04 julho 2011

Bem comum e liberdades individuais



Li hoje uma notícia sobre um "motoqueiro" de 55 anos que, de cima da sua Harley, protestava contra a lei que passava a obrigar ao uso do capacete. Enquanto o fazia teve que fazer uma travagem brusca, foi lançado sobre o guiador, caiu de cabeça e, como não usava capacete... morreu.

Uma vez mais se me colocou esta questão: até onde pode, ou deve, a sociedade regular as liberdades individuais? Dever-se-á deixar ao juízo (ou falta dele...) de cada um o uso de capacete? E se o motoqueiro for um pai de família, que depende dele para o seu sustento? E se for uma pessoa com um cancro em fase terminal? E se do acidente decorrerem custos de tratamento enormes, pagos por todos os contribuintes - muitos dos quais até teriam votado a obrigatoriedade do uso do capacete?

O consumo de drogas deve ser liberalizado? E a condução sob a influência de drogas? E conduzir zangado? Se uma Testemunha de Jeová (religião que proíbe as transfusões de sangue) se apresentar inconsciente num hospital em consequência de um acidente, deverá o médico de serviço deixá-la morrer por falta de uma transfusão, ou salvar-lhe a vida recorrendo a algo que a sua religião proíbe, quando não haja tratamento alternativo? E se a pessoa estiver consciente e recusar a transfusão? E se for o filho pequenino dessa pessoa que esteja doente, e ela peça aos médicos que antes deixem o filho morrer do que lhe dêem uma transfusão?

Até que ponto podemos ou devemos sacrificar o indivíduo ao bem comum? Ou o bem comum ao indivíduo? Há séculos que estas questões se discutem. E há séculos que ficam sem resposta - ou pelo menos sem uma resposta categórica, uma vez que recebem respostas diferentes, cada uma fundamentada sobre distintas premissas. Não é, porém, por se saber a priori que não há uma resposta universal que deve deixar de se discutir estas questões. É importante que cada um tenha as suas próprias respostas, mesmo que estas sejam diferentes das daqueles que o rodeiam. E se não é essencial que todos afinem pelo mesmo diapasão, é desejável que todos tenham consciência da diversidade de respostas, e de que há pelo menos alguma legitimidade nessa diversidade.

Assim sucede - ou deve suceder - numa loja maçónica. Não é importante que todos pensem igual; pelo contrário, é bom que pensem diferente, para que todos tenham a oportunidade de aprender, desde cedo, o  respeito pelas ideias com que não se identificam.

Paulo M.

5 comentários:

Nuno Raimundo disse...

Boas...
É através de uma sã oposição de opostos que frui num debate, que se pode chegar a conclusões que servirão ambas as partes intervenientes.
Não se trata de convencer ou submeter outrém; antes sim ,de tolerar e aceitar opinião contrária à opinião pessoal.
E nesse aspeto a Maçonaria tem um claro papel na mudança de mentalidades que desde o chamado "Século das Luzes" até aos tempos contemporâneos em que vivemos.
Graças à sua ação na "mudança" de mentalidades, se pode hoje em dia fazer e debater as questões que o Paulo fez. As respostas só o tempo as poderá as dar...

TAF

JPA disse...

Olá;
Existe uma Lei regente. Podemos não concordar, mas temos que cumprir.

Cumprimentos
JPa

Paulo M. disse...

@JPA: É verdade que quando "Existe uma lei regente" esta deve ser cumprida; no entanto, as minhas questões de hoje pretendem ser prévias à lei, ser aquilo que levou a que a lei existisse; por isso questionei se a sociedade deveria fazer isto ou aquilo.

Quando a lei é injusta, ou errada, deve mudar-se - sempre dentro das regras da democracia e no respeito do ordenamento jurídico do país.

Um abraço,
Paulo M.

D.Lucas Barbosa disse...

Seus textos são ótimos para idéias que podem e devem ser levadas em loja. Em nossa loja Estrela ocidental 144 GL, trabalhamos pela valorização do aprendiz e para isso levo textos como este.
Aceitar opiniões e de suma importância, claro respeitando a de cada um o livre arbítrio.
Abraços
D.Lucas Barbosa

Joe Ricolli disse...

Como em grande parte dos assuntos de ordem filosófica a reflexão deve ser simplificada e neste caso existe uma velha máxima que se aplica aqui como uma luva feita à medida, é ela "a minha liberdade acaba quando a tua começa", ora é a forma mais simples de se perceber o que se pode ou não fazer. O senhor teria a liberdade de fazer a sua escolha de não usar o capacete, mas pertencendo a uma sociedade as suas liberdades neste assunto estão limitadas por ela mesmo. Ele poderia não usar o capacete de forma legitima (em questão de liberdade) se não pusesse em causa qualquer tipo de liberdade de alguém, ou seja obrigar alguém a fazer o mesmo. Quanto aos impostos, nós temos a escolha de os pagar ou não e quando escolhe-mos pagar esta-mos consciente que vai ser usado de formas mais ou, menos boas, portanto penso que não será valido. Quanto à familia, ele ao fazer uma escolha está a valorizar mais uma coisa que outra. Neste caso, ele valorizou mais a liberdade de escolha dele, à sua família, pode não ter sido algo bem pensado, mas a verdade é que o fez, e portanto a sua família terá que viver com a escolha que ele fez como ele teve que viver com a escolha que a sua família fez, é uma questão de valorização que por muito que se tente é impossível de estrangular. Quanto ao filho doente de um Jeová, o pai nunca poderá condicionar a transferência de sangue ao filho (penso que isto é dito de alguma forma na bíblia) mas sim o filho terá que decidir o seu destino.Caso seja uma pequena criança, o pai terá que aceitar, pois a criança ainda não aceitou a religião e portanto o pai por muito que esteja contra nunca poderá atentar contra o direito à vida de seu filho, se o fizer estará a cometer um crime perante os direitos da criança (direito à vida). Quanto ao médico, não nos pode-mos esquecer que ele está condicionado à liberdade de escolha de quem trata, portanto nunca poderá obrigar ninguém a ser tratado, sem que viole os direitos do paciente.
Se algo estiver errado peço, com todo o agrado que me corrijam.