga nos Estados Unidos, por afro-americanos). Desde então, finalmente, pelo menos 41 das 51 Grandes Lojas mainstream reconheceram as suas congéneres Prince Hall nos respetivos Estados (e também algumas ou todas dos outros Estados), tendo também havido entretanto um adicional conjunto de reconhecimentos blanket, isto é, Grandes Lojas reconhecendo todas as Grandes Lojas Prince Hall que tenham sido reconhecidas por outra Grande Loja mainstream. Apenas algumas (10) Grandes Lojas de Estados do Sul resistem ao reconhecimento das suas congéneres Prince Hall.
Esta situação deriva do princípio da independência de cada Grande Loja estadual. Precisamente porque não existe um poder maçónico federal, mas apenas Grandes Lojas Estaduais, independentes entre si, nenhuma Grande Loja se pode imiscuir nos assuntos internos das outras. Daí que o anacronismo de um serôdio racismo ainda imperando em alguns Estados do Sul dos Estados Unidos ainda permaneça. Mas, se a independência de cada Grande Loja possibilita este anacronismo, também a força da censura e do exemplo das restantes vai fazendo o seu caminho: paulatinamente o número das Grandes Lojas que resistem ao reconhecimento das suas congéneres Prince Hall vai diminuindo e espero que não esteja distanmte o dia em que o anacronismo cesse de vez.
Num país ainda não inteiramente liberto do aguilhão do racismo, em que a eleição do seu primeiro Presidente negro (ou afro-americano...) foi um evento para muitos impensável, a Maçonaria comunga das virtudes e dos defeitos das sociedades em que se insere.
Fontes:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Prince_Hall
http://sosml68.weebly.com/prince-hall-recognition.html
http://bessel.org/glspha.htm
http://bessel.org/masrec/phachart.htm
Rui Bandeira
6 comentários:
Pena a maçonaria nacional ter degenerado no manobrismo mafioso das sociedades mutualistas em circuito fechado.
@ joshua:
Importa-se de especificar e concretizar?
Que "maçonaria nacional"? toda? Alguma Obediência em particular?
Que manobrismo (mafioso ou não)? Pode especificar, para se saber se fala de algo que sabe ou se não sabe o que fala?
Respeito todas as opiniões e respeito em absoluto o seu pensamento, mas, à falta de especificação, o que escreveu não passa de uma "boca"...
Um abraço.
Não concordo com o teu coment Joshua. Nem tudo é o que parece e nem todas as pessoas são iguais.
Abraço
A Maçonaria é uma honrada e prezada instituição que vai ao encontro e prática de valores tais como a verdade, a justiça, a união entre os Homens etc...
Tem ao longo dos tempos vindo a ser denegrida e difamada por todos aqueles que nada dela sabem, que nada dela conhecem!E isso intriga-os, leva-os a especular, a dizer da boca para fora mentiras que não viram ou que nunca aconteceram... O Homem é um ser insatisfeito por Natureza, precisa sempre de mais e mais, de justificações, de melhor e quando não busca alguma satisfação vai dar aos demais aquela que lhe convém, aquela que melhor fantasiou! A Maçonaria por opção e em defesa dos seu próprios ideias mantém em segredo as suas práticas, os seus costumes, as suas identidades! O que com isto não quer dizer que se escondam de forma proveitosa atrás do poder, das máfias entre muitas outras coisas que por aí se apontam a esta instituição! Mantém sim o segredo, Afim de preservar aquilo que muitos gostariam de ver destruído! E ainda há muitos sítios onde é perigoso se ser Maçom!
Consciente do risco de tomar o todo pela parte, indago: de que é formado o corpo maçônico senão por "Homens"?
Os sublimes valores habitam o campo do ideal. O maçom justo e perfeito é a configuração do arquétipo, do ser exemplar, ao qual os que empreendem com esforço esta senda, miram.
E a estes Homens - os imperfeitos que buscam o aperfeiçoamento, os fracos que fortificam-se na lida diária e buscam mesmo dentro de seus limites o amparo aos menos capacitados, os intolerantes, os impacientes, que desbastam-se lentamente, duramente, mas com a firmeza de caráter que lhes é possível - é que rendo graças.
Aqui venho aprendendo que não há uma maçonaria e sim maçonarias. E que para cada obreiro, revelarar-se-ão mediante o exercício consciente de sua própria vontade em conhecer profundamente: a si, ao próximo, o universo...
Qualquer definição, independente de qual intenção esta revestir(depreciativa, medíocre, superlativa,..) enreda-se em suas limitações naturais de significado/significante. Será a "augusta e sublime ordem" para uns, aquele lugar "onde se reunem os velhinhos a passar o tempo", o "misterioso e inexpugnável antro de conspiradores" para outros, etc.
Para mim um lugar o qual abriga os Homens que admitem o aperfeiçoamento, vos ofertando a oportunidade de trabalho contínuo, sob os auspícios de um das faces do mais puro sentimento: o Amor Fraterno.
À Glória do Grande Arquiteto!
Ryan
"" O que com isto não quer dizer que se escondam de forma proveitosa atrás do poder, das máfias entre muitas outras coisas que por aí se apontam a esta instituição! ""
Sim, é certo mas também faz com que aqueles que são mafiosos, usem do secretismo que a envolve e se protejam com ele, usando-o a seu favor.
È aqui que a maçonaria peca em não ditar muitas vezes a sua expulsão, sendo depois, claro está, atingida como um todo.
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